Open-access Desigualdades de cor/raça na disponibilidade de instalações para a prática de atividades físicas e esportes nas escolas públicas de educação básica do Brasil

Color/race inequalities in the availability of facilities for physical activities and sports in public elementary schools in Brazil

Desigualdades de color/raza en la disponibilidad de instalaciones para la práctica de actividades físicas y deportivas en escuelas públicas de educación básica en Brasil

RESUMO

O objetivo deste estudo ecológico foi estimar desigualdades nas instalações para atividades físicas e esportes (AF) nas escolas públicas de Educação Básica brasileiras (n=70.276), conforme a proporção de matrículas de estudantes autodeclarados negros. Os resultados mostraram que escolas urbanas e rurais com maior proporção de matrículas de estudantes negros (≥60%) apresentaram menos pátio descoberto, quadra coberta e descoberta, parque infantil, estúdio de dança e materiais para a prática desportiva e recreação. Essas desigualdades são traços do racismo, que é estruturante na sociedade brasileira e é institucionalizado na oferta de condições desfavoráveis ao engajamento em AF nas escolas públicas que atendem um maior número de alunos pretos e pardos.

Palavras-chave:  Instalações esportivas e recreacionais; Iniquidade étnica; Racismo

ABSTRACT

The aim of this study was to estimate inequality in physical activity and sports facilities at Brazilian public elementary schools, according to percent of self-reported black students. Our results showed that schools from urban or rural areas with a higher percentage of enrollments of self-reported black students (≥60%) presented fewer outdoor courtyards, sport court indoor and outdoor, playgrounds, dance studios, and materials for sports and recreation. These inequalities are a feature of racism, which is structural in Brazilian society and institutionalized in unfavorable conditions for engaging in physical activity and sports at public elementary schools where there is a higher number of black students.

Keywords:  Sports and recreational facilities; Ethnic inequality; Racism

RESUMEN

Este estudio ecológico tuvo como objetivo estimar las desigualdades en las instalaciones para actividades físicas y deportivas (AF) en las escuelas públicas brasileñas de Educación Básica (n=70.276), según la proporción de matrículas de alumnos que se declararon negros. Los resultados mostraron que las escuelas urbanas y rurales con mayor proporción de matrículas de estudiantes negros (≥60%) tenían menos patio al aire libre, canchas interiores y exteriores, parques infantiles, estudios de danza y materiales para deportes y recreación. Esas desigualdades son rasgos del racismo, que es estructural en la sociedad brasileña y está institucionalizado al ofrecer condiciones desfavorables para la práctica de AF en las escuelas públicas que atienden a un mayor número de alumnos negros y pardos.

Palabras-clave:  Instalaciones deportivas y recreativas; Desigualdad étnica; Racismo

INTRODUÇÃO

A prática de atividades físicas e esportes durante a infância e adolescência desempenha papel essencial no desenvolvimento das habilidades motoras (Dapp et al., 2021) e gera benefícios para a saúde cardiovascular, óssea e muscular, manutenção do peso saudável, cognição, saúde mental, humor, sono e desempenho acadêmico (Chaput et al., 2020; Guthold et al., 2020; Umpierre et al., 2022; WHO, 2018). Para alcançar esses benefícios, recomenda-se que crianças e adolescentes de cinco a 17 anos acumulem uma média de 60 minutos diários de atividades de intensidade moderada a vigorosa (AFMV) durante a semana, sobretudo em atividades aeróbicas. Ao mesmo tempo, devem limitar o tempo gasto com comportamentos sedentários, especialmente a exposição a dispositivos de telas no momento do lazer (WHO, 2020).

Todavia, globalmente, 81% dos adolescentes são insuficientemente ativos (Guthold et al., 2020). No Brasil, 83,6% dos jovens não alcançam a recomendação diária de AFMV (Guthold et al., 2020). Com base nesses dados, a Organização Mundial da Saúde recomenda implantar políticas de promoção da atividade física, incluindo melhorias do acesso aos espaços públicos ao ar livre, na infraestrutura e segurança no tráfego para promoção do deslocamento ativo, oferta de programas de esportes e jogos ativos e a promoção da atividade física na escola (WHO, 2018), que é um espaço importante para os jovens participarem de atividades físicas e esportes. Pesquisas indicam que instalações escolares adequadas, como campos e quadras esportivas, promovem maior engajamento dos escolares nas atividades físicas (Lo et al., 2017; Peralta et al., 2020; Rezende et al., 2015).

Além dos atributos do ambiente construído, uma variedade considerável de fatores influencia a atividade física de crianças e adolescentes, incluindo idade, sexo, autoestima, local de residência, influências de colegas, estilos parentais, status socioeconômico e disparidades étnicas (Peralta et al., 2020). Crianças de baixo nível socioeconômico, incluindo aquelas de minorias raciais/étnicas e famílias de baixa renda, são menos propensas a frequentar uma escola com uma área recreativa adequada (Jacobs et al., 2019), um dado que ilustra a influência do racismo na organização das instituições.

O racismo é definido por Almeida (2018) como estrutural, porque se relaciona aos modos de organização cultural, ideológico, político, jurídico e econômico da sociedade, expressando-se desde as miudezas das relações sociais até ser transformado em desigualdade nas instituições. Desse modo, grupos populacionais específicos são desvalorizados e subalternizados de acordo com características étnicas, ao passo que grupos étnicos dominantes têm privilégios.

No Brasil, a população negra, constituída pelas pessoas pretas e pardas (Petruccelli e Saboia, 2013), apresenta uma história de exclusão social e condições econômicas desfavoráveis ao pleno exercício de seus potenciais. Além disso, há grandes desvantagens em relação aos brancos em diferentes desfechos relacionados à saúde, como mortalidade infantil, razão de mortalidade materna, doenças infecciosas, doenças crônicas e comportamentos de risco para a saúde (Chor e Lima, 2005). Essas desvantagens têm substancial importância também como determinantes do acesso à educação e à prática de atividades físicas e esportes (Peralta et al., 2020).

Desigualdades na estrutura para a prática de atividades físicas e esportes nas escolas brasileiras ocorrem em relação à presença de pátios, quadras de esportes e disponibilidade de materiais esportivos, com piores condições nas escolas do Norte e Nordeste do país (Peralta et al., 2020). Porém, é pouco conhecido como essas desigualdades se manifestam quando escolas com maior número de matrículas de jovens pretos e pardos são comparadas às de menor número. Assim, este estudo tem o objetivo de identificar prevalência e desigualdades de cor/raça na disponibilidade de instalações e materiais para a participação em atividades físicas e esportes nas escolas públicas de educação básica do Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este é um estudo descritivo do tipo ecológico, baseado em dados de acesso público do Censo Escolar de 2021, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (microdados da educação básica de 2021 obtidos em INEP, 2023). O Censo Escolar é o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e a mais importante pesquisa estatística educacional brasileira, realizado em regime de colaboração com as secretarias de educação estaduais e municipais e com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país (n = 97.760 em 2021). A pesquisa abrange as diferentes etapas e modalidades da educação básica e profissional (Ensino regular: educação infantil, ensino fundamental e médio; Educação especial: escolas e classes especiais; Educação de Jovens e Adultos; Educação profissional: cursos técnicos e cursos de formação inicial continuada ou qualificação profissional). As informações foram declaradas pelos diretores e dirigentes dos estabelecimentos de ensino. No presente estudo, apenas dados de escolas públicas (federais, estaduais e municipais) de Ensino regular, com oferta de matrículas na educação infantil, ensino fundamental e médio, foram analisados.

Infraestrutura para prática de atividades físicas e esportes na escola

As instalações para a prática de atividades físicas e esportes descritas no atual estudo abrangem as dependências existentes e utilizadas nas escolas (pátio descoberto, quadra coberta, quadra descoberta, parque infantil, estúdio de dança) e a disponibilidade de materiais esportivos e de recreação. Estúdio de dança incluiu as Salas Multiuso, utilizadas para artes, música e dança. Esses equipamentos correspondem ao grupo de itens sobre a caracterização da infraestrutura da escola (questão 39) do questionário do Censo Escolar (INEP, 2023).

Análise dos dados

Os dados foram analisados de acordo com a macrorregião econômica (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), localização (Urbana e Rural) e a proporção de matrículas de alunos pretos e pardos (%Negros: calculada, para cada escola, pelo quociente entre a quantidade de matrículas de alunos pretos e pardos na educação infantil, ensino fundamental e médio e o total de matrículas nessas etapas de ensino).

O %Negros foi categorizado em quartis (Q1: ≤ 14%, Q2: 15% - 33%, Q3: 34% - 59% e Q4: ≥ 60%), o primeiro representando as escolas com menor quantidade de matrículas de jovens pretos e pardos e, o último as escolas com maior quantidade. Frequências absolutas e relativas foram adotadas para a apresentação dos dados. A análise da associação entre %Negros e as prevalências de pátio descoberto, quadra coberta, quadra descoberta, parque infantil, estúdio de dança e disponibilidade de materiais para a prática desportiva e recreação foi conduzida empregando-se Regressão de Poisson múltipla, para estimação de Razões de Prevalência (RP) e Intervalos de 95% de Confiança (IC95%), tendo o Q4 de %Negros como referência. Os modelos foram ajustados pelo percentual de matrículas de alunos sem cor/raça declarada. Adotou-se o valor de p<0,05 como critério de avaliação da significância estatística. Equiplots foram gerados para analisar as desigualdades nas instalações em termos de valores absolutos (EQUIPLOT, 2023). Diferenças absolutas entre as prevalências de instalações para a prática de atividades físicas e esportes entre as escolas com menor quantidade de matrículas de jovens pretos e pardos (Q1≤14%) e com maior quantidade (Q4≥60%) foram calculadas em pontos percentuais (p.p.).

RESULTADOS

Em 2021, foram recenseadas no Brasil 70.276 escolas públicas de Ensino regular (74,9% na zona urbana) ofertando vagas na educação básica. Foram excluídas das análises as escolas que não apresentaram dados completos sobre a quantidade de matrículas na educação básica (766 exclusões). A taxa de alunos sem cor/raça declarada foi de 27,8%. A Tabela 1 e Tabela 2 apresentam as distribuições das escolas entre as macrorregiões brasileiras, da zona urbana e rural, respectivamente. Os maiores percentuais de escolas com %Negros≥60% foram observadas na região Nordeste, tanto na zona urbana (Tabela 1) quanto rural (Tabela 2). Por outro lado, os maiores percentuais de escolas com %Negros≤14% ocorreram nas regiões Sudeste e Sul, sobretudo na zona rural (Tabela 2).

Tabela 1
Disponibilidade de instalações para atividades físicas e esportes nas escolas públicas urbanas de Educação Básica (Brasil e Grandes Regiões).
Tabela 2
Disponibilidade de instalações para atividades físicas e esportes nas escolas públicas rurais de Educação Básica (Brasil e Grandes Regiões).

Instalações para atividades físicas e esportes nas escolas da zona urbana

Pátio descoberto foi a instalação mais presente nas escolas da zona urbana, sobretudo na região Sul, onde a disponibilidade de materiais para a prática esportiva e recreação também foi a maior do país. Menos que a metade das escolas dispunha de quadra esportiva coberta, dado observado em todas as macrorregiões, mas com as menores prevalências na região Nordeste. Parque infantil e quadra esportiva descoberta estavam presentes em 34% e em 18,4% das escolas do Brasil, respectivamente, com maiores prevalências na região Sul e menores na região Norte e Nordeste. Estúdio de dança foi a instalação com menor prevalência nas escolas de todas as macrorregiões (Tabela 1).

Instalações para atividades físicas e esportes nas escolas da zona rural

Nas escolas da zona rural, as da região Sul apresentaram maiores prevalências de pátio descoberto, quadra esportiva coberta, parque infantil, estúdio de dança e materiais para a prática desportiva e recreação. Nas regiões Norte e Nordeste foram observadas as menores prevalências de todas as instalações analisadas. Maiores prevalências de materiais esportivos e de recreação foram observadas nas regiões Sul e Centro-Oeste e a menor, no Nordeste. De modo geral, as escolas da zona rural apresentaram menores prevalências de todas as instalações em comparação com as da zona urbana (Tabela 2).

Desigualdades nas instalações para atividades físicas e esportes

Nos dados agregados do Brasil, escolas urbanas (Tabela 3) e rurais (Tabela 4) com %Negros ≤14% exibiram maiores prevalências de pátio descoberto, quadra coberta, quadra descoberta, parque infantil, estúdio de dança e disponibilidade de materiais para a prática desportiva e recreação, quando comparadas às de %Negros ≥60%. Não houve diferença para presença de estúdio de dança. As maiores diferenças absolutas entre escolas com %Negros ≤14% e com %Negros ≥60% foram observadas para parque infantil, alcançando 32,9 p.p. e 17,7 p.p. em escolas urbanas e rurais, respectivamente. Desigualdades pronunciadas também foram notadas para pátio descoberto e para a disponibilidade de materiais para a prática desportiva e recreação nas escolas urbanas e rurais, cujas diferenças absolutas entre escolas com %Negros ≤14% e com %Negros ≥60% variaram entre 13 p.p. e 16,6 p.p. (Figura 1).

Tabela 3
Associação entre a proporção de matrículas de estudantes autodeclarados pretos e pardos e a disponibilidade de instalações para atividades físicas e esportes nas escolas públicas urbanas de Educação Básica brasileiras, conforme as Grandes Regiões do país.
Tabela 4
Associação entre a proporção de matrículas de estudantes autodeclarados pretos e pardos e a disponibilidade de instalações para atividades físicas e esportes nas escolas públicas rurais de Educação Básica brasileiras, conforme as Grandes Regiões do país.
Figura 1
Equiplot mostrando as prevalências de Parque infantil, Quadra esportiva coberta, Quadra esportiva descoberta, Pátio descoberto, Estúdio de dança e Materiais esportivos/recreação por quartis de taxa de matrículas de alunos pretos e pardos ordenados em ordem crescente. *Inclui Salas Multiuso.

Entre as macrorregiões, desigualdades estatisticamente significativas nas instalações para atividades físicas e esportivas, em valores relativos, foram observadas nas escolas localizadas na zona urbana e rural da região Norte, Nordeste e Sudeste, com relação a pátio descoberto, quadra coberta, quadra descoberta, parque infantil, estúdio de dança e materiais para prática esportiva e recreação.

No Norte, escolas da zona urbana com %Negros ≤14% exibiram maiores prevalências de pátio descoberto, parque infantil, estúdio de dança e materiais para a prática esportiva e recreação, quando comparadas àquelas com %Negros≥60%. Entretanto, a prevalência de quadra esportiva descoberta foi menor nas escolas com %Negros≤14%, comparadas às de %Negros≥60%. Ao ter em conta as diferenças absolutas, a prevalência de parque infantil nas escolas urbanas com %Negros≥60% da região Norte foi quase 10 p.p. menor, em comparação com aquelas de %Negros≤14%. Por outro lado, a disponibilidade de materiais para a prática desportiva e recreação foi cerca de 16 p.p. maior.

No Nordeste, apenas a prevalência de parque infantil foi maior nas escolas do primeiro quartil de %Negros, quando comparadas àquelas do quarto quartil, com uma diferença absoluta de cerca de 16 p.p. e de 2,1 p.p nas escolas localizadas na zona urbana e rural, respectivamente. Mas, a associação entre %Negros e a prevalência de quadra descoberta foi inversa.

Na região Centro-Oeste, apenas as escolas com %Negros≤14% localizadas na zona rural apresentaram maior prevalência de parque infantil do que aquelas com %Negros≥60%. No Sudeste, escolas urbanas e rurais com %Negros≤14% exibiram maiores prevalências de quadra esportiva coberta e descoberta, parque infantil (dif. absoluta de 17 p.p.) e materiais para a prática esportiva e recreação (dif. absoluta de 14 p.p.), quando comparadas àquelas com %Negros≥60%.

Na região Sul, não foram observadas desigualdades relativas estatisticamente significativas para nenhuma das instalações na comparação entre escolas com %Negros≤14% e %Negros≥60%, tanto na zona urbana quanto rural. Todavia, as diferenças absolutas mais pronunciadas na presença de instalações foram observadas nessa região do país, com destaque para parque infantil (cerca de 29 p.p. e 25 p.p. mais presentes em escolas urbanas e rurais do primeiro quartil de %Negros, respectivamente) e quadra esportiva coberta (cerca de 29 p.p. mais presentes nas escolas rurais com %Negros≤14%).

DISCUSSÃO

Até onde sabemos, nosso estudo é o primeiro a analisar desigualdades de cor/raça na disponibilidade de instalações para a prática de atividades físicas e esportes em escolas públicas brasileiras, com base em dados censitários nacionais. Além disso, foram utilizadas estratégias diversificadas para estimar a desigualdade absoluta e relativa.

De maneira geral, estúdio de dança foi o tipo de instalação menos presente em todas as escolas do país. Com relação às desigualdades de cor/raça, as escolas com a maior proporção de estudantes negros estavam menos equipadas com pátio descoberto, quadra coberta e descoberta, parque infantil, estúdio de dança e salas multiuso, e materiais para a prática desportiva e recreação.

A ausência de estúdios de dança e de salas multiuso - adequadas para o ensino da dança e outras artes - nas escolas brasileiras pode ser reflexo do atraso em se estabelecer um ordenamento legal incluindo a dança como uma das linguagens artísticas a serem contempladas no disposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Brasil, 1996), em seu Artigo 26, §2º, sobre a obrigatoriedade do ensino da arte na educação básica, como componente curricular, especialmente em suas expressões regionais. Nesse ínterim, a LDB só especificou que a dança é uma das linguagens que devem constituir tal componente curricular em 2016, a partir da modificação do §6 do Artigo 26, redação dada pela Lei nº 13.278, de 2016.

Passados 27 anos da promulgação da LDB, ainda são grandes os desafios da educação no Brasil, sobretudo com relação às desigualdades regionais, restrição no acesso às creches, acesso insuficiente ao ensino médio, qualidade do ensino, recursos e financiamento, e investimento em tecnologia e inovação (UNESCO, 2022). Esses desafios parecem maiores para a implementação do ensino da dança nas escolas, já que ela só foi reconhecida como uma linguagem a ser contemplada no ensino obrigatório da arte após 20 anos da promulgação da LDB.

Se nossos achados corroboram estudos prévios que mostraram pior infraestrutura esportiva nas escolas das regiões Norte e Nordeste (Peralta et al., 2020), eles também expõem as marcantes desigualdades na infraestrutura para atividades físicas e esportivas nas escolas públicas brasileiras de Educação Básica que atendem majoritariamente estudantes pretos e pardos, tanto na zona urbana quanto na zona rural do país. Essas desigualdades são traços do racismo, que é estrutural na sociedade brasileira (Almeida, 2018) e é institucionalizado na oferta de condições desfavoráveis à educação das pessoas negras.

A estruturação da sociedade brasileira conserva as pessoas negras em uma condição subalterna por meio da discriminação e do racismo (Almeida, 2018), o qual é manifestado, dentre outras formas, através da desvantagem no acesso à infraestrutura para a atividade física da escola pública. Assim, o racismo estrutural restringe as possibilidades de alunos pretos e pardos terem experiências efetivas com as atividades físicas e os esportes, podendo gerar prejuízos no desenvolvimento das habilidades necessárias para a adesão a um estilo de vida fisicamente ativo no decorrer da vida que, por sua vez, pode aumentar o risco para desfechos negativos em saúde (Dregan e Gulliford, 2013).

Nossos achados também revelaram que, enquanto menos da metade das escolas localizadas na zona urbana tinham quadra esportiva coberta - com menores frequências observadas na região Nordeste - as escolas da zona rural apresentaram as menores frequências de todas as instalações analisadas, quando comparadas às da zona urbana.

As escolas rurais no Brasil apresentam desvantagens de infraestrutura e disponibilidade de recursos, serviços e insumos básicos, quando comparadas às escolas nas áreas urbanas, e equipamentos como biblioteca, laboratório, microcomputadores e quadras de esporte praticamente não fazem parte da realidade das escolas rurais do país (Andrade e Rodrigues, 2020). Esse panorama é reflexo das desigualdades econômicas e sociais entre as regiões e pode ser agravado pela descentralização das políticas educacionais no país e pela alocação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), já que as localidades com maior capacidade financeira, de arrecadação e de gestão ampliam a sua distância das localidades mais pobres, apesar dos valores complementares ao Fundeb transferidos pela União (Encinas e Duenhas, 2020).

Entre as barreiras identificadas para adolescentes de áreas rurais se envolverem em atividades físicas, a falta de um local adequado para a prática ganha destaque ao lado das condições climáticas e da falta de tempo (Müller e Silva, 2013). Além disso, a baixa renda (Parks et al., 2003), menor densidade populacional e as maiores distâncias a serem percorridas até as instalações para atividade física nas áreas rurais (Gustat et al., 2020) também são fatores que levam à maior dificuldade de atendimento às recomendações de atividade física entre moradores de áreas rurais.

No Brasil, estudo realizado em escolas rurais de um município da região Sul do país mostrou que 45% dos adolescentes não atingiam a recomendação de atividade física (Raphaelli et al., 2011). Todavia, não é possível assegurar que existem diferenças consistentes na atividade física de estudantes de áreas rurais e urbanas no Brasil, dado que o principal inquérito nacional realizado com escolares, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, só permite comparações entre capitais e cidades do interior (IBGE, 2016, 2013, 2009).

O presente estudo tem algumas limitações que devem ser comentadas. Inicialmente, a análise agrupou todas as escolas públicas, sem ter em conta potenciais diferenças de infraestrutura de acordo com a dependência administrativa (federal, estadual e municipal). Futuras análises devem incluir também a apreciação da interação entre o percentual de matrículas de estudantes pretos e pardos e o tipo de ocupação da unidade escolar (própria, alugada, cedida), pois escolas funcionando em prédios alugados ou cedidos podem não dispor da infraestrutura adequada para as atividades de ensino, sobretudo para a atividade física. Em adição, os dados analisados compreendem o período de suspensão das aulas em virtude das medidas de controle da pandemia de Covid-19. Nesse período, a aplicação dos recursos da educação diminuiu, em média, 9% nas redes estaduais de ensino e 6% nas redes municipais. A restrição orçamentária pode ter impactado negativamente na infraestrutura das escolas, influenciando de algum modo os achados do atual estudo (Cruz e Monteiro, 2021).

Os pontos fortes do estudo incluem a utilização de dados que cobrem todo o sistema educacional público brasileiro, o que proporciona uma visão abrangente sobre a disponibilidade de instalações e recursos para a atividade física nas escolas de educação básica. As desigualdades encontradas podem dar suporte a intervenções com foco na melhoria da infraestrutura esportiva das escolas. Essas medidas podem auxiliar o alcance do objetivo de reduzir a inatividade física de adolescentes, conforme previsto no Plano de Ação Global para Atividade Física 2018-2030, da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2018).

CONCLUSÕES

Os achados do nosso estudo coadunam a violência do racismo na estrutura escolar, que diminui as possibilidades de experiência efetiva com as atividades físicas e esportivas nas escolas com maior número de alunos pretos e pardos. Trata-se de um processo de inclusão excludente (Bourdieu e Champangne, 2001), pois esta parcela da população, que em dados momentos da história do Brasil não podia ir à escola, passa a frequentá-la numa suposta condição de igualdade. Mas a condição racial é transformada em desigualdade na estrutura da escola, gerando como possíveis impactos menos acesso às práticas de atividades físicas e esportivas no espaço-tempo escolar; menor possibilidade de desenvolver as habilidades necessárias para a adesão a um estilo de vida ativo, nas práticas de lazer e de autocuidado, no decorrer da vida; privação do acesso à reflexão sistematizada sobre os conteúdos da dança, esporte, lutas, jogos e ginástica, que também devem ser pedagogizados no componente curricular Educação Física, segundo a LDB.

Nossos resultados mostraram que há desigualdades de cor/raça na disponibilidade de instalações e recursos para a atividade física nas escolas públicas de Educação Básica no Brasil, com maiores desvantagens observadas nas escolas da zona rural. As desigualdades encontradas mostram, por um lado, que o aporte de recursos destinados à educação pública pode ser insuficiente para a garantia de oferta de boas condições de infraestrutura para as atividades físicas e os esportes nas escolas da Educação Básica. Por outro lado, denunciam as desigualdades geradas pelo próprio Estado brasileiro, deliberadamente ou não, e que reforçam o processo de desvalorização e subalternização das pessoas negras que frequentam as escolas públicas. Esse panorama é pano de fundo para a mobilização social e para a formulação e implementação de políticas públicas com a finalidade de solucionar as desigualdades na oferta de instalações esportivas na educação pública brasileira.

  • FINANCIAMENTO
    Lara Daniele Matos dos Santos Araujo e Mayva Mayana Ferreira Schrann são apoiadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) com bolsa de mestrado (processo CAPES: 88887.703092/2022-00 e processo CAPES: 88887.687171/2022-00 respectivamente). Raphael Henrique Oliveira Araujo é apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) com bolsa de doutorado (processo CAPES: 88887.605034/2021-00).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2023
  • Aceito
    03 Out 2023
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