RESUMO
Pretendemos, neste artigo, comparar as obras de Hélio Oiticica e Rubem Valentim, em busca de similitudes e diferenças entre elas. Sugerimos e exploramos, a partir dessa comparação, a ideia de que Valentim seria crítico ao tropicalismo de Oiticica. Ademais, aventamos, tendo em vista os trabalhos de ambos, a existência de dois caminhos para a antropofagia na arte brasileira.
PALAVRAS-CHAVE:
Rubem Valentim; Hélio Oiticica; tropicalismo; riscadura brasileira; antropofagia
ABSTRACT
In this article, we intend to compare the works of Hélio Oiticica and Rubem Valentim, looking for similarities and differences between them. We suggest and explore, from this comparison, the idea that Valentim would be critical of Oiticica’s tropicalism. Furthermore, we indicate, considering their work, that there are two paths to anthropophagy in Brazilian art.
KEYWORDS:
Rubem Valentim; Hélio Oiticica; tropicalism; Brazilian scratch; anthropophagy
INTRODUÇÃO
Certa feita, o crítico e curador Teixeira Coelho disse o seguinte a respeito da arte de Hélio Oiticica e Lygia Clark, identificados com o tropicalismo:
Por hábito cultural, a Semana de Arte de 22 costuma ser vinculada ao surgimento da arte realmente brasileira. De passagem, não o é para o cenário internacional da arte. Os manuais internacionais, assinados por desconhecidos ou estrelas como Hal Foster e Rosalinda Krauss, ignoram a semana: para muitos deles, a arte brasileira só começa com Lygia Clark e Hélio Oiticica. (Teixeira Coelho, 2012Teixeira Coelho, José. “22 e o final (feliz) da arte brasileira”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 11/02/2012, p. S8., grifos nossos)
Seguindo o raciocínio, Coelho argumenta que, desde o final do século XX, os departamentos de artes do hemisfério Norte passaram a olhar, em um movimento de revisionismo crítico, com mais acuidade para as chamadas vanguardas latino-americanas, de modo que estas passaram a ser entendidas como produções artísticas importantes e não como apenas decalques das vanguardas artísticas europeias e norte-americanas. Assim, a invenção que coube ao Brasil na Divisão Internacional do Trabalho Cultural foi a “de uma História da Arte Brasileira que Começa e se Condensa (e Talvez se Esgote) em Lygia Clark e Hélio Oiticica, outro estrabismo da ótica global às vezes replicado pela brasileira” (Teixeira Coelho, 2012Teixeira Coelho, José. “22 e o final (feliz) da arte brasileira”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 11/02/2012, p. S8.).
Em chave analítica diversa, Rodrigo Naves notará algo parecido na recepção internacional de Oiticica e Clark. De acordo com Naves, a distinção e a discussão entre arte moderna e contemporânea são extensas; contudo, um traço diferenciador comum na contenda é a “defesa, por críticos e artistas contemporâneos, de uma extrema aproximação entre arte e vida, num movimento que em tudo se oporia à reivindicação moderna de autonomia da arte” (Naves, 2007Naves, Rodrigo. “Um azar histórico: sobre a recepção das obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark”. In: O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 192-223., p. 202). Ainda seguindo o raciocínio de Naves, desde o fim dos anos 1960, Pop Art, minimalismo, Arte Povera, happenings e Neoexpressionismo se concentraram nessa aproximação entre arte e vida. Nesse ínterim, foi-se construindo um ideário contrário ao chamado formalismo da arte moderna e sua defesa da autonomia formal da obra. É essa constelação de preocupações, críticas e obras que teria dado notoriedade espantosa aos trabalhos de Clark e Oiticica:
De fato, esses dois grandes artistas vinham levantando questões dessa ordem desde a década de 1960 - simultaneamente portanto às vanguardas europeias e norte-americanas -, embora a direção que seus trabalhos assumissem adviesse de uma tradição estritamente moderna - nomeadamente, o construtivismo - e portanto absolutamente diversa da posição daqueles artistas europeus e norte-americanos que mais ou menos no mesmo período buscavam superar questões que, a seu ver, tornavam o projeto moderno limitante e conservador. E não custa lembrar que a atenção que europeus e norte-americanos passaram a dedicar às obras dos dois brasileiros a partir dos anos 1980 […] derivava gradativamente de uma atitude politicamente correta (hélas!) que por tabela terminou por impregnar o multiculturalismo, com sua condescendente atenção para os pobres irmãos do Sul. (Naves, 2007Naves, Rodrigo. “Um azar histórico: sobre a recepção das obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark”. In: O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 192-223., p. 206, grifos do autor)
Sem entrar diretamente na polêmica aberta, de formas distintas, por Naves e Teixeira Coelho com os críticos estrangeiros dos artistas visuais tropicalistas, é notável a força gravitacional exercida pelas obras desse período de Oiticica e Clark no cenário da arte brasileira produzida no século XX, tanto de forma retrospectiva quanto prospectiva. Assim, não apenas a feitura das artes passou a ter esses artistas como pedra de toque, como também o próprio campo da crítica teve de se remontar sistematicamente ao seu legado e às linhas de força por eles abertas. Nesse bojo, uma voz interessante que destoa é a de Rubem Valentim.1 1 É interessante notar que Dardashti (2019) aponta que alguns críticos, como Theon Spanudis, conectam — por meio de uma interpretação imprecisa de Valentim como pintor religioso e popular — o artista baiano à Tropicália. Mas o que nos faria crer que ele se contrapunha ao tropicalismo? Um dos principais índices dessa dissonância crítica pode ser encontrado em “Manifesto ainda que tardio”, em que ele diz:
Eu acho que a nação brasileira continua. Por isso trato sempre em termos de povo brasileiro. […] Como dizia Ruy Barbosa […], um povo pode ser dominado economicamente, o seu território pode até ser ocupado pelas armas, mas o que ele não pode fazer é entregar a sua alma, seu sentir, sua poética, sua razão de ser. Se isso acontecer, ele deixará de existir historicamente como Nação, como povo. Assim, eu acho que no Brasil, hoje, temos de defender nossa alma. É o que faço, transpondo todo esse sentir, essa poética, para uma linguagem contemporânea, evitando cair nas coisas caricatas, nos “tropicalismos”, no nefando kitsch, como tantos outros artistas brasileiros. (Valentim, 2018Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50.b [1976], p. 134, grifos nossos)
Vê-se, na passagem selecionada, que o artista baiano grafou “tropicalismos”. O plural e as aspas poderiam dar um sentido genérico ao termo, como se estivesse se referindo a qualquer prática de exotização que apele para elementos supostamente próprios e inerentes a um país tropical. A nossa hipótese, porém, é a de que Valentim, na verdade, se contraporia ao tropicalismo tanto em seu sentido lato - isto é, como forma de exotização da identidade cultural e nacional brasileira a partir de elementos teoricamente característicos dos trópicos e de sua sociabilidade - quanto strictu - ou seja, como movimento organizado de artistas e produções artísticas, qual seja: a Tropicália -, dado que ambos expressariam uma brasilidade exoticizante estranha ao seu projeto, como ele mesmo dizia, de uma linguagem poética universal e contemporânea (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., p. 132). Para fundamentar nossa hipótese, seguiremos os seguintes passos: a) uma apresentação das críticas de Valentim às artes brasileiras; b) uma exposição do sentido de sua obra; c) uma comparação entre a obra Tropicália, de Oiticica, e a produção de Valentim; e d) uma breve retomada do que foi exposto.
CRÍTICAS DE VALENTIM
De origem pobre, o artista negro e autodidata Rubem Valentim nasceu e passou boa parte da vida em Salvador, na Bahia. Porção considerável de sua obra artística foi realizada entre as décadas de 1950 e de 1980, nas quais ele pôde amadurecer sua produção e desenvolver o que chamou de “riscadura brasileira” (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 133).
De seu percurso artístico, uma das contraposições que mais se apresentam nos ensaios e trabalhos sobre o artista soteropolitano diz respeito ao movimento construtivista (Pedrosa; Oliva, 2018Pedrosa, Adriano. “Rubem Valentim no Masp”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 17-8.; Menezes; Schwarcz, 2018Menezes, Hélio; Schwarcz, Lilia. “Rubem Valentim: arte como síntese”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 87-101.; Mestre, 2018Mestre, Marta. “A encruzilhada de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 117-26.; Fonteles; Barja, 2001Fonteles, Bené; Barja, Wagner. Rubem Valentim: artista da luz. São Paulo: Pinacoteca; Imprensa Oficial, 2001.; Conduru, 2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013.). Oliva (2018Oliva, Fernando. “Arte, política e construção em Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 18-35., p. 18), por exemplo, considera uma visão unilateral de sua obra tentar enquadrá-la à experiência das correntes construtivistas canônicas no eixo Rio-São Paulo, incorrendo num apagamento de sua dimensão ético-política e levando a abordagens que o transformariam ou num artista místico nordestino, portanto distinto das vanguardas supostamente decalcadas do cenário europeu, ou num representante regional do geometrismo construtivista. Tal postura, com certas diferenças entre suas expressões, poderia ser encontrada em trabalhos como o de Aracy Amaral (1977Amaral, Aracy. Projeto construtivo na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro/São Paulo: Museu de Arte Moderna/Pinacoteca do Estado, 1977.), Theon Spanudis (s.d.)Spanudis, Theon. Construtivista brasileiros. [s.l], [s.d]. , Emanoel Araújo (1988Araújo, Emanoel. A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. São Paulo: Tenenge, 1988.) e Walter Zanini (1983Zanini, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Fundação Djalma Guimarães; Instituto Moreira Salles, 1983.). De acordo, ainda, com Frederico Morais (1977______. “Outros construtivos”. In: Amaral, Aracy. Projeto construtivo na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro/São Paulo: Museu de Arte Moderna/Pinacoteca do Estado, 1977, pp. 292-303.), diferentemente de Volpi - outro artista de origem popular e requisitado pelos vanguardistas geométricos como precursor de um Concretismo pátrio -, Valentim teria sido considerado pelos partícipes do movimento Concreto ou Neoconcreto um figurativo ou “um quase primitivo com suas cores berrantes e seu vocabulário originário do candomblé” (Morais, 1977______. “Outros construtivos”. In: Amaral, Aracy. Projeto construtivo na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro/São Paulo: Museu de Arte Moderna/Pinacoteca do Estado, 1977, pp. 292-303., p. 292). Mesmo assim, o próprio Morais dirá que a obra do pintor baiano teria forte rasgo concretista em sua forma pictórica, mesmo à revelia de sua vontade. Insubmissão ao Concretismo que pode ser identificada na seguinte passagem de Valentim:
Nunca fui concreto. Tomei conhecimento do Concretismo através de amizades pessoais com alguns dos seus integrantes. Mas logo percebi, pelo menos entre os paulistas, que o objetivo final de seu trabalho eram os jogos óticos, e isto não me interessava. Meu problema sempre foi conteudístico (a impregnação mística, a tomada de consciência dos valores culturais de meu povo, o sentir brasileiro). Claro, mesmo não tendo participado do Concretismo, percebi entre seus valores a ideia da estrutura, que se adequava ao caráter semiótico de minha pesquisa plástica. Mas posso dizer que sempre fui um construtivo. (Valentim apud Morais, 1977______. “Outros construtivos”. In: Amaral, Aracy. Projeto construtivo na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro/São Paulo: Museu de Arte Moderna/Pinacoteca do Estado, 1977, pp. 292-303., p. 292)2 2 Mário Schenberg (2006 [1977], p. 97), em sentido próximo, argumentará que a arte construtiva brasileira teve contribuições relevantes de artistas de fora do Concretismo e do Neoconcretismo, como Volpi, Arnaldo Ferrari, Maria Leontina e o próprio Rubem Valentim.
Nesse sentido, conforme pontuam Menezes e Schwarcz (2018Menezes, Hélio; Schwarcz, Lilia. “Rubem Valentim: arte como síntese”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 87-101.), ainda que, como no próprio Concretismo, os registros geométricos sejam marcantes na obra de Valentim, eles estão embebidos em significados profundos, baseados nas cores (apenas em certa medida),3 3 A observação a respeito das cores em Valentim deve-se ao apurado comentário de Conduru (2013, p. 55) sobre o tema: “As formas de Valentim não são ilustrativas, não têm fidelidade incondicional a modelos no real. A cor não é naturalista, não corresponde aos códigos cromáticos da umbanda, nem aos das diversas nações do candomblé (kêtu, jeje, angola, mina, tambor do Recife, batuque). A paleta é livre; poderíamos arriscar que é afro-brasileira porque, assim como a pintura de Abdias Nascimento, também remete a certas paletas africanas, com seus choques intensos, gritantes e rebaixados”. nas formas e nas combinações das tradições nordestinas populares e do candomblé, o que o diferenciava sobremaneira dos concretistas (Costa, 2017Costa, Marcus de Lontra. Catálogo da exposição Rubem Valentim: construção e fé. Brasília: Caixa Cultural/Adupla, 2017.). Aqui é possível aproximar Valentim daquilo que Roberto Pontual (1978Pontual, Roberto. América Latina: geometria sensível. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil/GBM, 1978.) chamava de geometria sensível e também de outros artistas latino-americanos importantes, como o uruguaio Joaquín Torres-García (Mestre, 2018Mestre, Marta. “A encruzilhada de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 117-26.; Morais, 2011______. “Construção branca: silêncio”. In: Carrozzo, Stella; Falcão, Thiago. Catálogo da exposição Rubem Valentim. Salvador: Museu de Arte Moderna da Bahia, 2011, p. 15.), que o influenciaram fortemente (Conduru, 2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013.; 2018______. “Tarde, vésper: Rubem Valentim e o tempo”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 53-67.; Dardashti, 2019______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104.; Herkenhoff, 2010______. Pincelada: pintura e método, projeções da década de 50. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2010.; Morais, 2006Morais, Frederico. “A vocação construtiva da arte latino-americana (Mas o caso permanece)”. In: Ferreira, Glória. Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas . Rio de Janeiro: Funarte , 2006, pp. 101-11.; 1977______. “Outros construtivos”. In: Amaral, Aracy. Projeto construtivo na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro/São Paulo: Museu de Arte Moderna/Pinacoteca do Estado, 1977, pp. 292-303.; Valladares, 2018Valladares, Clarival do Prado. “Sobre o pioneirismo de Rubem Valentim na arte semiótica brasileira”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018 [1975], pp. 130-1. [1975]).4 4 É importante ter em mente, como sugerem Mestre (2018), Pontual (1983) e Viñuales (2013), que Torres-García e seu projeto serão uma influência decisiva para artistas da América Latina (principalmente na América do Sul), como Enrique Tábara, Estuardo Maldonado, Edgar Negret e César Paternosto e, dessa forma, influirão nos trabalhos de artistas brasileiros como, além do próprio Valentim, Mário Azevedo, Antonio Manuel e Antonio Dias. Para mais informações a respeito da utopia construtiva universalista de Torres-García, baseada numa arte moderna que se assenta em símbolos metafísicos e geométricos pré-hispânicos, ver: Rommens (2016). O intento dessa geometria sensível era renovar as premissas geométricas da arte abstrata europeia por meio de valores espirituais, místicos e criativos da arte pré-colombiana e pré-hispânica (Mestre, 2018Mestre, Marta. “A encruzilhada de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 117-26.; Pontual, 1983______. “T.G. na atmosfera”. Módulo, Rio de Janeiro, n. 78, v. 2, 1983, pp. 24-32.).5 5 Veja-se a seguinte passagem de um livro de Torres-García (1939, p. 45, tradução nossa): “Queremos, portanto, reintegrar-nos à grande cultura da Indo-América, e em particular à Inca, porque entendemos que, embora a nossa arte deva ser moderna, deve ainda ter uma nuance particular destas latitudes, e que podemos encontrá-la, sim, sob o dilúvio europeu, se soubermos como capturar aquela rara quintessência de nosso solo americano. Se o sol é farto nas nossas composições (INTI), é porque não queremos esquecer a nossa origem. Mas um aviso: não esqueçamos que também estamos no século XX. Não esqueçamos, por outro lado, que a grande crise da arte nos tempos modernos é a falta absoluta de uma fé religiosa”.
Seja como for, com isso o artista baiano pôde construir uma poética visual que, num processo de canibalização, convertia elementos populares em signos geométricos, os quais conformavam um alfabeto visual que transfigurava suas crenças e as tornava linguagem plástica cosmopolita.6 6 Nesse sentido, acreditamos que a crítica de Paulo Sergio Duarte (2006 [1998], p. 130), de que o esforço de toda uma vida de Valentim para “promover o encontro do universo simbólico de religiões afro-brasileiras com a arte abstrata” foi malsucedido, carece de maiores fundamentos. Tal crítica, ao fim e ao cabo, parecer-se-ia mais com um “rechaço” (Conduru, 2013, p. 54) do que com uma análise por parte de Duarte. Não obstante, além do Concretismo, é preciso notar a existência de outros dois alvos das críticas de Valentim.
Em primeiro lugar, o artista baiano, apesar de reconhecer a importância da Semana de 22 e dos artistas modernistas para a construção do que deveria ser brasileiro e o que deveria ser produzido aqui, argumentava que o movimento era por demais caudatário do que era feito no vanguardismo europeu (Valentim, 2018Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50.a [1990], p. 144). Além disso, críticos como Bittencourt (2018Bittencourt, Renata. “Rubem Valentim e o ethos afro-atlântico”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 101-17.), Herkenhoff (1996Herkenhoff, Paulo. “A pedra do raio de Rubem Valentim, Obá-pintor da casa de mãe senhora”. In: Aguilar, Nelson (org.). Catálogo de sala especiais da 23ª Bienal Internacional de São Paulo: salas especiais. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1996, pp. 414-32.), Mestre (2018Mestre, Marta. “A encruzilhada de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 117-26.) e Conduru (2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013.) apontam outra diferença importante entre Valentim e vanguardistas, brasileiros ou não, influenciados pelo chamado primitivismo. Objetam que, enquanto as referências de artistas europeus e americanos às culturas visuais e espirituais originárias são destinadas ao Outro, as figurações e reformulações do artista brasileiro diante das heranças africanas partem de suas experiências e perspectivas. Isso, segundo Bittencourt (2018)Bittencourt, Renata. “Rubem Valentim e o ethos afro-atlântico”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 101-17., tem resultados plásticos, na medida em que as produções de William Baziotes e Adolph Gottlieb - expressionistas abstratos envoltos nessa atmosfera de retorno ao “primitivo” (Craven, 1991Craven, David. “Abstract Expressionism and Third World Art: A Post-Colonial Approach to American Art”. Oxford Art Journal, n. 1. v. 4, 1991, pp. 44-66. ; Douglas; D’Harnoncourt, 1941Douglas, Frederic; D’Harnoncourt, Rene. Indian Art of the United States. Nova York: The Museum of Modern Art, 1941.) - têm um resultado esteticamente menos interessante e menos complexo do que as produções de Valentim.
Em segundo lugar, também em seu “Manifesto ainda que tardio”, Valentim por duas vezes mira o mesmo alvo - mesmo que de forma um pouco esquiva ao não nomear com exatidão seus componentes e ao alternar o singular e o plural em sua designação - quando se opõe às “famigeradas ‘estilizações’ provincianas e o fácil pitoresco que levam a um subkitsch tropicalizado e ao efetivismo subdesenvolvido” (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., p. 133) e quando afirma evitar, em sua obra, “cair nas coisas caricatas, nos ‘tropicalismos’, no nefando kitsch, como tantos outros artistas brasileiros” (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., p. 134). É fato que Valentim já havia criticado o que considerava estilizações pitorescas da miséria e do subdesenvolvimento (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 145), por exemplo, no Movimento de Renovação das Artes na Bahia, e as representações romantizadas de imagens e práticas de candomblé de Mario Cravo Júnior e Carybé (Conduru, 2020Conduru, Roberto. “Índices afro na arte no Brasil nas décadas de 1960 e 1970”. In: Avolese, Claudia Mattos; Patricia Meneses (orgs.). Arte não europeia: conexões historiográficas a partir do Brasil. São Paulo: Estação Liberdade/Vasto, 2020, pp. 143-52., p. 144); todavia, uma referência mais sistemática ao exotismo é feita na menção aos “tropicalismos”.
A fim de dar prosseguimento ao nosso argumento, exporemos algumas consequências e uma interpretação a respeito desta última crítica, dado que as outras fogem de nosso escopo.
Se o “Manifesto ainda que tardio” é de 1976, as obras que marcaram o tropicalismo nas artes visuais não eram de muito antes. Alguns dos marcos para a gestação e a circulação dessas produções tropicalistas foram a ruptura neoconcreta, as exposições Opinião (1965 e 1966), Propostas (1965 e 1966) e, principalmente, a mostra coletiva Nova objetividade brasileira, de 1967 (Couto, 2012Couto, Maria Morethy. “Arte engajada e transformação social: Hélio Oiticica e a exposição Nova objetividade brasileira”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 49, v. 25, 2012, pp. 71-87.). Nesse período, com o fim do sonho desenvolvimentista de parear o Brasil às nações mais desenvolvidas no concerto das nações, artistas que antes se voltaram para a tarefa de dotar o Brasil de uma arte construtivo-abstrata autônoma, referenciados em, por exemplo, Mondrian e Malevich, motivaram-se cada vez mais a buscar uma espécie de novo realismo (Schenberg, 1988______. Pensando a arte. São Paulo: Nova Stella, 1988., pp. 185-7), assentado num contato mais direto com o público, na tomada de posição em relação aos problemas do país e numa linguagem visual brasileira que assumisse o subdesenvolvimento (Couto, 2012Couto, Maria Morethy. “Arte engajada e transformação social: Hélio Oiticica e a exposição Nova objetividade brasileira”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 49, v. 25, 2012, pp. 71-87.). Isto é, ao fazerem arte, boa parte desses artistas acreditava estar empreendendo uma política de resistência ao processo regressivo que o Brasil assistia com o pré e o pós golpe militar de 1964 (Arantes, 1983Arantes, Otília. “Depois das vanguardas”. Arte em Revista, São Paulo, n. 7, v. 1, pp. 5-20, 1983.).
Retomando o fio da meada, o Neoconcretismo, contra o Concretismo, volta-se para um vetor inestimável da arte, a expressão - a qual não poderia ser manipulada pura e simplesmente pela ordenação de dados visuais -, e deixa de lado o cientificismo concretista e sua “perigosa exacerbação racionalista” (Castro et al., 1959Castro, Amilcar de et al. “Manifesto neoconcreto”. Suplemento dominical do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21-22/03/1959, pp. 10-1., p. 10), colocando em seu lugar uma noção humanista de pessoa, que passava a ser vista como um ser no mundo, em sua totalidade, e não mais como mero agente econômico e mecânico. Do ponto de vista espacial, os neoconcretos intentavam experimentar o espaço como um todo, “composto de vetores que nos permitem ter dele uma consciência fenomenológica efetiva e não puramente sensorial” (M. Pedrosa, 2004 [1957]______. “Lygia Clark ou o fascínio do espaço”. In: Arantes, Otília (org.). Acadêmicos e modernos: textos escolhidos III. São Paulo: Edusp, 2004 [1957], pp. 287-91., p. 290), recusando a sua apreensão rígida e passiva. Isso abria espaço para uma atuação no campo social no sentido de desestruturar o sistema canônico da arte e a ideologia dominante que o imantava (Brito, 1999Brito, Ronaldo. Neoconcretismo. São Paulo: Cosac Naify, 1999.). Tal atitude em muito politizaria o campo artístico brasileiro e lançaria, segundo alguns críticos, as bases para a arte contemporânea brasileira.7 7 Para as discussões em torno da invenção da arte contemporânea brasileira desde o Neoconcretismo, ver Moura (2011).
Se o “Manifesto Neoconcreto” é de 1959, consequências, modificações e críticas ao seu ideário e prática seriam pedra de toque comum no cenário artístico brasileiro dos anos subsequentes. Partindo de algumas linhas já desenvolvidas desde o Neoconcretismo, artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark colocaram na ordem do dia obras que mostravam o estado da arte de vanguarda brasileira ao mundo, a partir de uma superação do que fora feito anteriormente por outros “ismos” e contra o status quo artístico da época. Exposições como Opinião e Propostas, ambas com edições em 1965 e 1966, foram momentos importantes para burilar esses intentos, mas foi na mostra Nova objetividade brasileira (1967) que se assistiu ao resultado disruptivo dos ensaios anteriores. Realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), em abril de 1967 (Reis, 2005Reis, Paulo de Oliveira. Exposição de arte: vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970. Tese (doutorado em história). Curitiba, Universidade Federal do Paraná, 2005. ), a exposição contou com cerca de quarenta artistas, como Sérgio Ferro, Nelson Leirner, Antonio Dias, Lygia Pape, Rubens Gerchman, Ivan Serpa, Hélio Oiticica e Lygia Clark, sendo que a grande maioria das obras ali apresentadas era de caráter objetual - procurando novos meios “capazes de reduzir à máxima objetividade tudo quanto deve ser alterado” (Dias et al., 1978Dias, Antônio et al. “Declaração de princípios básicos da vanguarda”. In: Peccinini, Dayse Valle Machado. Objeto de arte: Brasil anos 60. São Paulo: Faap, 1978., p. 73) - e criticava tanto os códigos artísticos tradicionais (cavaletes, abstrações formalistas, relação tradicional entre figura e fundo etc.) quanto “o poder efetivo de transformação social atribuído à arte abstrata, em especial as correntes construtivistas, até o final dos anos 1950” (Couto, 2012Couto, Maria Morethy. “Arte engajada e transformação social: Hélio Oiticica e a exposição Nova objetividade brasileira”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 49, v. 25, 2012, pp. 71-87., p. 72). Ademais, é importante lembrar que a exposição era organizada em dois módulos: um voltado para uma retrospectiva da arte objetual no Brasil, com o intuito de mostrar o ímpeto construtivo das produções nacionais; e outro voltado para as manifestações do período.
Intentando explicitar as principais linhas desse momento de renovação crítica, Hélio Oiticica publica, no próprio catálogo da exposição Nova objetividade brasileira, o escrito-depoimento “Esquema geral da nova objetividade” (1986a [1967], pp. 84-98) - decisivo para o entendimento desse movimento e do seu impacto no campo das artes (Reis, 2005Reis, Paulo de Oliveira. Exposição de arte: vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970. Tese (doutorado em história). Curitiba, Universidade Federal do Paraná, 2005. ; Naves, 2007Naves, Rodrigo. “Um azar histórico: sobre a recepção das obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark”. In: O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 192-223.). Nele, Oiticica afirma que a nova objetividade não é um movimento dogmático nem esteticista, como foram o cubismo e outros “ismos”, mas sim uma “chegada” ao estado da arte brasileira composta por várias tendências, de sorte que essa falta de unidade de pensamento se tornaria uma característica importante desse movimento, “sendo entretanto a unidade desse conceito de ‘nova objetividade’ uma constatação geral dessas tendências múltiplas agrupadas em tendências gerais aí verificadas” (Oiticica, 1986a [1967]______. “Esquema geral da nova objetividade”. In: Oiticica, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986a [1967], pp. 84-98., p. 84).
A nova objetividade, contudo, por ser um estado típico da arte brasileira em geral, se oporia no plano internacional às vanguardas Pop, Op, Nouveau Réalisme e Primary Structures, e teria seis características principais: i) uma vontade geral construtiva embebida na tentativa de dotar o país de uma arte de vanguarda; ii) tendência ao objeto, com a demolição e a superação do quadro de cavalete; iii) participação do espectador de forma corporal, táctil, visual, semântica etc., no intuito de criticar a contemplação transcendental e propor uma participação total; iv) abordagem e tomada de posição diante dos problemas políticos, éticos e sociais, com o propósito de modificá-los pela transformação de consciências; v) tendência a arte e proposições coletivas, influenciadas pelas manifestações culturais populares e de rua, contribuindo para a abolição dos “ismos”; vi) reformulação de conceitos de antiarte, na tentativa de justificar o surgimento de uma vanguarda brasileira entendida como progresso coletivo do país por meio da efetiva participação popular.
Tendo tal caracterização em vista, são paradigmáticas as obras Caixa de baratas, de Lygia Pape, Máscaras sensoriais e O Eu e o Tu: Série Roupa-Corpo-Roupa, de Lygia Clark, e Tropicália, de Hélio Oiticica, que integravam a mostra de 1967. A marca deixada por esta última obra na exposição e no campo artístico foi indelével (Brett, 2005Brett, Guy. Brasil experimental. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2005.; Favaretto, 2015Favaretto, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 2015.; Morais, 1975Morais, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.; Penna, 2017Penna, João Camillo. O tropo tropicalista. Rio de Janeiro: Circuito; Azougue, 2017. ), além de representar à perfeição o tropicalismo nas artes visuais e, até mesmo, impulsionar outras searas artísticas desse movimento (Veloso, 2017Veloso, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras , 2017 [1997]. [1997]). Tropicália consistia em um penetrável no qual o espectador/participante adentrava, descalço, um cenário tropical “com plantas, araras, areia, brita, poemas enterrados e, no seu interior, raízes com cheiro forte, objetos de plástico etc.”, num percurso cujo fim se dava numa televisão ligada (Morais, 1975Morais, Frederico. Artes plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 95), imputando uma imagem brasileira total ao estado da arte mundial e uma consciência de não condicionamento às estruturas estabelecidas (Oiticica, 1986c [1967]______. “4 de março de 1968”. In: Oiticica, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986c [1967], pp. 106-9., p. 106) - vamos, posteriormente, explorar melhor os seus sentidos e inovações. De todo modo, resta apontar mais um fator interessante da obra e dos escritos de Oiticica nesse período: a sua vinculação à antropofagia.
Nesse período, o artista carioca reivindicava a antropofagia como parte de uma vontade geral construtiva cujo intuito era dotar o Brasil de uma identidade cultural distinta daquela milenar europeia e do superprodutivismo estadunidense (Oiticica, 1986a [1967]______. “Esquema geral da nova objetividade”. In: Oiticica, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986a [1967], pp. 84-98., p. 85). Assim, a antropofagia seria aí uma forma de reduzir influxos externos a modelos nacionais:
[…] quis eu com a Tropicália criar o mito da miscigenação - somos negros, índios, brancos, tudo ao mesmo tempo - nossa cultura nada tem a ver com a europeia, apesar de estar até hoje a ela submetida: só o negro e o índio não capitularam a ela. […] Para a criação de uma verdadeira cultura brasileira, característica e forte, expressiva ao menos, essa herança maldita europeia e americana terá de ser absorvida, antropofagicamente, pela negra e índia da nossa terra, que na verdade são as únicas significativas, pois a maioria dos produtos da arte brasileira é híbrida, intelectualizada ao extremo, vazia de um significado próprio. (Oiticica, 1986c [1967]______. “4 de março de 1968”. In: Oiticica, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986c [1967], pp. 106-9., p. 108)
Isso, à primeira vista, não seria muito distinto das intenções de Valentim, como pode ser observado em seu “Manifesto ainda que tardio”, no qual cita uma longa passagem de Mário Pedrosa a respeito de sua produção:
Há algo de antropofágico na sua arte no sentido oswaldiano - ser produto de deglutições culturais. Ao transmudar fetiches em imagens e signos litúrgicos em signos abstratos plásticos, Valentim os desenraíza de seu terreiro e, carregando-os de mais a mais de uma semântica própria, os leva ao campo da representação por assim dizer emblemática, ou numa heráldica, como disse o professor Giulio Carlo Argan (1902-1992). Nessa representação, os signos ganham em universalidade significativa o que perdem em carga original mágico-mítica. O artista projeta mesmo, abandonando também a fatalidade da tela, organiza seus signos no espaço, talhados como emblemas, brasões, broquéis, estandartes, barandões de uma insólita procissão, procissão talvez de um misticismo religioso sem igreja, sem dogmas, a não ser a eterna crença das raças e povos oprimidos no advento do milênio, na fraternidade das raças, na ascensão do homem. (M. Pedrosa, 2018 [1967]Pedrosa, Mário. “A contemporaneidade de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018 [1967]. pp. 127-9., p. 127)
Depois de citar essa passagem de Pedrosa, o artista baiano - reforçando a crítica ao colonialismo cultural e à aceitação passiva de modelos do exterior, e enfatizando a necessidade de um caminho voltado para as profundezas do ser brasileiro, com o intuito de criar uma linguagem plurissensorial brasileira a partir da viva iconografia afro-ameríndia-nordestino-brasileira - conclui que a arte brasileira somente se constituiria numa poética autêntica caso fosse resultado
de sincretismos, de aculturações sígnicas (semiótica/semiologia não verbal) das culturas formadoras da nossa nacionalidade de base (branco-luso-negro-índio) acrescidas com a contribuição das culturas mais recentes trazidas pelos diferentes povos de outras nações e que, aqui nesse espaço Brasil-Continente comum a todos, se misturam criando um sistema de brasilidade cultural de caráter singular, de rito, mito e ritmo que sejam inconfundíveis apesar da famigerada Aldeia-Global. O fundamental é assumir a nossa identidade de povo em termos de Nação. (Valentim, 2018Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50.b [1976], p. 134)
Tal aspecto também é reforçado em ensaio de Adriano Pedrosa (2018Pedrosa, Adriano. “Rubem Valentim no Masp”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 17-8.) cujo argumento se assenta na ideia de que Valentim, a partir dos anos 1950, se apropriou das linguagens abstratas e geométricas, dominantes no cenário europeu das décadas de 1950 e 1960, e as submeteu às “referências africanas, sobretudo através de desenhos e diagramas que representam os orixás das religiões afro-brasileiras - como o machado duplo de Xangô, a flecha de Oxóssi e as hastes de Ossaim” (A. Pedrosa, 2018Pedrosa, Adriano. “Rubem Valentim no Masp”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 17-8., p. 17). Desta feita, Valentim deveria ser visto como um antropófago ousado, que submeteu radicalmente o legado artístico europeu à linguagem afro-brasileira, conformando uma contribuição anticolonial ímpar.8 8 Em vista disso, é preciso deixar claro que discordamos das aproximações feitas por Conduru (2013, p. 59) e Dardashti (2019) entre a obra de Valentim e o projeto ideológico da democracia racial. Sem nos alongar muito, podemos, a partir de Abdias do Nascimento (2016), apontar que, à diferença do projeto de branqueamento e morte espiritual e física do negro na “democracia racial”, Valentim enfatiza, elabora e constrói a sua obra a partir, fundamentalmente, de culturas, artes e religiões de matriz africana e a partir de elementos afro-diaspóricos. Concordamos, assim, e em boa medida, com a interpretação de Costa (2017) a respeito do caráter crítico de Valentim ante o colonial e o racismo. Ademais, se Valentim fala em sincretismo, não o faz, como pode ser observado em sua obra, no sentido de apagar o afro e o indígena, pelo contrário (Valentim, 2018a [1990], p. 144-6).
É possível notar, portanto, fortes similitudes entre Oiticica e Valentim, não obstante diferenças importantes marcarem suas obras do ponto de vista visual e plástico, como procuramos expor. Para melhor burilar isso, apresentamos algumas determinações essenciais para o conjunto de obras do artista baiano e, posteriormente, pretendemos realizar comparações entre o sentido da produção de Valentim e Tropicália, de Oiticica, uma de suas obras mais antropófagas (Oiticica, 1986c [1968]______. “4 de março de 1968”. In: Oiticica, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986c [1967], pp. 106-9., p. 108).
LINEAMENTOS DE RUBEM VALENTIM
Os primeiros contatos de Valentim com pincéis e tintas se deram a partir da construção e da pintura de presépios; todavia, os temas religiosos em sua vida iam além do catolicismo, pois o artista também frequentava terreiros de candomblé. O seu primeiro mestre de pintura foi o pintor de paredes soteropolitano Artur “Come Só”, que, de acordo com Valentim, tinha muito talento, era “pintor espontâneo, natural, quem sabe até poderia ter sido um Volpi (1896-1988), mas ficou obscurecido na Bahia, perdido lá” (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 141). Foi com Artur que Valentim aprendeu, por exemplo, a primeira têmpera e começou a fazer pinturas em papel, cartolina, papelão e outros materiais. Mesmo interessado nas artes, Valentim cursou odontologia na Universidade da Bahia, formando-se em 1946. Dois anos depois largou o ofício e passou a se dedicar apenas às artes. Foi igualmente em 1946 que travou contato com o movimento de renovação das artes na Bahia, reunido em torno da publicação Caderno da Bahia, e com nomes como Mario Cravo Júnior, Carlos Bastos, Wilson Rocha, Cláudio Tavares e Vasconcelos Maia, dizendo que foi ali que começou “a ter consciência do que era arte realmente” (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 142). A partir dali, também, começou a “estudar, ler, frequentar museus com José Valadares” (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 142). Vejamos o que diz Valentim sobre o período:
Hoje tenho consciência de que é fundamental para o artista, para a sua autenticidade, para ele existir, ele ter um diálogo profundo com sua terra, seu povo, sua gente, e depois que venha por acréscimo a erudição, a informação e o conhecimento através de livros, o contato com outros artistas, com críticas que vêm enriquecer mais. Mas o substrato vem de sua terra, da sua vivência nela. […] A Bahia é uma terra sobretudo plástica, visual, tentadora, uma luz fantástica. Tudo isso contribui para meu substrato. Agora, com o tempo, com o contato com outros artistas, com os poetas de 1946, fui descortinando outras facetas do meu mundo, do que era religiosidade, arte e cultura popular, o que era erudito e acadêmico. (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 142)
Em 1949, entra para o curso de jornalismo na Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia. Mais do que o trabalho de jornalista, Valentim buscava nesse período uma formação humanista e em história da arte, pois vários de seus professores eram críticos culturais e artistas, obtendo, por exemplo, um “estudo formidável sobre o Movimento de 22” (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 143) - cujo julgamento expusemos anteriormente. Em 1951, na I Bienal de São Paulo, travou contato com o estado da arte moderna que se fazia no mundo e, também, aguçou seu senso crítico a respeito do que era considerado o moderno e, por assim dizer, o seu caráter centrado na Europa.
É também em 1949 que o artista baiano começa a fazer suas primeiras experiências abstratas, as quais considerava ainda sem unidade, o que lhe rendeu críticas de alguns companheiros de geração que, ligados ao Partido Comunista Brasileiro, recomendavam os ditames do realismo socialista. Seja como for, é no final da década de 1940 e no início da década de 1950 que podemos identificar a construção de uma postura estética e política que aposta numa linguagem brasileira, nordestina e popular, fincada na iconografia e na experiência das religiões afro-brasileiras. Valentim conta que, em 1953/1954, enquanto fazia coisas abstratas, teve uma iluminação e pensou: “Por que não pego tudo que está ao redor de mim para construir a minha linguagem?” (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 146, grifos nossos). Assim, ele começa a trabalhar com os ferros de Ossaim, as ferramentas de Ogum, Oxóssi e Oxumaré, o opaxorô de Oxalá, os abebês de Oxum e o ibi de Nanã.
É desse período um quadro em que o artista baiano, antes de seus totens, relevos e emblemas, pinta um fundo composto por uma série de figuras geométricas e orgânicas, coloridas e compartimentadas, a partir do qual, apesar das linhas já mais abstratas, ganham forma, em seu centro, a figura de uma cabeça, à direita da tela, e a de um pássaro, à esquerda (Bittencourt, 2018Bittencourt, Renata. “Rubem Valentim e o ethos afro-atlântico”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 101-17., p. 101).9 9 A pintura em questão pode ser vista em Bittencourt (2018, p. 102). Pensando no universo do candomblé, pode-se imaginar a relação do pássaro com o orixá Ossaim, que, imitando o canto de um pássaro, ganhou a mão da filha de um rei (Prandi apudBittencourt, 2018Bittencourt, Renata. “Rubem Valentim e o ethos afro-atlântico”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 101-17., p. 101), e que é simbolizado por uma haste de ferro com um pássaro, rodeado, no cume, por outras aves ou pontas de flechas, representando, na cultura iorubá, poderes de adivinhação. Ou até mesmo com Iyami Oxonronga, mãe feiticeira ancestral que representa o poder feminino em sua ambiguidade. A cabeça, por seu turno, é de grande importância no candomblé ao sediar a consciência do humano, o qual é formado por corpo físico (ara) e diferentes dimensões espirituais, dentre as quais orí, ou cabeça, que estabelece suas características individuais.
Segundo Valentim (2018Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50.a [1990], p. 146), é em 1955 que ele pinta a primeira coisa que imagina ser o caminho para sua obra posterior. Avançando nas abstrações - a partir da deglutição antropofágica de referências europeias, como De Stijl e Bauhaus, e brasileiras, como o Construtivismo, as quais eram submetidas à iconografia de religiões e elementos populares afro-brasileiros -, as obras desse período, como Pintura 1, Composição 1 e 3 (1955) e Sem título (1956), tinham elementos demais e pareciam conter vários quadros em um só. Nesse sentido, a partir de 1959-60, Valentim começou um processo de depuração formal e libertação dos símbolos em demasia, apurando formas e depurando uma espécie de alfabeto que utilizará pelo resto de sua carreira. Ademais, também é nessa quadra histórica que trabalhará com outros materiais e suportes, como murais, relevos e grandes esculturas em madeira.
Nesse período, passa a transformar as imagens de elementos em si em formas reconfiguráveis; a geometrização fica ainda mais patente, e os “emblemas de orixás são, de certo modo, adaptados e reorganizados a partir de uma linguagem plástica e simbólica própria de Valentim” (Menezes; Schwarcz, 2018Menezes, Hélio; Schwarcz, Lilia. “Rubem Valentim: arte como síntese”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 87-101., p. 89). Até porque, como dizia Valentim, a “geometria é apenas um meio” (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., p. 132). Além das formas, cores também não são utilizadas aletoriamente, conformando “signos repletos de simbolismo, desenhando uma geometria em que a dureza matemática das linhas é azeitada pela flexibilidade alegórica dos mitos, temas e inspirações religiosas que a atravessam” (Menezes; Schwarcz, 2018Menezes, Hélio; Schwarcz, Lilia. “Rubem Valentim: arte como síntese”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 87-101., p. 90). Com cores cada vez mais chapadas e formas mais enxutas, as composições e formatos vão sendo reduzidos ao mínimo básico, ao denominador mínimo. A partir de poucas formas geométricas, via de regra na vertical e com disposições equidistantes que vão até o limite da tela, sugerindo a sua presença para além das molduras, alude-se a todo um universo Iorubá, quase como se seus trabalhos fossem o sintoma aparente “de um mundo invisível em ação na materialidade” (Mestre, 2018Mestre, Marta. “A encruzilhada de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 117-26., p. 124),10 10 Interessante observar uma obra como Sem título (1956-62), em que é possível ver uma espécie de meio do caminho nesse processo de depuração formal, já que ainda há várias iconografias, mas há figurações geométricas centralizadas na vertical, como em obras posteriores. cujo melhor exemplo são seus Objetos emblemáticos e Relevos, confeccionados a partir do fim da década de 1960 até o fim da de 1970.
É no final da década de 1950 (Pontual, 1983______. “T.G. na atmosfera”. Módulo, Rio de Janeiro, n. 78, v. 2, 1983, pp. 24-32., p. 24), com a V Bienal de São Paulo, que Valentim travará contato com outra influência importante para seu trabalho: Joaquín Torres-García. Desse modo, o universalismo construtivo do pintor uruguaio teria sido decisivo para os trabalhos do artista baiano (Conduru, 2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013.; 2018; Dardashti, 2019______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104.; Herkenhoff, 2010______. Pincelada: pintura e método, projeções da década de 50. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2010.). Isso teria se dado porque, além de incorporar as formulações plásticas de Torres-García, Valentim teria espelhado as intenções do artista uruguaio, que pretendia criar um idioma geométrico latino-americano a partir de uma visada sobre a iconografia pré-colombiana. No caso de Valentim, porém, a abstração seria uma maneira de formalizar culturas e fontes visuais afro-diaspóricas (Dadashti, 2019______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104., p. 84). Cumpre aqui, ainda, apontar duas outras diferenças entre ambos. Em primeiro lugar, de um ponto de vista plástico, Torres-García, em suas obras, apontaria para um dinamismo em espiral; Valentim, por sua vez, desenvolveria seus trabalhos tendo em vista cristalizações em simetria (Pontual, 1983______. “T.G. na atmosfera”. Módulo, Rio de Janeiro, n. 78, v. 2, 1983, pp. 24-32., p. 25). Em segundo lugar, enquanto Torres-García travará contato com a arte pré-hispânica apenas em sua temporada parisiense, no Musée de l’Homme, por exemplo, Valentim teria vivenciado e se relacionado diretamente com o simbolismo iorubá e com as culturas visuais de matriz africana (Dadashti, 2019______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104., p. 93).
Se nos últimos anos da década de 1960 Valentim já estava conquistando o “espaço” ao dispor suas geometrias em construções de madeira, definitivamente abandonando as molduras e engendrando objetos emblemáticos, é a partir de meados da década de 1970 que o artista baiano buscará os conjuntos arquitetônicos urbanísticos numa tentativa de produzir uma integração “arte-ecologia-urbano-arquitetural” (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., p. 133). Prova mais acabada desse movimento é o seu Marco sincrético da cultura afro-brasileira (1978), que conta com mais de oito metros de altura em concreto armado, localizado na praça da Sé, no centro de São Paulo, e se estrutura a partir do oxê de Xangô e do tridente de Exu. Alexandre Araújo Bispo (2011Bispo, Alexandre Araújo. “O Valentim da praça pública: arte, afro-brasilidade e espaço coletivo”. O menelick 2-º ato, 2011. Disponível em: http://www.omenelick2ato.com/artes-plasticas/o-valentim-da-praca-publica.
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) não deixa de notar que essa é uma das únicas obras públicas de Valentim.
É justamente no final de década de 1960 e começo da de 1970 que Valentim se muda para Brasília, o que teria reverberado em sua arte (Morais, 1994______. Rubem Valentim: construção e símbolo. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1994. ). Até porque, como pontua Costa (2017Costa, Marcus de Lontra. Catálogo da exposição Rubem Valentim: construção e fé. Brasília: Caixa Cultural/Adupla, 2017., p. 13), a “paisagem horizontal do cerrado […], a clareza do plano urbanístico e a operística arquitetural de Niemeyer sem dúvida corroboram para reforçar elementos simbólicos e monumentais na obra do artista”. Tal comentário corrobora fortemente a intenção de construir uma integração entre arte, arquitetura, ecologia e urbe. Ademais, essa influência do ambiente físico e urbano já tinha se feito presente na obra do artista baiano, na internalização do candomblé e na constituição plástica e fantástica de Salvador (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 142). Com sua mudança para o Rio de Janeiro, no final da década de 1970, o contato que teve com a umbanda e seus ambientes fez com que integrasse ao seu repertório artístico e espiritual a imagística dos pontos riscados umbandísticos - os quais não existiriam no candomblé (Conduru, 2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013., p. 55).11 11 Fiquemos com a seguinte passagem, que aborda os pontos riscados da umbanda: “Os desenhos feitos manualmente com pemba no chão, durante os ritos, pelos pretos velhos, após incorporarem nos médiuns e ao longo de suas consultas, pontuando os seus trabalhos, sendo refeitos ou alterados durante as suas consultas. Desenhos que identificam e garantem a segurança das entidades, sendo apagados depois que estas desincorporam. Grafismo que usa a geometria de modo representativo, simbólico, e foi por ele transposto à estaticidade de pinturas, gravuras, esculturas, objetos, muros, monumentos” (Conduru, 2013, p. 56).
É possível notar, ainda, que boa parte da racionalidade geométrica de Valentim não é europeia - apesar das influências anteriormente citadas e de outras, como Klee e Kandinsky (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 142) -, mas, sim, devedora de um diálogo afro-atlântico entre Brasil e África, ou melhor, entre Senegal, Angola, Nigéria e Salvador, Bahia. O que o diferencia decisivamente de artistas de linhagem europeia abstrato-geométrica, como Auguste Herbin (Oliva, 2018Oliva, Fernando. “Arte, política e construção em Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 18-35., p. 24). Entre 1963 e 1966, acompanhando sua esposa, que fora agraciada com uma bolsa de estudos na Bath Academy of Art, ele passará uma temporada na Inglaterra e na Itália.
Nesse período, Dardashti argumentará, ao estabelecer uma comparação entre sua obra anterior e posterior à estada europeia, que - apesar de a obra de Valentim já incorporar a iconografia afro-brasileira desde períodos precedentes - foi a partir do contato com grandes obras de arte africanas encontradas na Europa, tais como as cabeças Ife e as esculturas Nok e de Xangô encontradas no British Museum e no Musée de l’Homme, que ele pôde complexificar suas formas geométricas, ajudando a conformar uma linguagem visual brasileira afro-diaspórica, por meio da incorporação de uma “linguagem transnacional que conectou o candomblé e a umbanda através do Atlântico à Europa Ocidental e ao Oeste da África” (Dardashti, 2018Dardashti, Abigail. “Construções transatlânticas: Rubem Valentim e a arte africana do British Museum”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 35-53., p. 39). Outra conexão afro-diaspórica decisiva para Valentim foi o Festival Mondial des Arts Nègres, que ocorreu em Dakar, capital do Senegal, em 1966. Ali, o artista baiano pôde entrar em contato com outras importantes produções artísticas africanas e entender o seu trabalho como propriamente componente de uma prática artística contemporânea da diáspora africana e, por conseguinte, universal (Dardashti, 2019______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104., pp. 93-6).
Enfatizando o aspecto afro-diaspórico, Mestre (2018Mestre, Marta. “A encruzilhada de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 117-26.) aproximará e tentará rastrear a composição geométrica de Valentim de volta às abstrações geométricas e o antropomorfismo de têxteis encontrados em Salvador, cujo sistema de relações rituais remete aos ideogramas Ekoi, ou os nsibidi, abstrações ideogramáticas ou sínteses de vontades, as quais teriam influenciado a obra do artista baiano.
Favorável ao intercâmbio cultural intensivo entre todos os povos e culturas do mundo, Valentim buscava formar uma “linguagem universal, mas de caráter brasileiro”. Ou, em outras palavras, partindo de dados pessoais e regionais, o artista baiano procurava “uma linguagem poética, contemporânea, universal” para expressar-se plasticamente, num caminho voltado para a “realidade cultural profunda do Brasil - para suas raízes - mas sem desconhecer ou ignorar tudo o que se faz no mundo”. Sendo esta a via difícil para a “criação de uma linguagem brasileira de arte. Linguagem plástico-vérbico-visual-sonora. Linguagem plurisensorial: O sentir Brasileiro” (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., p. 132, grifos nossos).
Intuindo o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento - e depois de haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos, passei a ver nos instrumentos simbólicos, nas ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos oxês, um tipo de “fala”, uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo do meu interesse como artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um “design” (que chamo Riscadura Brasileira), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade - a minha, pelo menos - em termos de ordem sensível. (Valentim, 2018Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50.b [1976], p. 133)
Em vista disso, é possível notar que a criação de uma linguagem universal por Valentim passava justamente pela deglutição antropofágica dos referenciais europeus pelas iconografias populares-afro-atlânticas-brasileiras, cuja universalidade, como bem pontua Dardashti (2018Dardashti, Abigail. “Construções transatlânticas: Rubem Valentim e a arte africana do British Museum”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 35-53., p. 42), não era expressa apenas por seu projeto abstrato-construtivo particular, “mas também por meio da modernidade da diáspora africana e de suas práticas contemporâneas”. Destarte, certo distanciamento de objetos de culto direto não deveria ser visto apenas como uma estratégia para evitar exotismos, mas também como condição para possibilitar a criação de uma gramática própria baseada na negociação e na síntese entre “ser moderno sem deixar de ser afro-brasileiro, ser brasileiro sem abandonar a negritude” (Lagnado, 2018Lagnado, Lisette. “O retorno e a confirmação de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 67-87., p. 73). Dessa forma, Valentim pretendia elevar o universo de signos do candomblé e das entidades ancestrais à história universal e à modernidade brasileira.
Nessa operação de deglutição entre reminiscências e elementos iorubás e afro-brasileiros e a racionalização ocidental, segundo Conduru (2009______. “Negrume multicolor: arte, África e Brasil para além da raça e da etnia”. Acervo, Rio de Janeiro, n. 2, v. 22, 2009, pp. 29-44.; 2018______. “Tarde, vésper: Rubem Valentim e o tempo”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 53-67.), há um movimento crítico de revelar consonâncias e limitações de ambos os termos, expondo a dimensão mitológica da razão e a dimensão racional da mitologia, descentrando-as. Esse intento crítico pode ser observado em toda a obra de Valentim e tem como exemplo a construção, anteriormente referida, Marco sincrético da cultura afro-brasileira,12
12
Tal obra pode ser vista em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra4924/marco-sincretico-da-cultura-afro-brasileira>. Acesso em: 08/03/2021.
que poderia ser vinculada tanto a monumentos da tradição europeia quanto aos pelourinhos e às suas colunas instaladas em espaços públicos para o castigo físico de negros escravizados. Nessa obra, ambos são ressignificados pela presença de significados laicos e religiosos da cultura afro-brasileira, mostrando-se, ao mesmo tempo, alguns fundamentos bárbaros e colonialistas da modernidade europeísta e a possibilidade de uma história humana universal e de uma sociedade igualitária (Conduru, 2018______. “Tarde, vésper: Rubem Valentim e o tempo”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 53-67.).13
13
Conduru (2018) não deixa de pontuar que, após a Abolição, se tentou apagar a presença dos pelourinhos nas cidades, de modo a dissipar as marcas da barbárie escravista na urbe.
Até porque Valentim acreditava que a síntese das artes (conjugando urbanismo, arquitetura, pintura mural, escultura etc.) abria um caminho para a humanização das comunidades (Conduru, 2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013., p. 57), o que, segundo Bispo (2011Bispo, Alexandre Araújo. “O Valentim da praça pública: arte, afro-brasilidade e espaço coletivo”. O menelick 2-º ato, 2011. Disponível em: http://www.omenelick2ato.com/artes-plasticas/o-valentim-da-praca-publica.
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), ele teria conseguido com seu Marco sincrético, a partir do qual pôde colocar em circulação uma ideia de nação como uma unidade que humaniza as diferenças e valoriza as histórias e artes afros e indígenas brasileiras.
ARTE CONTEMPORÂNEA E ANTROPOFAGIA: DIFERENÇAS ENTRE VALENTIM E OITICICA
Voltando à questão da identificação da obra de Rubem Valentim com o projeto antropofágico, é interessante notar que o reconhecimento mais sistemático de filiação ao ideário tecido por Oswald de Andrade entre as décadas de 1960 e 1970 coube aos tropicalistas, mais especificamente, nas artes visuais, a Hélio Oiticica. Nesse sentido, já foi dito que - apesar da aparente similaridade nas posições de Valentim e Oiticica -, do ponto vista visual, diferenças importantes marcam suas respectivas obras. Poder-se-ia mencionar também certo caráter objetual identificado nas obras de ambos; no entanto, as intenções são distintas, pois tal caráter é a forma de Oiticica enfatizar a chamada antiarte, em contraposição à arte, contraposição na qual Valentim vê pouco sentido, alegando que as pessoas “criam essa coisa que se convencionou chamar arte - ou, como querem atualmente, antiarte, resulta o mesmo” (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., p. 132, grifos nossos). Nesse sentido, como pontua Conduru (2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013., pp. 53-4), Valentim se distancia de Oiticica ao não aderir ao ceticismo duchampiano, ao cinismo da Pop Art, à ironia dadaísta e ao desbunde.
É preciso lembrar que Herkenhoff (1996Herkenhoff, Paulo. “A pedra do raio de Rubem Valentim, Obá-pintor da casa de mãe senhora”. In: Aguilar, Nelson (org.). Catálogo de sala especiais da 23ª Bienal Internacional de São Paulo: salas especiais. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1996, pp. 414-32., p. 422) enfatiza a proximidade de Oiticica e Valentim no recurso à geometria como forma de dinamizar o plano ao ritmo gráfico e nas referências à religiosidade afro-brasileira. Não obstante, é interessante que, como dissemos anteriormente, Herkenhoff distancia as experiências estéticas de modernistas e de Valentim, dado que, enquanto as referências daqueles às culturas originárias são destinadas ao Outro, as obras do artista brasileiro em relação às heranças africanas partem de suas experiências. Tal métrica não é, todavia, aplicada a Oiticica, cujas aproximações com a cultura afro-brasileira, a bem da verdade, igualmente configuravam uma espécie de ida ao povo, isto é, a um popular exterior que não faz parte de sua formação inicial. Note-se, nesse sentido, que Oiticica falará, num texto sobre o Parangolé, que essa obra poderia ser entendida como a busca estrutural básica pela constituição do mundo dos objetos, um interesse, “pois, pela primitividade construtiva popular” (Oiticica, 2020 [1964]Oiticica, Hélio. “Bases fundamentais para uma definição do Parangolé”. In: Pedrosa, Adriano; Toledo, Tomás. Hélio Oiticica: a dança na minha experiência . São Paulo: Masp , 2020 [1964], pp. 290-2., p. 291, grifos nossos) - o contrário da perspectiva mais orgânica de Valentim. Isso, em si, não pode ser compreendido como uma crítica estética, uma vez que os “primitivismos” de Dalí, Gauguin, Klee, Tzara, Matisse etc., baseados numa repulsa à arte oficial e num impulso de evasão em direção ao outro do Ocidente (Micheli, 2004Micheli, Mario de. As vanguardas artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004., p. 55), produziram resultados estéticos incontornáveis. Entretanto, procuramos argumentar que, nos casos de Oiticica e de Valentim, essa diferença acabou por ter rendimentos estéticos distintos.
Nesse sentido, discordamos da análise de Dardashti (2019______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104., pp. 85-6), para quem o tratamento estético de Oiticica e de Valentim dado à reprimida cultura afro-brasileira seriam próximos. Ademais, distanciamo-nos também das perspectivas expostas por Conduru (2020Conduru, Roberto. “Índices afro na arte no Brasil nas décadas de 1960 e 1970”. In: Avolese, Claudia Mattos; Patricia Meneses (orgs.). Arte não europeia: conexões historiográficas a partir do Brasil. São Paulo: Estação Liberdade/Vasto, 2020, pp. 143-52., p. 145) e Asbury (2006Asbury, Michael. “O Hélio não tinha ginga”. In: Braga, Paula (org.). Seguindo fios soltos: caminhos na pesquisa sobre Hélio Oiticica. São Paulo: Edição especial da Revista do Fórum Permanente, 2006. Disponível em: http://www.forumpermanente.org/painel/coletanea_ho/ho_asbury.
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), para os quais a crítica e a recepção teriam tornado a relação de Oiticica com o morro, com a escola de samba e com elementos populares algo romântico ou exotizado. Para nós, na verdade, essa exotização estaria presente nas obras e nos escritos do próprio Oiticica.
Rubem Valentim, conforme exposto anteriormente, apostava numa linguagem universal, mas com caráter brasileiro: uma riscadura brasileira, na qual a fonte principal seria a viva iconografia afro-ameríndia-nordestina-brasileira requalificada. Posteriormente, por sua experiência europeia e senegalesa, em que travou contato com rica linguagem visual afro-diaspórica, a iconografia acima citada é transposta para uma linguagem contemporânea, sem cair em visões folclóricas e caricatas, num subkitsch próprio de tropicalismos exotizantes (Valentim, 2018b [1976]______. “Manifesto ainda que tardio”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018b [1976], pp. 132-5., pp. 133-4). Tal posição plasmou quase a totalidade de sua produção, conforme já vimos anteriormente.
Hélio Oiticica, por sua vez, em sua obra Tropicália,14 14 Tal obra pode ser encontrada em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra66335/tropicalia. Acesso em: 08/03/2021. intentava criar um ambiente tropical - com brita, araras, palmeiras, areia e Penetráveis, que se assemelhavam ao que chamava de construções orgânicas e fantásticas das favelas e ao andar pelas suas quebradas (Oiticica, 1986b [1967]______. “Perguntas e respostas para Mário Barata”. In: Oiticica, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986b [1967], pp. 99-101., p. 99) -, em que se construiria uma imagem brasileira total e, o que ele considerava mais importante, uma vivência existencial suprassensorial, contrária à cultura intelectualista (e supostamente universal) e às estruturas estabelecidas.
A crítica, em várias oportunidades, recebeu Tropicália como um marco na arte brasileira, mas menos por sua confecção e imagens manifestas, as quais seriam o óbvio do que se imagina do tropical, e mais por seus agenciamentos profundos. Brett (2005Brett, Guy. Brasil experimental. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2005.) considera que a aparência tropical deveria ser contraposta ao seu sentido profundo, dotado de imagens sensoriais, como o da televisão ligada na completa escuridão, produzindo confrontos íntimos que poderiam mudar os indivíduos. Favaretto (2015Favaretto, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 2015.), por sua vez, avalia que o oculto na obra é o que ela tem de mais manifesto, com o agenciamento de comportamentos, linguagens e figuras, de modo a estilhaçar qualquer imagem ou representação total sobre o Brasil, conformando uma linguagem crítica dos dominados contra o colonialismo e suas imagens petrificadas. Penna (2017Penna, João Camillo. O tropo tropicalista. Rio de Janeiro: Circuito; Azougue, 2017. ), ainda, veria na obra de Oiticica um sentido profundamente anticolonial e, lançando mão da diferença aristotélica entre símile (comparação entre dois elementos) e metáfora (substituição de um elemento por outro), argumenta que o tropo, ou a figura tropical contida na obra do artista carioca, consistiria “precisamente no transporte - sentido grego de metáfora - de um sentido figurado que vem substituir o sentido próprio, introduzindo por assim dizer um vazio de propriedade”. Ou seja, ver-se-ia em tal obra “um movimento de transporte figurado, antropográfico”, no qual “as heranças negras e índias, as ‘únicas significativas’” - conforme vimos em citação de Oiticica na segunda seção deste artigo - deveriam ocupar o vazio da significação própria à arte brasileira feita até ali, o que imporia ao mundo uma imagem brasileira. Em outras palavras, o “tropo tropical consistiria nessa devoração antropofágica de nosso próprio vazio, instalando em seu lugar a figura ameríndia e negro-africana, o ‘estado brasileiro da arte’” (Penna, 2017Penna, João Camillo. O tropo tropicalista. Rio de Janeiro: Circuito; Azougue, 2017. , pp. 235-6, grifos nossos).
Em vista disso, e da crítica anterior a Herkenhoff, não deixa de chamar atenção a diferença existente entre as reformulações feitas por Oiticica e Valentim a partir das experiências e iconografias afro-ameríndias, de sorte que aqui podemos ver diferenças na própria forma e mediações a partir das quais ambos os artistas as transfiguravam em arte. Assim, enquanto Oiticica se dirigia ao Outro, Valentim buscava dar forma ao que era próprio de suas experiências e perspectivas, o que, ao fim e ao cabo, ajudou a conformar resultados estéticos distintos. Até porque, como explica Veloso (2017Veloso, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras , 2017 [1997]. [1997], p. 264), parte da pertinência do tropicalismo vinha de sua tendência a “tornar o Brasil exótico tanto para turistas como para brasileiros”, uma vez que as esquisitices desse monstro católico tropical não podiam ser neutralizadas.
Dessa maneira, numa análise comparativa, enquanto o artista carioca procurava construir uma imagem brasileira violentamente exótica tanto para os artistas de vanguarda de fora quanto para brasileiros, Valentim buscava forjar, a partir de dentro e numa experiência antropofágica radical de descentramento e deglutição da linguagem abstracionista do centro capitalista, uma linguagem universal concrescida a partir da experiência brasileira afro-nordestino-ameríndia. Trocando em miúdos: enquanto Oiticica criou uma obra exotizante,15 15 Essa exotização de Oiticica, em certa medida, pode ser encontrada também na seguinte ideia que ele teria a respeito do tropicalismo: “Tropicália é a beleza da mulata sambando, vestida de cetim brilhante; é a volta às raízes brasileiras, sem preconceitos; é o corte do cordão umbilical que nos limita e bitola dentro das influências europeias e americanas” (Oiticica apudCrockett, 2020, p. 136). Além disso, a exotização de Oiticica pode ser notada também quando ele se refere ao morro e à escola de samba Estação Primeira da Mangueira como lugares do novo, do improvisado, da vida feliz e de redescoberta do corpo (A. Pedrosa; Toledo, 2020), aproximando-se fortemente da retórica da evasão exposta por Micheli (2004). a qual teria uma finalidade crítica, o artista baiano colocou em circulação construções brasileiro-afro-atlânticas forjadas como linguagem universal - até por isso, pode-se entender as críticas de Valentim aos tropicalismos. Enquanto o artista carioca praticaria uma arte a partir de um olhar estrangeiro e de fora sobre características exóticas do Brasil, Valentim, de um ponto de vista periférico, desestabilizaria e criticaria as normas europeias impostas pelas relações de poder imperialistas, mostrando suas incompletudes e seus particularismos, os quais seriam corrigidos pela iconografia brasileira afro-ameríndia-popular. Dessa forma, poderíamos identificar não apenas uma retomada da antropofagia nas artes visuais brasileiras (a tropicalista), mas, sim, duas, cujos sentidos, conforme expusemos, trilham caminhos estético-políticos distintos.
Com essas observações e essa comparação, não queremos, como criticou Oliva (2018Oliva, Fernando. “Arte, política e construção em Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 18-35., p. 23), despersonalizar e despolitizar Valentim e sua trajetória. Mas, pelo contrário, enfatizar que sua prática política e sua estética singulares ladrilharam outro caminho para a arte brasileira, no qual as articulações potentes entre as raízes afro-ameríndias-populares da cultura brasileira e a tradição ocidental criassem sínteses e questionamentos estético-políticos universalizáveis, apesar de nacionais, e que desafiam, até hoje, os cânones artísticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível afirmar que as críticas de Valentim às artes brasileiras iam além do construtivismo e dos modernistas da Semana de 22 e que se voltavam também contra o tropicalismo. Nesse sentido, seu projeto antropofágico de uma riscadura brasileira, assentado numa iconografia afro-ameríndia-popular e com sentido universal, contrapunha-se ao que concebia como os exotismos tropicalistas, algo que pode ser rastreado, afora seu “Manifesto ainda que tardio” e outros textos, na comparação crítica que fizemos entre o programa do artista baiano e a obra mais antropófaga de Oiticica, Tropicália, bem como suas intenções com esta produção.
Com isso, propusemos que não foi apenas o tropicalismo que retomou a antropofagia oswaldiana, dado que Rubem Valentim, por meio de sua linguagem visual brasileira afro-atlântica, e num caminho diverso ao do tropicalismo, logrou canibalizar referenciais europeus de arte geométrico-abstrata e submetê-los radicalmente ao crivo de artes e culturas visuais e experiências de matriz negras, populares e indígenas. Por conseguinte, Valentim pôde operar sínteses e críticas estéticas e políticas universalizáveis, a partir de sua linguagem específica e sua condição afro-diaspórica, e que continuam desafiando os cânones e as intepretações da arte.
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1
É interessante notar que Dardashti (2019)______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104. aponta que alguns críticos, como Theon Spanudis, conectam — por meio de uma interpretação imprecisa de Valentim como pintor religioso e popular — o artista baiano à Tropicália.
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2
Mário Schenberg (2006 [1977]Schenberg, Mário. “Na hora da avaliação”. In: Ferreira, Glória. Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas . Rio de Janero: Funarte, 2006 [1977], pp. 97-9., p. 97), em sentido próximo, argumentará que a arte construtiva brasileira teve contribuições relevantes de artistas de fora do Concretismo e do Neoconcretismo, como Volpi, Arnaldo Ferrari, Maria Leontina e o próprio Rubem Valentim.
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3
A observação a respeito das cores em Valentim deve-se ao apurado comentário de Conduru (2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013., p. 55) sobre o tema: “As formas de Valentim não são ilustrativas, não têm fidelidade incondicional a modelos no real. A cor não é naturalista, não corresponde aos códigos cromáticos da umbanda, nem aos das diversas nações do candomblé (kêtu, jeje, angola, mina, tambor do Recife, batuque). A paleta é livre; poderíamos arriscar que é afro-brasileira porque, assim como a pintura de Abdias Nascimento, também remete a certas paletas africanas, com seus choques intensos, gritantes e rebaixados”.
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4
É importante ter em mente, como sugerem Mestre (2018)Mestre, Marta. “A encruzilhada de Rubem Valentim”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018, pp. 117-26., Pontual (1983)______. “T.G. na atmosfera”. Módulo, Rio de Janeiro, n. 78, v. 2, 1983, pp. 24-32. e Viñuales (2013)Viñuales, Rodrigo Gutiérrez. “Prehispanist Recovery in Contemporary Times: Tradition, vanguard and criticism fortune”. Revista de Historiografia, Madri, n. 19, v. 2, 2013, pp. 88-100. , que Torres-García e seu projeto serão uma influência decisiva para artistas da América Latina (principalmente na América do Sul), como Enrique Tábara, Estuardo Maldonado, Edgar Negret e César Paternosto e, dessa forma, influirão nos trabalhos de artistas brasileiros como, além do próprio Valentim, Mário Azevedo, Antonio Manuel e Antonio Dias. Para mais informações a respeito da utopia construtiva universalista de Torres-García, baseada numa arte moderna que se assenta em símbolos metafísicos e geométricos pré-hispânicos, ver: Rommens (2016)Rommens, Aarnoud. The Art of Joaquín Torres-García: Constructive Universalism and the Inversion of Abstraction. Nova York: Routledge, 2016. .
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5
Veja-se a seguinte passagem de um livro de Torres-García (1939Torres-García, Joaquín. Metafísica de la prehistoria indoamericana. Montevidéu: Asociación de Arte Constructivo, 1939., p. 45, tradução nossa): “Queremos, portanto, reintegrar-nos à grande cultura da Indo-América, e em particular à Inca, porque entendemos que, embora a nossa arte deva ser moderna, deve ainda ter uma nuance particular destas latitudes, e que podemos encontrá-la, sim, sob o dilúvio europeu, se soubermos como capturar aquela rara quintessência de nosso solo americano. Se o sol é farto nas nossas composições (INTI), é porque não queremos esquecer a nossa origem. Mas um aviso: não esqueçamos que também estamos no século XX. Não esqueçamos, por outro lado, que a grande crise da arte nos tempos modernos é a falta absoluta de uma fé religiosa”.
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6
Nesse sentido, acreditamos que a crítica de Paulo Sergio Duarte (2006 [1998]Duarte, Paulo Sergio. “Moderno fora dos eixos”. In: Ferreira, Glória. Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte, 2006 [1998], pp. 127-97., p. 130), de que o esforço de toda uma vida de Valentim para “promover o encontro do universo simbólico de religiões afro-brasileiras com a arte abstrata” foi malsucedido, carece de maiores fundamentos. Tal crítica, ao fim e ao cabo, parecer-se-ia mais com um “rechaço” (Conduru, 2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013., p. 54) do que com uma análise por parte de Duarte.
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Para as discussões em torno da invenção da arte contemporânea brasileira desde o Neoconcretismo, ver Moura (2011)Moura, Flávio. Obra em construção: a recepção do neoconcretismo e a invenção da arte contemporânea no Brasil. Tese (doutorado em sociologia). São Paulo, Universidade de São Paulo, 2011..
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Em vista disso, é preciso deixar claro que discordamos das aproximações feitas por Conduru (2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013., p. 59) e Dardashti (2019)______. “Negotiating Afro-Brazilian Abstraction: Rubem Valentim in Rio, Rome, and Dakar, 1957-1966”. In: Alavarez, Mariola; Franco, Ana (orgs.). New Geographies of Abstract Art in Postwar Latin America. Londres: Routledge, 2019, pp. 84-104. entre a obra de Valentim e o projeto ideológico da democracia racial. Sem nos alongar muito, podemos, a partir de Abdias do Nascimento (2016)Nascimento, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectiva, 2016. , apontar que, à diferença do projeto de branqueamento e morte espiritual e física do negro na “democracia racial”, Valentim enfatiza, elabora e constrói a sua obra a partir, fundamentalmente, de culturas, artes e religiões de matriz africana e a partir de elementos afro-diaspóricos. Concordamos, assim, e em boa medida, com a interpretação de Costa (2017)Costa, Marcus de Lontra. Catálogo da exposição Rubem Valentim: construção e fé. Brasília: Caixa Cultural/Adupla, 2017. a respeito do caráter crítico de Valentim ante o colonial e o racismo. Ademais, se Valentim fala em sincretismo, não o faz, como pode ser observado em sua obra, no sentido de apagar o afro e o indígena, pelo contrário (Valentim, 2018a [1990]Valentim, Rubem. “Depoimento a Bené Fonteles”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas . São Paulo: Masp , 2018a [1990], pp. 141-50., p. 144-6).
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9
A pintura em questão pode ser vista em Bittencourt (2018Bittencourt, Renata. “Rubem Valentim e o ethos afro-atlântico”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 101-17., p. 102).
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Interessante observar uma obra como Sem título (1956-62), em que é possível ver uma espécie de meio do caminho nesse processo de depuração formal, já que ainda há várias iconografias, mas há figurações geométricas centralizadas na vertical, como em obras posteriores.
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11
Fiquemos com a seguinte passagem, que aborda os pontos riscados da umbanda: “Os desenhos feitos manualmente com pemba no chão, durante os ritos, pelos pretos velhos, após incorporarem nos médiuns e ao longo de suas consultas, pontuando os seus trabalhos, sendo refeitos ou alterados durante as suas consultas. Desenhos que identificam e garantem a segurança das entidades, sendo apagados depois que estas desincorporam. Grafismo que usa a geometria de modo representativo, simbólico, e foi por ele transposto à estaticidade de pinturas, gravuras, esculturas, objetos, muros, monumentos” (Conduru, 2013______. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013., p. 56).
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12
Tal obra pode ser vista em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra4924/marco-sincretico-da-cultura-afro-brasileira>. Acesso em: 08/03/2021.
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13
Conduru (2018)______. “Tarde, vésper: Rubem Valentim e o tempo”. In: Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018, pp. 53-67. não deixa de pontuar que, após a Abolição, se tentou apagar a presença dos pelourinhos nas cidades, de modo a dissipar as marcas da barbárie escravista na urbe.
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14
Tal obra pode ser encontrada em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra66335/tropicalia. Acesso em: 08/03/2021.
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Essa exotização de Oiticica, em certa medida, pode ser encontrada também na seguinte ideia que ele teria a respeito do tropicalismo: “Tropicália é a beleza da mulata sambando, vestida de cetim brilhante; é a volta às raízes brasileiras, sem preconceitos; é o corte do cordão umbilical que nos limita e bitola dentro das influências europeias e americanas” (Oiticica apudCrockett, 2020Crockett, Vivian. “War heroes: por uma poética da negritude em Hélio Oiticica”. In: Pedrosa, Adriano; Toledo, Tomás. Hélio Oiticica: a dança na minha experiência. São Paulo: Masp , 2020, pp. 132-46., p. 136). Além disso, a exotização de Oiticica pode ser notada também quando ele se refere ao morro e à escola de samba Estação Primeira da Mangueira como lugares do novo, do improvisado, da vida feliz e de redescoberta do corpo (A. Pedrosa; Toledo, 2020), aproximando-se fortemente da retórica da evasão exposta por Micheli (2004)Micheli, Mario de. As vanguardas artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004..
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Set 2021 -
Data do Fascículo
May-Aug 2021
Histórico
-
Recebido
27 Abr 2020 -
Aceito
16 Out 2020