RESUMO
Este artigo visa mostrar a importância do conceito de patrimônio adotado na Constituição Federal de 1988; a primeira constituição brasileira a estabelecer uma diretriz para a atribuição de valores de patrimônio aos bens culturais. Até então, as constituições brasileiras apenas descreviam os tipos de bens que mereciam proteção. Hoje, estes devem ser valorizados como referências de memórias, identidades e ações de diferentes grupos sociais, independentemente das características estéticas e estilísticas consagradas pelas elites intelectuais ou aquelas relacionadas a fatos memoráveis da história. Para isso, o presente texto apresenta a pesquisa realizada na documentação e em informações sobre os bastidores da Assembleia Nacional Constituinte, de 1987 e 1988, e sobre o contexto político e social que a antecedeu, reafirmando o caráter democrático do conceito adotado, bem como seu potencial para a expansão de políticas públicas de valorização e preservação de bens culturais materiais e imateriais. Visa também estimular a proteção do patrimônio material, considerando o conceito constitucional, ainda a ser explorado com mais intensidade, mesmo após mais de trinta anos da promulgação da Constituição.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio cultural; Referência cultural; Constituição brasileira de 1988; Assembleia Nacional Constituinte; Redemocratização do Brasil
ABSTRACT
This article aims to show the importance of the concept of heritage adopted in the Federal Constitution of 1988; the first Brazilian constitution that establish a guideline to attribute heritage values to cultural assets. Until then, the Brazilian constitutions just described the types of goods that deserved protection. Today, they must be valued as references of memories, identities, and actions of different social groups, regardless of the aesthetic and stylistic features consecrated by intellectual elites or those related to memorable facts in history. To this end, this text presents the research carried out in the documentation and information’s about the backstage of the National Constituent Assembly, in 1987 and 1988, and about the political and social context that preceded it, reaffirming the democratic character of the adopted concept, as well as its potential for the expansion of public policies of valorisation and preservation of material and immaterial cultural assets. It also aims to stimulate the protection of material heritage considering the constitutional concept, still to be explored with more intensity, even after more than thirty years of the promulgation of the Constitution.
KEYWORDS: Cultural heritage; Cultural reference; 1988 Brazilian Constitution; National Constituent Assembly; Redemocratization of Brazil
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo valorizar o conceito de patrimônio cultural adotado na Constituição Federal de 1988, como marco legal para uma ação abrangente de valorização e proteção da diversidade cultural brasileira, representada pelos “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, conforme definido no seu artigo 216. Justifica-se a abordagem do tema pela importância de relembrar os procedimentos participativos da Assembleia Nacional Constituinte, de 1987 e 1988, doravante denominada de Constituinte, envolvendo indivíduos, grupos sociais, organizações e instituições que trabalharam pela conquista de direitos culturais no contexto da redemocratização do Brasil no final dos anos 1970 e na década de 1980, e pelo seu potencial a ser explorado nas práticas de proteção dos bens de natureza material, como imóveis e sítios urbanos, ainda carecendo de trabalhos condizentes com o conceito adotado na Constituição, mesmo passados mais de trinta anos de sua promulgação.
A este respeito, Ulpiano Bezerra de Meneses2 refere-se a uma “prática esquizofrênica” em que as instituições mantêm as antigas diretrizes na valoração de bens de natureza material, condicionadas à identificação de certos traços presentes nos próprios bens, enquanto as novas diretrizes Constitucionais valem, somente, para o patrimônio de natureza imaterial. Para ele:
[…] consolidou-se entre nós uma prática esquizofrênica, em que as novas diretrizes constitucionais parecem valer só para o patrimônio imaterial e as antigas, que foram constitucionalmente invertidas, continuam em vigor nas ações relativas ao patrimônio material. Aí, continuamos a trabalhar como se o valor cultural fosse identificável exclusivamente a partir de certos traços intrinsecamente presentes nos bens.3
Essa permanência conta com a força da memória social construída pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)4 para entendimento do que é patrimônio cultural material. Desde sua fundação, em 1937, foram selecionados bens para proteção, valorizando suas características arquitetônicas e artísticas ou a excepcionalidade, privilegiando bens do período colonial com representação de uma identidade nacional. No entender dos intelectuais modernistas que contribuíram para a fundação da instituição, a produção colonial simbolizava o abrasileiramento do que foi trazido de Portugal; o que se adaptou ao território e à mão de obra local. Marcia Chuva afirma que essa escolha consubstanciou os “quadros da memória coletiva”, que segundo Maurice Halbwachs, “compõe magicamente o passado, a partir da memória dos quadros de um grupo, que passam a ser, por sua vez, os quadros comuns a toda uma sociedade em que esse grupo domina”.5 Com o tempo, a valorização passou a contemplar, além do colonial, bens que correspondessem a outros padrões formais, ditados pela historiografia consagrada da arte e arquitetura, de influência europeia. Já não eram mais atribuídos significados aos bens, como feito inicialmente pelos modernistas; valiam as qualidades estilísticas, incluindo outros estilos como patrimônio cultural brasileiro, ou seja, os traços intrinsecamente presentes nos bens, conforme afirma Meneses.
Buscando entender a força do “quadro da memória” construído pelo Iphan, pesquisas mostram como tal critério predominou mesmo em período de transformações, na década de 1980, e após a promulgação da Constituição. Constata-se que, entre os processos de tombamento de sítios urbanos abertos no Iphan de 1988 a 2014, 84% se enquadram nos padrões estilísticos consagrados, sendo processos abertos tanto por iniciativa da instituição como por agentes externos.6
Esse quadro, associado a outros fatores como os interesses da propriedade privada, incidentes sobre os bens materiais, e a submissão a valores da colonialidades de um mundo ocidental monocêntrico, europeizado,7 compromete a implantação de políticas públicas afinadas com o conceito constitucional. Ou seja, compromete a proteção de bens materiais, diferentes dos historicamente considerados nas práticas de preservação no Brasil, que poderiam ser de interesse da sociedade. No entendimento de Meneses, após 1988, o poder público “tem um papel declaratório e lhe compete, sobretudo, proteção, em colaboração com o produtor de valor, a comunidade”.8 Alcançar condições para que isso seja possível requer diferentes procedimentos das instituições de patrimônio, para construção de um novo quadro de memória, assim como investimentos de outras políticas públicas, além das culturais - educacionais e habitacionais, por exemplo. Mas já se tem na Constituição de 1988 um conceito que favorece trabalhos mais amplos, sendo esse o interesse deste texto.
A Constituinte foi instalada em 1º de fevereiro de 1987 e estendeu-se até 5 de outubro de 1988, organizando seus trabalhos em oito comissões temáticas, cada uma delas dividida em três subcomissões, além das comissões de sistematização e de redação, das audiências públicas e discussões em plenário. Os temas da cultura e do patrimônio cultural ficaram na Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, sendo tratados inicialmente pela Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes. A cultura, entretanto, também foi assunto de outras comissões, podendo ser destacada a Comissão da Ordem Social, na Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias.
Essa organização foi criticada, durante a Constituinte e em análises posteriores. Geraldo Bentes, presidente do Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais (SENALBA), em sua participação na audiência pública da Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes, em 6 de maio de 1987, denunciou a ausência de representantes de minorias e de associações de moradores que vinham lutando por avanços no respeito à cultural da maioria dos brasileiros, contrários à hegemonia da cultura das elites e pela ampliação da defesa do patrimônio das cidades. Maria Cecília Londres Fonseca, entende que “os problemas mais candentes dos ‘novos atores sociais’ - indígenas, negros e minorias em geral - foram trabalhados principalmente em outras subcomissões, onde depuseram representantes desses grupos sociais”.9
Cabe, no entanto, observar que o conceito abrangente de patrimônio cultural, adotado na Constituição, permite a valorização de bens dos novos atores sociais apontados por Bentes e Fonseca, desde que sejam incluídos em reivindicações, em trabalhos técnicos institucionais e em políticas públicas condizentes com a perspectiva do artigo 216, entendendo os bens como referência cultural dos diferentes grupos sociais.
Embora nas atas das reuniões das comissões constem críticas aos prazos para discussões, prejudicando a análise das emendas sugeridas, tanto pelos deputados constituintes, quanto por instituições, organizações sociais e populares, as manifestações foram recebidas e muitas foram incorporadas à Constituição. Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em seu discurso na promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, citou “61.020 emendas parlamentares, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final”.10 No mesmo discurso ele afirma que a participação se deu pelo acesso livre ao Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões. Por isso, o documento promulgado em 1988, mereceu o nome de Constituição Cidadã.
O acesso livre ao Parlamento deve ser destacado, porque foi nos bastidores que a redação do artigo 216 se deu, resgatando os avanços ocorridos nos anos 1970 e 1980, resultantes de transformações no contexto mundial e nas políticas brasileiras, com novas demandas sociais e esforços para seu atendimento, tanto pelo Iphan, quanto pelas instituições estaduais de patrimônio e prefeituras. De modo geral, as instituições refletiram essas transformações em seus discursos, aderindo às políticas públicas da redemocratização, indicando a importância da ampliação das práticas de preservação e, também, desenvolvendo algumas ações de proteção de bens antes desconsiderados pelo Iphan.
Embora considerando a importância das várias instituições públicas dedicadas à preservação do patrimônio cultural, este texto se restringe às ações do Iphan, tendo em vista seu protagonismo nos bastidores da Constituinte para alcançar uma visão inovadora na redação do artigo 216. Esse protagonismo foi confirmado pelo deputado Octávio Elísio, em entrevista concedida a Yussef Campos. Ele fala de uma forte participação do Iphan, recordando-se principalmente de Maria Cecília Londres da Fonseca, como “pessoa que internalizava essa visão inovadora de patrimônio, e, portanto, contribuiu muito para essa característica detalhada do artigo: ‘modos de criar, fazer e viver’”. Incluiu também “‘as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços’”. Ela foi “esmiuçando, […] de tal modo que não ficasse nada de fora”.11 Elísio foi um dos constituintes mais ativos pela causa do patrimônio cultural, atuando como membro da Comissão e Subcomissão que tratou da cultura e nos bastidores. Era do PMDB de Minas Gerais, eleito carregando a bandeira da educação e da cultura, assumindo, portanto, um compromisso com esses temas.12
As seções a seguir vão abordar o ineditismo da adoção de um conceito de patrimônio cultural numa constituição brasileira e seu potencial para a ampliação da proteção de bens culturais; o contexto da redemocratização do país, com o aparecimento de novas demandas pela preservação, favorecendo a adoção do conceito; o surgimento de discursos pela diversidades cultural e alguns trabalhos inovadores de valorização e preservação de bens culturais; assim como procedimentos da Constituinte, que resultaram no artigo 216, abordando a Comissão e Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes e a importância dos bastidores.
CONSTITUIÇÃO DE 1988: PRIMEIRA A CONCEITUAR PATRIMÔNIO CULTURAL
O aspecto mais importante a ser destacado na Constituição de 1988 é ter sido a primeira a definir um conceito de patrimônio cultural, a partir do qual os grupos sociais, organizações e instituições dedicadas à cultura podem atribuir valores aos bens. Em seu texto, no artigo 216, a Constituição adotou um conceito relacionado à ideia de referência cultural dos grupos sociais, independentemente das características dos bens, importando os significados a eles atribuídos. Até então, os textos das constituições apresentavam apenas os tipos de bens merecedores de proteção, correspondendo a determinadas características estéticas, estilísticas, monumentais, paisagísticas e a fatos memoráveis da história, sempre consagrados pelas elites intelectuais. Ou seja, não indicavam um conceito a partir do qual os bens materiais diferentes dos padrões consagrados pudessem ser valorizados para proteção pelo poder público e não incluíam os bens de natureza imaterial.
A República brasileira, proclamada em 1889, contou com seis constituições. Excetuando a Constituição de 1891, omissa com relação ao patrimônio cultural, nas demais o tema foi tratado, conforme pode ser constatado nos textos reproduzidos no Quadro 1. Em 1934 os bens aos quais poderiam ser atribuídos valor para proteção eram os “objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico”. Vale lembrar que a Constituição de 1934 é um marco, não apenas por inaugurar a proteção legal de bens culturais, mas também porque estabeleceu, no Inciso 17 do seu artigo 113, a função social da propriedade entre os direitos e garantias individuais dos cidadãos, viabilizando a limitação ao direito de propriedade em nome do seu valor coletivo, necessário à preservação dos bens.
Poucos anos depois, em 1937, juntaram-se aos bens de interesse histórico e artístico os “monumentos […] naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza”; em 1946 foram incluídos os “documentos”; em 1967, os “locais de valor histórico ou artístico” e as “jazidas arqueológicas”. Em 1988 a Constituição, além de estabelecer um conceito a partir do qual se pode atribuir valor de patrimônio aos bens culturais, manteve a descrição daqueles bens constantes das constituições anteriores e incluiu outros como passíveis de proteção, sendo: as “formas de expressão”, os “modos de criar, fazer e viver”, as “criações científicas […] e tecnológicas”, […] os “espaços destinados às manifestações artístico-culturais”, e […] os “sítios de valor […] paleontológico, ecológico e científico”.
Diante do conceito amplo de patrimônio e da multiplicidade dos bens passíveis de valorização estabelecidos em 1988, a Constituição indicou o desenvolvimento de parceria com as comunidades e a criação de novos instrumentos de proteção. O Parágrafo 1º, do artigo 216, determina que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.13
Ressalta-se, ainda, no texto de 1988, o uso do termo “patrimônio cultural brasileiro”. É possível entender que essa maneira de se referir ao patrimônio rejeitava a ideia do nacional como uma categoria unificadora, conforme havia sido idealizada pelos intelectuais modernistas fundadores das práticas de preservação no país, quando buscavam uma suposta totalidade, desconsiderando diferentes memórias e identidades dos que habitavam o território brasileiro. A nova perspectiva de patrimônio cultural possibilita o respeito à individualidade de expressões, como das nações indígenas, as manifestações de origem africana e das imigrações dos séculos XIX e XX. Trata-se, portanto, de outra perspectiva de valor nacional. Segundo Marcia Chuva,14 “se o Estado Novo carregava a bandeira da unidade nacional, e com isso ignorava as diferenças, a nova Constituição Brasileira passou a valorizar justamente a diversidade - a diferença - como a identidade cultural brasileira”.15
Desde 1988, portanto, cabe aos sujeitos interessados na preservação, sejam eles indivíduos, grupos, organizações ou instituições públicas, atribuir valores aos bens culturais como referência à memória, identidade e ação, conforme determina o artigo 216, incluindo a diversidade da cultura brasileira e podendo propor o estabelecimento de novos instrumentos de proteção.
CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO DO CONCEITO
O conceito constitucional adotado em 1988 foi resultado de um contexto mais amplo da globalização, mas principalmente de transformações políticas e sociais no Brasil no final da década de 1970 e nos anos 1980, no período conhecido como “abertura política”, durante a ditadura iniciada com o golpe de 1964. Foi um período marcado por lutas pela redemocratização, mais intensas a partir de 1979, com a supressão do Ato Institucional nº 5 (AI5), estabelecido pelo governo militar em 1968, que impedia o direto de livre associação e manifestações dos grupos sociais. Essa supressão viabilizou, além de manifestações amplas por eleições, como as da campanha “Diretas Já”, a explicitação de reivindicações pela preservação das cidades e pelo reconhecimento da cultura popular e dos grupos afrodescendentes e indígenas.
Cabe lembrar que transformações nas políticas culturais já vinham ocorrendo no período do regime militar, com a implantação de diferentes iniciativas. Lucia Lippi Oliveira16 refere-se às transformações ocorridas, desde a década de 1960, que favoreciam discussões de temas da cultura, incluindo atenção à cultura popular e aos valores regionais. Uma iniciativa foi a criação do Conselho Federal de Cultura, em 1966, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), para de propor uma nova política cultural. Esse objetivo, no entanto, não foi alcançado, devido, principalmente, à sua formação por representantes da cultura das elites. Em 1975 o MEC editou o primeiro documento brasileiro relativo às políticas culturais - a Política Nacional de Cultura -, favorecendo o respeito à diversidade cultural e regional. A Funarte, criada também em 1975, deveria dinamizar a produção artística no Brasil, tanto erudita como popular, tendo sucesso em iniciativas como o Projeto Pixinguinha, para a difusão da música popular brasileira em todo o país. Com relação às práticas de preservação dos bens culturais, a autora destaca a cooperação técnica com a Unesco para modernização das ações do Iphan, a criação do Programa das Cidades Históricas (PCH), e o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC).
A relação com a Unesco teve início com a assinatura de um acordo, em 1964, destacando a Missão de Michel Parent, cujo relatório teve o seguinte título: Proteção e valorização do patrimônio cultural brasileiro no âmbito do desenvolvimento turístico e econômico.17 Outras missões, além dessa, ajudaram a repensar as políticas em âmbito nacional, sendo em parte responsáveis pelas ações de descentralização das práticas de preservação do patrimônio cultural. O início oficial dessas políticas foi marcado pelas duas reuniões entre o governo federal e os governadores dos estados, em 1970 e 1971. Na primeira reunião, foi definido o objetivo de buscar “uma ação supletiva dos Estados e dos Municípios à atuação federal no que se refere à proteção dos bens culturais de valor nacional”.18 O PCH foi motor dessa nova fase, dedicando recursos da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN) para os estados e municípios estruturarem seus trabalhos de preservação, desenvolvendo obras, planos urbanísticos e inventários de identificação de bens imóveis e sítios urbanos. O patrimônio urbano seria um estímulo para o turismo em diferentes regiões do Brasil, motivando a proteção, tanto estadual quanto federal, de imóveis e sítios coloniais, ainda não contemplados, nas diferentes regiões e, também, de outros estilos, como o eclético. Embora mantendo a aferição de valores vinculada às características arquitetônicas, como ocorreu nas práticas iniciais do Iphan, com a valorização da arquitetura colonial, a inclusão de diferentes estilos, obedecendo aos padrões da historiografia da arquitetura, promoveu um primeiro momento de revisão na valorização de bens.
O CNRC, criado em 1975 no Ministério da Indústria e do Comércio, a partir de uma preocupação com referências para um desenho brasileiro com características próprias, teve como objetivo compreender a produção popular e seus modos de fazer. No entender de Aloísio Magalhães,19 diretor do CNRC, haveria um papel a ser desempenhado pelo poder público na identificação e proteção da produção cultural popular. Ele afirmava que o objetivo do Centro era “estudar as formas de vida e atividades pré-industriais brasileiras que estão desaparecendo, documentá-las e, numa outra fase, tentar influir sobre elas, ajudando-as a dinamizar-se”.20 A dinamização, seria a maneira de protegê-las, sendo necessária a identificação dos modos de produção e das relações sociais que poderiam garantir a continuidade da produção. Para isso, segundo José Quintas, pesquisador do CNRC, o Centro “trabalhava mais a Cultura enquanto processo do que enquanto produto”.21
A preocupação com a intensificação da globalização foi manifestada no documento, já referido, editado pelo MEC, em 1975.22 Segundo Sergio Miceli, esse documento demonstra a urgência da salvaguarda do patrimônio cultural envolvendo “tanto o acervo associado à história dos grupos dirigentes como as tradições e costumes das classes populares definidas como folclore ou populário”.23 Esse patrimônio, principalmente o popular, seria o núcleo de uma cultura brasileira autônoma, com características próprias capazes de se opor à massificação do desenvolvimento e dos meios de comunicação, numa clara preocupação com a identidade cultural brasileira frente à globalização. No Seminário Perspectivas do Ensino em Brasília, em 1976, Magalhães referiu-se ao processo de globalização, entendendo haver benefícios na comunicação global, mas que acarretava riscos para as identidades culturais; podendo “levar a uma descaracterização, a uma uniformização de atitudes, de maneiras de ser, de maneiras de pensar, uniformização essa que é sem dúvida nenhuma contrária ao espírito de peculiaridades de uma cultura”.24
Em 1979, Magalhães assumiu a direção do Iphan e promoveu sua fusão com o CNRC e com o PCH. Ele criou também a Fundação Nacional Pró-Memória (PróMemória), braço executivo do Iphan. Tinha como objetivo a adoção de novas políticas de patrimônio, o que ficou patente nas críticas feitas ao Iphan nos discursos e publicações oficiais a partir de 1979.25 Vale destacar o Editorial do primeiro Boletim do Iphan, em 1979, quando se referiu a uma “hipertrofia dos setores dedicados à conservação e restauração dos monumentos de pedra e cal, com ênfase principalmente nos representativos da acumulação da arquitetura europeia no Brasil”. Propôs, além disso, uma visão integral do patrimônio, “que não separa as condições do meio ambiente daquelas do fazer do homem. Que não privilegia o produto - habitação, templo, artefato, dança, canto, palavra - em detrimento das condições do espaço ecológico em que tal produto encontra-se densamente inserido”.26 Ele adotou o conceito de “bem cultural” no lugar do “patrimônio histórico e artístico nacional”, que deveria refletir a dinâmica cultural brasileira, considerando o valor dos bens pelo seu significado e relação com seus produtores.
O PCH, segundo os novos discursos do Iphan, desempenhava um papel importante, por vincular as obras financiadas pelo Programa a usos que garantissem a “reinserção dos bens recuperados no contexto socioeconômico e cultural das comunidades a que pertencem”, entendendo que “o monumento passou a ser encarado […] em termos de seu uso como elemento dinâmico de uma ativa e presente trajetória histórica”.27
A valorização e preservação dos bens de natureza material, de “pedra e cal”, conforme denominado por Magalhães, considerando a relação com seus produtores, exigia repensar os critérios e procedimentos de valorização. Segundo Fonseca,28 enquanto a preservação dos bens de natureza imaterial depende diretamente de seus produtores para seu fazer constante, o patrimônio material é constituído por bens que independem desse fazer para permanecerem no tempo. No entanto, mesmo construídos no passado, seu valor de patrimônio deriva dos significados que lhe são atribuídos e retribuídos, sempre no tempo presente, dependendo dos grupos para os quais devem fazer sentido. Era preciso construir novos caminhos de atribuição de valores e de preservação de acordo com o ideário daquele momento, superando os critérios até então usados.
Desde a entrada de Magalhães no Iphan, conviveram renovações e permanências dos trabalhos desenvolvidos por diferentes equipes profissionais. As críticas, tensões e disputas estavam presentes conforme pode ser observado nos discursos, boletins e nas revistas da instituição, mas havia, também, um clima de entusiasmo, conforme afirma Fonseca.29 Ela cita um seminário que reuniu funcionários do Iphan, CNRC e PCH, em 1979, para apresentação, por Magalhães, das características complementares das três instituições, resultando num clima de “entusiasmo ante a perspectiva de um trabalho conjunto”.30 Magalhães usou como uma das estratégias de união, entre as novidades trazidas por ele e a tradição do Iphan, a figura de Mário de Andrade, resgatando a cultura popular valorizada em seu Anteprojeto para a instituição, em 1936, forjando uma continuidade histórica. Ou seja, ele estaria dando continuidade a uma tradição do Iphan até então sem oportunidade de desenvolvimento.31
Há muito ainda a ser compreendido sobre tensões e disputas nesse período, mas havia, de modo geral, um investimento nas políticas de redemocratização, favorecendo novas ações, interessando aqui destacá-las, porque, no nosso entender, motivaram a presença de servidores do Iphan nos bastidores da Constituinte, atuando para manter os avanços na proteção de bens materiais e imateriais, num texto constitucional condizente.
NOVAS AÇÕES: AVANÇOS A SEREM MANTIDOS
Dentre os avanços alcançados nas décadas de 1970 e 1980 pode-se inicialmente citar a manutenção dos trabalhos do CNRC no Iphan, dentro de uma coordenadoria, preservando seu nome e a sigla. Era a Coordenadoria Geral do Centro Nacional de Referência Cultural, em funcionamento desde a chegada de Magalhães, mas oficializada na estrutura institucional apenas em 1986.32 Foram mantidas as pesquisas documentais e etnográficas dos processos sociais de produção dos bens, conforme feito no antigo CNRC. Os resultados mais conhecidos são as pesquisas da tecelagem popular do Triângulo Mineiro; da cerâmica de Amaro de Tracunhaém, em Pernambuco; da indústria familiar de imigrantes, na cidade de Orleans, em Santa Catarina; do artesanato indígena, no Centro-Oeste; da fabricação de lixeiras com o aproveitamento de pneus usados no Nordeste; e do Estudo Multidisciplinar do Caju, destacando-se o vinho extraído da fruta na Fábrica Tito Silva, localizada em João Pessoa.
Outro projeto a ser ressaltado é o Mapeamento de Monumentos e Sítios Religiosos Negros da Bahia (MAMNBA), pela inclusão dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Segundo Marcia Sant’Anna33 o projeto surgiu de uma pergunta feita por Olympio Serra: “Que tal tombar o Terreiro do Gantois?”. A partir daí foi desenvolvido o “inventário dos monumentos e sítios vinculados aos cultos de matriz africana na Bahia que pudesse amparar a implementação de uma política consistente de reconhecimento e proteção desse patrimônio cultural”.34 O projeto teve como um de seus resultados o mapeamento de cerca de 2.000 terreiros em Salvador e teve grande importância para o tombamento do Terreiro da Casa Branca, citado adiante.35
Uma nova linha programática, implantada por pesquisadores oriundos do CNRC, foi o Projeto Interação, desenvolvido pela PróMemória, envolvendo outras instituições governamentais e organizações sociais, para a valorização da cultura e produção cultural na educação básica, tanto nas redes formais quanto em iniciativas alternativas de ensino. Esses trabalhos aconteceram em diversos estados brasileiros e diferentes contextos sociais, abrangendo, por exemplo, populações indígenas e moradores de favelas.36 O Projeto Interação no Acre, desenvolvido entre 1982 e 1986, considerava os saberes dos povos das florestas - suas conquistas agrícolas, comerciais, modos de produção e de vida como referências das ações educativas. Durante a Constituinte, essa experiência foi citada como ação importante, em audiência pública, pelo secretário do Conselho Nacional de Seringueiros.
Deve-se, também, destacar trabalhos com as comunidades dos sítios urbanos tombados, como parte importante das novas políticas da redemocratização. O Iphan promoveu oito seminários, de 1979 a 1982, em Ouro Preto (MG), Paraty (RJ), Goiás (GO), Olinda (PE), São Luís (MA), Congonhas (MG), São Cristóvão (SE) e Cachoeira (BA). A partir daí os procedimentos de preservação nessas cidades deveriam considerar os moradores, os usuários dos sítios, a dinâmica urbana e a melhoria da qualidade de vida em sua relação aos significados atribuídos aos sítios pelas comunidades. A ideia era associar a preservação aos modos contemporâneos de apropriação dos sítios, relacionando, assim, o patrimônio com o cotidiano e com as condições de vida no presente.37
Houve ainda a preocupação com a produção de conhecimento técnico sistemático a respeito dos sítios urbanos tombados, como condição para o compartilhamento de valores e estabelecimento de normas de intervenção nos imóveis, declarando o alcance e limites do Iphan na preservação. Foi o caso da proposta do Inventário Nacional de Bens Imóveis em Sítios Urbanos Tombados (INBI-SU), criado em 1986, cuja premissa era ter um instrumento de “trabalho para estabelecer uma relação clara, participativa, não casuística e arbitrária, entre a instituição e os diversos agentes que atuam e vivem o processo de gestão das cidades”.38 Eram feitos levantamentos dos imóveis, questionários com moradores e pesquisas em fontes documentais para a revalorização e salvaguarda da arquitetura e de aspectos urbanos. Esse inventário foi desenvolvido em diversos sítios, mas foi em Tiradentes (MG), cidade tombada pelo Iphan em 1938, que resultou no planejamento de critérios e normas de intervenção no centro histórico, cuja primeira versão foi editada, em 1994, após reuniões com moradores, comerciantes e empresários locais, vereadores e prefeito. Foi estabelecido o controle edilício e de aspectos urbanos, como a manutenção das características dos antigos becos, caminhos e margens dos rios, visando mantê-los como documentos do processo de ocupação e da vida local. Mesmo sem contar com um casario colonial, testemunhavam diferentes apropriações dos espaços, tais como áreas de serviços, possibilitando a leitura da história do sítio como um documento - como cidade-documento.
O conceito cidade-documento orientou novas narrativas de valorização de áreas urbanas na ampliação das ações de proteção por meio do tombamento no atendimento de reivindicação das comunidades e outros agentes de fora do Iphan. Dois casos tornam-se importantes: Petrópolis (RJ) e Laguna (SC). No primeiro caso, a APAND, uma associação de moradores de Petrópolis, solicitou a proteção de grande área da cidade ao Congresso Nacional - por meio de uma deputada - por causa do processo de especulação em curso, com a destruição dos imóveis e construção de prédios de grande altura. Ao tomar conhecimento do fato, Magalhães trouxe o caso para o Iphan, entendendo que a proteção era dever da instituição, e que seria uma ação exemplar de atendimento às comunidades. A proteção se deu pela inscrição no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em duas etapas, em 1980 e 1982, mesmo sendo um sítio sem uniformidade estilística, com o predomínio de características ecléticas e com urbanismo de influência alemã, bem distintas da colonização portuguesa, historicamente valorizadas pelo Iphan.
Como cidade-documento, o valor de patrimônio atribuído a Petrópolis considerou as condicionantes geográficas da forma da cidade, tendo como base o Plano Koeller, que lhe havia dado origem. Além do traçado das ruas e edificações, foram valorizados, para tombamento, os rios, canais e os morros, por sua relação com o desenho urbano, assim como os vestígios da estratificação urbana, como lotes nobres junto ao Palácio Imperial - área integralmente tombada -, e áreas com lotes maiores para produção agrícola por colonos europeus, com o tombamento dos rios e canais e a proteção dos lotes ao longo dos cursos d’água como áreas de entorno. A manutenção desses elementos, além dos aspectos paisagísticos e de controle das transformações, possibilitava a leitura do projeto de colonização do espaço.39
Essa era a essência do conceito cidade-documento, depois explicitado pelo Iphan, em 1984, no tombamento de Laguna (SC), por meio do Processo nº 1122-T-84. Nesse caso foram considerados, também, os condicionantes da produção do espaço e sua motivação, como elementos que deveriam ficar legíveis no território, não se limitando à arquitetura. Laguna era um sítio histórico cujas edificações não tinham a uniformidade e as qualidades estilísticas tradicionalmente consagradas pelo Iphan, tendo sua valorização, como patrimônio nacional, orientada pela observação da forma urbana. Era o último porto seguro ao sul, que viabilizou a expansão da ocupação portuguesa, podendo ser compreendido a partir da leitura da acomodação do centro histórico aos elementos naturais que garantiram a segurança do sítio, incluindo os morros e a laguna. Nesse caso, além da área urbana histórica construída, foram tombados os morros e parte da laguna, inscritos no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 1985. Para a explicitação do conceito cidade-documento, os técnicos do Iphan recorreram à Nova História, formulada ao longo do século XX,40 e sua noção de documento - que não necessariamente são os escritos -, mas são qualquer coisa que possa ser lida e interpretada para a construção da história. Nesta perspectiva, as cidades podiam ser entendidas e valorizadas, considerando vestígios ainda legíveis no território.
As reivindicações dos grupos afro-brasileiros foram importantes nas transformações das políticas de patrimônio nos anos 1980 e resultaram no que Joseane Brandão (2020) considerou como uma “articulação entre políticas de patrimônio cultural e demandas por reparação de comunidades negras”.41 Segundo a autora, foi quando se desenvolveu a ideia de uma dívida histórica com a escravidão e “a figura dos quilombos ganha centralidade política na afirmação de uma ‘identidade negra’ e na difusão da memória da luta dos escravos contra a escravidão, opondo-se à visão, celebrada na época imperial e posteriormente, da abolição como um ato de generosidade da família real”.42 A Serra da Barriga, onde se situava o Quilombo dos Palmares, considerado símbolo da liberdade de grupos de origem africana, parte da identidade brasileira, teve o Processo de tombamento nº 1.069-T-82 aberto em 1982, a partir de pedido do Conselho Geral do Monumento a Zumbi, composto por organizações que combatiam o racismo, encaminhando um abaixo assinado com mais de 5000 assinaturas de pessoas e organizações envolvidos com o reconhecimento da cultura dos afrodescendentes, de diversos estados brasileiros.43 Os estudos para o tombamento reforçavam o sentido histórico e simbólico do sítio, representante do ideal da pluralidade étnica. O tombamento foi feito em 1986, por meio de inscrição no Livro Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. O tempo decorrido para a conclusão do Processo motivou protestos. O Iphan justificou a demora porque a área de 2,2 mil hectares, a ser preservada, incluía propriedades privadas, demandando visitas técnicas, notificações e outros entendimentos com os proprietários.
O caso que provocou discussões importantes na época foi o pedido de tombamento do Terreiro da Casa Branca - Ilê Axé Iyá Nosso Oká -, localizado em Salvador, na Bahia, motivado pela ameaça de despejo da comunidade religiosa do seu amplo terreno para construção de um empreendimento imobiliário. O Processo 1067-T-82 foi aberto, em 1982, a partir de um Ofício do diretor do Iphan na Bahia. Nele constam depoimentos acerca da importância do terreiro, pesquisas do Iphan, plantas arquitetônicas, fotografias, recortes de jornais, assim como manifestações de diversos intelectuais, tais como professores universitários, escritores, dirigentes de instituições culturais e de associações profissionais. Destaca-se a carta da Sociedade Beneficente e Recreativa São Jorge do Engenho Velho, associação representativa do Terreiro, anexando um abaixo-assinado, dirigido ao prefeito de Salvador para desapropriação do terreno e cessão de uso a favor da comunidade religiosa. Essas medidas seriam um reconhecimento da importância da cultura trazida da África e dos direitos de quem construiu e preservou o lugar, ocupado há quase 300 anos. O valor nacional do bem foi ressaltado em manifestações como a de Gilberto Velho, então presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e membro do Conselho Consultivo do Iphan, destacando ser um “patrimônio importante para a sociedade brasileira como um todo”.44
Embora a motivação inicial do pedido de tombamento fosse evitar a venda do terreno a uma construtora, a argumentação consistente de atribuição dos valores ao terreiro, como referência cultural dos afrodescendentes no Brasil, e a importância de sua inclusão no rol dos bens tombados, equiparando-o àqueles historicamente valorizados, de influência europeia, justificou a manutenção do pedido de proteção federal, independentemente da desapropriação do terreno pela prefeitura. Ou seja, tratava-se da reivindicação do reconhecimento da religiosidade afrodescendente como patrimônio da nação. Até então o Iphan havia protegido apenas as igrejas católicas, considerando seus valores arquitetônicos e artísticos. A feição popular do terreiro, seus imóveis e bens integrados, exigia novos critérios de valorização. E foi exatamente sua feição popular o motivo das principais discussões dentro do Iphan, entendendo que o sítio somente teria valor se mantido seu uso e o tombamento não era um instrumento capaz de garantir essa manutenção. Essa preocupação não era manifestada no caso das igrejas católicas, porque o Iphan entendia que os valores artísticos e arquitetônicos, motivadores dos tombamentos, permaneciam, mesmo quando cessadas as atividades religiosas, em seu interior.
Em reunião, no dia 10 de agosto de 1983, da qual participaram representantes de movimentos afrodescendentes, servidores do Iphan e seus conselheiros, foram enumerados os pontos que afligiam os responsáveis pelos estudos, afirmando ser necessário detalhar os bens que seriam objeto da preservação e as formas de intervenção do Estado, diante da mutabilidade das manifestações religiosas no terreiro. A conclusão da reunião foi a incerteza sobre a validade do tombamento como instrumento mais adequado para a proteção do sítio, com o encaminhamento do Processo ao Conselho Consultivo do Iphan, para “se pronunciar favoravelmente ao valor cultural do bem e à validade de se encontrar formas mais adequadas à sua preservação”. Caso o pronunciamento fosse favorável, o Iphan, por meio da PróMemória, deveria providenciar “a aquisição do sítio religioso para sua cessão permanente aos seus usuários atuais, na pessoa da entidade que os representa”.45 Entretanto, o terreno não foi adquirido e o sítio religioso foi tombado, por meio de sua inscrição no Livro de Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 1985. O caso ficou marcado como paradigmático, a partir do qual, deveria ser discutida a preservação de bens por meio de um instrumento que não acarretasse imutabilidade. Segundo Velho, na condição de Conselheiro do Iphan, a imutabilidade seria consequência do tombamento, única norma legal de proteção do patrimônio na ocasião. Velho defendeu que as normas institucionais deveriam “procurar uma adequação para lidar com um fenômeno vivo, em permanente processo de mudança”.46
Cabe notar, no entanto, que a inadequação do tombamento a situações como a do terreiro não procedia. Isso porque, os sítios urbanos já tinham demonstrado a viabilidade do tombamento em situações de mutabilidade. Esses sítios quando tombados, embora submetidos ao controle do Iphan, transformam-se e adaptam-se a novos usos. Também no caso dos terreiros, ao longo dos anos, essa imutabilidade atribuída ao tombamento demonstrou não ser verdadeira, requerendo, como nos centros históricos, um controle para manutenção de aspectos valorizados como patrimônio cultural sem impedir, no entanto, adaptações a novas necessidades sociais. A partir de análise dos tombamentos de terreiros em âmbito federal47 e entrevistas com seus representantes e técnicos do Iphan, Juliana Cunha48 mostra haver um consenso quanto às modificações: as obras mais rotineiras, “não necessitam passar pela autorização do Iphan e as obras de maior impacto, devem constar de processo de autorização e fiscalização”.49 O tombamento não é impeditivo de modificações nos terreiros, desde que não conflitem com os valores atribuídos. Em suas palavras:
Pode-se deduzir então, que o tombamento não proíbe fundamentalmente alterações nos bens tombados, mas sim a ‘destruição, mutilação e demolição’ dos mesmos (art. 17 do decreto lei nº 25/37). Portanto, se as modificações impetradas estiverem vinculadas à manutenção dos aspectos aos quais foi atribuído valor patrimonial, não há por que o Iphan oferecer impedimento.50
Não à toa o Terreiro da Casa Branca vem sendo um dos exemplos mais citados nos trabalhos dedicados às transformações ocorridas no patrimônio cultural na década de 1980, por ser aquele em que um bem material foi valorizado como referência cultural, pelos seus significados relacionados a determinada cultura, independentemente de uma estética consagrada, associada a estilos arquitetônicos. Foi valorizado como referência de memória, identidade e ação de um determinado grupo de brasileiros, conforme conceito adotado, posteriormente, no artigo 216 da Constituição.
Os casos citados mostram que houve um esforço no estabelecimento de diálogos com as comunidades e pela inclusão da produção de diferentes grupos sociais e de bens com características até então desconsiderados nas práticas de preservação. Forma ações exemplares, no atendimento às lutas por direitos culturais, num contexto em que os indivíduos e grupos sociais constituíram-se em sujeitos da preservação, acionando as instituições responsáveis pela proteção dos bens como patrimônio cultural, que, por sua vez, também se constituíram em sujeitos da preservação, trabalhando pela implantação de uma política pública afinada com a redemocratização. Os sujeitos aqui são entendidos de acordo com Alain Touraine,51 como aqueles que agem por transformações. Ele chama de sujeito a “construção do indivíduo (ou do grupo) como ator, pela associação de sua liberdade afirmada e de sua experiência vivida, assumida e reinterpretada. O sujeito é o esforço de transformação de uma situação vivida em ação livre”.52
INICIATIVAS POR UMA CONSTITUINTE PARTICIPATIVA
No contexto da redemocratização movimentos populares também se organizaram para reivindicar uma Constituinte participativa. Maria Helena Versiani destaca os movimentos sociais que propunham instrumentos capazes de influenciar os trabalhos da Constituição como o Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte, em São Paulo, para criação de instrumentos de participação. Cita um “ponto alto” desse tipo de organização como sendo o “lançamento do Movimento Nacional pela Participação Popular na Constituinte, que reuniu, no município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, diversas organizações populares e mais de sete mil pessoas”. Pretendiam fomentar a criação de movimentos em vários municipais com o objetivo de lutar por “uma Constituição do povo brasileiro”.53
Como procedimento da própria Constituinte pode-se considerar como primeira iniciativa por um desenvolvimento participativo a rejeição do Anteprojeto de Constituição que orientaria os trabalhos. O documento foi elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, nomeada por meio do decreto nº 91.450, de 18 de julho de 1985, do então presidente da República, eleito indiretamente, José Sarney, também em 1985. Era composta por 48 personalidades de destaque no panorama nacional, com uma maioria de juristas com experiência em diferentes áreas de atuação, mas também com escritores, cientistas sociais, economistas, empresários e religiosos. Grande parte desses participantes tinha atuação política ou ocupava cargos públicos. Dois participantes dessa Comissão devem ser destacados pela sua relação com a preservação do patrimônio cultural: Afonso Arinos de Melo Franco e Joaquim Arruda Falcão. O primeiro foi colaborador do Iphan, desde a fase de sua fundação e membro do seu Conselho Consultivo até 1987, sendo considerado como responsável pela elaboração do conceito civilização-material54 e pelo desenvolvimento de cursos a pedido de Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor geral da instituição durante 30 anos. Joaquim Arruda Falcão era amigo de Aloísio Magalhães, seu vizinho em Olinda e admirador dos trabalhos desenvolvidos pelo CNRC, além de colaborador nas discussões sobre o tema da cultura brasileira e do patrimônio cultural. Falcão escreveu o texto A Política Cultural de Aloísio Magalhães, que introduz o livro E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil, cuja primeira edição é de 1985. O livro tinha como objetivo apresentar o pensamento de Magalhães e sua contribuição para o patrimônio cultural.
O Anteprojeto foi concluído em 18 de setembro de 1986, apresentando o artigo 398 sobre o patrimônio cultural:
Art. 398 - São bens de cultura os de natureza material ou imaterial, individuais ou coletivos, portadores de referência à memória nacional, incluindo-se os documentos, obras, locais, modos de fazer de valor histórico e artístico, as paisagens naturais significativas e os acervos arqueológicos.55
Segundo o discurso já citado de Ulysses Guimarães, a rejeição ao Anteprojeto se deu logo na instalação da Constituinte, para favorecer a ampla participação na sua elaboração. Há indícios, no entanto, de que a proposta foi usada, extraoficialmente, pelo menos no que diz respeito ao patrimônio cultural, sendo citada em documentos no decorrer da Constituinte. Além das citações, o Anteprojeto já propunha no artigo 398, reproduzido acima, termos que indicavam um conceito pelo qual os bens deveriam ser valorizados como portadores de referências, dentro do mesmo espírito adotado no texto final do artigo 216 e incluindo os bens de natureza imaterial.
Outra iniciativa de estímulo à participação se deu antes da instalação da Constituinte, em março de 1986, quando a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal lançou uma campanha “Faça, você também, a nova Constituição”, em parceria com a Agência Brasileira de Correios e Telégrafos e a Rede Globo, distribuindo formulários por meio dos quais qualquer interessado poderia opinar acerca do que julgasse importante constar na Constituição. A campanha estendeu-se até julho de 1987, com a distribuição de cinco milhões de formulários apresentando os objetivos da pesquisa. O Congresso Nacional recebeu de volta 72.719 formulários, cujas informações foram organizadas pelo PRODASEN - Serviço de Processamento de Dados. Hoje os dados estão armazenados na Base Histórica SAIC - Sugestão da população brasileira à Assembleia Nacional Constituinte de 1988, no Senado Federal.
A publicação A Constituição Desejada (SAIC: As 72.719 sugestões enviadas pelos cidadãos brasileiros à Assembleia Nacional Constituinte), coordenada por Stephane Monclaire (1991), mostra o resultado expressivo da pesquisa por conter um repertório variado de sugestões, classificados nos “grandes temas”: Ecologia, Organização do Estado, Organização Social, Direito, Meio Ambiente, Bens Públicos e Política Educacional. Já a Política Cultural, Cultura e o Patrimônio Cultural constam como indexadores, sem a mesma importância dos grandes temas. Pode-se atribuir essa diferenciação ao reduzido número de formulários recebidos. Numa busca nos dados dessa pesquisa na Base Histórica SAIC, podem ser encontrados 353 formulários sobre o tema Política Cultural, sendo 0,48% do total de 72.719 formulários. Patrimônio Cultural consta em 104 formulários, correspondendo a 0,14% do total e observa-se que alguns formulários foram preenchidos por uma mesma pessoa, resultando num universo final para análise de 95 autores diferentes. A identificação dos formulários foi feita por meio de filtragem, usando palavras-chave, com termos empregados nas atividades de preservação desde o início, em 1937, e durante o período de transformações nas concepções de patrimônio nas décadas de 1970 e 1980.
Os dados pessoais destes respondentes mostram ser um público urbano, jovem, masculino, com estudos e/ou perspectivas de avanço na escolaridade, com predominância de mais baixa renda, mas podendo ser considerada equilibrada, se considerados os estudantes que constam como não tendo renda.
Na consulta observa-se que, embora fossem poucos os respondentes citando temas relacionados com o patrimônio cultural, e havendo uma predominância do valor histórico e artístico de acordo com as práticas consagradas de preservação no Brasil, também constam conteúdos de mudanças, em acordo com as transformações que vinham ocorrendo desde a década de 1970 e com o que foi adotado na Constituição, tais como: a valorização de festas e manifestações culturais; a preservação da natureza e do patrimônio genético; memória referindo-se à “memória nacional”, “memória brasileira”, “memória cultural”, “memória histórica”, “memória histórico cultural”, “memória do Brasil”, “memória musical” e “memória do patrimônio cultural do povo brasileiro”; identidade, referindo-se à “identidade nacional”, simplesmente à “identidade” e à “identidade linguística”; à descentralização das práticas de preservação associada a valores locais; à diversidade cultural, especialmente quando relacionada à cultura afro-brasileira, e referências às ameaças ao patrimônio pela especulação imobiliária.
Com relação ao aproveitamento da pesquisa pela Constituinte, pode-se entender que foi importante. O relatório, de maio de 1987, da Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes da Constituinte, apresentando o Anteprojeto do Relator, deputado João Calmon, fez referência às sugestões populares enviadas ao Senado Federal, registrando 778 contribuições sobre a cultura. Essa quantidade é maior do que os 353 formulários acima citados, fazendo supor que, além da pesquisa “Faça, você também, a nova Constituição”, foram consideradas outras contribuições, como as cartas espontaneamente enviadas à Constituinte. A este respeito deve-se lembrar o Projeto Memória da Constituinte, desenvolvido pela PróMemória, que recolheu documentos enviadas ao Congresso Nacional relativos às manifestações espontâneas de cidadãos organizações e instituições para a formulação da Constituição. A documentação recolhida foi entregue pelo Iphan ao Museu da República, formando uma coleção com mais de 20 mil sugestões.56
O Relatório da Subcomissão afirma que a maioria das sugestões pôde ser incluída na Constituição e destaca os proponente e reivindicações, como instituições, artistas, estudantes e trabalhadores, solicitando a preservação do meio ambiente como patrimônio cultural, a liberdade e valorização das manifestações culturais, o desenvolvimento de estudos a seu respeito, assim como a punição à discriminação cultural:
[…] uma legislação abrangente, com sanções rigorosas para a defesa e proteção do Patrimônio Cultural brasileiro, incluindo a preservação do meio ambiente, foi um tema que recebeu 59 (cinquenta e nove) formulações. A causa da igualdade e da liberdade cultural, punindo-se, como crime inafiançável, com mais rigor, qualquer tipo de discriminação cultural, racial ou dirigida a quaisquer minorias étnicas ou sociais, teve 32 (trinta e duas) adesões de entidades e pessoas. Instituições, artistas, estudantes e trabalhadores pediram uma defesa mais firme do patrimônio e das manifestações da cultura brasileira, a sua maior valorização pelo Poder Público e mais estímulos aos estudos a ela dedicados.57
A previsão de audiências públicas foi parte da proposta da Constituinte desde o início, com agendamento de reuniões para seu desenvolvimento. A Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes programou 35 reuniões das quais doze eram audiências públicas. No que diz respeito, especificamente, à cultura, foram convidadas doze organizações não governamentais e doze instituições de governo ou programas e organizações a essas relacionadas. Nem todos os convidados participaram, mas, por outro lado, as atas registram a presença e pronunciamentos de outras entidades não constantes da lista agendada, como o Conselho Nacional de Seringueiros.
Deve-se registrar que a organização dessas audiências pela Subcomissão foi considerada desequilibrada, resultando em tensão entre os representantes de uma cultura tida como das elites e aqueles representantes de contextos culturais mais amplos e populares. A esse respeito, o presidente do SENALBA, Geraldo Bentes, em sua apresentação na audiência pública, no dia 6 de maio de 1987, criticou veementemente a predominância dos porta-vozes de instituições oficiais, artistas consagrados e da indústria cultural. O que, em sua visão, mantinha o exercício hegemônico de dominação cultural e negava a realidade do país. Além disso, ele denunciou a ausência das associações de moradores, dos movimentos dos sem-terra, dos negros, das mulheres, dos índios, dos ecologistas, dos homossexuais e dos meninos de rua. Em suas palavras:
[…] Não foram convidadas aqui as associações de moradores. Estas sim, uma das maiores manifestações culturais do País na atualidade. Nem as centrais sindicais, frutos da luta para colocar os trabalhadores fora da tutela fascista da lei sindical; nem os movimentos organizados dos sem-terras; dos negros; das mulheres; dos índios; dos ecologistas; dos homossexuais; dos meninos de rua, para citar apenas alguns. Neles se forjam a resistência e o avanço cultural da maioria do nosso povo. O Senalba vem, portanto, para defender um conceito de cultura que vai se forjando no real, nos conflitos sociais e que queremos ver inscrito na nova Constituição.
[…]
A identificação e valorização dos diferentes modos de vida devem nortear, efetivamente, a revisão, criticando o modelo de desenvolvimento e das políticas públicas. Que as referências culturais sejam consideradas na formulação e implantação das políticas das comunicações, da reforma agrária, da saúde, da educação, da habitação, do desenvolvimento urbano, da ciência e tecnologia, entre outras.58
O então presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Antônio Augusto Arantes, na reunião do dia 4 de maio de 1987, manifestou-se por uma visão abrangente de cultura e seu papel como parte da ordem social, equiparando-a a outros direitos fundamentais, como o trabalho, a moradia e a saúde. Rejeitou qualquer tipo de censura como condição para o desenvolvimento cultural, bem como qualquer forma de discriminação relacionada às manifestações da pluralidade cultural e liberdade de expressão. Sobre o patrimônio cultural, Arantes afirmou a necessidade de valorização de seus múltiplos aspectos, respeitando e considerando o entendimento dos valores culturais pela sociedade civil. Enfatizou, ainda, a preservação das cidades e seu patrimônio ambiental urbano, incluindo sítios edificados e naturais, subordinando a propriedade aos interesses sociais.
O Secretário do Conselho Nacional de Seringueiros, Osmaríno Amâncio Rodrigues, na audiência pública de 12 de maio de 1987, reivindicou a inclusão da cultura nos conteúdos escolares, usando como exemplo o trabalho desenvolvido pelo Projeto Interação, anteriormente citado. Refere-se ao seu desenvolvimento, entre 1982 e 1986, em várias localidades do Acre, considerando os contextos culturais na educação, valorizando as referências básicas da cultura local. Na audiência foi ressaltado que o trabalho desenvolvido, contando com instituições da Secretaria da Cultura do Ministério da Educação e Cultura, passou a ter dificuldades financeiras para sua continuidade depois da divisão do Ministério. Defendia-se um trabalho conjunto, em que a educação não vive sem a cultura.
Houve, também, uma audiência pública com a participação do Ministro da Cultura, Celso Furtado, no dia 12 de maio de 1987, com a apresentação de um documento feito por servidores e colaboradores do Iphan, em comissão por ele nomeada, com os juristas Modesto Carvalhosa, Rafael Carneiro da Rocha e Claudia Martins Dutra e os arquitetos Augusto Carlos da Silva Teles e Paulo Ormindo de Azevedo David. Denominado “Sugestão à Assembleia Nacional Constituinte”, o documento abordou temas afeitos às práticas do Iphan e do CNRC, com citações às contribuições de Aloísio Magalhães, usando as categorias patrimônio de natureza material e imaterial e empregando a expressão referenciais de cultura. Os autores também apresentaram sugestões para o artigo 398 do Anteprojeto Constitucional, que havia sido rejeitado, acrescendo “memória local - urbana e rural”, “as manifestações” e modos de convívio, destacados abaixo, parecendo haver a intenção de ampliar possibilidades de valorização de bens culturais.
Art. 398 - São bens de cultura os de natureza material ou imaterial, individuais ou coletivos, portadores de referência à identidade nacional e à memória local - urbana e rural - incluindo as manifestações, ou modos de fazer e de convívio, documentos, obras, locais e sítios de valor histórico e artístico, arqueológico ou científico, e as paisagens antrópicas e naturais.59
Essa não foi a primeira tentativa de resgate do artigo 398 do Anteprojeto, pois, antes, termos semelhantes constavam da emenda de 22 de abril de 1987, proposta pelo deputado constituinte Octávio Elísio, membro da Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes, denotando a influência do Anteprojeto Constitucional. Cabe ainda lembrar que essas propostas definiam um conceito a partir do qual os bens culturais deveriam ser valorizados, ou seja, buscando dar sentido aos “bens de cultura”.
As contribuições dos participantes do SENALBA, da ABA, do Conselho Nacional de Seringueiros e do MinC à Subcomissão, destacados acima, trazem essencialmente o desejo de mudanças, pela inclusão da diversidade cultural, pelo respeito dos modos de vida e de novas possibilidades na valorização do patrimônio cultural, referindo-se às referências culturais mais significativas das coletividades.
A SUBCOMISSÃO E A REDAÇÃO DO PATRIMÔNIO
A Constituinte contou com uma estrutura que responsabilizava as subcomissões pelos primeiros trabalhos de redação relativos aos seus temas e contava com instâncias posteriores - principalmente as comissões temáticas -, que podiam influir e modificar as propostas, conforme esquema simplificado na Figura 1. Cada subcomissão e comissão contava com presidentes e relatores.
Com relação à Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes, suas 35 reuniões desenvolveram-se, em menos de dois meses de trabalho, de 7 de abril a 25 de maio de 1987, sendo apresentados três anteprojetos do relator, incluindo conteúdos relativos à proteção do patrimônio. A primeira proposta de Anteprojeto do Relator da Subcomissão, ainda sem numeração dos artigos, foi apresentada na 23ª Reunião da Subcomissão, no dia 11 de maio de 1987, afirmando:
Art. - O Estado garantirá o pleno exercício dos direitos culturais e dará proteção, apoio e incentivo a todas as ações de valorização, desenvolvimento e difusão da cultura.
[…]
5° - Pelo reconhecimento pelo poder público dos múltiplos universos e modos de vida da realidade nacional e suas formas de expressão, preservando aquelas que formam a sua memória e identidade que valorizem e promovam o homem brasileiro;
6° - Pelo compromisso do Estado de resguardar e defender a integridade, pluralidade, independência e autenticidade da cultura brasileira;
Art. - A lei estabelecerá prioridades, incentivos e vantagens para a cultura nacional, especialmente, quanto à formação e condições de trabalho dos seus criadores, intérpretes e estudiosos, produção, circulação e divulgação das obras e exercício dos direitos de intervenção do autor.
§1° - O patrimônio e as manifestações da cultura popular, principalmente as indígenas e afro-brasileiras terão proteção especial do Estado contra ações estranhas que violentem a sua natureza e autenticidade.60
Chama a atenção, inicialmente, o fato de o patrimônio cultural ser tratado como algo já reconhecido, simplesmente como “patrimônio”. Sequer foram mencionados os tipos de bens ou critérios de valor como os artísticos, históricos ou de excepcionalidade, tradicionalmente usados. Por outro lado, o texto descreve os bens de natureza imaterial: “manifestações da cultura popular”, “formas de expressão”, “múltiplos universos”, “modos de vida da realidade nacional”, assim como as manifestações das culturas “indígenas e afro-brasileiras”. Pode-se, por isso, entender que houve influência da força da ação consagrada historicamente pelo Iphan, sendo necessário apenas enumerar aquilo que ainda não estava incluído pelas práticas empreendidas pela instituição.
Observa-se, também, que os conteúdos ficaram subdivididos entre artigos, parágrafos e incisos, comprometendo a compreensão do que seria patrimônio cultural. Foram incluídos os conceitos de “memória e identidade que valorizem e promovam o homem brasileiro”, mas citando um “reconhecimento pelo poder público” sem a definição de instrumentos para esse reconhecimento.
Uma segunda proposta de Anteprojeto manteve os artigos, parágrafos e incisos já propostos, com poucas modificações, mas incluindo descrição dos bens, antes apresentados apenas como “patrimônio”, denominando aqueles bens tradicionalmente tratados pelo Iphan: sítios, edificações, objetos, documentos e outros de valor cultural, arqueológico, histórico, científico, artístico, ecológico e paisagístico, conforme artigo 22, abaixo. Também foram incluídos, no mesmo artigo, instrumentos de preservação - os inventários, a vigilância, o tombamento, a aquisição e outras ações de acautelamento e proteção.
Art. 22 - O Poder Público promoverá e incentivará a preservação de sítios, edificações, objetos, documentos e outros bens de valor cultural - arqueológico, histórico, científico, artístico, ecológico e paisagístico - através do seu inventário sistemático, vigilância, tombamento, aquisição e outras ações de acautelamento e proteção.61
A terceira proposta foi apresentada na 33ª reunião, em 22 de maio de 1987, sem modificações nos itens relacionados à cultural e ao patrimônio cultural. Isso provocou reclamações, até mesmo por parte de Hermes Zaneti, presidente da Subcomissão, porque o relator João Calmon não acatou sugestões dos constituintes, dentre as quais identifica-se a emenda de Octávio Elísio, de 22 de abril e 1987, semelhante ao que foi apresentado pelo Iphan na Audiência Pública, incluindo um conceito de patrimônio.
Apesar das reclamações, e sem discussões, o texto foi aprovado na 35ª reunião, em 25 de maio de 1987, e encaminhado para a Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, junto com um relatório. Neste, o relator João Calmon cita a inclusão de anexos com as emendas e sugestões não discutidas durante as reuniões da Subcomissão, dentre as quais estava a sugestão de Octávio Elísio.
Os artigos diretamente relacionados com a proteção do patrimônio cultural na proposta de Anteprojeto do Relator João Calmon foram o 18, 19 e 22:
Art. 18 - O Estado garantirá a todos os cidadãos o pleno exercício dos direitos culturais e dará proteção, apoio e incentivo às ações de valorização, desenvolvimento e difusão da cultura.
Parágrafo único. O exercício dos direitos culturais é assegurado:
[…]
V - pelo reconhecimento pelo poder público dos múltiplos universos e modos de vida da realidade nacional e as suas formas de expressão, preservando os valores que formam a sua memória e identidade e promovem o homem brasileiro;
Art. 19
[…]
§1º - O patrimônio e as manifestações da cultura popular, principalmente as indígenas e afro-brasileiras, terão a proteção especial do Estado contra ações estranhas que violentem a sua natureza e autenticidade.
Art. 22 - O poder público promoverá e incentivará a preservação de sítios, edificações, objetos, documentos e outros bens de valor cultural - arqueológico, histórico, científico, artístico, ecológico e paisagístico através de seu inventário sistemático, vigilância, tombamento, aquisição e outras ações de acautelamento e proteção.
[…]
§2º - Os bens próprios, sob administração ou tombados pelo poder público, receberão, anualmente, recursos financeiros, através de lei orçamentária, destinados à sua conservação, manutenção e permanência de seu valor e interesse cultural.
§3º - Toda pessoa física ou jurídica tem o direito e o dever de defender o patrimônio cultural do País, denunciando, conforme a lei, as ameaças e crimes contra ele praticados.62
Manteve-se, portanto, até o final dos trabalhos da Subcomissão de Educação, Cultura e Esportes uma redação com ênfase no respeito à diversidade cultural, já trabalhando com valores que formam a memória e identidade do homem brasileiro, mas com uma redação dispersa, sem definição do que seria patrimônio cultural.
A COMISSÃO TEMÁTICA, OS BASTIDORES E O CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL
A Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, que recebeu a proposta de Anteprojeto da Subcomissão para dar continuidade aos trabalhos, desenvolveu-se com treze reuniões ordinárias e cinco extraordinárias, durante um mês e meio, concluindo seus trabalhos no dia 14 de junho. Houve reuniões dedicadas a recursos e emendas, assim como a discussões dos conteúdos propostos nos anteprojetos das subcomissões. Podem ser destacados os temas da educação, enfocando principalmente subsídios públicos, e da censura, mas a cultura e discussões diretamente relacionadas à proteção do patrimônio cultural, sobre os artigos 18, 19 e 22 do Anteprojeto da Subcomissão, não constam das atas da Constituinte.
Apesar disso, na 10ª Reunião Ordinária da Comissão temática, dia 9 de junho, o seu relator, constituinte Artur da Távola, apresentou uma nova proposta para o patrimônio cultural, completamente modificada com relação àquela que havia sido encaminhada pela Subcomissão. Esse fato, no nosso entender, é indício de que houve trabalhos de bastidores, devendo ser compreendidos, motivando a consulta a emendas encaminhadas à Comissão e a pessoas que acompanharam o desenvolvimento da Constituinte.
Quanto às emendas, três buscavam conceituar o que seria patrimônio cultural, considerando-o como referência de memória e identidade dos diferentes grupos sociais e afirmando a natureza material e imaterial dos bens, em sintonia com o que havia sido proposto no Anteprojeto de Constituição e assumido em outras propostas ao longo da Constituinte, conforme já relatado. São emendas apresentadas, em junho de 1987, pelos constituintes Hélio Rosas (nº 144), Gumercindo Milhomem (nº 943) e uma nova Emenda de Octávio Elísio (nº 947).63 O primeiro era do PMDB de São Paulo, sem participação na Comissão e Subcomissão que tratou do tema da cultura, Milhomem era deputado do PT, também de São Paulo, e suplente na Comissão e na Subcomissão que tratou do tema da cultura. Deve-se destacar, mais uma vez, o deputado Elísio, cujo envolvimento com o tema da cultura foi declarado na entrevista citada e porque a Emenda 947, de sua autoria, reproduzida abaixo, se assemelha àquela que, em seguida, foi apresentado por Arthur da Távola à Comissão temática, assemelhando-se ao texto final do artigo 216 da Constituição.
Inclua-se como artigo, onde couber:
Art. […] - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens e valores de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjuntos, portadores de referência às identidades e a memória dos diferentes grupos e classes formadores da sociedade brasileira, aí incluídas as formas de expressão, os modos de fazer e de convívio, as criações artísticas, tecnológicas, obras, documentos e os locais e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, espeleológico, ecológico e científico.64
A consulta a profissionais do Iphan conhecidos por terem algum envolvimento na Constituinte, como Maria Cecília Londres Fonseca, nos levou a Ana Cláudia Lima e Alves, servidora aposentada da instituição, sendo possível, em entrevista, entender os movimentos dos bastidores. Segundo ela, foi de fato Octávio Elísio que teve atuação fundamental, dispondo-se a trabalhar junto e fazer o encaminhamento de alternativas à redação relativa ao patrimônio cultural.
Alves relatou sua preocupação, e de seus colegas, com uma proposta conservadora que pudesse representar um retrocesso com relação às conquistas alcançadas nas décadas de 1970 e 1980, principalmente para aquelas relacionadas à cultura popular e o patrimônio de natureza imaterial. Citou trabalhos do CNRC e do Projeto Interação, como o usado como exemplo de uma ação inovadora pelo Secretário do Conselho Nacional de Seringueiros durante a audiência pública da Subcomissão. Eram ganhos que não poderiam sofrer recuos.
A entrevistada também descreveu o apoio do SENALBA nos bastidores. Este sindicato esteve presente, não apenas na audiência anteriormente citada, mas em diversos momentos da Constituinte, tendo contribuído para os documentos relacionados ao patrimônio cultural e para sua veiculação entre os constituintes.
O importante para o grupo envolvido com a Constituinte, era garantir um texto que definisse patrimônio cultural de modo abrangente, valorizado pelos seus significados para os grupos sociais, como previa a ideia de referência cultural, incluindo os bens intangíveis, ou seja, de natureza imaterial. Segundo o relato de Ana Cláudia Lima e Alves:
[…] passamos noites discutindo e elaborando propostas, estávamos preocupados com um retrocesso. Octávio Elísio foi fundamental. Eu tenho muitas lembranças, mas estão confusas. No entanto, acho que para você o que importa é saber que ficamos trabalhando durante a Constituinte. […] Até pouco tempo eu guardei as anotações e propostas. Eram várias anotações. Pode ser que estejam entre meus documentos que estão no Arquivo do Iphan. Depois de minha aposentadoria tenho vindo aqui para organizar a documentação. Sei que tem muita coisa boa que pode interessar ao Arquivo. Ainda não consegui arrumar. Depois vamos lá para ver.65
Infelizmente não foi possível encontrar os documentos de Alves relativos à Constituinte, mas nesse relato constata-se que as discussões sobre o tema do patrimônio cultural e os trabalhos de redação de propostas eram frequentes, tanto nos bastidores como em encontros de servidores do Iphan. Foi um relato que confirmou a importância dos bastidores para fazer valer a nova definição de patrimônio na Constituição, com a inclusão dos bens de natureza imaterial e a ideia de referência à memória e identidade, mesmo sem terem sido temas discutidos nas reuniões da Subcomissão e da Comissão.
Esse esforço culminou no uso de conteúdos semelhantes às emendas dos deputados constituintes, especialmente de Octávio Elísio, por Arthur da Távola, relator da Comissão temática. A redação da proposta do relator foi:
Art. 18 (art. 18a) - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência às identidades, à ação e à memória dos diferentes grupos e classes formadoras da sociedade brasileira, aí incluídas as formas de expressão, os modos de fazer e de viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, obras, objetos, documentos, edificações, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, ecológico e científico.66
Arthur da Távola, na apresentação da proposta à Comissão, no dia 9 de junho, fez uma importante defesa para mudança de redação do art. 18 (Art.18a). Ele disse que havia considerado as opiniões e emendas que lhe chegaram, não se eximindo de rejeitar e aprovar integralmente ou parcialmente as sugestões. Destacou que o artigo relativo ao patrimônio cultural mereceria uma palestra, pela ideia da desmaterialização do conceito de patrimônio, incluindo os modos de viver e fazer das comunidades e chamando a atenção para a valorização das paisagens contra a especulação imobiliária. Não esqueceu, no entanto, dos demais valores já consagrados no Brasil, como os de caráter artístico e histórico. Em suas palavras:
Esse artigo mereceria, sozinho, uma palestra, pela ideia, em primeiro lugar, de desmaterialização do conceito de patrimônio histórico, levando, a tornar patrimônio até o modo de viver das comunidades, como está aqui dito, os modos de fazer da sociedade e tomando, como patrimônio cultural brasileiro, criações científicas, criações artísticas, tecnológicas, obras, objetos, documentos, edificações, conjuntos urbanos, sítios de valor histórico, paisagístico - o conceito de "paisagístico" já estava no anteprojeto - artístico, arqueológico, ecológico e científico. A colocação de padrões como os ecológicos, os paisagísticos, os artísticos no patrimônio cultural brasileiro - chamo a atenção dos Srs. Constituintes - passa a ter uma importância muito grande, sobretudo contra algumas investidas das chamadas especulações imobiliárias, que, particularmente no patrimônio paisagístico invadem.67
Cabe destacar que a redação do artigo 18 (art. 18a) apresentada por Artur da Távola incluiu o termo “ação”. A esse respeito Alves afirmou, em sua entrevista, que a inclusão do termo representava a valorização dos modos de fazer, dos processos de produção dos bens, sendo fundamental na atribuição de valor às coisas, de acordo com o entendimento de patrimônio desenvolvido a partir do CNRC, sendo mais uma demonstração da mobilização nos bastidores pela inclusão na Constituição de conteúdos de patrimônio entendidos como avanços já conquistados desde a década de 1970.
Após a aprovação dessa proposta na Comissão temática, em 14 de junho de 1987, e encaminhamento para a Comissão de Sistematização, Redação e Plenário, a única mudança de conteúdo foi um pequeno retoque na fase final da Constituinte, na Comissão de Redação, quando suprimiram “e classes” ficando apenas os “diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Finalmente, interessa retomar aqui, a ideia do conceito de patrimônio adotado na Constituição para pensar a respeito da ausência da expressão referência cultural no artigo 216, uma vez que o CNRC e Aloísio Magalhães foram citados ao longo da Constituinte. Na Constituição o termo referência está associado a três conceitos: identidade, memória e ação, o que pode provocar dúvidas sobre sua relação com os avanços propostos desde 1975, a partir do CNRC. Cabe dizer que Alves não se recordava de uma justificativa para a ausência da expressão, embora tivesse sido assunto nos bastidores para garantir a noção mais abrangente de patrimônio cultural.
Mas essa ausência pode ser explicada pela novidade que a expressão referência cultural representava e pelo reconhecimento dos conceitos de identidade e memória. Estes já estavam em elaboração nas áreas das Ciências Humanas e Sociais desde o início do século XX, com um arcabouço teórico importante e veiculado de modo mais intenso na década de 1970, devido à preocupação com as transformações culturais decorrentes da aceleração da globalização. Já a expressão referência cultural, Segundo Fonseca,68 era um neologismo criado pelo CNRC, como marca para distinguir seus trabalhos daqueles conservadores desenvolvidos pelas outras agências de cultura, entre elas o Iphan, e sem pares em outros países, instituições ou documentos internacionais dedicados ao tema da preservação. Como exemplo da novidade e originalidade da expressão referência cultural, Fonseca cita o relatório técnico de 1975, do professor David G. Hays, da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, USA, no qual ele afirma que o Centro Nacional de Referência Cultural era único no mundo.69
Além do amadurecimento teórico dos conceitos de memória e identidade, esses termos eram usados no Brasil há anos, relacionados à nacionalidade, como identidade nacional e memória nacional. Na década de 1980 houve também a criação de inúmeras instituições de memória, como foi o caso da denominação da Fundação Nacional Pró-Memória, braço executivo do Iphan, evocando esse conceito e institucionalizando-o.
Diante do aspecto legal da Constituição, pode-se considerar que era necessário empregar conceitos já reconhecidos para redução de dúvidas e questionamentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de patrimônio adotado na Constituição de 1988 foi resultado do contexto de transformações políticas e reivindicações sociais durante a redemocratização do país e da ação dos técnicos empenhados na manutenção das transformações conquistadas em seus trabalhos pela ampliação da proteção de bens culturais. Trata-se de uma história que envolveu ações oficiais e ações de bastidores, com contribuições de indivíduos e grupos sociais e, ainda, de um saber técnico institucional, demonstrando a importância das instituições como sujeitos da ação.
Hoje, os grupos sociais e as instituições têm na Constituição um instrumento legal para a atribuição de valores, não se limitando aos artísticos, estilísticos e paisagístico consagrado por elites intelectuais ou aos que dizem respeito a fatos memoráveis da história. O conceito adotado no artigo 216, de patrimônio como sendo os bens de natureza material e imaterial portadores de referência à memória, identidade e ação reforça sua valorização como referência cultural, incluindo diferentes grupos sociais, abrindo caminho para políticas públicas amplas de preservação. Valorizar a Constituição de 1988, como a primeira a oferecer um conceito a partir do qual os bens podem ser protegidos, é valorizar o contexto social e político de sua adoção na Constituinte, durante a redemocratização do país e mais que isso, é valorizar seu sentido perene, que transcende aquele contexto: o objetivo da inclusão social, com respeito à diversidade cultural.
O decreto nº 3551, de 2000, que instituiu o Registro de bens de natureza imaterial, tem sido o instrumento jurídico mais importante para que o poder público venha cumprindo seu dever constitucional de respeito às expressões populares como referência de grupos até então desconsiderados nas políticas de preservação. No entanto, no concernente ao patrimônio material, verifica-se que a diversidade das referências culturais ainda é incipiente, conforme citação de Meneses na introdução deste texto. Pensar a esse respeito para investir na proteção dos bens materiais como referência de memória, identidade e ação, correspondendo ao que a Constituição oferece, ainda é tarefa importante e necessária.
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- 2
-
3
Ibid., p. 34.
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4
Neste artigo será adotado o nome atual da instituição, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para facilitar a compreensão do texto, tendo em vista que foram várias as denominações desde sua criação em 1937, variando de acordo com sua condição administrativa: Serviço (Sphan), de 1937 a 1946; Departamento (Dphan), de 1946 a 1970; Instituto (Iphan), de 1970 a 1979 e depois de 1994 até hoje; Secretaria (Sphan), de 1979 a 1981 e depois de 1985 a 1990; Subsecretaria (Sphan), de 1981 a 1985; e IBPC (Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural), de 1990 a 1994. Cabe registrar que em 1979 foi criada a Fundação Nacional Pró-Memória, como braço executivo do Iphan, para dar agilidade às suas ações, sendo extinta em 1990.
-
5
Chuva (1998, p. 55).
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6
Cf. Motta (2000, 2017).
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7
A respeito do conceito de “colonialidade”, cf. Mignolo (2017).
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8
Meneses, op. cit., p. 34.
-
9
Fonseca (1997, p. 155).
- 10
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11
Campos (2015, p. 195).
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12
Cf. Ibid.
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13
Cabe notar que, além de propor outras formas de proteção, o artigo 216 recepciona o decreto-lei 25 de 1937, que estabelece a figura jurídica do tombamento.
- 14
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15
Ibid., p. 47.
- 16
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17
O relatório está publicado, na íntegra. Cf. Parent (2008).
- 18
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19
Aloísio Magalhães destacou-se como designer preocupado com uma identidade nacional, desde a década de 1960, com a criação de marcas para grandes empresas nacionais o desenho das notas do dinheiro brasileiro. Ele tinha grande capacidade de comunicação e transitava entre políticos do regime militar simpatizantes da “abertura política”. Reunia, assim, as condições para uma liderança naquele momento em que políticas da redemocratização estavam sendo promovidas.
-
20
Magalhães (1997, p. 117).
-
21
Quintas, op. cit., p. 12.
-
22
Embora a globalização não fosse um fenômeno recente, tendo início com as navegações no século XVI, estudiosos do tema, como Stuart Hall (1995), entendem que as relações sociais em escala mundial intensificaram-se na década de 1970.
-
23
Miceli (1984, p. 106).
-
24
Magalhães (1997, p. 256).
-
25
Os novos discursos constam nos boletins do Iphan e da Sphan/PróMemória (1979 a 1990), nas revistas do patrimônio, números 19 a 22, editadas na década de 1980, assim como na publicação do MEC/Sphan/PróMemória (1980). Os boletins e as revistas estão disponíveis na página da instituição nos endereços: https://bitlybr.com/corqH e https://bitlybr.com/Dvrwk, respectivamente.
- 26
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27
Fundação Nacional Pró-Memória (1980, p. 43).
- 28
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29
Id., 1997.
-
30
Ibid., p. 198.
-
31
Ver críticas a respeito dessa estratégia em Chuva (2011b).
-
32
A Coordenadoria foi oficializada em 1986, no Regimento Interno da Fundação Nacional Pró-Memória, braço executivo do Iphan. A respeito das estruturas institucionais ver Thompson (2015).
- 33
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34
Ibid., p. 8.
-
35
Ibid.
-
36
Cf. Brandão (1996).
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37
Os encontros contaram com a produção de documentos, com o registro dos problemas e reivindicação das comunidades, disponíveis no Arquivo Central do Iphan - Seção Rio de Janeiro.
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38
Cidades históricas (2005, p. 15).
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39
O sítio foi inscrito no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, como extensão do tombamento do Conjunto Urbano e Paisagístico da Avenida Koeler, feito em 1964, por meio do Processo de Tombamento nº 662-T-62.
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40
Segundo alguns autores, a Nova História foi o nome dados, na década de 1970, ao movimento de revisão da história, cujo marco inicial foi o lançamento da Revista Annales, em 1929.
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41
Brandão (2020, p. 3).
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42
Ibid., p. 9.
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43
Cf. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1982b, fl. 2-228).
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45
Ibid., fl. 104-105.
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46
Ibid., fl. 107.
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47
Quando Juliana Cunha concluiu seu trabalho em 2018 o Iphan já havia tombado mais seis terreiros: Axé Opô Afonjá (tombado em 2000), Bate-Folha Manso Banduquenqué (tombado em 2005), Gantois Ilê Iyá Omim Axé Yiamasséo (tombado em 2005), Alaketo Ilê Maroiá Láji (tombado em 2008), Ilê Axé Oxumaré (tombado em 2014), Casa das Minas Jeje (tombado em 2005). Apenas este último não está situado em Salvados/BA. Situa-se em São Luís/MA.
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49
Ibid., p. 52.
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50
Ibid., p. 53.
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52
Ibid., p. 22.
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53
Versiani (2015 p. 4).
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54
A esse respeito, cf. Franco (1944).
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56
As informações desse acervo do Museu da República não foram analisadas, por causa das dificuldades para seu agrupamento e por requerer acesso presencial. Foi priorizada a pesquisa na Base Histórica SAIC, do Congresso Nacional, disponível na Internet e com instrumentos de busca e filtragem dos temas de interesse.
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57
Brasil (1987g, p. 16).
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58
Brasil (1987d, p. 225-226).
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60
Brasil (1987e, p. 242).
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61
Brasil (1987c, p. 267-268).
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62
Brasil (1987b, p. 169).
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63
Brasil (1987f, p. 38, 198-199).
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64
Ibid., p. 199.
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65
Depoimento de Ana Claudia Lima e Alves sobre os bastidores da Constituinte de 1988. Entrevistadora: Lia Motta. Brasília, DF, 1 set. 2015. Depois da a entrevista, teve-se acesso à documentação da entrevistada, sob a guarda do Arquivo Central do Iphan, Seção Brasília, mas não foram encontradas anotações dos trabalhos durante a Constituinte.
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66
Brasil (1987h).
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67
Brasil (1987a, p. 203).
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69
Ibid., p. 197.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Jun 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
15 Set 2022 -
Aceito
15 Fev 2023