Resumos
CONTEXTO: A depressão é um importante problema de saúde global e vem causando impacto negativo na vida dos indivíduos e na de suas famílias, além de elevar a demanda dos serviços de saúde. OBJETIVO: Verificar a prevalência de depressão e de fatores associados em indivíduos com idade superior a 14 anos que buscaram atendimento na atenção primária. MÉTODOS: Estudo transversal em três Unidades Básicas de Saúde vinculadas à Universidade Católica de Pelotas. A depressão, os transtornos de ansiedade e o risco de suicídio foram avaliados por meio da Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI), enquanto os fatores associados, como idade, gênero, vive ou não com o/a companheiro/a, escolaridade e uso de substâncias psicoativas, foram avaliados por meio de questionário sociodemográfico. RESULTADOS: A prevalência de depressão foi de 23,9% (n = 256), apresentando-se mais evidente nas mulheres, com 4 a 7 anos de escolaridade, de classe socioeconômica D ou E, que abusam ou são dependentes de álcool, com algum transtorno de ansiedade e com risco de suicídio (p < 0,050). CONCLUSÃO: Diante de tais resultados, salientamos a inserção de cuidados em saúde mental por meio de avaliações diagnósticas e de protocolos de atendimento que abarquem a depressão e suas comorbidades na atenção primária.
Depressão; transtorno depressivo; atenção primária à saúde; atenção básica; epidemiologia
BACKGROUND: Depression, an important global health problem, negatively impacts the lives of individuals and their families beyond simply increasing the demand for health services. OBJECTIVE: To assess the prevalence of depression and associated mental health issues in individuals older than 14 years of age seeking primary care. METHODS: A cross-sectional study was conducted in three primary care units involved with the Catholic University of Pelotas. Depression, anxiety disorders, and suicide risk were assessed using the Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI). Factors such as age, gender, solitary living, education, and psychoactive substance use were evaluated using a sociodemographic questionnaire. RESULTS: The overall prevalence of depression was 23.9% (n = 256). Depression was more prevalent in women with only 4-7 years of education, in women who belong to socioeconomic class D or E, in those who abuse or are dependent on alcohol, or in women who showed an anxiety disorder or suicide risk (p < 0.050). DISCUSSION: Based on these findings, we emphasize the integration of mental health care into primary care through diagnostic evaluations and treatment protocols that cover depression and its comorbidities.
Depression; depressive disorder; primary care; primary health care; epidemiology
ARTIGO ORIGINAL
Prevalência de depressão em usuários de unidades de atenção primária
Prevalence of depression in users of primary care settings
Mariane Ricardo Acosta Lopez MolinaI; Carolina David WienerI; Jerônimo Costa BrancoI; Karen JansenI; Luciano Dias Mattos De SouzaI; Elaine TomasiII; Ricardo Azevedo Da SilvaI; Ricardo Tavares PinheiroI
IUniversidade Católica de Pelotas (UCPel), Pelotas, RS, Brasil
IIUniversidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mariane Ricardo Acosta Lopez Molina. Rua Gonçalves Chaves, 373, prédio C, sala 411C Centro - 96015-560 - Pelotas, RS - Telefone: +55 53 2128-8404 E-mail: mariane_lop@hotmail.com
RESUMO
CONTEXTO: A depressão é um importante problema de saúde global e vem causando impacto negativo na vida dos indivíduos e na de suas famílias, além de elevar a demanda dos serviços de saúde.
OBJETIVO: Verificar a prevalência de depressão e de fatores associados em indivíduos com idade superior a 14 anos que buscaram atendimento na atenção primária.
MÉTODOS: Estudo transversal em três Unidades Básicas de Saúde vinculadas à Universidade Católica de Pelotas. A depressão, os transtornos de ansiedade e o risco de suicídio foram avaliados por meio da Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI), enquanto os fatores associados, como idade, gênero, vive ou não com o/a companheiro/a, escolaridade e uso de substâncias psicoativas, foram avaliados por meio de questionário sociodemográfico.
RESULTADOS: A prevalência de depressão foi de 23,9% (n = 256), apresentando-se mais evidente nas mulheres, com 4 a 7 anos de escolaridade, de classe socioeconômica D ou E, que abusam ou são dependentes de álcool, com algum transtorno de ansiedade e com risco de suicídio (p < 0,050).
CONCLUSÃO: Diante de tais resultados, salientamos a inserção de cuidados em saúde mental por meio de avaliações diagnósticas e de protocolos de atendimento que abarquem a depressão e suas comorbidades na atenção primária.
Palavras-chave: Depressão, transtorno depressivo, atenção primária à saúde, atenção básica, epidemiologia.
ABSTRACT
BACKGROUND: Depression, an important global health problem, negatively impacts the lives of individuals and their families beyond simply increasing the demand for health services.
OBJECTIVE: To assess the prevalence of depression and associated mental health issues in individuals older than 14 years of age seeking primary care.
METHODS: A cross-sectional study was conducted in three primary care units involved with the Catholic University of Pelotas. Depression, anxiety disorders, and suicide risk were assessed using the Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI). Factors such as age, gender, solitary living, education, and psychoactive substance use were evaluated using a sociodemographic questionnaire.
RESULTS: The overall prevalence of depression was 23.9% (n = 256). Depression was more prevalent in women with only 4-7 years of education, in women who belong to socioeconomic class D or E, in those who abuse or are dependent on alcohol, or in women who showed an anxiety disorder or suicide risk (p < 0.050).
DISCUSSION: Based on these findings, we emphasize the integration of mental health care into primary care through diagnostic evaluations and treatment protocols that cover depression and its comorbidities.
Keywords: Depression, depressive disorder, primary care, primary health care, epidemiology.
Introdução
Estudos epidemiológicos mostram que milhões de pessoas sofrem algum tipo de doença mental no mundo e que esse número tem aumentado de modo progressivo, principalmente nos países em desenvolvimento1,2. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano 2000, a depressão foi a principal causa de incapacidade e o quarto fator contribuinte para a carga global da doença. Até o ano 2020, a depressão alcançará o segundo lugar no ranking do Disability Adjusted Life Years (DALYs). Atualmente, a depressão é a segunda causa de incapacidade na faixa etária de 15 a 44 anos3. Diversos estudos apontam que a depressão é um importante problema de saúde global, causando impacto negativo na vida dos indivíduos e de suas famílias, além de elevar a demanda dos serviços de saúde4-8.
No Brasil, a prevalência de depressão na população geral ao longo da vida é de aproximadamente 17%9. Em um estudo internacional, realizado em 18 países, a prevalência encontrada foi de 11,1%, e entre os países de renda média, a maior prevalência encontrada foi no Brasil, com percentual de 18,4%2. Quando se trata de cuidados primários no Brasil, essa prevalência pode chegar a 29,5%4, diferentemente do encontrado em pacientes na atenção primária da Espanha (9,6%)10. Apesar de a depressão ser uma condição relativamente comum, de curso crônico e recorrente, esses achados confirmam a perspectiva de maior utilização dos recursos de saúde pelos indivíduos com indicativo de transtorno depressivo11. Além disso, esse transtorno é frequentemente associado à incapacitação funcional e ao comprometimento da saúde física.
Sabe-se que o diagnóstico de depressão costuma ser prejudicado pela presença frequente de comorbidades, pela dificuldade da equipe de saúde em reconhecê-la e pela falta de atenção à saúde mental no sistema de saúde primário. Estudos mostram que 50% a 60% dos casos de depressão não são detectados ou não recebem tratamento adequado e específico5,6,12, o que indica uma grande deficiência no diagnóstico e no tratamento da depressão na prática geral, apesar da existência de muitos instrumentos que podem ser facilmente utilizados em ambulatórios gerais, tanto para rastreamento quanto para diagnóstico13.
É conhecida a associação entre transtornos mentais e queixas somáticas. Nesse âmbito, um estudo sugere que, em países ocidentais, os sintomas somáticos tendem a mascarar transtornos de ordem psicológica/psiquiátrica14. O Serviço de Assistência Pública no Brasil oferece acesso gratuito aos serviços de saúde geral para a população. Entretanto, o tratamento para transtornos psiquiátricos ou psicológicos é restrito à parcela da população que pode arcar com suas despesas de saúde, estando disponível no sistema público de saúde atendimento, quase que exclusivo, para os casos de transtornos psiquiátricos com grave comprometimento ou para aqueles em que é necessária a internação psiquiátrica.
Assim, este trabalho tem por objetivo verificar a prevalência de depressão na atenção primária e a sua associação com fatores sociodemográficos, com abuso/dependência de álcool, com transtorno de ansiedade e com risco de suicídio.
Método
Foi realizado um estudo transversal nas três Unidades Básicas de Saúde vinculadas à Universidade Católica de Pelotas, no município de Pelotas/RS, no período de 29 de junho a 21 de setembro de 2009, para a identificação de pacientes com depressão.
O cálculo de tamanho amostral foi realizado por meio do programa Epi-Info15, com o objetivo de verificar a prevalência de depressão. Para tal, foi estimada uma prevalência de 25%, menor prevalência esperada de 22% e uma população-alvo de 18.000 indivíduos com idade superior a 14 anos, atendida nas UBS. Tendo como base um nível de confiança de 95% e um poder de 80%, estimou-se um total de 704 pacientes. Incluiu-se mais 30% do valor amostral para compensar as perdas e as recusas, chegando a um N esperado de 915 indivíduos.
A captação da amostra foi realizada por meio de visitas diárias as UBS para obter a relação de pacientes atendidos que, logo após, eram procurados em seus domicílios.
Após aceitarem participar do estudo, os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento e, nesse momento, foram incluídos, enquanto os que não residiam na área de abrangência da UBS ou manifestaram incapacidade de compreender ou responder ao questionário foram excluídos do estudo. Os instrumentos foram aplicados na residência do paciente por graduandos previamente treinados para realizar a entrevista.
A presença atual de transtorno depressivo maior, o risco de suicídio e os transtornos de ansiedade foram avaliados por uma entrevista diagnóstica padronizada breve - Mini Internacional Neuropsychiatric Interview (MINI)16. Essa entrevista tem curta duração - 15 a 30 minutos - e é destinada à utilização na prática clínica e de pesquisa, que visa à classificação diagnóstica dos entrevistados de forma compatível com os critérios do DSM-IV17 e CID-1018. A versão utilizada aqui é a MINI 5.0 em português, a qual foi desenvolvida para a utilização em cuidados primários e em ensaios clínicos. As características psicométricas da MINI para o diagnóstico de episódio depressivo maior, pelos critérios do DSM-IV17, são: sensibilidade de 96%, especificidade de 88%, valor preditivo positivo de 87%, valor preditivo negativo de 97% e eficiência de 91%.
Os fatores associados à depressão foram avaliados por meio de um questionário sociodemográfico, constituído pelas seguintes variáveis: idade, sexo, vive ou não com o/a companheiro/a, escolaridade, uso diário de tabaco e abuso ou dependência de álcool. Cabe esclarecer que a variável vive com o/a companheiro/a (sim ou não) equivale ao estado civil dos entrevistados e foi exposta dessa forma porque a amostra corresponde não somente a adultos como também a jovens. A avaliação socioeconômica dos participantes foi realizada por meio da classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)19, a qual se baseia no acúmulo de bens materiais e na escolaridade do chefe da família - esse instrumento classifica a situação socioeconômica em "A", "B", "C", "D" e "E", sendo "A" a situação socioeconômica mais alta e "E" a mais baixa. Após a codificação dos instrumentos, o processamento dos dados foi realizado por meio de dupla entrada no programa Epi-Info com checagem automática no momento da digitação. Além disso, foi testada, no mesmo software, a consistência da digitação, comparando as duas entradas de dados. Para o tratamento estatístico dos dados, foi utilizado o programa Stata 9.020, no qual se procedeu à análise inicial com objetivo de obter a prevalência de depressão, além de caracterizar a amostra do estudo. O teste estatístico qui-quadrado foi utilizado na análise bivariada dos dados, visando descrever associações entre a ocorrência de depressão e as variáveis independentes investigadas. Por fim, foi realizada a regressão de Poisson entre o desfecho e as variáveis risco de suicídio, algum transtorno de ansiedade e uso de substâncias psicoativas. Foram consideradas significantes as associações com p < 0,05 e as medidas de efeito cujo intervalo de confiança não incluiu a unidade.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e todos os entrevistados com algum transtorno mental, diagnosticado pela MINI, foram encaminhados para atendimento no Ambulatório de Psiquiatria do Campus da Saúde da UCPel.
Resultados
Foram identificados 1.331 pacientes atendidos nas três UBS: em tal amostra, 51 indivíduos (3,8%) se recusaram a participar do estudo, 209 indivíduos (15,7%) não tiveram os domicílios encontrados e dois indivíduos (0,1%) foram a óbito, totalizando 1.069 indivíduos. A amostra, em sua maioria, foi constituída por adultos com idades entre 20 e 59 anos (63,3%), do gênero feminino (71,3%) e pertencente à classificação econômica "C" (60,7%), dos quais 40,4% tinham de quatro a sete anos de estudo e 54% viviam com o companheiro. Quanto ao uso de substâncias, 24,1% dos entrevistados faziam uso diário de tabaco e 1,9% dos entrevistados abusava ou era dependente de bebida alcoólica. Os transtornos de ansiedade estiveram presentes em 27,9% dos entrevistados e 14,9% dos entrevistados apresentaram risco de suicídio. A prevalência de depressão entre os usuários de UBS foi de 23,9% (n = 256).
As mulheres apresentaram quase o dobro de prevalência de depressão quando comparadas ao sexo masculino (RP = 1,73; IC = 1,31-2,29). Com relação à classificação econômica, os indivíduos das classes D e E estavam mais deprimidos do que os indivíduos das outras classes econômicas (RP = 1,97; IC = 1,23-3,15). Quanto à escolaridade, observou-se maior prevalência de depressão entre os indivíduos com quatro a sete anos de estudo em comparação aos indivíduos com 8 a 16 anos de estudo (RP = 1,38; IC = 1,05-1,81). Foi encontrada maior prevalência de depressão entre os participantes que faziam uso diário de tabaco (RP = 1,30; IC = 1,04-1,64). Apresentar algum transtorno de ansiedade mostrou prevalência quase seis vezes maior de depressão (RP = 5,80; IC = 4,61-7,29) e prevalência cinco vezes maior de risco de suicídio entre os entrevistados com depressão (RP = 5,00; IC = 4,18-5,98) (Tabela 1).
Posteriormente, na análise multivariada controlada para sexo, para idade, para escolaridade e para nível socioeconômico, o consumo de tabaco não apresentou associação significativa com o episódio depressivo atual (RP = 1,13; IC = 0,89-1,44). Já os participantes que pontuaram indicativo de abuso ou dependência de álcool tiveram risco duas vezes maior para o desfecho em estudo (RP = 2,03; IC = 1,20-3,43).
Também foi realizada análise controlada para sexo, para idade, para classificação econômica, para escolaridade e para abuso e dependência de álcool, evidenciando a associação da depressão com transtornos de ansiedade e com risco de suicídio. Os pacientes com algum transtorno de ansiedade tiveram risco acrescido para episódio depressivo maior atual (RP = 3,79; IC = 2,86-5,00). Os entrevistados com risco de suicídio apresentaram proporção 2,5 maior de depressão do que aqueles sem risco de suicídio (RP = 2,53; IC = 2,01-3,19).
Discussão
O presente estudo buscou identificar a prevalência e avaliar fatores associados à ocorrência de depressão em 1.069 pacientes na atenção primária. A alarmante ocorrência de depressão encontrada e os demais resultados da presente investigação indicam a existência de grande demanda de pacientes psiquiátricos sendo atendidos nos cuidados primários de saúde.
Alguns pontos devem ser salientados para interpretação adequada dos resultados. Apesar de o percentual de perdas (19,7%) ter sido maior do que o esperado, a maioria delas é devida a não localização das residências, porque o sistema de cadastro das UBS estava desatualizado ou porque o paciente deve ter fornecido um endereço incorreto para conseguir atendimento na UBS. Por outro lado, o estudo apresenta considerável tamanho amostral e contou com a população de distintas UBS localizadas em diferentes pontos da cidade. Além disso, a avaliação dos transtornos mentais foi realizada por meio de uma entrevista diagnóstica estruturada, e a maioria dos demais estudos utiliza questionários de rastreamento4,5,21.
Estudos que identifiquem sintomas ou episódios depressivos na atenção primária são escassos. Em função disso, torna-se difícil a comparação com os resultados obtidos neste estudo. Na literatura, grande parte dos estudos na atenção primária busca avaliar os transtornos mentais de forma geral ou a ocorrência de depressão em populações específicas. Em um estudo realizado na Bélgica, com a utilização do mesmo instrumento, porém em maiores de 18 anos, foi encontrada uma prevalência de 11% em usuários na atenção primária22. No Brasil, em um estudo que buscou avaliar os transtornos mentais em pacientes que procuraram atendimento em uma unidade de referência do Programa de Saúde da Família (PSF), a depressão foi o transtorno mais frequente, com uma prevalência de 17,6%23. Em um estudo realizado com 2.539 indivíduos atendidos na atenção primária na Espanha, a prevalência de transtorno depressivo maior, ao longo da vida, foi de 20,7%, enquanto, nos últimos 12 meses, 8,4% preencheram tais critérios24. Ao verificar a diferença entre as prevalências de depressão encontradas na literatura, deve ser considerado que a variação desses resultados pode ser devida às diferentes formas de avaliação, ao local de atendimento e às questões culturais, quando se trata de estudos em outros países. Tanto no estudo brasileiro citado quanto na investigação realizada na Espanha, cabe considerar que um instrumento mais completo foi utilizado (CIDI), e o primeiro estudo ocorreu em apenas uma Unidade de PSF e o segundo em oito Centros de Atendimento.
A alta prevalência encontrada neste estudo pode refletir a realidade da população estudada, pelo fato de as UBS escolhidas localizarem-se em zonas periféricas menos favorecidas. No mesmo sentido, a presença de comorbidades e de doenças crônicas apresentadas pelos indivíduos que buscaram atendimento nas unidades estudadas contribuem para a elevada prevalência do quadro clínico em estudo.
Embora tenha havido maior prevalência de depressão nesta amostra de UBS, foram encontrados fatores associados similares na literatura, tais como: maior prevalência de depressão entre as mulheres5,7,22,23,25, menor classificação socioeconômica1,7,22 e baixa escolaridade. Quanto à depressão ser maior em mulheres, Justo e Kalil citam algumas explicações, por exemplo, questões biológicas, sociais e psicológicas podem estar associadas a maior risco de tal quadro clínico26. Fatores socioeconômicos, classe social e escolaridade estão fortemente ligados à depressão, reforçando a hipótese de que as condições de vida, o maior número de estressores ambientais e, até mesmo, o comprometimento do funcionamento cognitivo sejam determinantes no aparecimento das doenças mentais27.
Além dos fatores sociodemográficos, mostrou-se aqui a relação entre abuso/dependência de álcool, transtornos de ansiedade e risco de suicídio com a ocorrência de depressão. Outro estudo na atenção primária afirma que a depressão é responsável por riscos significativos de morte, pois cerca de 15% dos pacientes com transtorno de humor cometem suicídio e pelo menos 66% de todos os suicídios são precedidos por depressão13. Apresentar transtorno de ansiedade também mostrou estar relacionado com a depressão, pois essa é a comorbidade mais prevalente entre os transtornos de ansiedade24,28. Quando se trata de transtornos depressivos e de uso de álcool, pôde ser observado na literatura que há uma forte associação de ambos com a depressão. Geralmente, tal associação é expressa pela exacerbação dos sintomas depressivos, contribuindo para o aumento do risco de suicídio em pacientes com transtornos de humor29-31. O abuso ou dependência de álcool também costuma estar relacionado com a depressão por causa das tentativas do paciente em atenuar o sofrimento causado pelos sintomas depressivos com o uso constante e intenso de álcool por um longo período de sua vida32. Alguns estudos mostram que o tabagismo e os transtornos depressivos relacionam-se de maneira negativa. Quando se trata de indivíduos deprimidos e fumantes, existe maior possibilidade de manutenção do episódio depressivo atual ou início de novos episódios33,34. Contudo, assim como a presente investigação, existem trabalhos que não indicaram relação significativa entre tabagismo e depressão35,36.
Pacientes com transtornos mentais têm alta probabilidade de recorrer a serviços de atendimento destinados à saúde23,37. Da mesma forma, usuários frequentes dos serviços de saúde apresentam comorbidades de doenças físicas e mentais5,38-40.
Considerando que a população estudada aguardava consulta em Unidades Básicas de Saúde para acompanhamento de doenças clínicas, verificou-se o quanto é importante inserir o cuidado em saúde mental na atenção primária, pois ações específicas irão favorecer um diagnóstico mais acurado, um atendimento psicológico ou psiquiátrico aos pacientes e, consequentemente, a redução dos gastos em saúde pública. No Brasil, ainda não há a rotina de inclusão de instrumentos de detecção de depressão devido à falta de conhecimento em sua utilização e ao tempo de aplicação das escalas, que pode ser considerado longo41. Apesar da melhoria nos tratamentos disponíveis, os pacientes com depressão, muitas vezes, continuam subdiagnosticados e são tratados de forma inadequada. Apenas um terço dos indivíduos que reconhecem estar deprimidos procura os serviços de saúde por conta de seus sintomas5. Sendo assim, estudos futuros devem enfatizar modelos de intervenções psicossociais breves e de baixo custo para o tratamento da depressão de forma congruente ao contexto do sistema de saúde disponível e de sua população.
Intervenções psicossociais, enquanto serviços de atendimento à saúde mental, têm como finalidade resolver crises vitais e remover sintomas agudos em quadros de transtornos mentais, propiciando melhor adaptação do indivíduo à sociedade e ao trabalho, bem como dando apoio para o melhor enfrentamento das situações desadaptativas42. Da mesma forma, intervenções farmacológicas devem ser consideradas em casos de maior severidade e de maior complexidade43. Para isso, é necessário que o sistema de saúde esteja preparado para a realização de uma avaliação completa do paciente, evitando, assim, a superutilização dos serviços de saúde. As altas prevalências de depressão e das comorbidades vinculadas a ela, tais como ansiedade, abuso de álcool e risco de suicídio, poderiam ser reduzidas com a inserção de propostas breves de atendimento psicoterapêutico.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo financiamento.
Recebido em: 1/4/2012
Aceito em: 12/9/2012
Referências bibliográficas
- 1. Maragno L, Goldbaum M, Gianini RJ, Novaes HMD, César CLG. Prevalência de transtornos mentais comuns em populações atendidas pelo Programa Saúde da Família (QUALIS) no município de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1639-48.
- 2. Bromet E, Andrade LH, Hwang I, Sampson NA, Alonso J, Girolamo G, et al. Cross-national epidemiology of DSM-IV major depressive episode. BMC Medicine. 2011 Date [cited 2012 19 julho]; 9(90): Available from: <http://www.biomedcentral.com/1741-7015/9/90>
- 3. World Health Organization [homepage internet]. Depression [update 2011 Jan. 06; cited 2011 Jul 10. Available from: <http://www.who.int/mental_health/management/depression/definition/en/>
- 4. Valentini W, Levav I, Kohn R, Miranda CT, Mello AAFM, Mello MFM, et al. Treinamento de clínicos para o diagnóstico e tratamento da depressão. Rev Saude Publica. 2004;38(4):523-8.
- 5. Fleck MPA, Lima AFBS, Louzada S, Schestasky G, Henriques A, Borges VR, et al. Associação entre sintomas depressivos e funcionamento social em cuidados primários à saúde. Rev Saude Publica. 2002;36(4):431-8.
- 6. Fleck MPA, Lafer B, Sougey EB, Del Porto JA, Brasil MA, Juruena MF. Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (versão integral). Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(2):114-22.
- 7. Hegadoren K, Norris C, Lasiuk G, Silva DGV, Chivers-Wilson K. The many faces of depression in primary care. Texto Contexto Enferm. 2009;18(1):155-64.
- 8. Lopez M, Ribeiro J, Jansen K, Silva R. Depressão e qualidade de vida em jovens de 18 a 24 anos, Pelotas-RS. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2011;33(2):103-8.
- 9. Andrade L, Walters E, Gentil V, Laurenti R. Prevalence of ICD-10 mental disorders in a catchment area in the city of São Paulo, Brazil. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2002;37(7):316-25.
- 10. Serrano-Blanco A, Palao DJ, Luciano JV, Pinto-Meza A, Lujan L, Fernandez A, et al. Prevalence of mental disorders in primary care: results from the diagnosis and treatment of mental disorders in primary care study (DASMAP). Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2010:201-10.
- 11. Fleck MPA, Berlim MT, Lafer B, Sougey EB, Del Porto JA, Brasil MA, et al. Review of the guidelines of the Brazilian Medical Association for the treatment of depression. Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(1):S7-17.
- 12. Andrade LH, Andreoni L, Silveira CM, Silva AC, Nishimura R, James AC, et al. Mental disorders in megacities: findings from the São Paulo Megacity Mental Health Survey, Brazil. PLoS ONE [serial on the Internet]. 2012 Date [cited 2012 18 Julho]; 7(2).
- 13. Arantes VD. Depressão na atenção primária a saúde. Rev Bras Med Fam Com. 2007;2(8):261-70.
- 14. Skapinakis P, Araya R. Common somatic symptoms, causal attributions of somatic symptoms and psychiatric morbidity in a cross-sectional community study in Santiago, Chile. BMC Res Notes. 2011;26(4):155.
- 15. Dean AG, DJ CD, Brendel KA, Smith DC, Burton AH, Dicker RC, Sullivan K, Fagan RF, Arner TG. Center of disease control and prevention. Epi-Info version 6.04d. A word processing database, and statistics program for epidemiology on microcomputers. Atlanta, Georgia, U.S.A; 1994.
- 16. Amorim P. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): validação de entrevista breve para diagnóstico de transtornos mentais. Rev Bras Psiquiatr. 2000;22(3):106-15.
- 17. Association AP. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV). Washington (DC): APA; 1994.
- 18 Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
- 19 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Dados com base no Levantamento Socioeconômico IBOPE; 2003 [updated 2003; cited 2010 Set 25]; Available from: <http://www.abep.org/novo/Content.aspx?ContentID=301>
- 20 Stata. Data Analysis and Statistical Software 9.0 ed. Atlanta: StataCorp LP 1996-2009.
- 21. Rombaldi AJ, Silva MCd, Gazalle FK, Azevedo MR, Hallal PC. Prevalência e fatores associados a sintomas depressivos em adultos do sul do Brasil: estudo transversal de base populacional. Cad. Saude Publica. 2010;620-9.
- 22. Ansseau M, Fischler B, Dierick M, Albert A, Leyman S, Mignon A. Socioeconomic correlates of generalized anxiety disorder and major depression in primary care: The GADIS II study (Generalized anxiety and depression impact survey II). Depress Anxiety. 2008;25;506-13.
- 23. Gonçalves DM, Kapczinski F. Prevalência de transtornos mentais em indivíduos de uma unidade de referência para Programa Saúde da Família em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(9):2043-53.
- 24. Grandes G, Montoya I, Arietaleanizbeaskoa MS, Arce V, Sanchez A. The burden of mental disorders in primary care. Eur Psychiatry. 2011;26:428-35.
- 25. Andrade LHSG, Viana MC, Silveira CM. Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos na mulher. Rev Psiq Clín. 2006;33(2):43-54.
- 26. Justo LP, Calil HM. Depressão: o mesmo acometimento para homens e mulheres? Rev Psiq Clín. 2006;33:74-9.
- 27. Costa SF, Silvia M, Britto MAP, Gigante DP. Prevalência de distúrbios psiquiátricos menores na cidade de Pelotas, RS. Rev Bras Epidemiol. 2002;5(2):164-73.
- 28. Kessler RC, Chiu WT, Demler O, Walters EE. Prevalence, severity, and comorbidity of 12-month DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatry. 2005;62:617-27.
- 29. Nordentoft M. Prevention of suicide and attempted suicide in Denmark. Epidemiological studies of suicide and intervention studies in selected risk groups. Dan Med Bull. 2007;54(4):306-69.
- 30. Boschloo L, Penninx BW, Wall MM, Hasin DS. Alcohol-use disorder severity predicts first-incidence of depressive disorders. Psychol Med. 2011;26:1-9.
- 31. Lima DD, Azevedo RCS, Gaspar KC, Silva VF, Mauro MLF, Botega NJ. Tentativa de suicídio entre pacientes com uso nocivo de bebidas alcoólicas internados em hospital geral. J Bras Psiquiatr. 2010;53(3):167-72.
- 32. King ALS, Nardi AE, Cruz MS. Risco de suicídio em paciente alcoolista com depressão. J Bras Psiquiatr. 2006;55(1):70-3.
- 33. Glassman AH, Stetner F, Rivelli S. Smoking cessation and the course of major depression: a follow-up study. Lancet. 2001;357(9272):1929-32.
- 34. Rondina RC, Gorayeb R, Botelho C. Relação entre tabagismo e transtornos psiquiátricos. Rev Psiq Clín. 2003;30(6):221-8.
- 35. Torres LD, Delucchi K, Penilla C, Pérez-Stable EJ, Muñoz RF. Quitting smoking does not increase the risk of major depressive episodes among users of Internet smoking cessation interventions. Psychol Med. 2010;40(3):441-9.
- 36. Vorcaro CMR, Uchoa E, Lima-Costa MF. Prevalência e características associadas à depressão: revisão de estudos epidemiológicos com base populacional. J Bras Psiquiatr. 2002;51(3):167-82.
- 37. Mendoza-Sassi RBJ, Barros AJD. Outpatient health service utilization and associated factors: a population-based study. Rev Saude Publica. 2003;37(3):372-8.
- 38. Yano EM, Chaney EF, Campbell DG, Klap R, Simon BF, Bonner LM, et al. Yield of practice-based depression screening in VA primary care settings. J Gen Intern Med. 2012;27(3):331-8.
- 39. Huffman JC, Mastromauro CA, Sowden GL, Wittmann C, Rodman R, Januzzi JL. A collaborative care depression management program for cardiac inpatients: depression characteristics and in-hospital outcomes. Psychosomatics. 2011;52(1):26-33.
- 40. Castro MMC, QuarantiniII LC, DaltroIII C, Pires-Caldas M, Karestan CK, Kraychete DC, et al. Comorbidade de sintomas ansiosos e depressivos em pacientes com dor crônica e o impacto sobre a qualidade de vida. Rev Psiq Clín. 2011;38(4):126-9.
- 41. Naymayer CA, Silva CL, Almeida FMP, Elizeth H. Impacto de sintomas na qualidade de vida de usuários da rede básica de saúde. Rev Gaúcha Enfermagem. 2009;30(2):257-62.
- 42. Zimerman D. Psicanálise em perguntas e respostas: verdades, mitos e tabus. Porto Alegre: Artmed; 2005.
- 43. Fleck MP, Moreno R, Andrade AG, Bottino CMC, Kerr-Corrêa F. A eficácia do milnaciprano em pacientes ambulatoriais com transtorno depressivo maior não respondedores ao tratamento com ISRSs: um estudo aberto de 12 semanas. Rev Psiq Clín. 2010;37(6):241-5.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Dez 2012 -
Data do Fascículo
2012
Histórico
-
Recebido
01 Abr 2012 -
Aceito
12 Set 2012