Resumos
O papel da vídeo-cirurgia nas patologias colorretais tem se ampliado. Nos últimos anos surgiram muitos trabalhos demonstrando a efetividade e segurança do acesso laparoscópico em diversas patologias colorretais. Entretanto, a aplicação do método no megacólon chagásico, patologia benigna freqüente em nosso meio, ainda desperta dúvidas a respeito da melhor técnica a ser empregada e de seus resultados. Esses questionamentos decorrem principalmente da escassez de informações sobre o tema na literatura e da ausência de uniformidade quanto à técnica empregada mesmo quando a cirurgia é realizada pela via convencional. Dentro deste contexto, apresentamos a tática cirúrgica que empregamos habitualmente e uma revisão da literatura a respeito dos resultados da correção laparoscópica do megacólon chagásico.
Megacólon chagásico; laparoscopia; cirurgia minimamente invasiva
The role of laparoscopy in colorectal diseases is still expanding. The method is accurate and safe in a variety of diseases. However, the applicability of this procedure for the treatment of chagasic megacolon still raises doubts concerning the best operative technique and its outcomes. This uncertainties come both from the lack of studies about this subject and the absence of a uniformly performed surgical technique even during conventional surgery. In this paper we present our surgical tactic and a review of the current literature about the laparoscopic management of chagasic megacolon.
Chagasic megacolon; laparoscopy; minimally invasive surgery
VÍDEO-LAPAROSCOPIA COLO-RETAL ENFOQUES ATUAIS & CONTROVÉRSIAS
A vídeo-cirurgia no tratamento do megacólon chagásico
Videosurgery in the chagasic megacolon treatment
Sérgio Carlos Nahas - TSBCPII; André Roncon DiasI; Marco Aurélio Dainezi -TSBCPII; Sérgio Eduardo Alonso Araújo - TSBCPII; Caio Sérgio Rizkallah NahasI
IMédico-Residente do Hospital das Clínicas da FMUSP
IItitular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: SÉRGIO CARLOS NAHAS Rua Jabebira, 136 05602-020 São Paulo (SP) - Brazil E-mail: sergionahas@uol.com.br
RESUMO
O papel da vídeo-cirurgia nas patologias colorretais tem se ampliado. Nos últimos anos surgiram muitos trabalhos demonstrando a efetividade e segurança do acesso laparoscópico em diversas patologias colorretais. Entretanto, a aplicação do método no megacólon chagásico, patologia benigna freqüente em nosso meio, ainda desperta dúvidas a respeito da melhor técnica a ser empregada e de seus resultados. Esses questionamentos decorrem principalmente da escassez de informações sobre o tema na literatura e da ausência de uniformidade quanto à técnica empregada mesmo quando a cirurgia é realizada pela via convencional. Dentro deste contexto, apresentamos a tática cirúrgica que empregamos habitualmente e uma revisão da literatura a respeito dos resultados da correção laparoscópica do megacólon chagásico.
Descritores: Megacólon chagásico, laparoscopia, cirurgia minimamente invasiva.
ABSTRACT
The role of laparoscopy in colorectal diseases is still expanding. The method is accurate and safe in a variety of diseases. However, the applicability of this procedure for the treatment of chagasic megacolon still raises doubts concerning the best operative technique and its outcomes. This uncertainties come both from the lack of studies about this subject and the absence of a uniformly performed surgical technique even during conventional surgery. In this paper we present our surgical tactic and a review of the current literature about the laparoscopic management of chagasic megacolon.
Key words: Chagasic megacolon, laparoscopy, minimally invasive surgery.
INTRODUÇÃO
O megacólon chagásico é a complicação mais freqüente da doença de Chagas. A infecção ocasiona a destruição dos plexos mioentérico e submucoso, especialmente em seu componente parassimpático, levando ao surgimento de um obstáculo funcional à passagem das fezes (1). Apesar de difusas, as lesões predominam no reto e sigmóide, promovendo obstipação crônica. Enquanto em uma fase incipiente o tratamento clínico pode aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, o tratamento cirúrgico é geralmente necessário na fase avançada da doença e na falha do manejo clínico.
Dentro deste contexto, surgiu uma ampla gama de opções cirúrgicas. Ressecções abrangentes como a retossigmoidectomia, a sigmoidectomia, a colectomia esquerda e a colectomia subtotal foram propostas. Estas cirurgias se mostraram ineficazes em um grande número de pacientes devido aos altos índices de recidiva ou de complicações (2). Surgiram então as retocolectomias anteriores com abaixamento do cólon. Estas apresentaram resultados superiores e passaram a ser as mais utilizadas. A cirurgia de Duhamel (3) para tratamento da doença de Hirschsprung foi posteriormente modificada por Haddad 4 e passou a ser a opção mais difundida em nosso meio. Essa técnica apresenta a desvantagem da anastomose ser realizada em dois tempos cirúrgicos distintos. Modificações posteriores surgiram com o emprego de grampeadores mecânicos e permitiram a realização da cirurgia em tempo único (5, 6). Mais recentemente, Nahas et al (7) demonstraram que a realização de uma retossigmoidectomia abdominal com anastomose mecânica colorretal término-lateral posterior em tempo cirúrgico único traz excelentes resultados a curto e médio prazos.
Visando menor trauma tecidual com dor pós-operatória reduzida, menor estresse metabólico, resolução mais rápida do íleo pós-operatório e redução das taxas de complicações infecciosas e respiratórias, a videolaparoscopia determinou uma revolução dentro da cirurgia gastrointestinal, trazendo avanços também no tratamento das moléstias colorretais. As primeiras cirurgias colorretais laparoscópicas foram realizadas na década de 90 e, apesar do ceticismo inicial, sua aceitação tem sido crescente desde então, especialmente para as patologias benignas.
Quanto à sua aplicação no megacólon chagásico, poucos são os trabalhos na literatura que abordam esse tema e não há uniformidade quanto à técnica a ser empregada ou mesmo quanto a variações táticas dentro de uma mesma técnica. Dentro deste contexto apresentaremos a técnica e tática cirúrgicas que empregamos habitualmente e uma revisão da literatura a respeito dos resultados da correção laparoscópica do megacólon chagásico.
TÉCNICA OPERATÓRIA
A respeito do preparo intestinal, utilizamos o PEG ou a fosfosoda associados ao enema glicerinado na maioria dos casos. A vantagem destes métodos sobre o manitol a 10% repousa na menor distensão gasosa e no menor peristaltismo por eles promovidos.
Após anestesia geral, o paciente deve ficar em posição de Lloyd-Davis e Trendelemburg com lateral direita, visando facilitar o deslocamento das alças intestinais da região a ser operada.
O pneumoperitônio é realizado pela técnica fechada, exceto naqueles pacientes com operações abdominais prévias.
Empregamos quatro trocartes, um na cicatriz umbilical (10 mm), um na fossa ilíaca direita (12mm), um no hipocôndrio esquerdo (5mm) e um no hipocôndrio direito (5mm).
Iniciamos a operação com o pinçamento do mesentério do sigmóide medialmente. Realiza-se a tração anterior e caudal deste, observando-se a formação de uma tenda com uma estrutura que se inicia cranialmente a 4 cm aproximadamente do local inferido da bifurcação da aorta. O peritônio visceral é então dissecado em sua face medial, pouco acima e paralelamente à artéria ilíaca comum direita. Neste momento, ao nível do promontório aparece o tecido areolar retro-retal. A dissecação prossegue cranialmente, mantendo-a em paralelo à artéria ilíaca direita e, posteriormente, à aorta.
Realiza-se então a identificação da emergência da artéria mesentérica inferior que é isolada, ligada com clipes metálicos e seccionada entre os clipes. Dessa maneira, obtém-se uma abertura ampla da região posterior ao mesentério do cólon descendente e sigmóide, visualizando-se o retroperitônio e a fáscia da gordura peri-renal. Neste plano retroperitoneal prossegue-se dissecando de medial para lateral até a goteira parietocólica, obtendo-se a identificação do ureter esquerdo e dos vasos gonadais esquerdos.
Continuamos a dissecação, agora em sentido cranial, até a borda inferior do pâncreas. No ponto de mesentério em sua porção medial com a borda inferior do pâncreas se localiza a veia mesentérica inferior que é então dissecada, individualizada e seccionada após ligadura com clipes metálicos.
Após a ligadura da veia mesentérica inferior, a dissecação prossegue no sentido do corpo para a cauda do pâncreas, sendo realizada de forma romba entre o tecido areolar da porção posterior do mesentério do cólon descendente e a parte superior do corpo pancreático.
Identificamos o espaço entre a retrocavidade dos epíplons, estômago e cólon na região do ângulo esplênico e prosseguimos liberando a borda superior do pâncreas do mesocólon transverso em direção ao ângulo esplênico. Neste momento, iniciamos o descolamento da goteira parietocólica ao nível dos vasos ilíacos à esquerda, seguindo cranialmente até o ângulo esplênico, com liberação deste.
Com a exposição do cólon descendente e transverso esquerdo, realizamos a liberação do ligamento intercolo-epiplóico. Após esta manobra o cólon descendente e transverso encontram-se livres para o abaixamento.
Voltamos a visualizar a pelve e seguimos a dissecação caudalmente a partir do promontório. Assim podemos imediatamente visualizar a bifurcação dos nervos hipogástrios junto ao promontório e a pelve. Dissecamos o espaço pélvico retro-retal em direção à musculatura dos elevadores do ânus. Com a tração anterior e lateral do reto o plano areolar da gordura peri-retal posterior fica evidente.
Neste tempo cirúrgico esvaziamos o pneumoperitônio e realizamos a incisão transversa suprapúbica, acessando a cavidade abdominal e seccionando o reto abaixo do promontório com um grampeador linear (o número de cargas utilizadas varia conforme o diâmetro retal). O cólon é trazido para fora da cavidade abdominal e seccionado proximalmente. Uma sutura em bolsa é realizada com o auxílio da pinça de Furniss e atada com a ogiva do grampeador circular já alocada na luz intestinal, preparando o cólon para a anastomose.
O pneumoperitônio é refeito e o grampeador circular introduzido através do ânus. Posicionamos o grampeador quase verticalmente e perfuramos a parede retal posterior perpendicularmente (Figura 1). A ogiva é conectada ao grampeador e o mesmo é disparado e retirado, confeccionando a anastomose colorretal término-lateral posterior. A prova do borracheiro é realizada neste tempo cirúrgico.
Realiza-se então a revisão hemostática, a lavagem da cavidade com soro fisiológico e aloca-se um dreno siliconado na pelve.
A respeito da técnica aqui descrita gostaríamos de ressaltar alguns pontos. Em relação à dissecação tradicionalmente utilizada na retossigmoidectomia aberta, dita lateral para medial, a abordagem aqui utilizada, medial para lateral (8), é mais fácil e rápida de ser realizada (9).
Ao adiarmos a liberação da goteira parietocólica e dissecar primeiramente os vasos mesentéricos inferiores, evitamos que o cólon caia constantemente sobre a óptica e instrumental cirúrgico. Enquanto essa vantagem é observada em retossigmoidectomias laparoscópicas por diversas patologias, é no megacólon que ela se torna mais evidente devido às grandes proporções cólicas.
A secção retal somente após sua dissecação permite que a tração do sigmóide facilite a exposição do plano a ser dissecado. Quando comparamos a secção retal com um grampeador linear (através da incisão suprapúbica), à sua realização com grampeadores laparoscópicos, notamos uma diminuição nos custos e no tempo cirúrgico.
Quanto à anastomose, esta deve ficar o mais próximo possível da linha pectínea, ficando a anastomose amplamente atingível ao toque retal (Figura 2). Creditamos as estenoses descritas por alguns autores ao fato da anastomose ficar muito alta, próxima da linha de fechamento da cúpula retal, criando uma região pouco vascularizada.
RESULTADOS
Como citado previamente, quase não há trabalhos a respeito do tema na literatura e as técnicas empregadas são variadas. Em casuística publicada em 2001, incluindo os dados de 14 equipes brasileiras que se dedicam à cirurgia laparoscópica colorretal, notamos que o megacólon chagásico foi responsável por quase 20% das laparoscopias colorretais em doenças benignas e 11,6% de todas as indicações, ficando atrás apenas das indicações por doença maligna e doença diverticular colorretal. Nessa casuística não foram especificadas quais as cirurgias realizadas no tratamento do megacólon chagásico (10).
Martins et al (11), em uma casuística com 14 pacientes portadores de megacólon chagásico, realizaram o abaixamento colorretal posterior com anastomose mecânica com grampeador circular pela via laparoscópica em tempo único. Os autores utilizaram quatro trocartes para acesso à cavidade, o fechamento do reto foi realizado na altura da reflexão peritoneal com grampeador linear e a peça retirada através de mini-laparotomia, ampliando a incisão do trocarte introduzido no quadrante inferior esquerdo do abdome. Dentre as complicações intra-operatórias, os autores tiveram uma secção parcial do ureter e uma perfuração do cólon. O tempo cirúrgico médio foi de 179,3 minutos com média de permanência hospitalar de 5,1 dias. Não houve casos de deiscência da anastomose (investigada através de estudo radiológico com contraste hidrossolúvel no 5º dia pós-operatório). Não houve necessidade de conversão cirúrgica em nenhum caso e a mortalidade foi nula. Os autores concluem que o método é seguro e eficaz em curto prazo (seguimento máximo de 7 meses), permitindo um fácil controle da dor pós-operatória e comparam o acesso laparoscópico à cirurgia convencional, relatando um menor tempo de permanência hospitalar e melhor resultado estético com a via minimamente invasiva, além de um tempo cirúrgico similar.
Reis Neto et al (12) operaram 56 pacientes com megacólon chagásico utilizando a técnica de Duhamel modificada (com anastomose no mesmo tempo cirúrgico) com acesso pela via laparoscópica. Eles utilizaram três trocartes na maioria dos seus pacientes, lançando mão de um quarto em alguns casos de maior dificuldade. A peça foi retirada pelo canal anal, evitando estender a incisão de um dos trocartes. O tempo cirúrgico médio foi de 142 minutos, com tempo médio de internação hospitalar de 3 dias. Dentre as complicações possíveis, os autores observaram um sangramento sacral (1,78% dos casos) e uma perfuração de sigmóide (1,78%). Houve uma conversão cirúrgica para a via laparotômica (1,78%) no já citado caso da perfuração e em 2 casos (3,57%) foi necessária uma incisão complementar suprapúbica para retirada da peça. Houve uma incidência de 3,57% de infecção urinária e de 1,78% de trombose venosa profunda. Três pacientes (5,35%) apresentaram incontinência parcial temporária (gases e fezes líquidas) por um período máximo de quatro meses, ficando assintomáticos após esse período de tempo. Os autores seguiram 49 pacientes e observaram que destes um (1,78%) passou a necessitar o uso esporádico de laxativos. Não houve deiscência do fechamento da ampola retal, nem necrose do cólon abaixado. Os autores terminam o estudo comparando esses resultados à casuística própria com 912 pacientes operados com a técnica de Duhamel convencional e concluem que os resultados são similares quanto à resolução da sintomatologia, com menor índice de complicações pelo emprego da via laparoscópica.
No presente momento, estamos revisando nossos casos visando publicar esses resultados. Vale citar a casuística de Dainezi (um dos autores desta revisão) que juntamente à sua equipe realizou 66 abaixamentos colorretais com pequenas modificações técnicas em relação àquela aqui descrita. A equipe vem realizando essa cirurgia desde abril de 1995 com seguimento mínimo de 8 meses e máximo de 11 anos (média de 6,7 anos). O tempo cirúrgico médio foi de 160 minutos, enquanto o tempo médio de internação foi de 4,5 dias. Houve necessidade de conversão em 12,2% dos casos, sendo mais comum nos primeiros 30 casos, podendo este fato ser creditado à curva de aprendizado. Houve uma complicação intra-operatória (1,51%) com lesão do ureter esquerdo. A incidência de complicações precoces foi de 15,15% com 3 seromas, 2 deiscências de anastomose, 2 tromboses mesentéricas, 1 embolia pulmonar, 1 íleo prolongado e 1 hematoma de parede. Já as complicações tardias ocorreram em 6,06% dos pacientes sendo 2 estenoses da anastomose e 2 hérnias incisionais. Ocorreram 3 óbitos (mortalidade de 4,54%), sendo estes devido a 2 tromboses mesentéricas e uma embolia pulmonar, os 3 pacientes eram cardiopatas. Até o presente momento não se observou recidiva do megacólon em nenhum dos pacientes.
Recebido em 04/12/2006
Aceito para publicação em 08/12/2006
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) e no Hospital São Joaquim e Santa Casa de Franca (SP).
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Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Mar 2007 -
Data do Fascículo
Dez 2006
Histórico
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Recebido
04 Dez 2006 -
Aceito
08 Dez 2006