COMUNICAÇÃO
Hiroshi Nagai (19352003): sua vida e contribuições à olericultura
Arlete Marchi Tavares de MeloI; Paulo César Tavares de MeloII
IPesquisadora IAC, E-mail: arlete@iac.sp.gov.br IIProfessor USP-ESALQ, E-mail: pctmelo@esalq.usp.br)
Hiroshi Nagai, nasceu em 1935, filho de Toraji e Masako Nagai. O pai era médico bem sucedido em Tokyo, Japão, e a mãe poetisa reconhecida no seu país.
Com 19 anos emigrou para o Brasil indo morar em Cotia (SP). Entre 1954 e 1958 trabalhou na extinta Cooperativa Agrícola de Cotia, formada por agricultores de origem nipônica. Em 1958 ingressou na Escola Nacional de Agronomia, hoje UFRRJ, graduando-se em 1961 como engenheiro-agrônomo. Iniciou suas atividades como melhorista de hortaliças em estágio, como estudante, no Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Em um congresso de estudantes de agronomia no Recife conheceu a engenheira-agrônoma Violeta, com quem se casou e teve dois filhos, Marcelo e Ângela.
Trabalhou como pesquisador científico do IAC de 1962 a 1995 quando aposentou-se. Tornou-se doutor na ESALQ em 1967, e pós-doutor nas Universidades do Hawaii (1967), da Califórnia (1968) e da Flórida (1979-80).
Ao longo de sua carreira, dedicou especial ênfase ao melhoramento genético visando resistência a doenças de hortaliças e obteve diversas cultivares de alface, pimentão, pimenta, quiabo e tomate de grande aceitação no mercado e que mudaram o cenário olerícola nacional. Como autor principal ou colaborador de trabalhos científicos e de divulgação, registram-se mais de uma centena de contribuições.
A primeira cultivar obtida por ele foi o tomate de mesa do grupo Santa Cruz 'Ângela' (1969). Como ele costumava afirmar, "o tomate Santa Cruz era suscetível a tudo" referindo-se às doenças que limitavam o cultivo do tomate na década de 1960 (murcha-de-fusário, murcha-de-verticílio, mancha-de-estenfílio, cancro-bacteriano e as viroses TMV, vira-cabeça, risca-do-tomateiro, topo-amarelo e amarelo-baixeiro). A cv. Ângela teve boa aceitação pelos produtores de tomate e pelas companhias de sementes, tendo sido cultivada não apenas em São Paulo como também em outros Estados. Diversas versões derivadas dessa cultivar foram selecionadas tendo como principal atributo o maior tamanho dos frutos.
O lançamento da seleção Ângela Gigante I-5.100, por volta de 1978, teve grande êxito comercial pelo maior peso médio de frutos da categoria extra AA. No início da década de 90, essa cultivar chegou a ocupar 70% da área plantada com tomateiro estaqueado no Brasil, representando até então, um dos maiores avanços do melhoramento do tomate para mesa. A mais bem sucedida das criações de Nagai foi a cv. IAC-Santa Clara, lançada oficialmente em 1985 possuindo plantas de porte mais baixo e frutos sem ombro verde, com três lóculos, graúdos (extra AA com média de 215 g) e mais arredondados, satisfazendo a demanda em qualidade do mercado. Em pouco tempo essa cultivar tornou-se líder do mercado, sendo plantada também em outros países das Américas do Sul e Central. Após a aposentadoria de Hiroshi Nagai, por volta de 1998, estando o programa de melhoramento de tomate para mesa do IAC praticamente descontinuado, iniciou-se no país a era dos tomates salada longa vida de origem israelita que dominam o mercado até hoje. Esse acontecimento marcou uma página virada na história do melhoramento do tomateiro de mesa no Brasil, em que Nagai desempenhou papel fundamental.
Suas contribuições no melhoramento da alface e do pimentão também foram extraordinárias. As pesquisas com alface, iniciadas em 1968 visavam à obtenção de cultivares do tipo manteiga resistentes ao vírus-do-mosaico da alface e ao calor, surgindo a 'Brasil 48' em 1973. Nos anos subseqüentes, outras cultivares designadas Brasil 202, Brasil 221, Brasil 303 e Brasil 311 tiveram idêntico sucesso assim como suas versões comerciais. Na década de 1990, Nagai deu ênfase à Série Brasil 500, objetivando cultivares de folhas crespas e resistentes ao mosaico-da-alface, ao vira-cabeça e ao calor. Infelizmente, morreu sem alcançar seus objetivos.
O programa de melhoramento de pimentão teve início em 1961 resultando em cultivares da série Agronômico, com resistência múltipla às estirpes do mosaico-do-pimentão (PVY) onde atuou eficientemente como virologista, tendo lançado diversas cultivares, com destaque para o Agronômico 10G. Essa cultivar foi utilizada como fonte de resistência em programas de melhoramento de vários países.
Após um surto de vírus em plantações de 'Agronômico 10G' e 'Agronômico 11', em São Paulo e no sul de Minas Gerais foi constatada, pelo próprio Nagai, quebra da resistência ao PVY, tendo denominado a nova estirpe do vírus de Ym. Nagai identificou fonte de resistência a esta nova estirpe do vírus, tendo desenvolvido várias progênies que deram origem às novas cultivares Myr 10 e Myr 29 desenvolvidas no Estado do Rio de Janeiro pelo produtor Hiroshi Watanabe.
O sucesso da carreira científica de Nagai deve-se a três fatores: o estreito relacionamento com produtores de hortaliças; o conhecimento científico e a percepção científica privilegiada que o levava a selecionar as melhores combinações.
Em reconhecimento às contribuições à pesquisa científica brasileira, Nagai recebeu prêmios como o "Marcílio de Souza Dias" e o "Frederico de Menezes Veiga", láureas máximas da SOB e da Embrapa, respectivamente. Foi editor da Horticultura Brasileira de 90 a 96 e sócio fundador da Sociedade Brasileira de Fitopatologia.
Em nome da Sociedade de Olericultura do Brasil, prestamos justa homenagem a esse grande baluarte da olericultura brasileira. Para os que tiveram o privilégio de conviver com ele, como nós, ficará a lembrança do "japonês baixinho", de andar rápido, mas que nunca dava uma resposta impensada. Para os jovens sócios da SOB, que não o conheceram, ficará o exemplo, na forma de seu legado científico. Para todos nós, ficará o respeito ao talentoso e brilhante pesquisador que tanta contribuição deu à olericultura brasileira e cuja obra será sempre reconhecida ao longo das gerações.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Maio 2004 -
Data do Fascículo
Dez 2003