Open-access Freqüência de anemia infecciosa em eqüinos no Acre, 1986 a 1996

Frequency of equine infectious anemia in the State of Acre, Brazil, from 1986 to 1996

Resumos

Foram analisadas as fichas de 9.963 eqüídeos do Acre, submetidos ao teste de imunodifusão em gel de ágar (IDGA) para anemia infecciosa eqüina (AIE), no período de 1986 a 1996. As regiões sócio-ecológicas da Bacia do Alto Juruá, Alto Acre e Alta Bacia do Purus apresentaram os maiores índices da doença, o que caracteriza a associação entre região e positividade. Essas áreas são fronteiriças com o Peru, Bolívia e o Estado do Amazonas, são distantes de Rio Branco, capital do Estado, onde muitas vezes é difícil o acesso pelas estradas, revelando serem áreas de risco. As regiões Oriental e Rio Branco apresentaram baixos índices de positividade. Não se observou diferença estatística entre animais positivos e negativos quanto à espécie, sexo, raça e idade.

Eqüídeo; anemia infecciosa eqüina; região sócio-ecológica; freqüência; Acre


Data from 9,963 formularies of equines from Acre State (1986-1996) examined for equine infectious anemia (EIA) by the AGID test were analyzed. The socio-ecological regions in Alto Juruá, Alto Acre and Alto Purus rivers basins showed the highest levels of disease, characterizing an association between these regions and positivity. These risk regions are border areas with the State of Amazonas, Peru and Bolivia, far from the capital city of the State of Acre (Rio Branco) and access by roads is often difficult. The regions Oriental and Rio Branco showed low levels of positivity. No differences were found regarding to animal species, sex, race and age.

Equine; equine infectious anemia; socio-ecological regions; frequency; Acre State; Brazil


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Freqüência de anemia infecciosa em eqüinos no Acre, 1986 a 1996

[Frequency of equine infectious anemia in the State of Acre, Brazil, from 1986 to 1996]

R.M.L. Santos1, J.K.P. Reis2, F.G.A. Santos3, I.C.S. Oliveira2

1Ministério da Agricultura e do Abastecimento – DFA/MG

Av. Raja Gabaglia, 245 – Cidade Jardim

30380-090 – Belo Horizonte, MG

2Escola de Veterinária da UFMG

3Universidade Federal do Acre

Recebido para publicação, após modificações, em 9 de fevereiro de 2001.

E-mail: rejanels@zaz.com.br

RESUMO

Foram analisadas as fichas de 9.963 eqüídeos do Acre, submetidos ao teste de imunodifusão em gel de ágar (IDGA) para anemia infecciosa eqüina (AIE), no período de 1986 a 1996. As regiões sócio-ecológicas da Bacia do Alto Juruá, Alto Acre e Alta Bacia do Purus apresentaram os maiores índices da doença, o que caracteriza a associação entre região e positividade. Essas áreas são fronteiriças com o Peru, Bolívia e o Estado do Amazonas, são distantes de Rio Branco, capital do Estado, onde muitas vezes é difícil o acesso pelas estradas, revelando serem áreas de risco. As regiões Oriental e Rio Branco apresentaram baixos índices de positividade. Não se observou diferença estatística entre animais positivos e negativos quanto à espécie, sexo, raça e idade.

Palavras-chave: Eqüídeo, anemia infecciosa eqüina, região sócio-ecológica, freqüência, Acre

ABSTRACT

Data from 9,963 formularies of equines from Acre State (1986-1996) examined for equine infectious anemia (EIA) by the AGID test were analyzed. The socio-ecological regions in Alto Juruá, Alto Acre and Alto Purus rivers basins showed the highest levels of disease, characterizing an association between these regions and positivity. These risk regions are border areas with the State of Amazonas, Peru and Bolivia, far from the capital city of the State of Acre (Rio Branco) and access by roads is often difficult. The regions Oriental and Rio Branco showed low levels of positivity. No differences were found regarding to animal species, sex, race and age.

Keywords: Equine, equine infectious anemia, socio-ecological regions, frequency, Acre State, Brazil

INTRODUÇÃO

A anemia infecciosa eqüina (AIE) é considerada a principal doença da eqüideocultura brasileira, infecto-contagiosa, para a qual não há vacina e nem tratamento eficazes (Reis, 1997). Ela é causada por um retrovírus do gênero Lentivírus (Carpenter & Chesebro, 1989), que acomete cavalos, asininos e muares e sua transmissão na natureza é feita principalmente pelos insetos hematófagos do gênero Tabanidae (Issel & Coggins, 1979; Issel et al., 1988).

O Estado do Acre está localizado na região Norte, Amazônia Ocidental, limitado ao norte pelo Estado do Amazonas, ao sul pelo Peru e Bolívia, a leste pela Bolívia e pelo Estado de Rondônia e a oeste pelo Peru. O Estado é dividido em duas mesorregiões: Vale do Acre e Vale do Juruá.

Segundo dados estatísticos (Anuário..., 1987/1988; 1997), em 11 anos o rebanho de eqüinos, asininos e muares do Acre aumentou de 14.006 em 1986 para 25.026 em 1996. A concentração da população de eqüídeos estimada é 93,6% no Vale do Acre e de 6,4% no Vale do Juruá.

Quanto ao aspecto econômico, a criação de eqüídeos está bastante relacionada com a atividade pecuária local (1,36 % do contigente animal), e em menor escala com a atividade mista (lavoura + pecuária), com a silvicultura e com a exploração vegetal, pesca e aquicultura e produção de carvão vegetal (Tab.1 e 2).

O Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC), buscando disciplinar a ocupação e a exploração econômica e considerando o componente ambiente, desenvolveu um atlas geográfico (Atlas..., 1991), para estudo e planejamento do Estado. Nele o Estado foi dividido em sete unidades (zoneamento sócio-ecológico). O Vale do Acre formou as regiões Oriental, Rio Branco, Alto Acre e Alta Bacia do Purus, e o Vale do Juruá absorveu a região da Bacia do Envira e do Tarauacá, a Bacia do Alto Juruá e a Serra do Moa (Fig.1).


As características de cada região sócio-ecológica são descritas a seguir (Atlas..., 1991; 1996): Oriental - Leste do Estado, em fronteira com o Estado de Rondônia e Bolívia. Apresenta pecuária extensiva e agricultura de subsistência. Nos projetos de assentamento de migrantes a agricultura é do tipo familiar. Observa-se elevado desequilíbrio ecológico pelo desmatamento descontrolado com grande destruição de castanheiras. Rio Branco - Norte do Estado, ocupando essencialmente o Vale do Acre, em fronteira com o Estado do Amazonas. Embora apresente pecuária extensiva, nela observam-se projetos de melhoramento animal. Alto Acre - Sudeste do Estado, em fronteira com a Bolívia. Nela observa-se acentuado processo de devastação das matas para a implantação de fazendas de pecuária extensiva. Alta Bacia do Purus - Inicia-se a leste, pelo Vale do Iaco, com limites ao norte pelo Estado do Amazonas e ao sul pelo Peru. A área é desprovida de cobertura florestal, sendo constituída de matas com castanhais e seringais, entremeadas com tabocais. Possui condições naturais ainda bem preservadas pelas reservas indígenas, extrativistas e pela Estação Ecológica do Rio Acre. Apresenta colonização decadente ao redor do município de Sena Madureira. Bacia do Envira e do Tarauacá - Possui floresta sem castanheiras entremeada com tabocais. Nela encontram-se reservas indígenas e seringais decadentes, mas houve grande concentração da propriedade. A partir de 1987 iniciou-se a exploração predatória de madeiras. Bacia do Alto Juruá - Revestida de matas tropicais sem castanha, com seringais silvestres e grande potencial madeireiro e extração de borracha. Nela há colônias de pequenos proprietários ao redor do município de Cruzeiro do Sul e grandes projetos pecuários ao longo da BR-364. Serra do Moa - Unidade do extremo ocidental, está a oeste da Serra do Divisor ou de Contamana (Peru) com extensa colonização e produção de café, arroz e milho.

A pecuária no Estado é do tipo extensiva, com muita agricultura de subsistência principalmente nos projetos de assentamento (colonização), apresentando desequilíbrio ecológico em muitos locais pelo processo de devastação das matas para a implantação de fazendas de pecuária e madeireiras ao longo das rodovias BR-364, BR-317 e AC-40.

O objetivo deste trabalho é estimar a freqüência de casos positivos de anemia infecciosa eqüina no Acre, no período de 1986 a 1996, de acordo com o zoneamento sócio-ecológico do Estado.

MATERIAL E MÉTODOS

A amostra estudada é composta de 9.963 exames de AIE disponibilizados pelo Ministério da Agricultura no Estado do Acre. Foram descartados alguns exames por terem sido coletados em animais de origem e localização fora do Estado. Os testes de IDGA foram realizados em laboratórios oficiais e particulares do Acre, Minas Gerais, Mato Grosso e Laboratório de Referência Animal no Pará.

Foi criado um banco de dados utilizando o programa Epi Info, Versão 6.02b (Dean et al., 1995) que continha as seguintes informações: propriedade, região sócio-ecológica, espécie, raça e idade do animal.

No zoneamento sócio-ecológico o Estado do Acre apresentava sete regiões, porém, para este estudo foram definidas cinco, ou seja, Oriental, Rio Branco, Alto Acre e Alta Bacia do Purus e Alta Bacia do Juruá condensando os exames das regiões Bacia do Envira, Tarauacá, Alta Bacia do Juruá e Serra do Moa, por apresentar número reduzido de exames (inferior a 30).

A população de eqüídeos estudada corresponde a 88,3% de eqüinos (Equus caballus), 11,1% de muares (Equus mus) e 1,5% de asininos (Equus asinus). As raças foram divididas em cinco grupos: Quarto de Milha, Mangalarga, sem raça definida (SRD), animais cruzados e outras que inclui as raças com número reduzido de exames (Apaloosa, Árabe, Bretão, Campolina, Crioula, Persa, Puro Sangue Inglês e jumento Pega).

A população testada foi estratificada em cinco grupos etários, conforme orientação dada pela Portaria 77, de 28.09.92 (Brasil, 1992), a saber: 6 a 12, 12 a 24, 24 a 60, 60 a 120 e acima de 120 meses de idade.

Utilizou-se a análise de qui-quadrado recomendada para características não paramétricas (Sampaio, 1998).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tab. 3 apresenta a distribuição das propriedades e dos animais positivos de acordo com o ano. A elevada freqüência de propriedades contaminadas e conseqüente número de animais positivos em 1988 provavelmente deveu-se à implantação do primeiro laboratório de análises clínicas para AIE no Estado, o que facilitou o acesso dos proprietários a esse diagnóstico. A freqüência não mostra uma tendência definida em aumentar, ou diminuir, os casos positivos, mas os resultados são até certo ponto esperados tendo em vista a ineficácia de programas de controle da doença em áreas fronteiriças, consideradas literalmente de difícil controle, com poucos recursos e falta de pessoal técnico especializado para executar ações de defesa sanitária. Durante o período estudado, o Ministério da Agricultura manteve convênio com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (SDA), porém a programação garantia apenas o diagnóstico da doença. A AIE sempre foi considerada enfermidade sem importância diante de outras doenças.

A Tab. 4 apresenta a distribuição de animais positivos de acordo com a região sócio-ecológica. Observa-se maior número de exames nas regiões Oriental e Rio Branco, provavelmente por serem localizadas próximas à capital do Estado, onde até 1994 existia apenas um laboratório de diagnóstico.

A elevada freqüência de positivos nas regiões sócio-ecológicas distantes da capital é justificada pelo seu difícil acesso por estradas, tornando-as áreas de risco, principalmente as regiões da Bacia do Alto Juruá (22,9%), Alto Acre (12,4%) e Alta Bacia do Purus (9,5%). Essas áreas apresentam como principal atividade econômica o extrativismo vegetal da seringueira e da castanha do Brasil, as quais utilizam os eqüídeos como o único meio de locomoção.

A tabela de contingência identifica a Bacia do Alto Juruá, o Alto Acre e a Alta Bacia do Purus como as regiões mais associadas à positividade, enquanto que as regiões Oriental e Rio Branco são as menos associadas. Isto pode ser explicado, em parte, pela inexistência de ações de controle naquelas áreas, principalmente por serem áreas fronteiriças entre Bolívia e Peru e de grandes extensões territoriais, vizinhas ao Estado do Amazonas.

Pela Tab.5, asininos e eqüinos apresentaram quase o mesmo índice de freqüência de positivos (7,8 e 7,7%, respectivamente), o que confirma a hipótese de que entre as espécies existe a mesma susceptibilidade à infecção. Fato idêntico também foi observado por Granzoti (1982).

Na Tab. 6 observa-se que os animais do grupo SRD e cruzados revelaram maior freqüência de positivos (embora elevados em valores relativos, não foram estatisticamente diferentes). Essa maior freqüência provavelmente deve-se ao fato de serem animais muito utilizados nas diversas atividades de campo, enquanto que os de menor freqüência fazem parte de uma elite que participa de exposições e desfiles e são criados, em sua maioria, nas propriedades com assistência técnica veterinária.

A Tab. 7 mostra que a freqüência de reagentes independe do sexo, fato já observado por Diagnóstico... (1980). O estudo de Granzoti (1982) mostrou maior freqüência de casos nas fêmeas.

Na Tab. 8 está registrada a freqüência de reagentes positivos para AIE conforme a faixa etária. Verifica-se que o maior índice de positivos está na faixa de 120 meses de idade (diferença não significativa). Este fato foi também comprovado por Granzoti (1982). Isto, possivelmente, está relacionado com a história natural da doença, que entre outras características, apresenta um quadro de evolução insidiosa, crônica, de portador por longos períodos. Esse aspecto coloca os susceptíveis expostos à infecção permanente e longa, o que explica a menor taxa nos animais mais jovens. Esse comportamento da virose requer para o seu controle e eliminação exames periódicos desde o nascimento, para identificar a data mais provável de ocorrência da infecção. Deve-se atentar para a hipótese de que a indicação da idade não caracteriza o risco por não ter havido o acompanhamento do animal desde o seu nascimento, para se identificar a data exata da infecção.

CONCLUSÕES

A ocorrência da anemia infecciosa eqüina no Acre apresenta associação com a região sócio-ecológica, onde fatores como extensão territorial, ser área de fronteira, estar a grande distância da capital e haver dificuldade de acesso favorecem e facilitam a disseminação da enfermidade. Raça, espécie, sexo e categoria etária não são variáveis associadas à doença.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Recebido
      09 Fev 2001
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