Open-access Tumor carcinoide na vesícula biliar em cão

[Carcinoid gallbladder tumor in a dog]

ABSTRACT

Carcinoid is a neoplasia that arises from dispersed cells of the neuroendocrine system. This tumor is uncommon in animals, and its occurrence in the gallbladder is rare. A male Basset Hound dog’s corpse was taken to the Univerdade Federal de Minas Gerais to be analyzed by the Veterinary Pathology sector, without a description of its previous history. Necropsy revealed the presence of pale oral, ocular and penile mucous membranes. The gallbladder had a thickened wall and a dilated lumen, which was filled with dark and lumpy bile. Its mucosa had a whitish-red nodule, with solid and friable areas. Microscopically, there was a focal neoplastic proliferation, which wasn’t encapsulated and had imprecise limits, which cells were distributed in a solid pattern and separated by a delicate fibrovascular stroma. The neoplastic cells presented oval or round shaped nucleus, which had a chromatin predominantly loose, and one or two nucleoli. Their cytoplasm was moderately abundant, and in most of the cells it was eosinophilic, granular, and had well-defined limits. Using the Grimelius coloration, neoplastic cells’ cytoplasmic granules stained brownish or black, confirming the neuroendocrine origin of the neoplasia. Based on the macroscopic and microscopic findings, the diagnosis of a gallbladder carcinoid was established.

Keywords: dog; neoplasia; neuroendocrine; gallbladder

Palavras-chave: cão; neoplasia; neuroendócrino; vesícula biliar

Keywords: dog; neoplasia; neuroendocrine; gallbladder

Os carcinoides são tumores neuroendrócrinos, derivados da população de células neuroendócrinas difusas, que pertencem a dois grupos funcionais: células produtoras de aminas que sintetizam serotonina e hormônio adrenocorticotrófico ou células capazes de sintetizar polipeptídeo de baixo peso molecular e hormônios proteicos, como cromogranina, colecistocinina e secretina (Cullen e Popp, 2002; Morrell et al., 2002). São neoplasias de ocorrência rara nos animais domésticos, que já foram observadas na pele (Patnaik et al., 2001), na cavidade nasal, nos pulmões, (Patnaik et al., 2002), no esôfago (Patnaik et al., 1990), no intestino (Sykes e Cooper, 1982), no fígado (Patnaik et al., 1981) e na vesícula biliar (Morrell et al., 2002; Birettoni et al., 2008; Bhandal et al., 2009).

Em humanos, os carcinoides primários da vesícula biliar e do ducto biliar constituem menos de 1% de todos os tumores carcinoides (Anjaneyulu et al., 2007). Em cães, apesar da inexistência desses dados, há poucos relatos de carcinoide primário da vesícula biliar, sendo, portanto, considerado raro (Lippo et al., 2008). O diagnóstico definitivo baseia-se nas características histológicas, imuno-histoquímica para produtos secretórios, como a cromogranina A, e na identificação de grânulos citoplasmáticos argirofílicos, por meio de colorações especiais, como a prata de Grimelius (Cullen e Popp, 2002).

O objetivo deste estudo é relatar as características macro e microscópicas de um caso de carcinoide de vesícula biliar em cão. Um cão, Basset Hound, de 16 anos, macho, não castrado, foi doado ao setor de Patologia do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Minas Gerais, sem histórico clínico.

À necropsia, as mucosas oral, ocular e peniana estavam moderadamente pálidas. A vesícula biliar estava dilatada, com a parede muito espessa e o lúmen repleto de bile enegrecida e pastosa. Na mucosa da vesícula, havia alguns cistos de poucos milímetros, característicos da hiperplasia cística mucinosa, e um nódulo branco-avermelhado de cerca de 2,0cm x 1,5cm de diâmetro, com contorno pouco definido e com áreas firmes e outras friáveis (Fig. 1A). Um dos linfonodos hepáticos apresentava-se aumentado de volume e pálido. No fígado, havia áreas discretamente pálidas multifocais a coalescentes e friáveis. Os rins apresentavam superfície cortical intensamente irregular, com pontos esbranquiçados, multifocais a coalescentes. No testículo direito, havia nódulo esbranquiçado e firme. O testículo esquerdo estava com nódulo macio e com petéquias. Na terceira à sexta costelas, havia calos ósseos antigos.

Fragmentos de vários órgãos, incluindo vesícula biliar, fígado, pâncreas, linfonodos hepáticos, rins, coração, pulmões e testículos, foram coletados, fixados em formalina 10% neutra e tamponada, para processamento rotineiro de inclusão em parafina e avaliação microscópica. Cortes histológicos seriados foram corados pela hematoxilina e eosina (HE). Com base nas características histológicas da neoplasia e na suspeita principal de tumor neuroendócrino, foram também realizadas as colorações ácido periódico-Schiff (PAS), Giemsa e Grimelius, uma vez que os tumores neuroendócrinos são positivos pela coloração de Grimelius e negativos pelo PAS e Giemsa.

Microscopicamente, na vesícula biliar, além das áreas de hiperplasia cística mucinosa, havia proliferação neoplásica focal, não encapsulada e sem limites precisos, com células distribuídas em padrão sólido e separadas por delicado estroma fibrovascular. As células neoplásicas apresentavam núcleos redondos ou ovalados, com cromatina predominantemente frouxa, contendo um ou dois nucléolos. O citoplasma era moderadamente abundante e, na maioria, com limites bem definidos, eosinofílico e granular (Fig. 1B). Alguns vasos sanguíneos da vesícula biliar apresentavam células neoplásicas no lúmen. Pela coloração de Grimelius, foi possível observar várias células neoplásicas com grânulos citoplasmáticos acastanhados ou negros (Fig. 1C), confirmando a origem neuroendócrina da neoplasia. Os grânulos não foram corados pelas colorações de PAS e Giemsa. As células neoplásicas apresentavam pleomorfismo e índice mitótico moderados. Havia áreas multifocais de hemorragia. Células com as mesmas características foram observadas em um dos linfonodos hepáticos (Fig. 1D) e em nenhum outro órgão. Foram observados também hiperemia e edema pulmonares moderados, degeneração hepática multifocal a coalescente moderada e hiperemia intensa, nefrite intersticial linfoplasmocitária moderada crônica e glomerulonefrite discreta, e nos testículos foram visualizados leydigocitoma e seminoma.

Figura 1
Tumor carcinoide, cão. A. Massa neoplásica branco-avermelhada na mucosa da vesícula biliar de aproximadamente 2cm x 1,5cm de tamanho (setas). B. Vesícula biliar com proliferação de células neoplásicas moderadamente pleomórficas, com núcleos redondos ou ovalados e citoplasma eosinofílico e granular. HE, Bar=50μm. C. Proliferação de células neoplásicas da vesícula biliar com grânulos citoplasmáticos argirófilos acastanhados ou negros. Detalhe com células neoplásicas contendo grânulos citoplasmáticos argirófilos. Grimelius, Bar=200μm. D. Linfonodo hepático com células neoplásicas de características semelhantes às da vesícula biliar (asteriscos). HE, Bar=200μm.

A presença de grânulos argirófilos, pela coloração de Grimelius, no citoplasma das células neoplásicas, aliada às demais características microscópicas da neoplasia, permitiu firmar o diagnóstico de tumor carcinoide ou neuroendócrino da vesícula biliar.

Apesar de ser raro na medicina veterinária, as características macroscópicas e microscópicas observadas nesse caso foram semelhantes às descritas previamente em cães (Morrell et al., 2002; Birettoni et al., 2008; Lippo et al., 2008). Os carcinoides da vesícula biliar geralmente formam massas que podem ser múltiplas, brancas a castanhas. Na microscopia, podem formar vários padrões, incluindo ninhos, rosetas, cordões ou sólidos separados por estroma fibrovascular delicado (Cullen e Popp, 2002), como o observado neste relato.

No presente caso, foi observada metástase para linfonodo hepático. Segundo a literatura, os tumores neuroendócrinos são potencialmente malignos, e, em 90% dos casos, ocorrem metástases, principalmente para os linfonodos e o peritônio (Patnaik et al., 1981). O tamanho do tumor, o seu caráter invasivo, a presença de necrose, as atipias celulares com mais de duas células mitóticas por 10 campos são alguns dos critérios utilizados para definir a malignidade do carcinoide (Patnaik et al., 2002).

Embora o animal tenha sido encaminhado ao Hospital Veterinário sem informações precedentes da sintomatologia clínica, cães com neoplasia no trato biliar, comumente, apresentam perda de peso crônica, vômitos persistentes e elevação das enzimas hepáticas (Bhandal et al., 2009). No entanto, o animal do presente caso apresentava boa condição corporal. Além disso, esses tumores podem estar associados à “síndrome carcinoide”, que ocorre em consequência da liberação de aminas vasoativas, predominantemente derivadas de serotonina e calicreína, dos grânulos secretores de tumores metastáticos funcionais. A síndrome inclui sintomas como diarreia, rubor, broncoespasmo, cianose, telangiectasia e lesões cutâneas. Todavia, a maioria dos carcinoides relatados, assim como do presente caso, não tiveram essa apresentação (Sykes e Cooper, 1982).

Na vesícula biliar, o principal diagnóstico diferencial para o carcinoide é o adenocarcinoma (Mezi et al., 2011), mas, ao contrário dos carcinomas, os tumores neuroendócrinos primários da vesícula biliar geralmente têm crescimento lento e os animais têm bom prognóstico quando não ocorrem metástases (Bhandal et al., 2009). A coloração de Grimelius permite a distinção entre os tumores neuroendócrinos e não neuroendócrinos e tem considerável valor diagnóstico para o carcinoide (Patnaik et al., 1981; Sykes e Cooper, 1982; Morrell et al., 2002). É válido ressaltar que ocorre uma rápida deterioração dos grânulos quando a fixação em formalina é inadequada (Sykes e Cooper, 1982), sendo uma causa importante para as reações falso-negativas ou, até mesmo, para as variações na quantidade de grânulos observados nos diferentes relatos encontrados na literatura. A imuno-histoquímica com o uso do anticorpo anticromogranina A possibilita uma melhor caracterização do tumor quanto ao conteúdo dos grânulos (Anjaneyulu et al., 2007; Birettoni et al., 2008; Lippo et al., 2008) e pode ser uma alternativa nos casos suspeitos de carcinoides que são negativos pela coloração de Grimelius. Com base nos achados macro e microscópicos, foi firmado o diagnóstico de tumor carcinoide ou neuroendócrino da vesícula biliar com metástase para linfonodo hepático.

AGRADECIMENTOS

À técnica Valéria Felisberto Tavares, do Laboratório de Histopatologia, pelo auxílio na realização da coloração de Grimelius.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2019
  • Aceito
    20 Set 2019
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