Open-access Avaliação morfológica do concentrado autólogo de plaquetas em cães sob refrigeração e criopreservação em DMSO 6%

[Morphological evaluation of the autologous platelet concentrate in dogs under refrigeration and criopreservation in 6% DMSO]

ABSTRACT

The morphological characteristics of the autologous platelet concentrate (APC) of 31 dogs were evaluated after cooling and freezing in 6% DMSO. Blood from the jugular vein of each patient was collected and centrifuged at 191g for six minutes to obtain APC. In the fresh sample, the platelet count, MPV, PDW and cell morphology were evaluated. Four samples of each animal were sent for storage, one refrigerated at 4°C for seven days, another for 30 days and two more stored in a freezer at -80°C in the same time interval, using 6% DMSO as cryoprotectant. The conserved samples were submitted to the same laboratory analysis as the fresh sample. There was a difference between fresh and preserved samples for platelet count, cell concentration, MPV and PDW (P<0.05), except in the 30-day refrigerated group, which showed severe morphological changes. In the frozen group for seven days, no difference was observed in the percentage of activation (P>0.05). The results obtained lead to the conclusion that cryopreservation with 6% DMSO at -80°C for seven days is a favorable option for the maintenance of platelet concentrations and the morphological characteristics of APC in dogs.

Keywords: canine; autologous platelet concentrate; refrigeration; cryopreservation; morphology

Palavras-chave: cão; concentrado autólogo de plaquetas; refrigeração; criopreservação; morfologia

Keywords: canine; autologous platelet concentrate; refrigeration; cryopreservation; morphology

As plaquetas são fragmentos citoplasmáticos anucleados provenientes de megacariócitos multinucleados localizados na medula óssea (Boswell et al., 2012). Geralmente se encontram em um estado de inativação e carecem de estímulo por diferentes substâncias (fisiológicas ou farmacológicas) para se tornarem ativadas. A ativação plaquetária modula a resposta inflamatória nas lesões existentes e promove uma recuperação mais rápida e eficaz dos tecidos (Blair e Flaumenhaft, 2009). Essas células têm sido amplamente usadas como fonte de fatores de crescimento (GF), que, além de participar ativamente nos processos de diferenciação celular, inflamação e coagulação, têm papel importante no reparo e na regeneração de tecidos lesionados (Blair e Flaumenhaft, 2009).

A versatilidade dessa terapia celular é um estímulo constante para o aprofundamento dos estudos científicos e para o seu uso terapêutico (Boswell et al., 2012). A refrigeração e a criopreservação plaquetária, tanto na medicina humana quanto na medicina veterinária, têm sido investigadas como um meio de armazenamento em longo prazo e de disponibilidade imediata dos produtos plaquetários (fatores de coagulação e de crescimento) para transfusão e tratamento de diferentes lesões, com função e viabilidade aceitáveis (Appleman et al., 2002). Portanto, o objetivo deste estudo foi a avaliação morfológica do CAP sob refrigeração e sob congelamento por sete e 30 dias.

O experimento foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal/UFMG, sob o protocolo nº 17/2016. Foram utilizados 31 cães, de diferentes raças, distribuídos em 20 fêmeas, com idade entre nove e 158 meses, e 11 machos, na faixa etária dos sete aos 146 meses, massa corporal entre cinco e 50kg, clinicamente sadios no momento da coleta do sangue e negativos para leishmaniose e erliquiose. Todos os animais foram encaminhados para tratamento cirúrgico, com indicação de terapia com concentrado autólogo de plaquetas (CAP).

A coleta de sangue foi realizada por punção da veia jugular, utilizando-se um tubo a vácuo contendo EDTA para a obtenção do hemograma e determinação dos valores celulares basais de cada paciente. Para obtenção do CAP, foram utilizados, em média, três tubos por animal com capacidade de 8,5mL, contendo 1,5mL de uma solução ACD-A (citrato trissódico 22g/L, ácido cítrico 8g/L e dextrose 24,5g/L).

Os tubos com ACD-A foram centrifugados (Sislab/Basic, Brasil) a 191g, durante seis minutos (única centrifugação), seguidos por um minuto de frenagem. Nesse momento, foram obtidas três camadas celulares e foi aspirado o CAP localizado a cerca de 4mm acima da camada leucocitária. Com auxílio de uma seringa de 3mL e cateter 20G, aspirou-se, em média, 0,5mL da fração do CAP, que foi transferido para cinco tubos diferentes tipo Eppendorf, cada um devidamente rotulado com o nome do paciente e o tempo de conservação. O CAP obtido de cada animal foi aleatoriamente dividido em cinco alíquotas: plasma fresco, plasma para refrigeração por sete dias (R7), plasma para refrigeração por 30 dias (R30), plasma para congelamento por sete dias (C7) e plasma para congelamento por 30 dias (C30), constituindo, assim, os grupos de estudo. Cada um dos recipientes foi levado para análise, em temperatura ambiente, em contador hematológico (PocH-100 iV Diff, Sysmex, Brasil), e foram realizados a contagem plaquetária, o volume plaquetário médio (MPV) e a amplitude de distribuição plaquetária (PDW).

As amostras R7 e R30 foram levadas para a geladeira e submetidas a resfriamento até 4ºC, para posteriormente serem avaliadas aos sete e aos 30 dias após refrigeração. As amostras para criopreservação foram estocadas em criotubos (TPP, previamente esterilizados) de 1,2mL com fechamento rosqueado, contendo DMSO 6%. Os criotubos foram colocados em freezer a -80°C, inicialmente dentro de um recipiente de isopor de 22x12x12cm com tampa, por quatro horas, para permitir o congelamento gradativo. Após esse tempo, foram retiradas do recipiente e colocadas na prateleira de alumínio que suporta as amostras diretamente, dentro do freezer. O descongelamento foi realizado aos sete e 30 dias, em banho-maria, a 37ºC, durante cinco minutos, para posteriores análises morfológica e morfométrica.

As amostras frescas, resfriadas e congeladas foram avaliadas quanto à composição celular, à morfometria e à morfologia. A avaliação da morfologia e da porcentagem da ativação plaquetária para todos os grupos (fresco, R7, R30, C7, C30) foi realizada por microscopia óptica, em lâminas coradas pela técnica de Romanowski, com corante Diff Quick (Laborclin, Brasil). A porcentagem de ativação plaquetária foi avaliada após a contagem de 200 plaquetas, adaptada da classificação proposta por Würzinger e Schmid-Schönbein (1990), para avaliação em microscopia eletrônica de transmissão. As plaquetas foram classificadas em três estados morfológicos: plaquetas normais ou inativadas (discoides ou alongadas), plaquetas em estado inicial de ativação ou incerto (arredondadas, sem presença de pseudópodes) e plaquetas ativadas (esféricas emitindo pseudópodes). Todas as contagens manuais foram realizadas pelo mesmo técnico.

Nas análises realizadas em contador automático, o valor médio plaquetário do sangue total, coletado em EDTA, foi 302,8x103/µL. O CAP fresco (790,2x103/µL) e conservado nas amostras refrigeradas por 30 dias (593,6 x103/µL), criopreservadas por sete (637,2x103/µL) e 30 dias (686x103/µL), apresentou maiores valores plaquetários, diferindo da contagem observada no sangue total (P<0,01). Em relação ao CAP fresco, observou-se diminuição (P<0,001) da concentração plaquetária nas amostras resfriadas e congeladas. Quando comparados os grupos R7-R30-C7-C30, não se verificou diferença na concentração plaquetária entre eles. As amostras do grupo R7 apresentaram valores numéricos inferiores (P>0,05) em relação aos demais grupos estudados. A porcentagem de recuperação plaquetária apresentou diferenças entre os quatro grupos de conservação (P>0,05), muito embora o grupo R7 (62,27%) tenha mostrado uma porcentagem menor de recuperação em relação aos grupos R30 (76,1%), C7 (81,73%) e C30 (81,08%). Os percentuais de recuperação nas amostras criopreservadas foram superiores aos encontrados por Appleman et al. (2002) (72,8%) usando DMSO 6% como crioprotetor. A recuperação no CAP sem DMSO é menor, o que significa que o DMSO provê uma efetiva proteção celular para plaquetas caninas (Appleman et al., 2002).

Os valores do MPV no CAP fresco não mostraram alterações (P>0,05) nas diferentes faixas etárias em relação ao sangue total. A média do MPV do CAP fresco foi de 11,1 fentolitros (fL), semelhante (P>0,05) ao MPV do sangue total (11,54 fL). As mudanças na morfologia plaquetária e nos valores do MPV observadas neste estudo foram relatadas também no estudo do Johnson et al. (2016) após o resfriamento.

Os autores concluíram que a refrigeração (2 a 6°C) induz alterações morfológicas drásticas em 24 horas, que são mantidas ao longo de 21 dias de armazenamento e mostram uma pequena recuperação após o processo de aquecimento. A diminuição bem como o aumento do MPV podem ser sinais indicativos de lesão plaquetária, limitando a função celular, mostrada pela agregabilidade, pela liberação de serotonina, pela perda de glicoproteínas e pela expressão de P-selectina (Johnson et al., 2016). Nos grupos conservados na faixa etária entre sete e 33 meses, não se verificaram diferenças (P>0,05) nos valores do MPV em relação ao sangue total e ao CAP fresco, exceto no grupo R7, que mostrou aumento (P<0,05) em relação ao plasma fresco. Na faixa etária entre 34 e 77 meses, foi observado aumento (P<0,05) dos valores no grupo R7 em relação ao sangue total e ao CAP fresco. De forma semelhante, na faixa etária compreendida entre 78 e 158 meses, foi observado aumento (P<0,05) nos valores do MPV para os grupos R7, C7 e C30.

O PDW determina a variação de tamanho das plaquetas e pode mostrar aumento dos valores durante a ativação dessas células (Vagdatli et al., 2010). O aumento dos valores do PDW observados neste estudo após o uso das técnicas de conservação pode ser explicado pelo processo de anisocitose decorrente da refrigeração ou do congelamento, que resulta na ativação plaquetária e posterior formação de pseudópodes (Wiwanitkit, 2004).

Neste estudo, observou-se inicialmente, após o processo de centrifugação, queda nos valores do PDW no CAP fresco em relação ao sangue total, porém sem apresentar diferença estatística (P>0,05) em nenhuma das faixas etárias estudadas. No grupo R7, na faixa etária entre 34-77 meses, verificou-se aumento (P<0,01) do PDW em relação ao PDW no sangue total e ao CAP fresco. Os grupos R30, C7 e C30 não mostraram diferenças (P>0,05) entre as idades ao serem comparados com o PDW do sangue total e do grupo R7. Nos animais na faixa etária entre sete-33 meses e 78-158 meses, observou-se aumento (P<0,05) dessa variável nos grupos R7 e C7 quando comparada com o plasma fresco. Nos grupos R30 e C30, em todas as faixas etárias, não houve mudança (P>0,05) quando comparada com o CAP fresco.

No CAP obtido após centrifugação, a porcentagem de plaquetas esféricas com emissão de pseudópodes (ativadas) não mostrou diferença (P>0,05) em relação às plaquetas com morfologia discoide (inativadas). Nas alíquotas armazenadas em refrigeração por sete dias, o estado morfológico plaquetário predominante foi de células com emissão de pseudópodes (ativadas).

Os grupos de conservação R7 e C30 mostraram aumento (P<0,05) da porcentagem de ativação em relação ao CAP fresco e ao grupo C7. Ao se compararem os diferentes tipos de preservação, os grupos R7 e C30 não mostraram diferença entre si (P>0,05) no estado de ativação plaquetária, mas o grupo R7 mostrou a maior frequência de plaquetas em estado ativado.

A semelhança entre os aspectos morfológicos do CAP fresco e do grupo C7 é devido principalmente ao efeito crioprotetor do DMSO, à taxa de congelamento lento e ao curto tempo de exposição das amostras a temperaturas baixas, prevenindo, assim, a formação de partículas de gelo intracelulares (Stoll e Wolkers, 2011) e reduzindo o aumento da permeabilidade da membrana decorrente da transição de fase lipídica (Stoll e Wolkers, 2011).

A ausência de microagregados plaquetários nos grupos C7 e C30 na avaliação microscópica sugere a ação do DMSO impedindo a formação desses aglomerados devido à inibição da ativação espontânea que leva à subsequente agregação plaquetária. Além disso, os microagregados observados nos grupos R7 e R30 podem ser explicados pelo resfriamento sem uso de soluções para armazenamento, pelo aquecimento e pela posterior agitação, que provoca o estado de agregação espontânea (Reid et al., 1999).

A diminuição do número de plaquetas com forma discoide após o armazenamento, que representa o estado de inativação plaquetária nos grupos C7 e C30, foi devido às modificações estruturais das plaquetas, as quais causaram o aumento de células em estado incerto ou ativado, o que pode levar à redução da função plaquetária (Balint et al., 2002).

A igualdade na porcentagem de ativação plaquetária entre o grupo C7 e o CAP fresco significa preservação das qualidades do CAP e de sua atividade biológica. De acordo com Reid et al. (1999), as plaquetas congeladas em DMSO mostram menor porcentagem de ativação após armazenamento e uma expressão aumentada de P-selectina após estimulação com trombina, em relação ao plasma congelado sem uso de crioprotetor, mantendo as plaquetas ainda viáveis para uso após a conservação. É considerado que o acréscimo do DMSO ao CAP promove maior sensibilidade perante agentes ativadores utilizados no momento do uso terapêutico do CAP (Reid et al., 1999).

A criopreservação do CAP por sete dias em DMSO 6% a -80°C é um método de armazenamento que preserva as plaquetas caninas, com manutenção das características morfológicas e de inatividade, a qual pode ser usada na rotina clínica. Ao contrário disso, a refrigeração por sete e por 30 dias é deletéria para a conservação da morfologia plaquetária canina e não deve ser empregada como banco de células.

REFERÊNCIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2017
  • Aceito
    09 Mar 2020
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