Porto MFS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. 270 p.
ISBN: 978-85-7541-300-5
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311XRE020114
Uma trilha para o conhecimento da questão ambiental contemporânea é o que percorremos ao ler o trabalho de Marcelo Firpo Porto. O conto final expressa essa trilha de onde partimos com a certeza de que não sabemos, de que ignoramos muitos dos efeitos e impactos do desenvolvimento econômico e tecnológico vigente. Por mais que haja consenso entre os especialistas das ciências naturais e sociais sobre a complexidade dos fenômenos humanos, agimos como cegos e surdos em relação aos problemas que não nos afetam diretamente, sejam problemas locais, em tempo e espaço delimitados, sejam eles globais gerados em níveis macroestruturais e com consequências a médio e longo prazo. Ignoramos ainda a interdependência e simultaneidade dos riscos e efeitos nos níveis locais e globais provocados pelo nosso agir.
O livro, porém, não é um tratado sobre o futuro sombrio que nos aguarda, ao contrário. A aprendizagem que ele nos proporciona está radicalmente assentada na crença e no interesse pelo bem coletivo, na ética da responsabilidade e na construção de uma ciência sensível: uma forma de pensar e fazer ciência na modernidade que estimule o aprendizado e a ação transformadora ao estabelecer diálogos produtivos e estratégias compartilhadas de enfrentamento dos problemas. Uma ciência sensível à complexidade dos problemas, às incertezas e limitações do conhecimento sobre o humano e as restrições da natureza como bases para produzirmos decisões sábias e, portanto, saudáveis.
Em seus 5 capítulos, o livro oferece detalhada análise sobre as duas dimensões da complexidade para melhor compreender os riscos ambientais: a dimensão epistemológica relacionada ao aumento das incertezas e a dimensão social relacionada ao aumento das vulnerabilidades. Ao final, estabelece 11 princípios para a compreensão integrada e contextualizada dos riscos ambientais de forma a facilitar o diagnóstico dos vários tipos de vulnerabilidades e a construção de ciclos virtuosos de desenvolvimento mediante a participação dos sujeitos e populações na constituição de redes sociais e intersetoriais.
O autor descreve e ilustra a análise de como o trabalho e as tecnologias nas sociedades modernas afetam a condição humana, em especial nas sociedades desiguais que produzem diferenciais importantes entre os que se beneficiam e os que arcam com os ônus do progresso. Uma ecologia política dos riscos por intermédio da visão ecossistêmica e social sobre os sistemas sócio-técnicos-ambientais perigosos, com exemplos da ineficácia das abordagens fragmentadas e descontextualizadas para enfrentar os ciclos de geração-exposição-efeitos dos riscos. De interesse especial ao nosso campo estão as novas biotecnologias que produzem o acirramento das iniquidades quando não priorizam problemas mais graves de saúde pública, a exemplo dos transgênicos e das terapias genéticas. Nesse ramo, as incertezas e inseguranças quanto aos efeitos sobre a saúde humana, a médio e longo prazo, exemplificam a necessidade de adotarmos uma postura de precaução.
A questão central que nos coloca o autor é como decidir adotar determinado curso de ação quando a ciência não é capaz de formular com precisão as consequências de tal decisão. O problema da indeterminação decorre não da falta de modelos para compreender o problema, mas da existência de uma multiplicidade de fatores que podem agir pela tomada de decisão, ou seja, processos não lineares e feedbacks que operam em distintas escalas temporais e espaciais que dificultam visões precisas do futuro. Nas palavras do autor, o princípio da precaução rompe com “a ideologia do otimismo tecnológico” ou “fetiche do desenvolvimento econômico-produtivo” que informou até a década de 1970 o “paradigma preventivo clássico”, vale dizer, a crença de que o conhecimento tecnocientífico possa promover um “risco zero” e possibilitar o controle das condições ideais de produção e consumo sem suas correlatas dimensões de destruição e desgaste.
Um diálogo que pode ser ainda melhor estabelecido com base nesta obra é com as teorias e práticas da promoção da saúde “radical” ou “emancipatória”, preocupadas em avançar na construção de intervenções anteriores aos riscos e agravos à saúde, que ampliem a autonomia e os direitos em contextos de grande vulnerabilidade social. Segundo o autor, as vulnerabilidades sociais resultam em gradientes ou diferenciais de exposição e efeito entre grupos que vivem na periferia social e econômica do desenvolvimento e acabam por arcar com os principais efeitos danosos do modelo de desenvolvimento nos ambientes em que vivem e trabalham, configurando a questão de (in)justiça ambiental. A proposição dos STAs – sistemas sócio-técnicos-ambientais – como unidade de análise das interações entre pessoas, sistemas técnicos (informação) e ambientes (configuração histórica e espacial) em territórios delimitados, corrobora para a construção de programas e iniciativas de promoção da saúde. Diversas experiências de constituição de redes de comunidades e cidades saudáveis no Brasil e projetos de pesquisa-ação e educação popular em saúde têm a mesma inspiração. A perspectiva de construção compartilhada de conhecimento, em que o saber acumulado pela ciência e o saber da experiência interagem em contextos com história e condições de vida particulares que objetivam encontrar soluções para os problemas locais por meio de alterações nos modelos globais que reproduzem as desigualdades. Considerar tais contextos pela noção de (in)justiça ambiental pode impulsionar novas articulações entre movimentos e redes sociais que visam introduzir crescentemente critérios de sustentabilidade socioambiental nas lógicas de produção e consumo dos benefícios do desenvolvimento.
Outro ponto em comum é a utilização de outras linguagens, como a literatura e as artes como fontes de conhecimento sensível, como nos mostra Porto ao incluir em sua narrativa histórias e parábolas para ilustrar ou mesmo traduzir os temas e conceitos em foco. O “aprender a aprender” é demonstrado nas histórias do sábio Nasrudin, que não é mais do que um homem comum em busca de saber e de agir em acordo com os valores de uma sociedade justa.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan 2014