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Avanços na assistência ao parto no Brasil: resultados preliminares de dois estudos avaliativos

Avances en la asistencia al parto en Brasil: resultados preliminares de dos estudios evaluativos

Resumo:

Este artigo tem como objetivo descrever os primeiros resultados de dois estudos avaliativos, um sobre a Rede Cegonha e outro sobre o projeto Parto Adequado, denominados, respectivamente, de avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável, e identificar possíveis melhorias em comparação ao estudo Nascer no Brasil. Ambos os estudos têm desenho seccional, realizados em 2017. O estudo avaliação da Rede Cegonha incluiu todas as 606 maternidades públicas e mistas envolvidas na Rede Cegonha e um total de 10.675 puérperas. O estudo Nascer Saudável incluiu uma amostra de conveniência de 12 hospitais da rede privada e um total de 4.798 mulheres. Os indicadores de atenção ao parto e nascimento avaliados foram: presença de acompanhante, atendimento por enfermeira obstétrica, preenchimento de partograma, uso de métodos não farmacológicos, deambulação, alimentação, uso de cateter venoso periférico, analgesia, posição da mulher para o parto, episiotomia e manobra de Kristeler. Esses indicadores foram comparados aos encontrados no Nascer no Brasil, estudo de base nacional realizado em 2011-2012, antes do início dos dois programas de intervenção. Para as comparações utilizamos o teste do qui-quadrado para amostras independentes e nível de 95% de confiança. Houve um aumento significativo do número de mulheres com acesso à tecnologia apropriada ao parto entre os anos de 2011 e 2017 e redução de práticas consideradas prejudiciais. No setor privado, observou-se também redução nas taxas de cesariana e aumento da idade gestacional ao nascer. Os resultados deste estudo mostram que políticas públicas bem conduzidas podem mudar o cenário da atenção ao parto e nascimento, promovendo a redução de desfechos maternos e neonatais negativos.

Palavras-chave:
Parto Obstétrico; Assistência Perinatal; Saúde Materna; Política de Saúde; Estudos de Avaliação

Resumen:

El objetivo de este artículo es describir los primeros resultados de dos estudios evaluativos, uno sobre la Red Cigüeña y otro sobre el proyecto Parto Adecuado, denominados respectivamente como evaluación de la Red Cigüeña y Nacer Sano, e identificar posibles mejorías en comparación con el estudio Nacer en Brasil. Ambos estudios tienen un diseño transversal, realizados en 2017. El estudio evaluación de la Red Cigüeña incluyó todas las maternidades públicas (606) y mixtas implicadas en la Red Cigüeña y a un total de 10.675 puérperas. El estudio Nacer Sano incluyó una muestra de conveniencia de 12 hospitales privados y a un total de 4.798 mujeres. Los indicadores de atención al parto y nacimiento evaluados fueron: presencia de acompañante, atención por enfermera obstetra, cumplimentación de partograma, uso de métodos no farmacológicos, deambulación, alimentación, uso de catéter venoso periférico, analgesia, posición de la mujer para el parto, episiotomía y maniobra de Kristeler. Estos indicadores se compararon con los encontrados en Nacer en Brasil, un estudio a nivel nacional, realizado en 2011-2012, antes del inicio de los dos programas de intervención. Para las comparaciones utilizamos el test del chi-cuadrado para muestras independientes y nivel de confianza de un 95%. Hubo un aumento significativo del número de mujeres con acceso a la tecnología apropiada para el parto entre los años de 2011 y 2017 y una reducción de las prácticas consideradas perjudiciales. En el sector privado, se observó también una reducción en las tasas de cesárea y aumento de la edad gestacional al nacer. Los resultados de este estudio muestran que las políticas públicas bien dirigidas pueden cambiar el escenario de la atención al parto y nacimiento, promoviendo la reducción de desenlaces maternos y neonatales negativos.

Palabras-clave:
Parto Obstétrico; Atención Perinatal; Salud Materna; Política de Salud; Estudios de Evaluación

Abstract:

This article aims to describe the preliminary results of two evaluations studies, one about the Stork Network program and the other about the Adequate Birth program, called Stork Network Assessment and Healthy Birth, and to identify possible improvements in comparison to the Birth in Brazil study. Both studies used a cross-sectional design and were conducted in 2017. The Stork Network Assessment study included all 606 public and mixed maternity hospitals from the Stork Network and a total of 10,675 postpartum women. The Healthy Birth study included a convenience sample of 12 private hospitals and 4,798 women. Indicators of labour and childbirth care were: presence of a companion person, care by obstetric nurse, use of partograph, use of non-pharmacological methods, walking during labor, eating, use of peripheral venous catheter, position for delivery, episiotomy, and Kristeller maneuver. The indicators were compared to those verified in Birth in Brazil, a nationwide population-based study in 2011-2012, before the start of the two intervention programs. Comparisons used the chi-square test for independent samples and 95% confidence interval. There was a significant increase in the number of women with access to appropriate technology for labour and childbirth from 2011 to 2017 and a reduction in harmful practices. The private sector also showed a decrease in cesarean rates and an increase in gestational age at birth. The study’s results show that properly conducted public policies can change the scenario of care for labor and childbirth, helping to reduce in negative maternal and neonatal outcomes.

Keywords:
Obstetric Delivery; Perinatal Care; Maternal Health; Health Policy; Evaluation Studies

Introdução

O Brasil apresenta um modelo de atenção ao trabalho de parto, parto e nascimento caracterizado pelo uso excessivo de intervenções obstétricas e neonatais 11. Moreira MEL, Gama SGN, Pereira APE, Silva AAM, Lansky S, Pinheiro RS, et al. Práticas de atenção hospitalar ao recém-nascido saudável no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S128-39.,22. Leal MC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S17-47.. Essas intervenções, quando usadas de forma rotineira ou não baseadas na melhor evidência científica, estão associadas a resultados maternos e perinatais desfavoráveis 33. Esteves-Pereira AP, Deneux-Tharaux C, Nakamura-Pereira M, Saucedo M, Bouvier-Colle MH, Leal MC. Caesarean delivery and postpartum maternal mortality: a population-based case control study in Brazil. PLoS One 2016; 11:e0153396.,44. Miller S, Abalos E, Chamillard M, Ciapponi A, Colaci D, Comandé D, et al. Beyond too little, too late and too much, too soon: a pathway towards evidence-based, respectful maternity care worldwide. Lancet 2016; 388:2176-92.,55. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Domingues RMSM, Dias MAB, Moreira ME, et al. Burden of early-term birth on adverse infant outcomes: a population-based cohort study in Brazil. BMJ Open 2017; 7:e017789.,66. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Domingues RM, Dias MA, et al. Provider-initiated late preterm births in brazil: differences between public and private health services. PLoS One 2016; 11:e0155511.,77. Domingues RM, Dias MA, Schilithz AO, Leal MD. Factors associated with maternal near miss in childbirth and the postpartum period: findings from the birth in Brazil National Survey, 2011-2012. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:115..

Iniciativas de qualificação desse modelo, baseadas no uso apropriado da tecnologia, aliadas à mobilização social, vêm buscando modificar essa situação. Nesse contexto, dois programas de melhoria da qualidade da atenção ao parto e nascimento foram criados: a estratégia Rede Cegonha, no setor público, e o projeto Parto Adequado, no setor privado.

A Rede Cegonha (http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_redecegonha.php) foi lançada em 2011 pelo Ministério da Saúde, para o enfrentamento da mortalidade materna, violência obstétrica e baixa qualidade da atenção ao parto na rede pública de saúde. Para tal, foram desenvolvidas ações de ampliação e melhoria do planejamento reprodutivo e do pré-natal, focando numa atenção humanizada durante a gravidez, parto/nascimento e puerpério. A estratégia também promoveu o aumento da oferta de cursos de residência e especialização nas áreas da saúde da mulher e da criança, especialmente para a enfermagem obstétrica, além da formação de profissionais para operar os núcleos hospitalares e os comitês de vigilância do óbito materno, infantil e fetal. Mais de 600 maternidades públicas (ou conveniadas ao SUS) foram envolvidas nesse processo.

O projeto Parto Adequado foi lançado em 2015 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio de acordo de cooperação técnica com o Institute for Healthcare Improvement (IHI) e o Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), com o apoio do Ministério da Saúde. Trata-se de um projeto de melhoria da qualidade, que visa a fornecer apoio institucional, científico e metodológico aos hospitais que desejam reorganizar o modelo de atenção ao parto e nascimento. As estratégias projeto Parto Adequado possuem uma abordagem sistêmica, desenvolvidas com base em experiências exitosas de redução de cesarianas no setor privado 88. Torres JA, Domingues RMSM, Sandall J, Hartz Z, Gama SGN, Theme Filha MM, et al. Cesariana e resultados neonatais em hospitais privados no Brasil: estudo comparativo de dois diferentes modelos de atenção perinatal. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S220-31.,99. Borem P, Ferreira JB, Silva UJ, Valerio Junior J, Orlanda CM. Increasing the percentage of vaginal birth in the private sector in Brazil through the redesign of care model. Rev Bras Ginecol Obstet 2015; 37:446-54., incluindo quatro eixos primários: governança, empoderamento das mulheres, monitoramento de indicadores, e reorganização da estrutura e processos de cuidado. A primeira fase do projeto Parto Adequado contou com a participação de 35 hospitais ao longo de 18 meses. Os resultados iniciais motivaram o lançamento da segunda fase, em andamento, que começou em maio de 2017 com a participação de 137 hospitais e 65 operadoras de planos de saúde (projeto Parto Adequado. http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/projeto-parto-adequado).

Este artigo tem como objetivo descrever os primeiros resultados de dois estudos avaliativos - um que abordou a Rede Cegonha, denominado avaliação da Rede Cegonha, e o outro que abordou o projeto Parto Adequado, denominado Nascer Saudável. Visa também a identificar possíveis melhorias nos indicadores obstétricos em comparação ao estudo Nascer no Brasil, 2011-2012.

Métodos

A avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável são dois estudos avaliativos independentes. Ambos têm desenho seccional, utilizando prioritariamente métodos quantitativos, e foram realizados no ano de 2017. Seus resultados serão comparados ao estudo Nascer no Brasil, trabalho de base nacional realizado em 2011-2012, antes do início dos dois programas de intervenção (Rede Cegonha e projeto Parto Adequado).

O estudo Nascer no Brasil é um trabalho nacional sobre a assistência ao parto e nascimento, ocorrido entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012. Contou com uma amostra de 266 hospitais públicos, mistos e privados e um total de 23.894 puérperas, sendo 19.128 mulheres com pagamento público do parto e 4.766 com pagamento privado do parto. A amostra foi selecionada em três etapas. Na primeira, hospitais com ≥ 500 partos/ano foram estratificados de acordo com as cinco macrorregiões do país (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-oeste), localização (capital ou não capital) e tipo de serviço hospitalar (público, misto ou privado). Na segunda etapa, o número de dias necessários para entrevistar 90 puérperas em cada hospital - um mínimo de sete dias - foi selecionado usando-se um método de amostragem inversa. Na terceira, as mulheres elegíveis foram selecionadas em cada dia de coleta de dados. Pesos amostrais foram estabelecidos pelo inverso da probabilidade da inclusão de cada puérpera na amostragem. Um procedimento de calibragem foi usado para garantir que a distribuição das puérperas amostradas fosse semelhante àquela observada na população no ano de 2011. Mais detalhes da metodologia utilizada pelo estudo Nascer no Brasil foram publicados por Leal et al. 1010. do Carmo Leal M, da Silva AA, Dias MA, da Gama SG, Rattner D, Moreira ME, et al. Birth in Brazil: national survey into labour and birth. Reprod Health 2012; 9:15. e Vasconcellos et al. 1111. Vasconcellos MT, Silva PL, Pereira AP, Schilithz AO, Souza Junior PR, Szwarcwald CL. Desenho da amostra Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S49-58..

O estudo avaliação da Rede Cegonha é uma avaliação do grau de implantação de boas práticas da assistência ao parto e nascimento nas maternidades públicas e mistas envolvidas na estratégia Rede Cegonha em 2017. Foram incluídas todas as maternidades que preenchiam os seguintes critérios: ≥ 500 partos/ano independentemente da liberação de recursos (581 maternidades) ou com < 500 partos e liberação de recursos (25 maternidades), totalizando 606 maternidades e representatividade nacional. A amostra de puérperas foi estratificada pelas cinco macrorregiões do país. O tamanho amostral foi calculado com base em uma taxa de parto vaginal de 50%, para detectar diferenças de 5%, com nível de significância de 5% e poder de 80%, totalizando um mínimo de 1.800 puérperas para cada macrorregião. Estabelecemos um número fixo de dias de coleta de dados em cada macrorregião, de acordo com o tamanho da população: dois dias nas regiões Sudeste e Nordeste, quatro na Região Norte, cinco na Região Sul e sete dias na região Centro-oeste. Essa estratégia possibilitou a captação entre 1.800 e 2.500 puérperas por macrorregião, com a inclusão total de 10.675 puérperas distribuídas nas 606 maternidades. O plano amostral gerou uma super-representação das regiões Norte, Sul e Centro-oeste, que foi corrigida por um procedimento de calibragem.

O Nascer Saudável é um estudo de caso do grau de implantação das estratégias propostas pelo projeto Parto Adequado e seus efeitos nos resultados perinatais, especialmente na taxa de cesariana. Os dados foram coletados numa amostra de conveniência composta por 12 dos 35 hospitais submetidos à intervenção projeto Parto Adequado desde o seu início, em 2015. Os critérios para a escolha dos 12 hospitais envolveram representação regional (nove hospitais na Região Sudeste, dois na Sul e um na Região Nordeste), tipo de hospital (pertencente ou não à operadora de planos de saúde) e desempenho no projeto Parto Adequado (redução ou não das taxas de cesariana), segundo informações da equipe de monitoramento 1212. Torres JA, Leal MDC, Domingues RMSM, Esteves-Pereira AP, Nakano AR, Gomes ML, et al. Evaluation of a quality improvement intervention for labour and birth care in Brazilian private hospitals: a protocol. Reprod Health 2018; 15:194.. Aproximadamente 400 puérperas foram entrevistadas em cada hospital, totalizando 4.798 mulheres. A coleta de dados ocorreu simultaneamente em todos os hospitais e foi realizada por enfermeiras/enfermeiras obstétricas devidamente treinadas. Como o número de puérperas entrevistadas em cada hospital não foi proporcional ao seu tamanho, um fator de ponderação foi aplicado.

Os critérios de inclusão dos dois estudos avaliativos (avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável) e para o estudo Nascer no Brasil foram os mesmos e incluíram mulheres com gravidez única ou gemelar, que deram à luz no hospital a um recém-nascido vivo, independentemente do peso ou da idade gestacional (IG), ou a um natimorto com peso ao nascer ≥ 500g e/ou IG ≥ 22 semanas gestacionais. Foram excluídas as mulheres com parto não hospitalar, as com dificuldades na comunicação (transtorno mental grave, estrangeiras que não entendiam a língua portuguesa e as surdas/mudas) e as mulheres com interrupção legal da gravidez.

Nos três estudos, as puérperas foram entrevistadas face a face durante a internação hospitalar, e dados clínicos foram coletados de prontuários e cartões de pré-natal. Formulários eletrônicos desenvolvidos especificamente para cada estudo foram utilizados para a entrevista e para a extração de dados dos prontuários hospitalares.

Na análise dos dados, as puérperas do estudo avaliação da Rede Cegonha foram comparadas às do setor público do estudo Nascer no Brasil (NB-público) e as puérperas do estudo Nascer Saudável foram comparadas às do setor privado do estudo Nascer no Brasil (NB-privado). No Nascer no Brasil, considerou-se que as mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou mistos (mas que não estavam cobertas por um plano de saúde privado) tiveram um “pagamento público do parto”. Considerou-se que as mulheres cujos partos estavam cobertos por planos de saúde privados e aquelas que deram à luz em estabelecimentos privados (independentemente de estarem cobertas ou não por um plano de saúde) tiveram um “pagamento privado do parto”.

Incluímos como características sociodemográficas e obstétricas a idade da mulher, cor da pele, anos de escolaridade, paridade e cesariana anterior. Para avaliar o manejo do trabalho de parto incluímos: presença de acompanhante, acompanhamento por enfermeira/enfermeira obstétrica, existência de partograma preenchido no prontuário, uso de métodos não farmacológicos para o alívio da dor, deambulação, alimentação e uso de cateter venoso periférico. Para avaliar o manejo do parto vaginal incluímos: presença de acompanhante, assistência por enfermeira/enfermeira obstétrica, uso de analgesia, posição da mulher no momento do parto, realização de episiotomia e da manobra de Kristeler.

As mesmas comparações foram realizadas segundo as macrorregiões do país entre as mulheres do avaliação da Rede Cegonha e do NB-público. Essa comparação não foi possível para o setor privado por não dispormos de hospitais em todas as macrorregiões no estudo Nascer Saudável.

Por fim, comparamos a distribuição da IG no nascimento total e segundo o tipo de parto para os quatro grupos de mulheres analisadas: NB-público, avaliação da Rede Cegonha, NB-privado e Nascer Saudável.

Todas as comparações foram realizadas utilizando-se o teste do qui-quadrado para amostras independentes e nível de 95% de confiança por meio do programa estatístico SPSS versão 22.0 (https://www.ibm.com/).

Os estudos Nascer no Brasil, avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável estão pautados na Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, que estabelece diretrizes e parâmetros para a pesquisa humana, e na Resolução nº 466/2012, da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa que regulamenta as Diretrizes e Normas da Pesquisa em Seres Humanos, do Ministério da Saúde, resguardando os princípios éticos da autonomia, justiça, beneficência e da não maleficência, segundo os protocolos de pesquisa CEP/ENSP - nº 92/10, CEP/UFMA e CEP/ENSP - nº 01/2017, respectivamente. Tomou-se o cuidado de garantir e preservar a privacidade e confidencialidade dos dados de pesquisa. Todos os diretores de hospital e puérperas passaram por uma consulta de consentimento prévio e, posteriormente, assinaram um termo de consentimento informado.

Resultados

Verificamos, em ambos os estudos de 2017 (avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável), uma maior proporção de mulheres com ≥ 35 anos de idade, com maior nível de escolaridade, que se autodeclararam pretas (no avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável) e brancas (no Nascer Saudável) e primíparas, quando comparadas aos dois grupos de mulheres do Nascer no Brasil (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e obstétricas: comparação entre os estudos Nascer no Brasil, avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável.

Houve redução das taxas de cesarianas anteparto, resultando em aumento das cesarianas intraparto de 50% no setor público (de 8,9% para 13,6%) e de 136% no privado (de 5,5% para 13%); o qual também registrou um aumento de 85% da taxa de parto vaginal (de 12,3% para 22,8%) (Tabela 2).

Tabela 2
Tipo de parto, manejo durante o trabalho de parto e manejo do parto vaginal: comparação entre os estudos Nascer no Brasil, avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável.

Boas práticas recomendadas no manejo do trabalho de parto como presença de acompanhante, uso do partograma e de métodos não farmacológicos para alívio da dor, e possibilidade de movimentação e alimentação foram expressivamente maiores nos estudos de 2017. No setor privado, o aumento na frequência do uso de partograma, da possibilidade de movimentação e alimentação durante o trabalho de parto foram mais pronunciados do que no setor público. Nesse último, destacou-se o aumento da presença de acompanhante e do uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor durante o trabalho de parto (Tabela 2).

A presença de acompanhante durante o parto vaginal aumentou em 164% no serviço público (de 31,8% para 83,9%) e 73% (de 55,8% para 96,8%) no serviço privado, entretanto, o setor público ainda ficou com 12,5% a menos em relação ao privado (83,9% e 96,8%, respectivamente). Para ambos os setores, as taxas de intervenções não recomendadas de rotina durante o parto vaginal, como posição em litotomia, realização de episiotomia e da manobra de Kristeller foram entre 20% e 50% menores nos estudos de 2017 (Tabela 2).

Houve aumento de 30% no acompanhamento do trabalho de parto por enfermeiras no setor privado (de 70,2% para 97,9%) e de 65% no setor público (de 46,4% para 84,7%). Entretanto, a enfermagem obstétrica foi praticamente inexistente na assistência ao parto vaginal no setor privado (1,8% em 2017).

Na comparação segundo as macrorregiões do país, observamos um aumento das cesarianas intraparto principalmente na Região Sudeste (de 7% no NB-público para 13% no Avaliação da Rede Cegonha), sendo também importante nas outras regiões, exceto na Região Norte (Tabela 3).

Tabela 3
Tipo de parto, manejo durante o trabalho de parto e manejo do parto vaginal: comparação entre o estudo Nascer no Brasil e avaliação da Rede Cegonha segundo macrorregiões.

Quanto às boas práticas recomendadas no manejo do trabalho de parto, houve melhoria de todas elas em todas as regiões, com destaque para o uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor e alimentação durante o trabalho de parto para as regiões Norte e Nordeste, as quais subiram de 20% no NB-público para aproximadamente 50% das mulheres no Avaliação da Rede Cegonha (Tabela 3).

O uso de analgesia no parto vaginal, apesar de ainda baixo, registrou um aumento expressivo nas regiões Norte e Nordeste, passando de 2% no NB-público para 10% no Avaliação da Rede Cegonha, aproximadamente. Nas demais regiões, o aumento foi mais modesto, porém atingiu uma proporção maior de mulheres - aproximadamente 20% no estudo Avaliação da Rede Cegonha. A Região Sul apresentou a menor taxa de mulheres com parto vaginal submetidas à manobra de Kristeller - 12,8% (Tabela 3).

A distribuição da IG no nascimento foi muito semelhante nos quatro grupos de mulheres analisados (NB-público, avaliação da Rede Cegonha, NB-privado e Nascer Saudável) que apresentaram parto vaginal (Figura 1). Entre as mulheres submetidas à cesariana, a IG se diferenciou principalmente no setor privado, com a curva do estudo Nascer Saudável deslocada para a direita em comparação à curva observada no estudo NB-privado, devido à maior proporção de nascimentos entre 39 e 41 semanas gestacionais (Figura 2).

Figura 1
Distribuição da idade gestacional (semanas completas) dos partos vaginais: estudos Nascer no Brasil, avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável.

Figura 2
Distribuição da idade gestacional (semanas completas) das cesarianas: estudos Nascer no Brasil, avaliação da Rede Cegonha (ARC) e Nascer Saudável.

Discussão

Os resultados dos estudos, Nascer no Brasil, avaliação da Rede Cegonha e Nascer Saudável, realçam um aumento significativo do acesso à tecnologia apropriada ao parto e nascimento entre os anos de 2011 e 2017 - com aumento da proporção de uso de práticas benéficas e redução de práticas consideradas prejudiciais. No setor privado, observou-se também redução nas taxas de cesariana e aumento da idade gestacional ao nascer. Embora no período tenha ocorrido uma modificação do perfil das mulheres, com o aumento da idade e da escolaridade materna, não é provável que os melhores resultados sejam decorrentes desta mudança. Pelo contrário, a maior idade e escolaridade têm sido associadas a maiores taxas de cesariana no país 1313. Rebelo F, Rocha CM, Cortes TR, Dutra CL, Kac G. High cesarean prevalence in a national population-based study in Brazil: the role of private practice. Acta Obstet Gynecol Scand 2010; 89:903-8., e podem ter atenuado o efeito das estratégias implementadas para a redução de cesarianas, principalmente no setor privado.

O estudo Nascer no Brasil mostrou que o principal motivo para a preferência das mulheres pela cesariana no país é o medo da dor no parto 1414. Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Pereira APE, Schilithz AOC, et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S101-16.. Mostrou também que o modelo de atenção vigente apresenta baixa utilização de tecnologias que favorecem a progressão fisiológica do trabalho de parto e utiliza, de forma excessiva e muitas vezes desnecessárias, intervenções que geram dor e sofrimento 22. Leal MC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S17-47.. Portanto, uma das premissas para a redução de cesarianas no Brasil é a melhoria da assistência ao trabalho de parto e ao parto vaginal visando à promoção da autonomia, do protagonismo e do bem-estar das mulheres. Nesse sentido, destacam-se como expressão de melhoria a redução de intervenções desnecessárias, como o uso de episiotomia, manobra de Kristeller e da posição de litotomia, e o uso apropriado de tecnologias benéficas, como a presença de acompanhantes, a assistência por enfermeiras obstetras, a possibilidade de deambulação, e a oferta de métodos não farmacológicos e farmacológicos para alívio da dor.

As análises feitas por região geográfica para mulheres atendidas no setor público mostram que as melhorias no processo da atenção ao trabalho de parto e parto ocorreram em todas as macrorregiões do país, com aumento semelhante das frequências das práticas obstétricas recomendadas, mesmo que com base em patamares diferentes. O mesmo foi observado para a redução das práticas não recomendadas na rotina do atendimento, demonstrando que a intervenção teve efeito nos diferentes contextos regionais.

Entretanto, embora tenhamos observado muitos avanços, melhorias são necessárias tanto no setor público quanto no privado. A presença de acompanhantes de escolha da mulher durante o trabalho de parto, parto e pós-parto é garantida por lei no Brasil desde 2005 1515. Brasil. Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Diário Oficial da União 2005; 8 abr.. Houve um aumento significativo da presença de acompanhantes no período, mas aproximadamente 15% das mulheres no setor público ainda vivenciam esses momentos sozinhas, afastadas de pessoas de sua escolha que poderiam oferecer apoio emocional 1616. Lunda P, Minnie CS, Benade P. Women’s experiences of continuous support during childbirth: a meta-synthesis. BMC Pregnancy Childbirth 2018; 18:167.. Além dos benefícios do suporte no trabalho de parto e parto para os desfechos perinatais, como menor duração do trabalho de parto, menor proporção de cesarianas e menor uso de analgesia 1717. Bohren MA, Hofmeyr GJ, Sakala C, Fukuzawa RK, Cuthbert A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev 2011; (2):CD003766., mulheres com acompanhante referem ter sofrido menos violência no parto 1818. d’Orsi E, Bruggemann OM, Diniz CSG, Aguiar JM, Gusman CR, Torres JA, et al. Desigualdades sociais e satisfação das mulheres com o atendimento ao parto no Brasil: estudo nacional de base hospitalar. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S154-68. e demonstram mais satisfação com a assistência recebida 1818. d’Orsi E, Bruggemann OM, Diniz CSG, Aguiar JM, Gusman CR, Torres JA, et al. Desigualdades sociais e satisfação das mulheres com o atendimento ao parto no Brasil: estudo nacional de base hospitalar. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S154-68.,1919. Diniz CS, d’Orsi E, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, Schneck CA, et al. Implementação da presença de acompanhantes durante a internação para o parto: dados da pesquisa nacional Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S140-53..

Apenas metade das mulheres atendidas no setor público teve acesso a práticas benéficas e de baixo custo, como a possibilidade de deambulação, de consumo de alimentos e de utilização de métodos não farmacológicos, todas recomendadas no mais recente manual de cuidado intraparto da Organização Mundial da Saúde (OMS) 2020. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization; 2018.. O acesso a métodos não farmacológicos foi ainda mais baixo no setor privado, relatado por apenas um terço das mulheres, sendo observada maior utilização da analgesia farmacológica neste setor, embora por apenas metade das mulheres.

Por outro lado, em ambos os setores, mais da metade das entrevistadas utilizou cateter venoso, intervenção muitas vezes desnecessária, incômoda e que acarreta custos adicionais ao sistema. Na assistência ao parto ainda predomina a posição de litotomia, embora a recomendação da OMS seja que as mulheres tenham liberdade para escolher a melhor posição no parto, incluindo posições verticalizadas. Apesar de a realização de episotomia ter declinado no período, ainda são realizadas em quase 40% das mulheres no setor privado e em quase um terço delas no setor público. O uso liberal ou rotineiro de episiotomia não é recomendado para mulheres com parto vaginal espontâneo e não existe uma definição de taxa aceitável, já que as evidências disponíveis não sustentam a realização de episiotomia no cuidado rotineiro 2020. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization; 2018.. Portanto, a recomendação é de não realizar de forma rotineira, o que ainda parece acontecer para um número significativo de mulheres brasileiras. Por fim, a utilização da manobra de Kristeller, ou pressão manual no fundo de útero durante o período expulsivo, não é recomendada em qualquer circunstância, e foi referida por um sexto das mulheres em ambos os setores.

A baixa implantação de protocolos clínicos é relatada mundialmente e pode estar associada às características do próprio protocolo clínico, do profissional de saúde, do paciente ou do ambiente externo 2121. Francke AL, Smit MC, Veer AJ, Mistiaen P. Factors influencing the implementation of clinical guidelines for health care professionals: a systematic meta-review. BMC Med Inform Decis Mak 2008; 8 :38. e à existência de incentivos e mecanismos regulatórios 2222. Davis DA, Taylor-Vaisey A. Translating guidelines into practice. A systematic review of theoretic concepts, practical experience and research evidence in the adoption of clinical practice guidelines. CMAJ 1997; 157:408-16.. É necessário, portanto, um maior entendimento das barreiras existentes para a implantação desses protocolos, visando à ampliação do acesso das parturientes brasileiras às boas práticas assistenciais.

A presença da enfermagem na atenção ao parto é outro ponto de estrangulamento na implantação do novo modelo de atenção. Um grande número de estudos mostra que a presença da enfermagem na atenção ao parto está associada a melhores resultados no trabalho de parto e parto, reduz intervenções desnecessárias, inclusive cesarianas, aumenta a satisfação das mulheres com o atendimento recebido e apresenta melhores resultados perinatais 2323. Sandall J, Soltani H, Gates S, Shennan A, Devane D. Midwife-led continuity models versus other models of care for childbearing women. Cochrane Database Syst Rev 2016; 4:CD004667.,2424. ten Hoope-Bender P, de Bernis L, Campbell J, Downe S, Fauveau V, Fogstad H, et al. Improvement of maternal and newborn health through midwifery. Lancet 2014; 384:1226-35.,2525. Horton R, Astudillo O. The power of midwifery. Lancet 2014; 384:1075-6.. Também no Brasil, estudos 2626. Gama SGN, Viellas EF, Torres JA, Bastos MH, Brüggewrmann OM, Theme Filha MM, et al. Labor and birth care by nurse with midwifery skills in Brazil. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:123,2727. Vogt SE, Silva KS, Dias MA. Comparison of childbirth care models in public hospitals, Brazil. Rev Saúde Pública 2014; 48:304-13. mostram que mulheres com trabalho de parto e parto vaginal assistidas por enfermeiras tiveram mais acesso às boas práticas recomendadas pela OMS 2020. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization; 2018. e pelo Ministério da Saúde 2828. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida (recurso eletrônico). Brasília: Ministério da Saúde; 2017. do que quando assistidas no modelo tradicional sem a presença desta profissional. O estudo de Gama et al. 2626. Gama SGN, Viellas EF, Torres JA, Bastos MH, Brüggewrmann OM, Theme Filha MM, et al. Labor and birth care by nurse with midwifery skills in Brazil. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:123 demonstrou ainda um impacto positivo da presença da enfermagem na equipe de atenção ao parto na redução de cesarianas no Brasil. Apesar desses resultados favoráveis, a participação da enfermagem na assistência ao parto foi ainda pequena. Mesmo com um aumento expressivo da atuação da enfermagem obstétrica no setor público, sua presença foi registrada em apenas 27% dos partos vaginais neste setor, sendo quase inexistente no setor privado.

Das práticas recomendadas atualmente pela OMS 2020. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization; 2018., a que apresentou valor mais baixo foi a oferta de analgesia peridural. Embora o valor tenha duplicado no setor público no período 2011-2017, foi disponibilizada para apenas 16% das puérperas, alcançando metade das mulheres atendidas no setor privado. É sabido que o maior receio das mulheres no parto é o medo da dor 1414. Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, Pereira APE, Schilithz AOC, et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S101-16., o que tem resultado no aumento do número de cesarianas a pedido. A disponibilização de analgesia peridural pode ser mais um aliado no incentivo ao parto vaginal, permitindo que as mulheres entrem em trabalho de parto e solicitem a analgesia se julgarem necessário. A França é um exemplo de país que vem mantendo taxas de cesariana baixas, próximas de 20%, com o uso elevado de analgesia farmacológica, em especial, da analgesia peridural. Em 2016, 81,4% das mulheres receberam analgesia peridural durante o trabalho de parto e somente 17,3% não receberam qualquer tipo de analgesia farmacológica 2929. Blondel B, Coulm B, Bonnet C, Goffinet F, Le Ray C; National Coordination Group of the National Perinatal Surveys. Trends in perinatal health in metropolitan France from 1995 to 2016: results from the French National Perinatal Surveys. J Gynecol Obstet Hum Reprod 2017; 46:701-13.. A revisão da Cochrane mais recente sobre o tema, publicada em 2018, não indica aumento do risco de cesariana nem de riscos para o recém-nascido com uso da peridural, porém há uma associação com a maior utilização do parto vaginal operatório (fórceps e vácuo extrator), ainda que restrita a estudos mais antigos 3030. Anim Somuah M, Smyth RMD, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non‐epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev 2018; 5:CD000331.

Em relação aos indicadores de resultado, evidenciamos redução das cesarianas (intraparto e anteparto combinadas) no setor privado, o que não ocorreu no setor público, onde houve, de fato, uma substituição de cesarianas anteparto por cesarianas intraparto, com a manutenção da taxa de partos vaginais. É importante destacar que os porcentuais de cesarianas do setor privado são quase o dobro do praticado no setor público, sendo, portanto, mais suscetíveis a intervenções visando à sua redução. Em ambos os setores, o aumento da cesariana intraparto em detrimento da anteparto denota uma mudança na prática assistencial, com uma maior proporção de mulheres apresentando trabalho de parto, seja espontâneo ou induzido.

Um desfecho benéfico importante observado no setor privado foi o aumento dos nascimentos de bebês com IG ≥ 39 semanas, provavelmente decorrente da redução de cesarianas anteparto e do aumento dos partos vaginais. Barros et al. 3131. Barros FC, Rabello Neto DL, Villar J, Kennedy SH, Silveira MF, Diaz-Rossello JL, et al. Caesarean sections and the prevalence of preterm and early-term births in Brazil: secondary analyses of national birth registration. BMJ Open 2018; 8:e021538., em estudo nacional analisando dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), encontraram associação entre tipo de parto e IG ao nascer: quanto maior a taxa de cesariana nos municípios brasileiros, maior a proporção de termos precoce, que são os bebês nascidos com IG de 37-38 semanas. No Brasil, em 2011-2012, os termos precoce corresponderam a 35% do total de nascimentos e estima-se que nasçam por ano, no país, 300 mil termos precoce por meio de cesarianas anteparto em mulheres sem qualquer sinal de complicação médica 55. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Domingues RMSM, Dias MAB, Moreira ME, et al. Burden of early-term birth on adverse infant outcomes: a population-based cohort study in Brazil. BMJ Open 2017; 7:e017789.. Os nascidos termo precoce possuem um risco aumentado de doenças respiratórias 3232. Hansen AK, Wisborg K, Uldbjerg N, Henriksen TB. Risk of respiratory morbidity in term infants delivered by elective caesarean section: cohort study. BMJ 2008; 336:85-7.,3333. Engle WA, Kominiarek MA. Late preterm infants, early term infants, and timing of elective deliveries. Clin Perinatol 2008; 35:325-41.,3434. Brown HK, Speechley KN, Macnab J, Natale R, Campbell MK. 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No Brasil, dentre os desfechos desfavoráveis associados ao termo precoce destacam-se a demora no início do aleitamento materno, taquipneia transitória, hipoglicemia, fototerapia, admissão em UTI neonatal e óbito neonatal, principalmente nos nascidos por cesariana anteparto 55. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Domingues RMSM, Dias MAB, Moreira ME, et al. Burden of early-term birth on adverse infant outcomes: a population-based cohort study in Brazil. BMJ Open 2017; 7:e017789.. Devido a essa maior morbidade do recém-nato termo precoce, várias organizações médicas 4545. American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG committee opinion no. 559: Cesarean delivery on maternal request. Obstet Gynecol 2013; 121:904-7.,4646. NICE: National Institute for Health and Clinical Excellence. Caesarean section (update). (Clinical guideline 132). http://guidance.nice.org.uk/CG132 (acessado em 26/Jan/2018).
http://guidance.nice.org.uk/CG132...
, incluindo o Conselho Nacional de Medicina brasileiro 4747. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.144, de 17 de março de 2016. Art. 2º. Para garantir a segurança do feto, a cesariana a pedido da gestante, nas situações de risco habitual, somente poderá ser realizada a partir da 39ª semana de gestação, devendo haver o registro em prontuário. Diário Oficial da União 2016; 22 jun., recomendam que interrupções eletivas da gestação não sejam realizadas antes das 39 semanas gestacionais.

Uma limitação da presente análise refere-se às diferenças na representatividade da amostra dos estudos comparados. O estudo avaliação da Rede Cegonha envolveu o número total de maternidades que receberam a intervenção da estratégia Rede Cegonha, tendo representatividade nacional, de forma semelhante ao estudo Nascer no Brasil. Embora 24 maternidades com menos de 500 partos/ano tenham sido incluídas no avaliação da Rede Cegonha, o que não ocorreu no Nascer no Brasil, é pouco provável que os resultados destas maternidades tenham afetado de forma significativa a melhoria observada nas práticas assistenciais. Por outro lado, o estudo Nascer Saudável avaliou uma amostra de conveniência de hospitais participantes do projeto Parto Adequado, o qual envolveu hospitais que aderiram de forma voluntária a um projeto de melhoria da qualidade, a maioria deles (9 entre os 12) localizados na Região Sudeste, o que os diferencia do conjunto dos hospitais privados do Nascer no Brasil e, portanto, as interpretações do setor privado devem ser feitas com cautela. Entretanto, a comparação da taxa de cesariana dos hospitais avaliados durante o estudo Nascer Saudável com a taxa observada nestes mesmos hospitais no SINASC em 2014, ano anterior à implantação do projeto Parto Adequado, mostra uma redução global de 10% da taxa de cesariana nestes hospitais (dado não mostrado), indicando que os avanços observados muito provavelmente não são decorrentes de diferenças amostrais.

Como aspecto positivo, ressaltamos o fato de os três estudos terem utilizado o mesmo critério de inclusão de mulheres e terem adotado os mesmos procedimentos e instrumentos para a coleta de dados (com exceção da variável episiotomia), propiciando uma oportunidade única de avaliação das práticas assistenciais no país no período.

Concluindo, os resultados deste estudo mostram que políticas públicas bem conduzidas podem mudar o cenário da atenção ao parto e nascimento, promovendo a redução de cesarianas desnecessárias e de desfechos maternos e neonatais negativos. Além disso, é provável que haja um aumento na satisfação das mulheres com a atenção recebida no parto. O processo de mudança da atenção ao parto e nascimento está em pleno desenvolvimento no Brasil.

Agradecimentos

Aos coordenadores, supervisores, entrevistadores e equipe técnica dos três estudos, e às mães participantes que tornaram esta avaliação possível. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Ministério da Saúde, Bill e Melinda Gates Foundation e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2018
  • Revisado
    27 Fev 2019
  • Aceito
    06 Mar 2019
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