Resumo:
Objetivou-se analisar a presença dos serviços de saneamento básico em domicílios com crianças de até cinco anos de idade, localizados em áreas urbanas do Brasil, com foco nos indígenas. Trata-se de um estudo transversal com base na amostra do Censo Demográfico de 2010. Calcularam-se as frequências de domicílios com abastecimento de água (rede geral), esgotamento sanitário (rede geral ou fossa séptica) e coleta de lixo (diretamente ou por caçamba do serviço público de limpeza). Modelos de regressão logística múltipla (RLM) estimaram a associação entre cor/raça e presença dos serviços por meio das razões de chance (RC). Foram consideradas as áreas urbanas e regiões metropolitanas do país, estratificando os resultados por região. Utilizou-se nível de significância de 5%. As menores frequências foram encontradas para esgotamento sanitário e, em geral, para os indígenas. Nas análises de RLM foram 29 comparações (48,3%) em que os domicílios com crianças indígenas, quando comparados às outras categorias de cor/raça, encontram-se em desvantagem, em especial no Sul, onde todas as comparações foram negativas para os indígenas. Resultados semelhantes foram encontrados para as regiões metropolitanas. Nesse sentido, os resultados coligidos por este trabalho sugerem a possível existência de iniquidades relacionadas à presença dos serviços de saneamento básico e cor/raça dos indivíduos, em que os indígenas, em geral, ocupam posição de desvantagem, particularmente no Sul do país. Diante da relação entre saneamento e saúde já estabelecida na literatura, esses resultados podem explicar, em parte, os baixos níveis de saúde apresentados por crianças indígenas no Brasil.
Palavras-chave:
Censos; Saneamento Básico; População Indígena; Distribuição por Etnia; Desigualdades em Saúde
Abstract:
This study aimed to analyze the presence of basic sanitation services in households with children under five years of age located in urban areas of Brazil, with a focus on indigenous children. This cross-sectional study was based on data from the 2010 Population Census. We calculated the rates of households with running water (public system), sewage disposal (public system or septic tanks), and garbage collection (directly or via public dumpsters). Multiple logistic regression (MLR) models were used to estimate associations between color/race and presence of sanitation services, based on odds ratios (OR). The study considered Brazil’s urban metropolitan areas and stratified the results by major geographic region. Significance was set at 5%. The lowest frequencies were for sewage disposal, and all the rates were lower for indigenous people. MLR analyses included 29 comparisons (48.3%) in which households with indigenous children (compared to other color/race categories) were at a disadvantage, especially in the South of Brazil, where all comparisons were negative for indigenous households. Similar results appeared in metropolitan areas. The results thus suggest inequalities basic sanitation services based on color/race, where indigenous people are generally at a disadvantage, especially in the South of Brazil. Given the relationship between sanitation and health, as already demonstrated in the literature, these results can partly explain the low health levels in indigenous children in Brazil.
Keywords:
Censuses; Basic Sanitation; Indigenous Population; Ethnic Distribution; Health Inequalities
Resumen:
El objetivo de este trabajo fue analizar la presencia de servicios de saneamiento básico en domicilios con niños de hasta cinco años de edad, localizados en áreas urbanas de Brasil, enfocándose en los de origen indígena. Se trata de un estudio transversal, basado en la muestra del Censo Demográfico de 2010. Se calcularon las frecuencias de domicilios con abastecimiento de agua (red general), alcantarillado (red general o fosa séptica) y recogida de basura (directamente o mediante camiones de basura del servicio público de limpieza). Los modelos de regresión logística múltiple (RLM) estimaron la asociación entre color/raza, y la presencia de los servicios se realizó a través de las razones de oportunidad (RC). Se consideraron áreas urbanas y regiones metropolitanas del país, estratificando los resultados por región. Se utilizó un nivel de significancia del 5%. Las frecuencias menores se encontraron en el alcantarillado y, en general, respecto a los indígenas. En los análisis de RLM se realizaron 29 comparaciones (48,3%) en las que los domicilios con niños indígenas, cuando se comparan con otras categorías de color/raza, se encuentran en desventaja, en especial en el Sur, donde todas las comparaciones fueron negativas en relación con los indígenas. Resultados semejantes se encontraron respecto a las regiones metropolitanas. En ese sentido, los resultados recopilados por este estudio sugieren la posible existencia de inequidades relacionadas con la presencia de los servicios de saneamiento básico y color/raza de los individuos, donde los indígenas, en general, ocupan una posición de desventaja, particularmente en el Sur del país. Ante la relación entre saneamiento y salud, ya establecidos en la literatura, estos resultados pueden explicar, en parte, los bajos niveles de salud presentados por niños indígenas en Brasil.
Palabras-clave:
Censos; Saneamiento Básico; Población Indígena; Distribución por Etnia; Desigualdad en Salud
Introdução
No Brasil, a implementação e a manutenção de serviços relacionados ao saneamento básico (abastecimento de água tratada em quantidade e qualidade suficiente às necessidades dos indivíduos, coleta e tratamento adequados de esgoto e lixo, e manejo adequado das águas das chuvas) são asseguradas constitucionalmente, sendo preconizada sua universalização e integralidade 11. Brasil. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as leis nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, nº 8.036, de 11 de maio de 1990, nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 8 jan.. Constituem atividades de extrema importância para a saúde pública devido à relação de causalidade com os perfis de morbimortalidade da população 22. Bellido JG, Barcellos C, Barbosa FS, Bastos FI. Saneamiento ambiental y mortalidad en niños menores de 5 años por enfermedades de transmisión hídrica en Brasil. Rev Panam Salud Pública 2010; 28:114-20.,33. Teixeira JC, Gomes MHR, de Souza JA. Associação entre cobertura por serviços de saneamento e indicadores epidemiológicos nos países da América Latina: estudo com dados secundários. Rev Panam Salud Pública 2012; 32:419-25.,44. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados de saúde e ambiente para morbimortalidade por diarreia infantil no Brasil, 2010. Cad Saúde Pública 2014; 30:1921-34.,55. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados determinantes da mortalidade por diarreia aguda em crianças menores de 1 ano em regiões geográficas. Ciênc Saúde Colet 2014; 19:4131-40..
No plano internacional, o Brasil aderiu ao protocolo da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Conselho de Direitos Humanos que ratifica o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário (DHAES) 66. United Nations General Assembly. Human right to water and sanitation. Geneva: United Nations General Assembly; 2010. (UN Document A/RES/64/292).,77. Neves-Silva P, Heller L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciênc Saúde Colet 2016; 21:1861-9.. Além disso, o país é signatário dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se propõem a, entre outras questões, erradicar a pobreza, assegurar uma vida saudável, garantir a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos, reduzir as desigualdades e promover maior justiça social. São metas que sucederam em 2015 os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) 88. United Nations General Assembly. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York: United Nations; 2015. (Report A/RES/70/1)..
Como amplamente reconhecido, as crianças têm suas condições de saúde particularmente influenciadas pelos contextos sanitários. A inexistência ou precariedade dos serviços de saneamento básico causa um importante incremento na morbimortalidade desse segmento devido principalmente à ocorrência de doenças infectoparasitárias, incluindo as diarreicas 22. Bellido JG, Barcellos C, Barbosa FS, Bastos FI. Saneamiento ambiental y mortalidad en niños menores de 5 años por enfermedades de transmisión hídrica en Brasil. Rev Panam Salud Pública 2010; 28:114-20.,33. Teixeira JC, Gomes MHR, de Souza JA. Associação entre cobertura por serviços de saneamento e indicadores epidemiológicos nos países da América Latina: estudo com dados secundários. Rev Panam Salud Pública 2012; 32:419-25.,44. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados de saúde e ambiente para morbimortalidade por diarreia infantil no Brasil, 2010. Cad Saúde Pública 2014; 30:1921-34.,55. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados determinantes da mortalidade por diarreia aguda em crianças menores de 1 ano em regiões geográficas. Ciênc Saúde Colet 2014; 19:4131-40.,99. Victora CG. Mortalidade por diarreia: o que o mundo pode aprender com o Brasil? J Pediatr (Rio J.) 2009; 85:3-5.. A insegurança habitacional agravada, entre outros fatores, pela precariedade da infraestrutura de saneamento básico, impacta negativamente na sobrevivência e no desenvolvimento infantil. Tanto no Brasil quanto em nível global, a magnitude da deficiência de saneamento demanda maior atenção do que tem sido dispensada 1010. United Nations Children's Fund. Situação Mundial da Infância 2012: crianças em um mundo urbano. New York: United Nations Children's Fund; 2012.,1111. United Nations Children's Fund. One is too many: ending child deaths from pneumonia and diarrhoea. New York: United Nations Children's Fund ; 2016.. Estima-se que, a cada ano, morrem aproximadamente dois milhões de crianças menores de cinco anos de idade no mundo devido à diarreia, e cerca de 90% destes óbitos podem ser atribuídos à má qualidade da água, saneamento inadequado e falta de higiene 1111. United Nations Children's Fund. One is too many: ending child deaths from pneumonia and diarrhoea. New York: United Nations Children's Fund ; 2016.,1212. United Nations Children's Fund; World Health Organization. Diarrhoea: why children are still dying and what can be done. New York: United Nations Children's Fund/World Health Organization; 2009..
No Brasil, tem sido registrada queda das taxas de morbimortalidade infantil e na infância, inclusive nas localidades mais pobres do país, com consequente diminuição das disparidades regionais 99. Victora CG. Mortalidade por diarreia: o que o mundo pode aprender com o Brasil? J Pediatr (Rio J.) 2009; 85:3-5.,1313. Santos IS, Menezes AM, Mota DM, Albernaz EP, Barros AJ, Matijasevich A, et al. Infant mortality in three population-based cohorts in Southern Brazil: trends and differentials. Cad Saúde Pública 2008; 24 Suppl 3:S451-60.,1414. Melli LC, Waldman EA. Temporal trends and inequality in under-5 mortality from diarrhea. J Pediatr (Rio J.) 2009; 85:21-7.,1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua completa de mortalidade para o Brasil - 2015. Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016.,1616. França EB, Lansku S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Principais causas de mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global da Doença. Rev Bras Epidemiol 2017; 20 Suppl 1:S44-60.. Parte dessa redução é atribuída a avanços e melhorias na infraestrutura sanitária ocorridos nas últimas décadas (1999-2010). No entanto, os resultados do Censo Demográfico de 2010 indicam a persistência de expressivos déficits na cobertura desses serviços no país como um todo, inclusive em áreas urbanas, com maior precariedade em regiões específicas, como o Norte e Nordeste 1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.,1818. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: características gerais dos indígenas - resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2012.. Trata-se de um cenário que evidencia avanços muito aquém das efetivas necessidades de ampliação da cobertura desses serviços 1919. Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. Entraves ao investimento em saneamento. São Paulo: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental; 2013.,2020. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório do Desenvolvimento Humano 2014. Sustentar o progresso humano: reduzir as vulnerabilidades e reforçar a resiliência. New York: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2016..
No Brasil e no mundo, é crescente o número de estudos demográficos e de saúde voltados para a temática étnico-racial 2121. Coimbra Jr. CEA, Santos RV. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2000; 5:125-32.,2222. Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78.,2323. Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.,2424. Almeida AWB, Santos GS, organizadores. Estigmatização e território: mapeamento situacional dos indígenas em Manaus. Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia/Editora da Universidade Federal do Amazonas; 2009.,2525. Araújo EM, Costa MCN, Noronha CV, Hogan VK, Vines AI, Araújo TM. Desigualdades em saúde e raça/cor da pele: revisão da literatura do Brasil e dos Estados Unidos (1996-2005). Saúde Colet (Barueri) 2010; 7:116-21.,2626. Chor D. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad Saúde Pública 2013; 29:1272-5.,2727. Escobar AL, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Horta BL, Santos RV, Cardoso AM. Diarrhea and health inequity among Indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. BMC Public Health 2015; 15:191.,2828. Bastos JL, Santos RV , Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00085516.,2929. Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15.. Essas investigações têm apontado para expressivas iniquidades decorrentes das influências diretas e indiretas do pertencimento étnico-racial em diversos âmbitos, incluindo o acesso a serviços básicos e os perfis de morbimortalidade 2828. Bastos JL, Santos RV , Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00085516.,3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15.,3131. Lunardi R, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Morbidade hospitalar de indígenas Xavante, Mato Grosso, Brasil (2000-2002). 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Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados de saúde e ambiente para morbimortalidade por diarreia infantil no Brasil, 2010. Cad Saúde Pública 2014; 30:1921-34.,55. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados determinantes da mortalidade por diarreia aguda em crianças menores de 1 ano em regiões geográficas. Ciênc Saúde Colet 2014; 19:4131-40.,2626. Chor D. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad Saúde Pública 2013; 29:1272-5.,2727. Escobar AL, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Horta BL, Santos RV, Cardoso AM. Diarrhea and health inequity among Indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. BMC Public Health 2015; 15:191.,2929. Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15.,3333. Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PC, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.,3434. Caldas A, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.. No presente trabalho, utiliza-se o termo “iniquidade” com referência às desigualdades (diferenciais) evitáveis e socialmente injustas, historicamente vigentes nos espaços e nas relações sociais, que impactam negativamente nas condições de vida dos indivíduos e das populações 3535. Vieira-da-Silva LM, Almeida Filho N. Equidade em saúde: uma análise crítica de conceitos. Cad Saúde Pública 2009; 25 Suppl 2:S217-26..
Baseando-se nos microdados do Censo Demográfico de 2010, este estudo investiga comparativamente a presença de serviços relacionados ao saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo) em domicílios indígenas e não indígenas situados em áreas urbanas e com a presença de pelo menos uma criança de até cinco anos de idade no Brasil. A investigação visa a aprofundar os conhecimentos acerca dos diferenciais étnico-raciais no tocante aos determinantes socioambientais e das iniquidades em saúde, com foco na população indígena.
Métodos
O presente estudo, de corte transversal, utilizou dados da amostra do Censo Demográfico de 2010. Optou-se por essa fonte devido à abrangência nacional e à captação de informações acerca das características da população e de domicílios, incluindo quesitos relacionados ao saneamento básico e à cor/raça dos indivíduos. A investigação enfocou os chamados “domicílios particulares permanentes” 1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.,1818. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: características gerais dos indígenas - resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2012. localizados em área urbana nos quais residiam, pelo menos, uma criança de até cinco anos de idade. As análises quantitativas se basearam em estatísticas descritivas (frequências) e em modelos de regressão logística múltipla (RLM), que visaram a estimar, por meio das razões de chance (RC), a associação entre cor/raça e a presença de serviços de saneamento básico. Os procedimentos analíticos foram realizados de forma estratificada. Inicialmente, foi considerada a totalidade dos domicílios selecionados e localizados em área urbana: Brasil Urbano, Norte Urbano, Nordeste Urbano, Sudeste Urbano, Sul Urbano e Centro-oeste Urbano (estratos Região). A seguir, foram considerados apenas os domicílios situados nas Regiões Metropolitanas (RM), quais sejam: Brasil RM, Norte RM, Nordeste RM, Sudeste RM, Sul RM e Centro-oeste RM (estratos RM).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considerou como domicílios em situação urbana aqueles localizados em “...áreas, urbanizadas ou não, internas ao perímetro urbano das cidades (sedes municipais) ou vilas (sedes distritais) ou as áreas urbanas isoladas, conforme definido por Lei Municipal vigente em 31 de julho de 2010” 1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011. (p. 27). Já as RMs são compostas por municípios limítrofes, agrupados para fins de administração política e com vistas à implementação e manutenção de iniciativas como, por exemplo, saneamento básico 1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011..
Baseando-se no banco de dados da amostra do Censo Demográfico de 2010 foram selecionados, sequencialmente, os domicílios nas seguintes condições: em situação urbana (V1006); com crianças ≤ 5 anos de idade (V6036) com classificação individual de cor/raça disponível (V0606, excluindo “ignorado”); com responsável pelo domicílio com nível de instrução determinado (V6400, excluindo “não determinado”); e domicílios particulares permanentes ocupados (V4001). Portanto, os dados analisados incluíram os domicílios onde residia, pelo menos, uma criança de até cinco anos de idade, com classificação de cor/raça indicada (“ignorados” excluídos; n = 1.832) e cujos “responsáveis” apresentavam nível de instrução determinado (“não determinado” excluídos n = 37.960). Nos domicílios casos onde havia mais de uma criança ≤ 5 anos de idade classificadas em diferentes categorias de cor/raça, uma foi selecionada aleatoriamente. Com base nesses critérios, as análises contemplaram 11.207.688 domicílios, nos quais residiam 13.682.951 crianças ≤ 5 anos de idade, com a seguinte distribuição de cor/raça nos domicílios, determinada pela cor/raça da criança selecionada, conforme indicado: branca 50,7%; parda 43,4%; preta 4,8%; amarela 0,9%; e indígena 0,2%.
Foram investigados os seguintes indicadores de desfecho: “Abastecimento de Água” (domicílios com água proveniente de rede geral de abastecimento), “Esgotamento Sanitário” (domicílios com escoadouros ligados à rede geral ou fossa séptica), “Coleta de Lixo” (domicílios com destino do lixo coletado diretamente ou indiretamente pelos serviços de limpeza) e “Saneamento Adequado” (domicílios com presença simultânea dos três serviços mencionados). As categorias usadas para a construção dos indicadores de desfecho são aquelas descritas na Lei nº 11.445/200711. Brasil. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as leis nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, nº 8.036, de 11 de maio de 1990, nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 8 jan., principal marco regulatório do saneamento básico no Brasil, tendo o indicador composto o objetivo de apresentar a integralidade da oferta dos serviços, na conformidade legal e às suas necessidades, maximizando a eficácia das ações e resultados.
As covariáveis incluídas nas análises para ajuste dos modelos de RLM foram as seguintes: cor/raça do domicílio (V0606), conforme critério anteriormente indicado; região geográfica (V1001: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-oeste); índice de desenvolvimento humano (IDH) municipal 3636. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Atlas Brasil 2013. Rio de Janeiro: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2013.; renda per capita do domicílio (V6531); nível de instrução (V6400), sexo (V0601) e idade do responsável pelo domicílio (V6036). Optou-se por apresentar os resultados das RLM para cor/raça tendo como categoria de referência os indígenas, que constituem o foco do presente estudo, conforme já mencionado. A escolha das covariáveis para a participação nos modelos foi realizada por meio do conhecimento teórico disponível na literatura 3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15. e de análises estatísticas exploratórias, selecionando-se aquelas mais relacionadas às variáveis de desfecho do presente trabalho.
Cabe indicar que, segundo consta no manual do recenseador do censo de 2010 3737. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: manual do recenseador. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010., a metodologia censitária preconiza entrevistar uma única pessoa no domicílio, qual seja, a chamada “pessoa responsável pelo domicílio”, que fornece os dados sobre si próprio(a), de todos os demais moradores e informações do domicílio. Ainda segundo as instruções para a entrevista, na ausência da “pessoa responsável”, o recenseador “poderá entrevistar outra pessoa que ali resida, com conhecimento suficiente para dar as informações dos moradores” 3737. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: manual do recenseador. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010. (p. 151). Portanto, no caso de variáveis como cor/raça e outros atributos individuais, as informações são autoatribuídas no caso do entrevistado e heteroatribuídas (ou seja, fornecida por outra pessoa) para os demais moradores 3737. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: manual do recenseador. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010..
As análises levaram em consideração os procedimentos de ponderação segundo o delineamento amostral complexo do Censo Demográfico de 2010. Foi utilizado o software IBM SPSS 20.0.0 (https://www.ibm.com/) para as análises estatísticas descritivas e para a construção de modelos de RLM. As RCs estimadas para a associação entre as variáveis explicativas e as de desfecho consideraram um nível de significância estatística de 5%.
Resultados
Dentre os serviços de saneamento básico analisados em todos os estratos, o Esgotamento Sanitário apresentou as menores prevalências de ocorrência, seguido por Abastecimento de Água e Coleta de Lixo. Tanto para as regiões como para as RM foi o Norte que apresentou as menores prevalências, seguido pelo Centro-oeste, Nordeste, Sul e Sudeste (Tabelas 1 e 2).
Quanto ao indicador Saneamento Adequado, as frequências em geral foram muito baixas, entre 15,8% e 88,5% para as Regiões e 23,3% e 88,1% para as RM. Ou seja, poucos domicílios apresentaram simultaneamente Abastecimento de Água (rede geral), Esgotamento Sanitário (rede geral ou fossa séptica) e Coleta de Lixo (por serviço de limpeza ou caçamba). O Norte Urbano e o Norte RM apresentaram as menores prevalências (abaixo de 40,7%), e o Sudeste Urbano e Sudeste RM as maiores (acima de 78,5%) (Tabelas 1 e 2).
De um modo geral, os domicílios categorizados como “indígenas” foram aqueles com as menores prevalências de serviços de saneamento básico (Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário e Coleta de Lixo) em todos os estratos analisados. Com poucas exceções, domicílios com a presença de crianças da cor/raça preta (oito estratos), parda (dois) e amarela (dois) apresentaram prevalências inferiores àquelas dos indígenas. Por sua vez, os domicílios com as melhores condições foram, majoritariamente, aqueles com crianças de cor/raça branca (Tabelas 1 e 2).
Quanto aos resultados dos modelos de RLM para os estratos de Região ajustados segundo as covariáveis do estudo, ao se comparar domicílios com e sem crianças indígenas (80 comparações possíveis), em 33 (41,3%) os classificados como indígenas apresentaram chances inferiores de ter serviços de saneamento (Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário, Coleta de Lixo e Saneamento Adequado). Em 45 (56,2%) comparações, as RCs não foram estatisticamente significantes e em apenas duas (2,5%) os domicílios indígenas apresentaram melhores condições (para Abastecimento de Água em relação aos amarelos no Norte Urbano e para Esgotamento Sanitário em relação aos pardos no Nordeste Urbano). No tocante aos desfechos referentes ao Brasil Urbano, também se observaram condições menos favoráveis para os indígenas em nove (56,3%) das 16 comparações realizadas (Tabela 3).
Em relação às RM dos estratos regionais, em 20 (25%) das 80 comparações possíveis os domicílios com crianças indígenas apresentaram chances inferiores de contar com infraestrutura sanitária (Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário, Coleta de Lixo e Saneamento Adequado) em relação às demais categorias de cor/raça. Foram observadas 49 (61,3%) comparações sem significância e três (3,7%) no Norte RM para Coleta de Lixo, que indicaram os domicílios com crianças indígenas em melhor situação em relação àqueles com crianças de cor/raça branca, preta e parda. Quanto ao estrato Brasil RM, das 16 comparações possíveis, em quatro (25%) os indígenas apresentaram RC inferiores no tocante aos vários desfechos (Tabela 4).
No caso do estrato Sul Urbano, todas as comparações, para os quatro desfechos analisados, se mostraram mais desfavoráveis para os indígenas. A magnitude das RCs nesse estrato variou de 1,85 (em relação aos brancos para Abastecimento de Água) a 11,72 (em relação aos brancos para Coleta de Lixo) (Tabela 3). O mesmo ocorreu no estrato Sul RM, com apenas três exceções, por não terem apresentado significância estatística (Tabela 4).
Discussão
Este estudo investigou comparativamente, segundo cor/raça, a ocorrência de serviços de saneamento básico em domicílios localizados em áreas urbanas no Brasil com a presença de crianças de até cinco anos de idade. Evidenciou-se a maior precariedade dos domicílios com crianças indígenas em relação às demais categorias de cor/raça (branca, preta, amarela e parda). Foi observado também que, no tocante às comparações entre indígenas e não indígenas, as áreas urbanas do Sul concentraram as mais elevadas prevalências dos desfechos desfavoráveis.
No Brasil, do ponto de vista constitucional, a saúde é considerada como direito de todos e dever do Estado 11. Brasil. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as leis nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, nº 8.036, de 11 de maio de 1990, nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2007; 8 jan.. Dentre os fatores determinantes e condicionantes da saúde, segundo a Lei nº 8.080/19903838. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 19 set., está a promoção de adequadas condições de moradia e de saneamento básico, mediante o acesso equitativo e universal 3939. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul.. Especificamente no que diz respeito aos serviços públicos relacionados ao saneamento básico, os resultados deste trabalho apontam cenários que se distanciam destes princípios centrais que norteiam as políticas públicas na área da saúde no Brasil, assim como de diretrizes internacionais 66. United Nations General Assembly. Human right to water and sanitation. Geneva: United Nations General Assembly; 2010. (UN Document A/RES/64/292).,88. United Nations General Assembly. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York: United Nations; 2015. (Report A/RES/70/1)..
É amplamente reconhecido que as condições de infraestrutura sanitária guardam estreita relação com a situação de saúde de indivíduos e coletividades 22. Bellido JG, Barcellos C, Barbosa FS, Bastos FI. Saneamiento ambiental y mortalidad en niños menores de 5 años por enfermedades de transmisión hídrica en Brasil. Rev Panam Salud Pública 2010; 28:114-20.,33. Teixeira JC, Gomes MHR, de Souza JA. Associação entre cobertura por serviços de saneamento e indicadores epidemiológicos nos países da América Latina: estudo com dados secundários. Rev Panam Salud Pública 2012; 32:419-25.,44. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados de saúde e ambiente para morbimortalidade por diarreia infantil no Brasil, 2010. Cad Saúde Pública 2014; 30:1921-34.,55. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados determinantes da mortalidade por diarreia aguda em crianças menores de 1 ano em regiões geográficas. Ciênc Saúde Colet 2014; 19:4131-40.,4040. Briscoe J, Feachem RG, Rahaman MM. Evaluating health impact: water supply, sanitation, and hygiene education. Ottawa: International Development Research Centre; 1986.,4141. Briscoe J. Abastecimiento de agua y servicios de saneamiento: su función en la revolución de la supervivencia infantil. Bol Oficina Sanit Panam 1987; 103:325-39.,4242. Heller L. Relação entre saúde e saneamento na perspectiva do desenvolvimento. Ciênc Saúde Colet 1998; 3:73-84.,4343. Pena JL, Heller L. Saneamento e saúde indígena: uma avaliação na população Xakriabá, Minas Gerais. Eng Sanit Ambient 2008; 13:63-72., com destaque para o segmento das crianças 22. Bellido JG, Barcellos C, Barbosa FS, Bastos FI. Saneamiento ambiental y mortalidad en niños menores de 5 años por enfermedades de transmisión hídrica en Brasil. Rev Panam Salud Pública 2010; 28:114-20.,44. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados de saúde e ambiente para morbimortalidade por diarreia infantil no Brasil, 2010. Cad Saúde Pública 2014; 30:1921-34.,55. Bühler HF, Ignotti E, Neves SMAS, Hacon SS. Análise espacial de indicadores integrados determinantes da mortalidade por diarreia aguda em crianças menores de 1 ano em regiões geográficas. Ciênc Saúde Colet 2014; 19:4131-40.,99. Victora CG. Mortalidade por diarreia: o que o mundo pode aprender com o Brasil? J Pediatr (Rio J.) 2009; 85:3-5.,1010. United Nations Children's Fund. Situação Mundial da Infância 2012: crianças em um mundo urbano. New York: United Nations Children's Fund; 2012.,1111. United Nations Children's Fund. One is too many: ending child deaths from pneumonia and diarrhoea. New York: United Nations Children's Fund ; 2016.,1212. United Nations Children's Fund; World Health Organization. Diarrhoea: why children are still dying and what can be done. New York: United Nations Children's Fund/World Health Organization; 2009.. O acesso e a qualidade dos serviços de saneamento básico podem impactar diretamente sobre os perfis epidemiológicos, exemplificado pela ocorrência de doenças infectoparasitárias 4040. Briscoe J, Feachem RG, Rahaman MM. Evaluating health impact: water supply, sanitation, and hygiene education. Ottawa: International Development Research Centre; 1986.,4141. Briscoe J. Abastecimiento de agua y servicios de saneamiento: su función en la revolución de la supervivencia infantil. Bol Oficina Sanit Panam 1987; 103:325-39.,4242. Heller L. Relação entre saúde e saneamento na perspectiva do desenvolvimento. Ciênc Saúde Colet 1998; 3:73-84.,4343. Pena JL, Heller L. Saneamento e saúde indígena: uma avaliação na população Xakriabá, Minas Gerais. Eng Sanit Ambient 2008; 13:63-72.. Anualmente são registradas no Brasil milhares de internações e óbitos por causas relacionadas à ausência ou ineficiência de serviços de saneamento nos domicílios 33. Teixeira JC, Gomes MHR, de Souza JA. Associação entre cobertura por serviços de saneamento e indicadores epidemiológicos nos países da América Latina: estudo com dados secundários. Rev Panam Salud Pública 2012; 32:419-25.,99. Victora CG. Mortalidade por diarreia: o que o mundo pode aprender com o Brasil? J Pediatr (Rio J.) 2009; 85:3-5.,1919. Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. Entraves ao investimento em saneamento. São Paulo: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental; 2013.,4444. Teixeira JC, Oliveira GS, Viali AM, Muniz SS. Estudo do impacto das deficiências de saneamento básico sobre a saúde pública no Brasil no período de 2001 a 2009. Eng Sanit Ambient 2014; 19:87-96.. Entre crianças indígenas, diversos estudos conduzidos em contextos específicos (etnias e/ou terras indígenas) apontam para elevadas prevalências de infecções diarreicas, que constituem cerca de metade das causas de internações hospitalares e até 60% dos óbitos em menores de um ano de idade 2727. Escobar AL, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Horta BL, Santos RV, Cardoso AM. Diarrhea and health inequity among Indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. BMC Public Health 2015; 15:191.,3131. Lunardi R, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Morbidade hospitalar de indígenas Xavante, Mato Grosso, Brasil (2000-2002). Rev Bras Epidemiol 2007; 10:441-52.,3232. Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, dos Santos JV, Assis AM, et al. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,3333. Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PC, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.,3434. Caldas A, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,4343. Pena JL, Heller L. Saneamento e saúde indígena: uma avaliação na população Xakriabá, Minas Gerais. Eng Sanit Ambient 2008; 13:63-72.,4545. Diehl EE. Agravos na saúde Kaingáng (Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina) e a estrutura dos serviços de atenção biomédica. Cad Saúde Pública 2001; 17:439-45.,4646. Escobar AL, Rodrígues AF, Alves CLM, Orellana JDY, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Causas de internação hospitalar indígena em Rondônia: o distrito sanitário especial indígena de Porto Velho (1998-2001). In: Coimbra Jr. CEA, Santos RV , Escobar AL , organizadores. Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p. 127-47.,4747. Toledo RF, Giatti LL, Pelicioni MCF. Mobilização social em saúde e saneamento em processo de pesquisa-ação em uma comunidade indígena no noroeste amazônico. Saúde Soc 2012; 21:206-18.,4848. Coimbra Jr. CEA. Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena. Cad Saúde Pública 2014; 30:855-9.. Análises com base nos dados do Censo Demográfico de 2010 evidenciam probabilidades substancialmente mais elevadas de morte em indígenas em comparação a não indígenas, de forma particularmente pronunciada na infância 2929. Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,3434. Caldas A, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017., o que é interpretado como decorrente de maior vulnerabilidade histórica e socioambiental.
Vale ressaltar que a maior parte das investigações sobre a saúde indígena no Brasil refere-se a contextos socioétnicos específicos (povos, etnias ou terras indígenas) localizados em áreas rurais 2727. Escobar AL, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Horta BL, Santos RV, Cardoso AM. Diarrhea and health inequity among Indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. BMC Public Health 2015; 15:191.,3131. Lunardi R, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Morbidade hospitalar de indígenas Xavante, Mato Grosso, Brasil (2000-2002). Rev Bras Epidemiol 2007; 10:441-52.,3232. Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, dos Santos JV, Assis AM, et al. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,3333. Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PC, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.,4343. Pena JL, Heller L. Saneamento e saúde indígena: uma avaliação na população Xakriabá, Minas Gerais. Eng Sanit Ambient 2008; 13:63-72.,4545. Diehl EE. Agravos na saúde Kaingáng (Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina) e a estrutura dos serviços de atenção biomédica. Cad Saúde Pública 2001; 17:439-45.,4646. Escobar AL, Rodrígues AF, Alves CLM, Orellana JDY, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Causas de internação hospitalar indígena em Rondônia: o distrito sanitário especial indígena de Porto Velho (1998-2001). In: Coimbra Jr. CEA, Santos RV , Escobar AL , organizadores. Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p. 127-47.,4747. Toledo RF, Giatti LL, Pelicioni MCF. Mobilização social em saúde e saneamento em processo de pesquisa-ação em uma comunidade indígena no noroeste amazônico. Saúde Soc 2012; 21:206-18.,4848. Coimbra Jr. CEA. Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena. Cad Saúde Pública 2014; 30:855-9., o que dificulta comparações com os resultados da presente investigação. Apesar de uma recente ampliação, são ainda escassos os estudos sobre saúde e demografia da população indígena baseando-se em dados dos censos nacionais 2828. Bastos JL, Santos RV , Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00085516.,2929. Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15.,3434. Caldas A, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017., e ainda mais raros aqueles sobre indígenas residentes em áreas urbanas 3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15.. No entanto, as pesquisas disponíveis apontam para cenários de marginalidade socioeconômica e sanitária no caso de indígenas residentes em áreas urbanas 2121. Coimbra Jr. CEA, Santos RV. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2000; 5:125-32.,3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15., o que vem potencialmente associado a impactos negativos nos perfis de adoecimento e morte.
Tanto a taxa de mortalidade infantil (TMI) como a mortalidade na infância, que se refere aos óbitos em crianças abaixo de 5 anos, são indicadores que se associam estreitamente às condições socioeconômicas e de infraestrutura sanitária 1616. França EB, Lansku S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Principais causas de mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global da Doença. Rev Bras Epidemiol 2017; 20 Suppl 1:S44-60.,4949. Organização Pan-Americana da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2ª Ed. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2008.. A partir de meados da década de 1990, os padrões de mortalidade da população brasileira passaram por profundas transformações. A TMI e a mortalidade na infância vêm apresentando tendência de declínio, principalmente decorrente da redução da morbimortalidade devido às doenças infectoparasitárias, o que ocorreu no âmbito da ampliação das políticas públicas no campo da saúde coletiva 1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua completa de mortalidade para o Brasil - 2015. Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016.,1616. França EB, Lansku S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Principais causas de mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global da Doença. Rev Bras Epidemiol 2017; 20 Suppl 1:S44-60.,5050. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet 2011; 377:1863-76.. As infecções diarreicas, que ocupavam o segundo lugar dentre as principais taxas de causa de mortalidade entre menores de cinco anos em 1990 (11,1 por mil nascidos vivos), passaram à sétima posição em 2015 (0,58 por mil nascidos vivos), o que representa uma redução de 94,7%. Dentre os fatores associados a essa redução, podem ser mencionados a melhoria na atenção pré-natal, a implantação de programas de nutrição infantil e o aumento na proporção de domicílios com saneamento adequado 1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua completa de mortalidade para o Brasil - 2015. Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016..
Para os indígenas, por sua vez, a magnitude das taxas de mortalidade infantil e na infância, além da ocorrência de elevadas prevalências de desnutrição crônica, anemia e outros agravos preveníveis, apontam para expressivas desigualdades nas condições de saúde em relação aos não indígenas no país 1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua completa de mortalidade para o Brasil - 2015. Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016.,2727. Escobar AL, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Horta BL, Santos RV, Cardoso AM. Diarrhea and health inequity among Indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. BMC Public Health 2015; 15:191.,2929. Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,3232. Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, dos Santos JV, Assis AM, et al. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,3333. Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PC, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.,3434. Caldas A, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,4343. Pena JL, Heller L. Saneamento e saúde indígena: uma avaliação na população Xakriabá, Minas Gerais. Eng Sanit Ambient 2008; 13:63-72.,4747. Toledo RF, Giatti LL, Pelicioni MCF. Mobilização social em saúde e saneamento em processo de pesquisa-ação em uma comunidade indígena no noroeste amazônico. Saúde Soc 2012; 21:206-18.,4848. Coimbra Jr. CEA. Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena. Cad Saúde Pública 2014; 30:855-9.,5151. Cardoso AM, Santos RV , Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saúde Pública 2005; 21:1602-8.,5252. Cardoso AM , Coimbra Jr. CEA, Barreto CTG, Werneck GL, Santos RV . Mortality among Guarani Indians in Southeastern and Southern Brazil. Cad Saúde Pública 2011; 27 Suppl 2:S222-36.,5353. Coimbra Jr. CE, Santos RV , Welch JR, Cardoso AM , Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview results. BMC Public Health 2013; 13:52.. Em 2009, a TMI para os indígenas foi de 41,9 por mil nascidos vivos, alcançando os mais elevados valores no Centro-oeste (48,3 por mil nascidos vivos) e Norte (47,3 por mil nascidos vivos) 5454. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância em saúde indígena: síntese dos indicadores 2010. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2010.. No mesmo ano, a taxa de mortalidade infantil no Brasil foi de 18,1 por mil nascidos vivos 5555. Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet 2006; 367:1859-69.. Caldas et al. 3434. Caldas A, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017. constataram que de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) referentes a 2009-2010, os indígenas apresentaram valores de TMI mais elevados em todas as regiões. Campos et al. 2929. Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017., com base nos dados do Censo Demográfico de 2010, apontaram que há diferenças expressivas nas probabilidades de morte entre indígenas e não indígenas em todos os grupos de idades, com maior expressão nos menores de 5 anos.
Um recente estudo comparativo baseado em dados demográficos e epidemiológicos de 23 países indicou que, em geral, indígenas apresentam indicadores socioeconômicos e de saúde menos favoráveis em comparação ao restante das respectivas populações nacionais investigadas 5656. Anderson IA, Robson B, Connolly M, Al-Yaman F, Bjertness E, King A, et al. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet-Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388:131-57.. Nesse sentido, as desigualdades entre indígenas e não indígenas observadas no Brasil se alinham com cenários em escala global 2323. Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.,2626. Chor D. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad Saúde Pública 2013; 29:1272-5.,2828. Bastos JL, Santos RV , Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00085516.,5555. Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet 2006; 367:1859-69., refletindo também no que diz respeito à infraestrutura de saneamento básico, conforme apontado neste trabalho.
Como já mencionado, são ainda escassas as investigações em saúde e demografia voltadas para analisar as características de indígenas residentes em meio urbano 3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15.,5757. Fígoli LHG, Fazito D. Redes sociales en una investigación de migración indígena: el caso de Manaus. Rev Bras Estud Popul 2009; 26:77-95.,5858. Stock BS, Fonseca TMG. Para desacostumar o olhar sobre a presença indígena no urbano. Psicol Soc 2013; 25:282-7.. Além disso, as políticas públicas direcionadas à saúde indígena estão principalmente direcionadas para o contingente da população que vive em terras indígenas 5959. Guirau KM, Silva CR. Povos indígenas no espaço urbano e políticas públicas. In: Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: Aproximando Agendas e Agentes. Araraquara: Universidade Estadual Paulista; 2013. https://www.fclar.unesp.br/Home/Pesquisa/GruposdePesquisa/participacaodemocraciaepoliticaspublicas/encontrosinternacionais/pdf-st08-trab-aceito-0200-7.pdf., em sua maioria localizada em área rural. Em contexto urbano, parte significativa dos indígenas reside em periferias, onde predomina maior precariedade socioeconômica 1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.,6060. Teixeira P, Mainbourg EMT, Brasil M. Migração do povo indígena Sateré-Mawé em dois contextos urbanos distintos na Amazônia. Caderno CRH 2009; 22:531-46.,6161. Comissão Pró-Índio de São Paulo. A cidade como local de afirmação dos direitos indígenas. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo; 2013.. Esse cenário guarda semelhanças com o que tem sido descrito para outros países da América Latina e Caribe, apontando que pobreza e extrema pobreza configuram-se como situações recorrentes para indígenas residentes em áreas urbanas 5555. Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet 2006; 367:1859-69..
O Censo Demográfico decenal, cujos dados serviram de base para esta investigação, é um tipo de levantamento que visa a levantar informações, as mais amplas possíveis, acerca da população brasileira em escala nacional. Não objetiva, portanto, retratar a complexidade e nuances específicas de segmentos populacionais específicos como, por exemplo, os indígenas. Para fins do presente trabalho, optou-se pela utilização dessa fonte por possibilitar, de forma ampla, a condução de análises comparativas acerca de condições de saneamento segundo cor/raça, além de outras características sociodemográficas. Não obstante, cabe reconhecer as limitações dos dados censitários, como o fato de que os quesitos referentes à infraestrutura de saneamento básico se relacionam à ocorrência, mas não à efetiva qualidade dos serviços, além de questões ligadas à captação de dados acerca da população indígena 1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.,2828. Bastos JL, Santos RV , Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00085516.. Vale mencionar que a metodologia de identificação da população indígena utilizada nos censos decenais tem sido problematizada em diversas análises antropológicas e demográficas, dado que se trata de uma dimensão de pertencimento étnico-cultural não necessariamente captável por intermédio de questionamento sobre cor/raça 2828. Bastos JL, Santos RV , Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00085516..
Em conclusão, neste trabalho evidenciou-se que as já conhecidas desigualdades relacionadas ao pertencimento étnico/racial no plano dos indicadores de saúde 2323. Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.,2626. Chor D. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad Saúde Pública 2013; 29:1272-5.,2929. Campos MB, Borges GM, Queiroz BL, Santos RV. Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017.,3434. Caldas A, Santos RV, Borges GM, Valente JG, Portela MC, Marinho GL. Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00015017. também se manifestam nas condições relacionadas aos serviços de saneamento básico do país 3030. Raupp L, Fávaro TR, Cunha GM, Santos RV. Condições de saneamento e desigualdades de cor/raça no Brasil urbano: uma análise com foco na população indígena com base no Censo Demográfico de 2010. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:1-15., tomando-se como referência a classificação de domicílios segundo o recorte de cor/raça de crianças de até cinco anos de idade. Inquestionavelmente, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer no tocante à universalização e equidade na prestação dos serviços de saneamento básico, inclusive nas regiões metropolitanas do país. Chama a atenção que é na Região Sul, uma das mais bem colocadas no ponto de vista socioeconômico, onde as desigualdades entre domicílios indígenas e não indígenas, em particular nas comparações com os brancos, se mostraram marcantes, ainda mais negativas na Região Metropolitana. Além de bases de dados, como os censos demográficos, faz-se imprescindível que sejam conduzidas investigações, inclusive valendo-se de registros administrativos e outras fontes, que aprofundem o conhecimento sobre os contextos de moradia e disponibilidade de saneamento para os indígenas residentes em áreas urbanas, dado que há evidências de que a urbanização indígena, tal como observado em outros países da América Latina 2828. Bastos JL, Santos RV , Cruz OG, Longo LAFB, Silva LO. Características sociodemográficas de indígenas nos censos brasileiros de 2000 e 2010: uma abordagem comparativa. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00085516.,5555. Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet 2006; 367:1859-69.,6262. Del Popolo F, Cunha EP, Ribotta B, Azevedo M, coordinadores. Pueblos indígenas y afrodescendientes en América Latina: dinámicas poblacionales diversas y desafios comunes. Rio de Janeiro: ALAP Editor; 2011. (Serie Investigaciones, 12)., é um processo em franca emergência na dinâmica demográfica deste segmento da população.
Agradecimentos
Este estudo teve o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mediante bolsa de doutorado concedida à primeira autora, e de um financiamento do Wellcome Trust (203486/Z/16/Z).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Ago 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
22 Mar 2018 -
Revisado
21 Fev 2019 -
Aceito
26 Fev 2019