Acessibilidade / Reportar erro

Influência da gestão municipal na organização da atenção à saúde da criança em serviços de atenção primária do interior de São Paulo, Brasil

Influence of municipal management on the organization of children’s healthcare in primary care services in the interior of the State of São Paulo, Brazil

Influencia de la gestión municipal en la organización de la atención en salud de niños en servicios de atención primaria del interior del Estado de São Paulo, Brasil

Resumo:

Objetivou-se avaliar a associação da qualidade organizacional da atenção à saúde da criança em serviços de atenção primária à saúde (APS) com variáveis de contexto gerencial. Realizou-se pesquisa avaliativa em 151 serviços de APS de 40 municípios do interior do Estado de São Paulo, Brasil, que responderam ao QualiAB em 2014. Pontuaram-se os serviços conforme 41 indicadores de saúde da criança que, após constituírem grupos de qualidade distribuídos por quartis, foram associados a 17 indicadores de gestão. Os seguintes indicadores não apresentaram associação com os grupos de qualidade: participação no Programa Mais Médicos/Provab-médico (p = 0,102), disponibilidade de serviço de assistência social (p = 0,315) e disponibilidade de serviço para gestante de risco (p = 0,814). Em todas as outras situações, a associação foi significativa. Embora, em algumas variáveis, os grupos G1 e G2 tenham se assemelhado aos grupos mais polares (G0 e G3), estes últimos apresentaram diferenças em todas as variáveis. Os serviços que pertenciam ao grupo considerado de melhor qualidade (G3) encontraram-se, majoritariamente, organizados no modelo USF/Mista (p = 0,018), administrado por gestão terceirizada (p < 0,001), com oferta regular de acompanhamento pré-natal (p < 0,001), disponibilidade permanente de clínico geral ou médico de família (p = 0,009) e uma rede de apoio composta, principalmente, de CAPSi e de CAPSAd III e de serviços de atenção à criança (p < 0,001). Esse grupo também realizava reunião de equipe semanalmente (p < 0,001), estudava os casos de demanda espontânea (p < 0,001) e mudava o gerenciamento e organização da assistência com base no processo avaliativo (p = 0,004). Concluiu-se que a qualidade organizacional não depende apenas das práticas exercidas pelos profissionais de saúde, mas também das decisões dos gestores.

Palavras-chave:
Avaliação em Saúde; Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Saúde da Criança; Gestão em Saúde

Abstract:

The aim was to assess the association between the organizational quality of children’s healthcare in primary care services and variables in the management context. An evaluative survey in 151 primary care services in 40 municipalities (counties) in the interior of the State of São Paulo, Brazil, answered the QualiAB in 2014. Services were scored according to 41 children’s health indicators which comprised quality groups distributed by quartiles and were associated with 17 management indicators. The following were not associated with the quality groups: participation in the More Doctors Program/Provab-Médico (p = 0.102), availability of social services (p = 0.315), and high-risk pregnancy (p = 0.814). The association was significant for all the others. Although for some variables, groups G1 and G2 were similar to the more polar groups (G0 and G3), the latter showed differences in all the variables. The services belonging to the group considered as having the best quality (G3) were mostly organized in the Family Health Unit/Mixed model (p = 0.018), administered under outsourced management (p < 0.001), regularly supplied prenatal care (p < 0.001), had a general practitioner or family physician available on a 24/7 basis (p = 0.009), and had a support network consisting mainly of CAPSi and CAPSAd III and children’s health services (p < 0.001). They also reported holding weekly team meetings (p < 0.001), studying cases of spontaneous demand (p < 0.001), and changing the management and organization of care based on the evaluative process (p = 0.004). In conclusion, organizational quality does not depend only on practices by health professionals, but also on administrators’ decisions.

Keywords:
Health Evaluation; Health Services; Primary Health Care; Child Health; Health Management

Resumen:

El objetivo fue evaluar la asociación de la calidad organizativa de la atención en salud de niños en servicios de atención primaria con variables de contexto de gerencia. Se trata de una investigación de evaluación en 151 servicios de atención primaria de 40 municipios del interior del Estado de São Paulo, Brasil, que respondieron al QualiAB en 2014. Se puntuaron los servicios conforme 41 indicadores de salud del niño, que tras constituirse en grupos de calidad distribuidos por cuartiles, se asociaron a 17 indicadores de gestión. No presentaron asociación con los grupos de calidad: participación en el Programa Mais Médicos/Provab-médico (p = 0,102), disponibilidad de servicio de asistencia social (p = 0,315) y en el caso de gestante de riesgo (p = 0,814). En las demás la asociación fue significativa. A pesar de que en algunas variables los grupos G1 y G2 se asemejaron a los grupos más polarizados (G0 y G3), estos últimos presentaron diferencias en todas las variables. Los servicios que pertenecían al grupo considerado de mejor calidad (G3) se encontraron, mayoritariamente, organizados con el modelo USF/Mista (p = 0,018), administrado por gestión tercerizada (p < 0,001), ofertaban regularmente seguimiento prenatal (p < 0,001), tenían disponibilidad permanente de clínica general o médico de familia (p = 0,009) y contaban con una red de apoyo compuesta, principalmente, por CAPSi y CAPSAd III y servicios de atención al niño (p < 0,001). Además, mencionaron realizar una reunión de equipo semanalmente (p < 0,001), estudiar los casos de demanda espontánea (p < 0,001) y cambiar la gestión y organización de la asistencia en base al proceso evaluativo (p = 0,004). Se concluyó que la calidad organizativa no depende sólo de las prácticas ejercidas por los profesionales de salud, sino también, de las decisiones de los gestores.

Palabras-clave:
Evaluación en Salud; Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud; Salud del Niño; Gestión en Salud

Introdução

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) preconiza a organização dos serviços de saúde por meio da disponibilidade e integração de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelecendo a atenção primária à saúde (APS) como seu principal nível articulador 11. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,22. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, considerando a Estratégia Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 24 out.,33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014..

As práticas exercidas nos serviços de saúde, ao responderem às necessidades sociais de saúde da população, reproduzem novas necessidades e demandas que consubstanciam o modelo assistencial operado 44. Paim JS. Da teoria do processo de trabalho em saúde aos modelos de atenção. In: Ayres JRCM, Santos L, organizadores. Saúde, sociedade e história. São Paulo: Hucitec Editora/Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 375-92.. Nesse sentido, um ângulo produtivo para o estudo das práticas de saúde na APS é olhar para o modo como essas práticas se encontram organizadas, de modo a analisar sua capacidade de resposta e (re)elaboração de necessidades sociais de saúde.

A importância de melhoria na qualidade das práticas exercidas nesse nível de atenção é evidenciada por indicadores de agravos da saúde da criança que poderiam ser evitados pelos serviços de APS do Estado de São Paulo, como, por exemplo, o progressivo aumento da sífilis congênita (cuja taxa de incidência em menores de um ano de idade passou de 1,9 para 5,8 por 1.000 nascidos vivos entre 2010 e 2016) e o número de óbitos por causas evitáveis em menores de cinco anos (8.218 casos em 2014) 55. Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00094417.,66. Benzaken AS, Pereira GFM, Cunha ARC, Souza FMA, Saraceni V. Adequacy of prenatal care, diagnosis and treatment of syphilis in pregnancy: a study with open data from Brazilian state capitals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00057219.,77. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. http://cnes.datasus.gov.br/ (acessado em 23/Mar/2018).
http://cnes.datasus.gov.br/...
,88. Pina JC, Moraes AS, Furtado MCC, Mello DF. Presença e extensão dos atributos da atenção primária à saúde entre crianças hospitalizadas por pneumonia. Rev Latinoam Enferm 2015; 23:512-9.,99. Samoto AK, Venancio SI. Avaliação da qualidade dos serviços de Atenção Básica, segundo modelo de atenção, na Região de Saúde do Rio Pardo-SP. BIS Bol Inst Saúde 2014; 15 Suppl:23-31..

Esse quadro é agravado pelo contexto político de mudanças e instabilidade de gestão que, reforçado pela crise econômica, aponta tendência a um modelo neoliberal de redução dos direitos sociais e de piora dos indicadores de saúde, como, por exemplo, o aumento nas taxas de mortalidade infantil 1010. Rasella D, Basu S, Hone T, Paes-Sousa R, Ocké-Reis CO, Millett C. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: a nationwide microsimulation study. PLoS Med 2018; 15:e1002570..

A saúde da criança é uma das áreas mais tradicionalmente abordadas pelas políticas públicas, marcada por normatizações legitimadas em todo país. Entretanto, a simples existência de tais normas não é suficiente para garantir sua execução na rotina dos serviços 55. Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00094417.,1111. Sanine PR, Castanheira ERL. Explorando nexos entre a construção social da criança e as práticas de saúde. Hist Ciênc Saúde - Manguinhos 2018; 25:199-215.,1212. Saraceni V, Pereira GFM, Silveira MF, Araujo MAL, Miranda AE. Vigilância epidemiológica da transmissão vertical da sífilis: dados de seis unidades federativas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2017; 41:e44.,1313. Domingues RMSM, Viellas EF, Dias MAB, Torres JA, Theme-Filha MM, Gama SGN, et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2015; 37:140-7., o que aponta os fatores que interferem nesse processo e, particularmente, a organização das ações nos serviços como questões a serem investigadas.

A qualidade das ações realizadas nos serviços de APS resulta de múltiplos fatores, dependentes, em grande parte, do projeto técnico-político da gestão. Em outras palavras, a produção dos cuidados assistenciais depende da articulação de dimensões políticas e técnico-científicas, tanto em nível local - diretamente vinculada à organização dos processos de trabalho - quanto no macroinstitucional, especialmente municipal 1414. Tanaka OY. Avaliação em saúde: novos tempos, novas construções. In: Tanaka OY, Ribeiro EL, Almeida CAL, organizadores. Avaliação em saúde: construções para incorporação no cotidiano. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. p. 1-9.,1515. Feuerwerker LCM, organizador. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014.,1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42..

Em que pese a diferença de tempo entre a divulgação das normas institucionais e sua legitimação em práticas nos serviços 55. Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00094417., acredita-se que os contextos gerenciais envolvendo tanto a gestão municipal (exercida pelo secretário municipal de saúde), quanto o gerenciamento local dos serviços de APS (exercido pelo gerente da unidade e/ou da equipe) definem a dinâmica de organização dos serviços.

Exemplifica-se esse contexto quando o gestor municipal opta pela implantação de serviços de APS com atuação de médicos especialistas, ou, ao contrário, pela inserção de agentes comunitários de saúde (ACS) e equipes de saúde da família (EqSF). Outro exemplo é quando a gerência local implementa medidas que promovem um trabalho integrado em equipe, em vez de apenas um trabalho do tipo agrupamento 1717. Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública 2001; 35:103-9.. Essas decisões organizacionais se refletem diretamente no processo de realização do cuidado e, portanto, no modelo assistencial praticado 1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42.,1818. Sanine PR. Avaliação da atenção à saúde da criança em unidades básicas de saúde no estado de São Paulo [Dissertação de Mestrado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014..

Deste modo, defende-se a perspectiva de que os desafios da saúde da criança nos serviços de APS são de ordem técnico-política, em relação ao exercício do poder e tomada de decisões, com repercussões para as práticas, como já referido por diversos autores 1414. Tanaka OY. Avaliação em saúde: novos tempos, novas construções. In: Tanaka OY, Ribeiro EL, Almeida CAL, organizadores. Avaliação em saúde: construções para incorporação no cotidiano. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. p. 1-9.,1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42.,1919. Almeida DB, Melo CMM. Avaliação da gestão na atenção básica nas dimensões da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública 2012; 36:816-30..

Assim, o presente trabalho teve por objetivo avaliar a associação das variáveis de contexto gerencial, que representam as decisões dos gestores municipais e/ou dos gerentes locais, com a qualidade organizacional das práticas de atenção à saúde da criança exercidas em serviços de APS do interior paulista.

Método

Trata-se de pesquisa avaliativa, realizada em 151 serviços de APS situados em quarenta municípios do interior paulista. Explorou-se a inter-relação entre a produção de avaliações e o estudo de gestão e práticas de saúde, com base nos referenciais propostos por Novaes 2020. Novaes HMD. Avaliação de programas, serviços e tecnologias em saúde. Rev Saúde Pública 2000; 34:547-59. e Schraiber et al. 1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42..

Aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, sob o registro nº 34529214.6.0000.5411, o trabalho atendeu a todas as normas éticas de pesquisa com seres humanos.

Foram utilizados dados resultantes da aplicação censitária do questionário eletrônico Avaliação e Monitoramento de Serviços de Atenção Básica (QualiAB; http://www.abasica.fmb.unesp.br/) nos municípios pertencentes à Rede Regional de Atenção à Saúde (RRAS) da Diretoria Regional de Saúde de Bauru (RRAS-09), no ano de 2014 2121. Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2016..

Dos 303 serviços de APS que integram a região estudada 77. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. http://cnes.datasus.gov.br/ (acessado em 23/Mar/2018).
http://cnes.datasus.gov.br/...
, 163 responderam ao instrumento (53,8% do total). Foram excluídos da amostra 12 serviços que informaram não atender a crianças, em ao menos uma das questões do instrumento.

O QualiAB é um instrumento validado, de adesão voluntária, composto de 126 questões que englobam o conjunto de ações previstas para os serviços de APS, independentemente de seu arranjo organizacional 2121. Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2016.,2222. Castanheira ERL, Nemes MIB, Zarili TFT, Sanine PR, Corrente JE. Avaliação de serviços de atenção básica em municípios de pequeno e médio porte no estado de São Paulo: resultados da primeira aplicação do instrumento QualiAB. Saúde Debate 2014; 38:679-91..

Do conjunto de informações disponibilizadas pelo instrumento, foram selecionadas 14 variáveis de caracterização dos serviços (localização, definição de área de abrangência e período de funcionamento e tipo de serviço conforme a gestão administrativa) e 17 voltadas ao contexto gerencial, compostas de informações sobre os seguintes pontos: tipo de serviço de APS e gestão administrativa; oferta de acompanhamento pré-natal na APS; disponibilidade de médico de família ou generalista; participação em programas sociais; existência de rede de apoio; periodicidade das reuniões de equipe; estudo de demandas para planejamento; e utilização dos processos avaliativos para mudanças organizacionais no serviço.

Para mensurar a qualidade organizacional referente à saúde da criança nos serviços avaliados, foram considerados 41 indicadores que sintetizam ações direcionadas à gestação e ao acompanhamento da criança: práticas de promoção à saúde (orientações na unidade e “extra muro”); prevenção de agravos à saúde (garantia do primeiro atendimento ao recém-nascido, registros em prontuário, convocação de faltosos, atenção compartilhada com outros níveis de atenção, solicitações de exames e ações de vigilância em saúde); assistência individual à criança (ações de acompanhamento do desenvolvimento e crescimento; encaminhamento para banco de leite ou acesso a leite modificado; assistência odontológica; identificação, diagnóstico e acompanhamento de agravos prevalentes na infância e de situações de violência e vulnerabilidade); informações sobre recursos básicos que qualificam os serviços (formação continuada dos profissionais, disponibilidade de hidratação por via venosa e aplicação de penicilina benzatina).

A seleção das variáveis e dos indicadores levou em consideração as diretrizes da APS e as publicações oficiais dirigidas a esse grupo populacional 11. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,22. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, considerando a Estratégia Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 24 out., valorizando as ações referentes ao processo (maior número de indicadores) em relação aos indicadores de estrutura. Todas as variáveis e todos os indicadores encontram-se apresentados nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1
Relação dos 41 indicadores de qualidade organizacional da saúde da criança. QualiAB, 2014.

Quadro 2
Relação das 14 variáveis de caracterização dos serviços e 17 de contexto gerencial. QualiAB, 2014.

Os 41 indicadores da qualidade da atenção à criança foram analisados de modo binário, atribuindo-se um ponto para cada resposta afirmativa. Considerando-se a variação máxima entre 0 e 41, os serviços foram distribuídos em quartis, constituindo quatro grupos de serviços com distintas qualidades, sendo o grupo com menor pontuação aquele que concentrou o conjunto de serviços com menos qualidade organizacional (G0), e o grupo de maior pontuação aquele com serviços mais organizados para a saúde da criança (G3).

Compreendendo o poder das avaliações para identificar fragilidades e promover mudanças 2020. Novaes HMD. Avaliação de programas, serviços e tecnologias em saúde. Rev Saúde Pública 2000; 34:547-59.,2222. Castanheira ERL, Nemes MIB, Zarili TFT, Sanine PR, Corrente JE. Avaliação de serviços de atenção básica em municípios de pequeno e médio porte no estado de São Paulo: resultados da primeira aplicação do instrumento QualiAB. Saúde Debate 2014; 38:679-91., somado às diferenças nos projetos técnico-políticos operalizados pelas decisões dos gestores na organização desse processo de trabalho 1414. Tanaka OY. Avaliação em saúde: novos tempos, novas construções. In: Tanaka OY, Ribeiro EL, Almeida CAL, organizadores. Avaliação em saúde: construções para incorporação no cotidiano. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. p. 1-9.,1515. Feuerwerker LCM, organizador. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014.,1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42., realizou-se a associação dos grupos de qualidade dos serviços com as 17 variáveis de contexto gerencial, ou seja, com variáveis que refletem decisões da gestão municipal ou da gerência local.

A análise estatística foi realizada com uso do pacote IBM/SPSS v.26.0 (https://www.ibm.com/). A análise descritiva oferece as distribuições das frequências dos indicadores. A estimação das associações entre as frequências dos indicadores e os grupos de qualidade foi realizada por testes do quiquadrado. Como eram comparações múltiplas (quatro grupos), a partir dos qui-quadrados estatisticamente significativos (p < 0,05), foi necessário executar testes Z para proporções, a fim de identificar quais proporções diferiram e, consequentemente, destacar os grupos que se distinguiam.

Resultados

Caracterização dos serviços

Os 151 serviços avaliados localizavam-se em municípios de pequeno e médio porte: 40% abaixo de 10 mil habitantes e 5% com mais de 100 mil 77. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. http://cnes.datasus.gov.br/ (acessado em 23/Mar/2018).
http://cnes.datasus.gov.br/...
, com maior concentração nas áreas urbano-periféricas (61,7%). Do total de unidades, 86,7% declararam trabalhar com área de abrangência definida (Tabela 1).

Ainda na Tabela 1, é possível observar que a maioria dos serviços funcionava durante todas as manhãs e tardes (91,4%). Porém, destacam-se serviços que funcionavam apenas em alguns períodos (6% manhãs e tardes e 11,3% noites), além daqueles que permanecem abertos 24 horas por dia (1,3%).

Tabela 1
Distribuição das frequências dos 151 serviços de atenção primária à saúde do interior do Estado de São Paulo, Brasil, segundo as 14 variáveis de caracterização. QualiAB, 2014.

Em relação ao tipo dos serviços, cabe pontuar que, devido à aproximação do rol de práticas ofertadas pelos que têm ACS na equipe 1818. Sanine PR. Avaliação da atenção à saúde da criança em unidades básicas de saúde no estado de São Paulo [Dissertação de Mestrado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014., os serviços aqui denominados USF/Mista compreenderam aqueles organizados segundo o modelo unidade de saúde da família (USF) e/ou unidades básicas de saúde (UBS) com ACS, além das UBS que contam com ACS e/ou EqSF integradas ao serviço.

Observou-se maior concentração das USF/Mista (62,3%), com predomínio de administração pública (50,3%). As UBS tradicionais, presentes em 35,8% dos serviços avaliados, assim como os demais serviços (modelos atípicos compostos, por exemplo, pelos Postos Avançados de Saúde, que não contam com equipe fixa em período integral), também apresentaram maioria com administração pública (UBS - 33,8% e Outros - 2%) (Tabela 1).

A distribuição da frequência dos indicadores (Tabela 2), ainda que de maneira descritiva, apresenta importantes gaps na organização da atenção à saúde da criança, uma vez que grande parte deles é referido por menos de 70% dos serviços. Constatou-se que nenhum serviço ofertava 100% das ações, destacando-se o baixo número daqueles que relataram realizar orientações de promoção à saúde, como em relação à gestação na adolescência (34,4%) e situações de violência (14,6%). As ações de avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor (60,3%), diagnóstico e acompanhamento das insuficiências respiratórias agudas - IRA (56,3), hidratação por via venosa (46,4), diagnóstico e acompanhamento em saúde mental (43,7%), registro do seguimento no prontuário e caderneta da criança (38,4%), aplicação de penicilina benzatina (37,1%), além da atenção compartilhada nas gestações de alto risco (35,8%), notificação compulsória em situações de violência (34,4%) e vigilância de trabalho infantil (11,3%) também apresentaram baixas frequências.

Tabela 2
Distribuição das frequências dos 151 serviços de atenção primária à saúde do interior do Estado de São Paulo, Brasil, segundo os 41 indicadores de qualidade organizacional da saúde da criança. QualiAB, 2014.

Gestão e qualidade da atenção à saúde da criança

O desempenho dos serviços segundo o escore dos 41 indicadores variou entre 0 e 39 pontos. Nenhum serviço atingiu a pontuação máxima e alguns zeraram, ou seja, houve situações em que não houve nenhuma das ações avaliadas de atenção à saúde da criança.

Com base nessa pontuação, os serviços foram distribuídos nos quatro grupos de qualidade, com pontuações variando entre 0 e 15 (G0, com 42 serviços), 16 e 20 (G1, com 35 serviços), 21 e 26 (G2, com 39 serviços) e 27 e 39 (G3, com 35 serviços).

A associação entre as variáveis de contexto gerencial e os grupos de qualidade da atenção à saúde da criança encontra-se exposta na Tabela 3.

Tabela 3
Distribuição dos 151 serviços de atenção primária à saúde do interior do Estado de São Paulo, Brasil, nos quatro grupos de qualidade organizacional da saúde da criança e suas associações com as 17 variáveis de contexto gerencial. QualiAB, 2014.

Constatou-se que apenas três variáveis não apresentaram associação com os grupos de qualidade: participação no Programa Mais Médicos/Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab-médico) (p = 0,102), disponibilidade de serviço de assistência social (p = 0,315) e serviços para gestante de risco (p = 0,814). Em todas as outras, a associação foi significativa. Embora em algumas variáveis os grupos G1 e G2 tenham se assemelhado aos grupos mais polares (G0 e G3), estes últimos apresentaram diferença em todas as variáveis.

As associações evidenciaram que os serviços que pertenciam ao grupo considerado de melhor qualidade (G3) encontraram-se, majoritariamente, organizados no modelo USF/Mista (p = 0,018), administrado por gestão terceirizada (p < 0,001), com oferta regular de acompanhamento pré-natal (p < 0,001). Esse grupo tinha disponibilidade permanente de clínico geral ou médico de família (p = 0,009) e contava com uma rede de apoio composta, principalmente, de Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) e de Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Outras Drogas Infanto Juvenil (CAPSAd III) e de serviços de atenção à criança (p < 0,001). Além disso, realizava reunião de equipe semanalmente (p < 0,001), estudava os casos de demanda espontânea (p < 0,001) e mudava o gerenciamento e organização da assistência com base no processo avaliativo (p = 0,004).

Salienta-se que a interpretação dos resultados exige cautela em relação aos indicadores que apresentaram menos do que cinco serviços em, pelo menos, um dos grupos de qualidade, uma vez que há uma quantidade limitada de testes robustos e de fácil interpretação capazes de validar os resultados de variáveis polinomiais em comparações de múltiplos grupos, em cenários de baixas ocorrências. Modelagens matemáticas poderiam incrementar a robustez, porém dificultariam a interpretação dos achados. Ainda que simplificadas, as análises realizadas priorizaram o entendimento de que não se feriu nenhum preceito estatístico.

Discussão

Apesar das semelhanças demográficas dos municípios deste estudo, observou-se heterogeneidade em relação à organização dos modelos operados na APS, o que acaba por interferir no modo de organizar também a atenção à saúde da criança 1818. Sanine PR. Avaliação da atenção à saúde da criança em unidades básicas de saúde no estado de São Paulo [Dissertação de Mestrado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014..

Resultantes de distintas capacidades técnica e administrativa, a variação identificada é encontrada em outros estudos da área 66. Benzaken AS, Pereira GFM, Cunha ARC, Souza FMA, Saraceni V. Adequacy of prenatal care, diagnosis and treatment of syphilis in pregnancy: a study with open data from Brazilian state capitals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00057219.,2323. Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma Ata. Rev Panam Salud Pública 2018; 42:e175.,2424. Marques RM, Mendes A. A política de incentivo do Ministério da Saúde para a atenção básica: uma ameaça à autonomia dos gestores municipais e ao princípio da integralidade? Cad Saúde Pública 2002; 18 Suppl:163-71. e ganha destaque na baixa pontuação e na existência de serviços que apresentaram pontuação nula.

Já foi identificada em outros estudos 55. Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00094417.,66. Benzaken AS, Pereira GFM, Cunha ARC, Souza FMA, Saraceni V. Adequacy of prenatal care, diagnosis and treatment of syphilis in pregnancy: a study with open data from Brazilian state capitals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00057219.,2525. Fernandes JA, Venâncio SI, Pasche DF, Silva FLG, Aratani N, Tanaka OY, et al. Avaliação da atenção à gestação de alto risco em quatro metrópoles brasileiras. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00120519., mas é preocupante a constatação de que mesmo as ações tradicionalmente preconizadas, como avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, diagnóstico e acompanhamento das IRA, hidratação por via venosa ou a aplicação de penicilina benzatina, apontam graves problemas na qualidade da atenção à criança.

Em uma primeira análise, este resultado pode parecer inaceitável. Porém, cabe destacar que, mesmo com limitações, muitos desses serviços acabam por cumprir o papel de acesso imediato à orientações e cuidados básicos para a atenção à saúde da população local e se estabelecem como forma de intermediação entre estruturas mais complexas 1818. Sanine PR. Avaliação da atenção à saúde da criança em unidades básicas de saúde no estado de São Paulo [Dissertação de Mestrado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014., especialmente no caso de municípios com grande dispersão demográfica e com núcleos populacionais distantes de estruturas de maior complexidade.

Entretanto, ainda que tais diferenças possam ser explicadas, as políticas públicas voltadas para a APS preconizam que todos os serviços devam ser capazes de ofertar uma atenção integral e resolutiva à saúde da criança, organizados por meio de práticas que respeitem minimamente o acúmulo dos programas já estruturados 11. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,22. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, considerando a Estratégia Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 24 out..

Assim, a inexistência de serviços com pontuação máxima sugere que mesmo os melhores serviços apresentaram limitações em relação à oferta prevista nas normativas 55. Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00094417.,99. Samoto AK, Venancio SI. Avaliação da qualidade dos serviços de Atenção Básica, segundo modelo de atenção, na Região de Saúde do Rio Pardo-SP. BIS Bol Inst Saúde 2014; 15 Suppl:23-31., em especial, de práticas de promoção à saúde.

A constituição de serviços organizados segundo um olhar ampliado, que envolva a família e a comunidade, como o proposto na implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) e na inserção dos ACS 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1111. Sanine PR, Castanheira ERL. Explorando nexos entre a construção social da criança e as práticas de saúde. Hist Ciênc Saúde - Manguinhos 2018; 25:199-215., funciona como principal estratégia de enfrentamento de cenários como esse.

Em um contexto de incentivo à redução de iniquidades em saúde, como na expansão do modelo ESF e de implantação do Programa Mais Médicos 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,2626. Gonçalves RF, Bezerra AFB, Tanaka OY, Santos CR, Silva KSB, Sousa IMC. Influência do Mais Médicos no acesso e na utilização de serviços de saúde no Nordeste. Rev Saúde Pública 2019; 53:110., os resultados mostraram-se coerentes com esse período e com estudos sobre o tema 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,99. Samoto AK, Venancio SI. Avaliação da qualidade dos serviços de Atenção Básica, segundo modelo de atenção, na Região de Saúde do Rio Pardo-SP. BIS Bol Inst Saúde 2014; 15 Suppl:23-31.,2222. Castanheira ERL, Nemes MIB, Zarili TFT, Sanine PR, Corrente JE. Avaliação de serviços de atenção básica em municípios de pequeno e médio porte no estado de São Paulo: resultados da primeira aplicação do instrumento QualiAB. Saúde Debate 2014; 38:679-91.,2727. Venancio SY, Rosa TEC, Sanches MTC, Shigeno EY, Souza JMP. Efetividade da Estratégia Saúde da Família sobre indicadores de saúde da criança no Estado de São Paulo. Rev Bras Saúde Matern Infant 2016; 16:283-93.,2828. Sanine PR, Venancio SI, Silva FLG, Aratani N, Moita MLG, Tanaka OY. Atenção ao pré-natal de gestantes de risco e fatores associados no município de São Paulo. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00103118., uma vez que os serviços organizados segundo esse arranjo (USF/Mista) concentraram-se em maior número nos grupos de melhor qualidade. Ao contrário, nos grupos de menor qualidade, predominaram as UBS.

A falta de integralidade, evidenciada na relativamente baixa incorporação de ações de atenção à saúde da criança, pode representar um indicativo de conflitos entre os interesses dos gestores (comprometidos com a implementação de uma dada política assistencial, que varia conforme o plano de governo) e dos profissionais de saúde (responsáveis diretos pela assistência e portadores tanto do saber técnico-científico, como do saber operante das técnicas) 1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42., resultando em disputas quanto ao grau de autoridade e autonomia técnica, que, por sua vez, influenciam as características organizacionais dos serviços.

É possível inferir que, em situações de redução do grau de autonomia dos serviços pela gestão municipal, também ocorre a diminuição do envolvimento direto dos profissionais na organização do trabalho, aumentando o distanciamento entre as práticas e os princípios previstos na integralidade do cuidado e as necessidades em saúde da população 1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42.,1919. Almeida DB, Melo CMM. Avaliação da gestão na atenção básica nas dimensões da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública 2012; 36:816-30.. Assim, tais limitações prenunciam a existência de gestões em que o plano político de governo se sobressaiu ao proposto no plano técnico e ético político da atenção integral à saúde da criança.

Convém salientar que a administração dos serviços, no mesmo município, pode ser exercida por gestão pública ou terceirizada (convênios com Fundação/Organização Social) 2525. Fernandes JA, Venâncio SI, Pasche DF, Silva FLG, Aratani N, Tanaka OY, et al. Avaliação da atenção à gestação de alto risco em quatro metrópoles brasileiras. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00120519.,2929. Ramos ALP, De Seta MH. Atenção primária à saúde e Organizações Sociais nas capitais da Região Sudeste do Brasil: 2009 e 2014. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00089118.. Assim, cabe questionar qual a capacidade (como núcleo de autonomia decisória) que os gerentes dos serviços de APS têm para mobilizar os meios e (re)organizar os serviços, como a decisão de realizar ou não reuniões de equipe ou definir a periodicidade com que deverão ocorrer 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1919. Almeida DB, Melo CMM. Avaliação da gestão na atenção básica nas dimensões da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública 2012; 36:816-30..

Outra questão relacionada às diferenças desses tipos de gestão (pública ou terceirizada) refere-se a tensões resultantes dos diferentes interesses e motivações dos próprios profissionais de saúde, ocasionados, por exemplo, pela desigualdade salarial e instabilidade profissional 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1919. Almeida DB, Melo CMM. Avaliação da gestão na atenção básica nas dimensões da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública 2012; 36:816-30.,2323. Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma Ata. Rev Panam Salud Pública 2018; 42:e175..

Se considerarmos que a maior ou menor perenidade dos projetos de saúde sofre influência direta do preparo técnico e político de cada governo, a vinculação dos gestores “por relação de confiança política33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014. (p. 337) e sem experiência prévia nem formação em gestão e/ou Saúde Pública, associada às constantes trocas de gestores municipais e gerências dos serviços, pode repercutir negativamente na qualidade dos serviços de APS 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1919. Almeida DB, Melo CMM. Avaliação da gestão na atenção básica nas dimensões da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública 2012; 36:816-30.,2323. Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma Ata. Rev Panam Salud Pública 2018; 42:e175.,3030. Almeida CAL, Tanaka OY. Avaliação em saúde: metodologia participativa e envolvimento de gestores municipais. Rev Saúde Pública 2016; 50:45.,3131. Silveira DS, Facchini LA, Siqueira FV, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, et al. Gestão do trabalho, da educação, da informação e comunicação na atenção básica à saúde de municípios das regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2010; 26:1714-26..

Esse contexto, que contribui para a descontinuidade do processo de trabalho, desorientando a organização de suas práticas, pode representar uma das justificativas que mantiveram grande parte dos serviços administrados por gestão pública (74 dos 130) fora do grupo de melhor qualidade, ou seja, concentrados nos grupos G0 e G1. Essa situação contrasta com a concentração da maior parte dos serviços terceirizados (18 de 21) nos grupos de melhor qualidade.

Outra situação que demonstra essa influência da gestão na qualidade organizacional dos serviços encontra-se no acompanhamento do pré-natal, que, apesar de ser apontado como uma das principais estratégias na redução das morbimortalidades 11. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,22. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, considerando a Estratégia Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 24 out.,33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1212. Saraceni V, Pereira GFM, Silveira MF, Araujo MAL, Miranda AE. Vigilância epidemiológica da transmissão vertical da sífilis: dados de seis unidades federativas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2017; 41:e44.,1313. Domingues RMSM, Viellas EF, Dias MAB, Torres JA, Theme-Filha MM, Gama SGN, et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2015; 37:140-7.,2828. Sanine PR, Venancio SI, Silva FLG, Aratani N, Moita MLG, Tanaka OY. Atenção ao pré-natal de gestantes de risco e fatores associados no município de São Paulo. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00103118., em cerca de 20% dos serviços não era ofertado regularmente.

Esse resultado, que se mostrou maior que a média do país e de outros estados, incluindo o de São Paulo 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,66. Benzaken AS, Pereira GFM, Cunha ARC, Souza FMA, Saraceni V. Adequacy of prenatal care, diagnosis and treatment of syphilis in pregnancy: a study with open data from Brazilian state capitals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00057219.,1818. Sanine PR. Avaliação da atenção à saúde da criança em unidades básicas de saúde no estado de São Paulo [Dissertação de Mestrado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014., provavelmente se justifica por conta de alguns municípios optarem por centralizar esse cuidado em um único local, assim como o fazem na saúde da criança 99. Samoto AK, Venancio SI. Avaliação da qualidade dos serviços de Atenção Básica, segundo modelo de atenção, na Região de Saúde do Rio Pardo-SP. BIS Bol Inst Saúde 2014; 15 Suppl:23-31.. Em contrapartida, sua oferta regular mostrou forte associação com a qualidade do serviço, expresso pela melhora do grupo, conforme o aumento da frequência daqueles que disponibilizavam essa prática cotidianamente, reforçando a importância de sua oferta em todos os serviços de APS.

Embora não recomendada, a centralização de algumas práticas em um único serviço do município pode ser uma decisão decorrente de limitações estruturais, como, por exemplo, a carência de médicos. Essa limitação, apesar de diferente entre os grupos de qualidade, esteve presente em mais de 10% dos serviços.

Nesse sentido, a decisão de aderir aos programas federais voltados à superação dessa escassez se apresenta como uma importante estratégia na busca pela melhoria da qualidade desses serviços 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,2626. Gonçalves RF, Bezerra AFB, Tanaka OY, Santos CR, Silva KSB, Sousa IMC. Influência do Mais Médicos no acesso e na utilização de serviços de saúde no Nordeste. Rev Saúde Pública 2019; 53:110.,3232. Cavalcanti PCS, Oliveira Neto AV, Souza MF. Quais são os desafios para a qualificação da atenção básica na visão dos gestores municipais? Saúde Debate 2015; 39:323-36.. Apesar de a participação no Programa Mais Médicos e Provab-médico não ter apresentado associação com os grupos de qualidade, nota-se esse movimento por parte dos gestores municipais ao observar a adesão por grande parte dos serviços avaliados.

Outro recurso de apoio à atenção integral é a articulação dos diferentes níveis de atenção. A PNAISC enfatiza a importância dessa estratégia, valorizando a integração dos serviços de APS com as maternidades e serviços de atenção especializados que compõem a rede de atenção municipal e/ou regional 11. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,2525. Fernandes JA, Venâncio SI, Pasche DF, Silva FLG, Aratani N, Tanaka OY, et al. Avaliação da atenção à gestação de alto risco em quatro metrópoles brasileiras. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00120519..

Ainda que a disponibilidade de serviços não garanta uma atenção compartilhada, essa articulação ganha maior relevância diante da alta prevalência encontrada nesse estudo de municípios de pequeno porte, pois, muitas vezes, essa integralidade na atenção se dá em outras localidades da região 99. Samoto AK, Venancio SI. Avaliação da qualidade dos serviços de Atenção Básica, segundo modelo de atenção, na Região de Saúde do Rio Pardo-SP. BIS Bol Inst Saúde 2014; 15 Suppl:23-31.,2525. Fernandes JA, Venâncio SI, Pasche DF, Silva FLG, Aratani N, Tanaka OY, et al. Avaliação da atenção à gestação de alto risco em quatro metrópoles brasileiras. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00120519.,3333. Pereira AL, Pereira Filho FNB, Monti JFC, Silveira LT, Louvison MCP, Pereira MTC, et al., organizadores. Regionalização é o caminho: reflexões, diálogos e narrativas sobre as regiões de saúde no Estado de São Paulo. Campinas: Phyxis Editorial; 2015..

Em relação aos serviços de assistência social e gestação de alto risco, não se obteve associação com os grupos de qualidade, talvez pela sua grande cobertura. Em contrapartida, aqueles que afirmaram ter apoio dos serviços de atenção à criança e do CAPSi e do CAPSAd III apresentaram maior concentração no grupo de melhor qualidade. Porém, mesmo nesse grupo, foram relativamente poucos os serviços que afirmaram ter esse apoio disponível (62,9%).

Cabe frisar, no entanto, que para além do acesso a serviços de saúde, se faz necessária uma produção do cuidado organizada de maneira integral. Nesse sentido, as reuniões periódicas com todos os profissionais da APS do município são apontadas como uma importante estratégia para superar limitações da equipe e promover uma maior integração no cuidado 11. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,3434. Santos L. Região de saúde e suas redes de atenção: modelo organizativo-sistêmico do SUS. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1281-9..

Isso também é recomendado para as reuniões de equipes locais, que se apresentam como um espaço de troca, de compartilhamento do cuidado e de discussão aprofundada dos casos de maior complexidade 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1515. Feuerwerker LCM, organizador. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014.. Ainda que indicadas para ocorrer em intervalos semanais 2121. Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2016., estudos apontam que gestores e profissionais de saúde reconhecem a necessidade de sua realização, mas que nem sempre elas acontecem nos serviços 99. Samoto AK, Venancio SI. Avaliação da qualidade dos serviços de Atenção Básica, segundo modelo de atenção, na Região de Saúde do Rio Pardo-SP. BIS Bol Inst Saúde 2014; 15 Suppl:23-31.,1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42.,3232. Cavalcanti PCS, Oliveira Neto AV, Souza MF. Quais são os desafios para a qualificação da atenção básica na visão dos gestores municipais? Saúde Debate 2015; 39:323-36..

De fato, os resultados comprovaram que são poucos os serviços que semanalmente realizavam essas reuniões, destacando sua maior concentração nos melhores grupos de qualidade. É interessante notar o deslocamento dos serviços em direção aos grupos de menor qualidade, conforme os intervalos entre as reuniões tendem a aumentar, demonstrando sua forte associação com a qualidade organizacional.

Assim, considerando a autonomia dos serviços na produção do cuidado em saúde, por parte dos gerentes e profissionais da equipe 1515. Feuerwerker LCM, organizador. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014.,3232. Cavalcanti PCS, Oliveira Neto AV, Souza MF. Quais são os desafios para a qualificação da atenção básica na visão dos gestores municipais? Saúde Debate 2015; 39:323-36., essas reuniões, além de fortalecerem o trabalho em equipe, favorecem espaços reflexivos sobre a organização do cuidado prestado.

Para tanto, torna-se imprescindível o conhecimento das necessidades de saúde da população, além de criatividade e conhecimento técnico para planejar e adaptar as ações às suas realidades 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42.,2121. Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2016.,3232. Cavalcanti PCS, Oliveira Neto AV, Souza MF. Quais são os desafios para a qualificação da atenção básica na visão dos gestores municipais? Saúde Debate 2015; 39:323-36..

Coerentes com esta proposta, os resultados apontaram a utilização de estudo de demandas para o planejamento das ações como uma prática capaz de diferençar a qualidade entre os grupos. Esse resultado ganha maior destaque, se observado juntamente com os serviços associados ao gerenciamento e à organização da assistência a partir de avaliações anteriores, uma vez que se evidencia o poder dessas práticas como indutoras de melhoria dos serviços, comprovando sua eficácia para a tomada de decisão e planejamento 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,1414. Tanaka OY. Avaliação em saúde: novos tempos, novas construções. In: Tanaka OY, Ribeiro EL, Almeida CAL, organizadores. Avaliação em saúde: construções para incorporação no cotidiano. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. p. 1-9.,2222. Castanheira ERL, Nemes MIB, Zarili TFT, Sanine PR, Corrente JE. Avaliação de serviços de atenção básica em municípios de pequeno e médio porte no estado de São Paulo: resultados da primeira aplicação do instrumento QualiAB. Saúde Debate 2014; 38:679-91.,2727. Venancio SY, Rosa TEC, Sanches MTC, Shigeno EY, Souza JMP. Efetividade da Estratégia Saúde da Família sobre indicadores de saúde da criança no Estado de São Paulo. Rev Bras Saúde Matern Infant 2016; 16:283-93.,3030. Almeida CAL, Tanaka OY. Avaliação em saúde: metodologia participativa e envolvimento de gestores municipais. Rev Saúde Pública 2016; 50:45..

De tal modo, esses resultados reforçam as teorias de que a prática sem a reflexão sobre seu contexto pode levar à organização de um processo de trabalho ineficaz, tanto para o cuidado individual como para o impacto no coletivo 44. Paim JS. Da teoria do processo de trabalho em saúde aos modelos de atenção. In: Ayres JRCM, Santos L, organizadores. Saúde, sociedade e história. São Paulo: Hucitec Editora/Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 375-92.,1515. Feuerwerker LCM, organizador. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014.,1919. Almeida DB, Melo CMM. Avaliação da gestão na atenção básica nas dimensões da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública 2012; 36:816-30..

Considerando que o trabalho realizado nesses serviços resulta na produção de saúde e que sofre variação conforme as concepções de saúde e cuidado operacionalizados pelos envolvidos (gestor, profissional de saúde e usuário), deve-se compreender que é nesse espaço de disputa que reside a autonomia do trabalhador 33. Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.,44. Paim JS. Da teoria do processo de trabalho em saúde aos modelos de atenção. In: Ayres JRCM, Santos L, organizadores. Saúde, sociedade e história. São Paulo: Hucitec Editora/Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 375-92.,1414. Tanaka OY. Avaliação em saúde: novos tempos, novas construções. In: Tanaka OY, Ribeiro EL, Almeida CAL, organizadores. Avaliação em saúde: construções para incorporação no cotidiano. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. p. 1-9.,1515. Feuerwerker LCM, organizador. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014.. Porém, a influência da gestão municipal, na busca por ofertar uma atenção qualificada em todos os serviços da rede, acaba, algumas vezes, por “engessar” uma estrutura organizativa, padronizando os processos de trabalho, sem considerar, muitas vezes, as especificidades locais de cada serviço, como a descentralização da oferta de acompanhamento pré-natal.

Assim, os serviços que, teoricamente, devido à sua proximidade com a comunidade e ao conhecimento das necessidades sociais de saúde de seu território, teriam melhores condições de organizar suas práticas perdem sua autonomia, limitando seu processo de trabalho a práticas mecânicas e burocráticas que reduzem a resolutividade proposta pela APS 1616. Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42..

Apesar de os resultados fazerem referência a um recorte específico de serviços de APS, sem um olhar aprofundado sobre a ótica dos gestores e com limitações de uma avaliação de autorresposta e adesão voluntária, esse modelo mostrou-se válido e replicável em diferentes contextos do país, uma vez que possibilitou a identificação e reflexão de fragilidades resultantes das tomadas de decisões, passíveis de serem ajustadas.

Considerações finais

A exploração de contexto gerencial na avaliação dos serviços de APS, assim como apontado em outros estudos, permitiu constatar que a qualidade em sua organização não está vinculada apenas às práticas dos profissionais de saúde, mas, também, às decisões da gestão municipal, especialmente, em relação ao tipo de serviço e de gestão administrativa, à oferta regular de acompanhamento ao pré-natal, além de garantir disponibilidade de profissionais e de uma rede de apoio, ressaltando-se a importância da manutenção de uma periodicidade próxima entre as reuniões de equipe, além da utilização de estudos sobre a demanda espontânea e os resultados das avaliações para mudar o gerenciamento e organização da assistência.

Evidenciou-se que é nesse espaço de maior governabilidade (os serviços de APS) que os gestores municipais e gerentes locais devem articular-se como atores de um mesmo processo organizacional, mediando as decisões por meio da pactuação de um plano gestor construído de modo participativo, considerando os acúmulos anteriores já alcançados na busca pela melhoria da qualidade e evitando, assim, as constantes mudanças à cada troca de gestão.

Ao completar o ciclo avaliativo, especialmente em momentos de instabilidades políticas, como os atuais, destaca-se a necessidade de fortalecer os serviços de APS, por meio de mudanças organizacionais induzidas pelos resultados das avaliações, encontrando novas e resolutivas formas de organizar os serviços e produzir saúde na gestão participativa.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos coordenadores da atenção básica pela divulgação e pelo incentivo dos municípios na adesão ao QualiAB e, em especial, aos profissionais de saúde dos serviços que responderam ao instrumento. O trabalho fez parte de projeto Avaliação e Monitoramento de Serviços de Atenção Básica: Atualização e Validação do Instrumento QualiAB para Nível Nacional financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; processo nº 485.848/2012-0).

Referências

  • 1
    Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
  • 2
    Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, considerando a Estratégia Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 24 out.
  • 3
    Souza MF, organizadora. Saúde da família nos municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes Editora; 2014.
  • 4
    Paim JS. Da teoria do processo de trabalho em saúde aos modelos de atenção. In: Ayres JRCM, Santos L, organizadores. Saúde, sociedade e história. São Paulo: Hucitec Editora/Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 375-92.
  • 5
    Sanine PR, Zarili TFT, Nunes LO, Dias A, Castanheira ERL. Do preconizado à prática: oito anos de desafios para a saúde da criança em serviços de atenção primária no interior de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00094417.
  • 6
    Benzaken AS, Pereira GFM, Cunha ARC, Souza FMA, Saraceni V. Adequacy of prenatal care, diagnosis and treatment of syphilis in pregnancy: a study with open data from Brazilian state capitals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00057219.
  • 7
    Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. http://cnes.datasus.gov.br/ (acessado em 23/Mar/2018).
    » http://cnes.datasus.gov.br/
  • 8
    Pina JC, Moraes AS, Furtado MCC, Mello DF. Presença e extensão dos atributos da atenção primária à saúde entre crianças hospitalizadas por pneumonia. Rev Latinoam Enferm 2015; 23:512-9.
  • 9
    Samoto AK, Venancio SI. Avaliação da qualidade dos serviços de Atenção Básica, segundo modelo de atenção, na Região de Saúde do Rio Pardo-SP. BIS Bol Inst Saúde 2014; 15 Suppl:23-31.
  • 10
    Rasella D, Basu S, Hone T, Paes-Sousa R, Ocké-Reis CO, Millett C. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: a nationwide microsimulation study. PLoS Med 2018; 15:e1002570.
  • 11
    Sanine PR, Castanheira ERL. Explorando nexos entre a construção social da criança e as práticas de saúde. Hist Ciênc Saúde - Manguinhos 2018; 25:199-215.
  • 12
    Saraceni V, Pereira GFM, Silveira MF, Araujo MAL, Miranda AE. Vigilância epidemiológica da transmissão vertical da sífilis: dados de seis unidades federativas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2017; 41:e44.
  • 13
    Domingues RMSM, Viellas EF, Dias MAB, Torres JA, Theme-Filha MM, Gama SGN, et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2015; 37:140-7.
  • 14
    Tanaka OY. Avaliação em saúde: novos tempos, novas construções. In: Tanaka OY, Ribeiro EL, Almeida CAL, organizadores. Avaliação em saúde: construções para incorporação no cotidiano. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. p. 1-9.
  • 15
    Feuerwerker LCM, organizador. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014.
  • 16
    Schraiber LB, Peduzzi M, Sala A, Nemes MIB, Castanhera ERL, Kon R. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc Saúde Colet 1999; 4:221-42.
  • 17
    Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública 2001; 35:103-9.
  • 18
    Sanine PR. Avaliação da atenção à saúde da criança em unidades básicas de saúde no estado de São Paulo [Dissertação de Mestrado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014.
  • 19
    Almeida DB, Melo CMM. Avaliação da gestão na atenção básica nas dimensões da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública 2012; 36:816-30.
  • 20
    Novaes HMD. Avaliação de programas, serviços e tecnologias em saúde. Rev Saúde Pública 2000; 34:547-59.
  • 21
    Castanheira ERL, organizador. Caderno de boas práticas para organização dos serviços de atenção básica: critérios e padrões de avaliação utilizados pelo Sistema QualiAB. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2016.
  • 22
    Castanheira ERL, Nemes MIB, Zarili TFT, Sanine PR, Corrente JE. Avaliação de serviços de atenção básica em municípios de pequeno e médio porte no estado de São Paulo: resultados da primeira aplicação do instrumento QualiAB. Saúde Debate 2014; 38:679-91.
  • 23
    Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TFT, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importância do gerenciamento local para uma atenção primária à saúde nos moldes de Alma Ata. Rev Panam Salud Pública 2018; 42:e175.
  • 24
    Marques RM, Mendes A. A política de incentivo do Ministério da Saúde para a atenção básica: uma ameaça à autonomia dos gestores municipais e ao princípio da integralidade? Cad Saúde Pública 2002; 18 Suppl:163-71.
  • 25
    Fernandes JA, Venâncio SI, Pasche DF, Silva FLG, Aratani N, Tanaka OY, et al. Avaliação da atenção à gestação de alto risco em quatro metrópoles brasileiras. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00120519.
  • 26
    Gonçalves RF, Bezerra AFB, Tanaka OY, Santos CR, Silva KSB, Sousa IMC. Influência do Mais Médicos no acesso e na utilização de serviços de saúde no Nordeste. Rev Saúde Pública 2019; 53:110.
  • 27
    Venancio SY, Rosa TEC, Sanches MTC, Shigeno EY, Souza JMP. Efetividade da Estratégia Saúde da Família sobre indicadores de saúde da criança no Estado de São Paulo. Rev Bras Saúde Matern Infant 2016; 16:283-93.
  • 28
    Sanine PR, Venancio SI, Silva FLG, Aratani N, Moita MLG, Tanaka OY. Atenção ao pré-natal de gestantes de risco e fatores associados no município de São Paulo. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00103118.
  • 29
    Ramos ALP, De Seta MH. Atenção primária à saúde e Organizações Sociais nas capitais da Região Sudeste do Brasil: 2009 e 2014. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00089118.
  • 30
    Almeida CAL, Tanaka OY. Avaliação em saúde: metodologia participativa e envolvimento de gestores municipais. Rev Saúde Pública 2016; 50:45.
  • 31
    Silveira DS, Facchini LA, Siqueira FV, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, et al. Gestão do trabalho, da educação, da informação e comunicação na atenção básica à saúde de municípios das regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2010; 26:1714-26.
  • 32
    Cavalcanti PCS, Oliveira Neto AV, Souza MF. Quais são os desafios para a qualificação da atenção básica na visão dos gestores municipais? Saúde Debate 2015; 39:323-36.
  • 33
    Pereira AL, Pereira Filho FNB, Monti JFC, Silveira LT, Louvison MCP, Pereira MTC, et al., organizadores. Regionalização é o caminho: reflexões, diálogos e narrativas sobre as regiões de saúde no Estado de São Paulo. Campinas: Phyxis Editorial; 2015.
  • 34
    Santos L. Região de saúde e suas redes de atenção: modelo organizativo-sistêmico do SUS. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1281-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2019
  • Revisado
    04 Maio 2020
  • Aceito
    15 Jun 2020
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 , 21041-210 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.:+55 21 2598-2511, Fax: +55 21 2598-2737 / +55 21 2598-2514 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br