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Obituário: Geraldo Carlos Pereira Pinto (* 1919 † 2009)

OBITUÁRIO

Geraldo Carlos Pereira Pinto (* 1919 † 2009)

Faleceu no dia 14 de setembro do ano em curso, em virtude de complicações cardíacas, o Professor Geraldo Carlos Pereira Pinto. Aposentado em 1978 como Professor Titular pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), o Professor Geraldo era natural de Salvador (BA), graduando-se em Agronomia em 1940, pela então Escola Agrícola da Bahia, quando se destacou como um dos melhores alunos de sua classe. As aulas do grande Mestre Padre Camille Torrend, S.J., de quem se tornou seu Assistente e, posteriormente, sucessor, despertaram o seu interesse pela Botânica, mormente no campo de Taxonomia Vegetal. Já como docente da então Escola Agronômica da Bahia (EAB, incorporada à UFBA em 1968 e embrião da atual Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), em Cruz das Almas, o Professor Geraldo, juntamente com mais outros docentes, deslocou-se para os Estados Unidos a fim de cursar o Mestrado, verdadeira façanha nos anos quarenta do século passado. Na Agricultural and Mechanical University of Texas (Texas College), manteve-se sob a orientação do Professor Reeves, estudioso das origens do milho. Seu trabalho de tese constituir-se-ia na elaboração de uma chave analítica de todas as leguminosas do Texas, fundamentada na morfologia de frutos e sementes. Ao começar a redigir sua tese, ele e os demais professores foram convocados, em 1944, para "servir na guerra", pelo Governo Brasileiro, não tendo, assim, a oportunidade de concluir o seu Mestrado. A experiência, no entanto, mostrou-se altamente valiosa, o que o tornou um expert em Poaceae, Fabaceae, Mimosaceae e Caesalpinaceae e imbatível nas plantas forrageiras daqueles grupos. Assim, mais tarde, na década de cinqüenta, iria introduzir o capim pangola e algumas braquiárias, no Brasil.

Insaciável no seu conhecimento pela flora baiana, mantinha estreito intercâmbio com os grandes botânicos de sua época, como os saudosos Professor Honório Monteiro (Escola Nacional de Agronomia, atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Dr João Murça Pires (Ministério de Agricultura/EMBRAPA, Região Norte), Professor Dárdano de Andrade-Lima (Universidade Federal Rural de Pernambuco) e a "Botânica do Milênio" Graziela Maciel Barroso (Jardim Botânico do Rio de Janeiro), e com instituições internacionais como o Kew Botanical Garden (Londres) e o New York Botanical Garden. Em suas incursões no semi-árido da Bahia, coletou indivíduos de Gossypium mustelinum, contribuindo com mais outros para demonstrar não se tratar de espécie extinta, como se pensava. No vale do Paraguaçu, identificou a batata-da-serra, que O'Donell classificou como Ipomoea pintoi. Também em sua homenagem, foi classificada a espécie Arachis pintoi pelo Professor Gregory, dae North Carolina State University, que ele havia coletado no vale do Jequitinhonha. Esta espécie encontra-se disseminada por todo o mundo, como forrageira, e utilizada em paisagismo; foi por ele cedida ao CSIRO, na Austrália e ao CIAT, na Colômbia. No Peru, pequenos agricultores obtêm renda com a comercialização de suas sementes. Suas credenciais no campo da Botânica tornaram-no Presidente da Sociedade Botânica do Brasil, gestão 1955-1956, quando a EAB hospedou o Congresso Anual daquela Sociedade, para o qual o Professor Geraldo contou com a inestimável ajuda do Professor Alexandre Leal Costa, da UFBA.

Em paralelo com suas funções de botânico, o Professor Geraldo destacou-se também como exímio fitotecnista. Em 1954 foi classificado em primeiro lugar em concurso público para o quadro de pesquisadores do Ministério da Agricultura, havendo sido lotado no Instituto Agronômico do Leste (IAL), em Cruz das Almas (BA), atual Centro Nacional de Pesquisas em Mandioca e Fruticultura, da EMBRAPA. Envolveu-se em programa de melhoramento do dendê, quando coletou exemplares superiores na produção do óleo daquela palma. Por anos a fio, identificou cacaueiros de alta produtividade na zona cacaueira da Bahia, selecionando doze indivíduos de produtividade excepcional, que foram repassados à Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), quando de sua criação em 1962. Essas matrizes foram largamente empregadas nos programas de melhoramento da CEPLAC e, ainda hoje, encontram-se na Estação Experimental de Juçari (BA). Curiosamente, em suas andanças na região cacaueira, encontrou um cacaueiro mutante, cujos frutos sem sementes apresentavam a polpa bastante desenvolvida, exibindo um alto potencial de consumo como fruto de mesa e para a fabricação de geléias. O próprio Professor Geraldo assim descreveu suas incursões na zona cacaueira da Bahia: "foi um trabalho duro, de alguns anos; peguei malária e enfrentei a selva e a selvageria dos humanos; eram e éramos animais". Suas expedições por toda a Bahia levaram-no a montar o Herbário IAL, quando, sozinho, conseguiu ajuntar aproximadamente dez mil exsicatas. Esse material foi posteriormente transferido para o Herbário da UFBA.

Após sua aposentadoria pela UFBA, o Professor Geraldo, sempre inquieto como profissional, associou-se ao projeto RADAMBRASIL, como consultor e, depois, como assessor, até o seu afastamento compulsório, aos 70 anos. Nesse levantamento da vegetação do Nordeste do RADAMBRASIL, foi um dos responsáveis pelo projeto que resultou num Herbário com mais de cinquenta mil exsicatas, atualmente em mãos do IBGE (Salvador). Exerceu, também, por muitos anos, a função de membro do Comitê Assessor de Botânica do CNPq.

O Professor Geraldo deixa os filhos Maria de Fátima (Mag) e Antônio Pacífico e os netos, Geraldo e Ricardo. Deixa também a admiração e o respeito de seus pares, pela qualidade de seu trabalho. E de toda uma geração de seus ex-alunos, pela magistralidade de suas aulas. Fica também o carinho de todos que o cercaram.

Viçosa, outubro de 2009

Raimundo Santos Barros, Universidade Federal de Viçosa

Raymundo Fonsêca Souza, Universidade Federal da Bahia

Publication Dates

  • Publication in this collection
    07 Apr 2010
  • Date of issue
    Dec 2009
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