Open-access Coxa vara do desenvolvimento

Developmental coxa vara

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os aspectos clínicos e radiográficos observados após o tratamento operatório de pacientes portadores de coxa vara do desenvolvimento (CVD), além de revisar sua epidemiologia e história natural. MÉTODOS: Foram selecionados 19 pacientes (26 quadris) portadores de CVD submetidos à osteotomia valgizante subtrocantérica, com tempo médio de quatro anos e 10 meses e mínimo de 12 meses de seguimento. Foram analisadas a amplitude de movimento dos quadris, o sinal de Trendelenburg e a discrepância de comprimento dos membros inferiores. Na avaliação radiográfica, foi medido o ângulo epifisodiafisário (ED) e a distância articulotrocantérica (DAT) em diferentes momentos. RESULTADOS: Observou-se elevação média de 21º da amplitude de abdução dos quadris, assim como desaparecimento do sinal de Trendelenburg. Na avaliação da discrepância de comprimento, 72,2% dos 18 pacientes analisados foram equalizados, considerando uma diferença residual de até 0,5cm entre os membros. A variação da DAT apresentou médias de -0,34cm no período pré-operatório, 2,18cm no pós-operatório imediato e 1,35cm na última avaliação, o ângulo ED apresentou uma média de 91° no pré-operatório, 142° no pós-operatório imediato e 133° na última avaliação. CONCLUSÃO: A osteotomia valgizante subtrocantérica, levando a ângulos epifisodiafisários próximos a 140°, foi eficiente ao longo do tempo na correção das deformidades.

Quadril; Fêmur; Claudicação; Criança


OBJECTIVE: To evaluate the clinical and radiographic findings observed after surgical treatment of patients with developmental coxa vara (DCV) and review its epidemiology and natural history. METHOD: We selected 19 patients (26 hips) with DCVthat underwent subtrochanteric osteotomy with a mean follow-up period of four years and ten months and a minimum of 12 months of follow-up. We analyzed the range of motion of the hips, the Trendelenburg sign, and the discrepancy of the length of the lower limbs.In the radiographic evaluation, we measured the epiphyseal-diaphyseal (ED) angle and articulo-trochanteric distance (ATD) at different times. RESULTS: We observed an average increase of 21° in the amplitude of hip abduction, as well as the disappearance of theTrendelenburg sign. In assessing the length discrepancy, 72.2% of the 18 patients studied were equalized, witha residual difference of up to 0.5cm between the limbs. The rangeof the ATD showed an average of -0.34 cm in the preoperative period, 2.18 cm in the immediate postoperative period, and 1.35 cm in the last evaluation.The ED angle had an average valueof 91° preoperatively, 142° in the immediate postoperative period, and 133° in the last evaluation. CONCLUSION: The subtrochanteric valgus osteotomy, leading to epiphyseal-diaphyseal angles close to 140°, was effective in the correction of deformitiesover time.

Hip; Femur; Claudication; Child


ARTIGO ORIGINAL

Coxa vara do desenvolvimento

Developmental coxa vara

Miguel AkkariI; Cláudio SantiliII; Gilberto WaisbergIII; Susana Reis BragaIV; Ellen de Oliveira GoianoV; José Carlos Lopes PradoVI

IChefe do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Mestre e Doutor em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, Brasil

IIProfessor Adjunto do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Médico Assistente do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, Brasil

IIIMédico Assistente do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, Brasil

IVMestre em Ortopedia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Médica Assistente do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, Brasil

VMédica Colaboradora do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, Brasil

VIProfessor Livre Docente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Médico Consultor do Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, Brasil

Correspondência Correspondência: Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de São Paulo – Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica Rua Cesário Mota Junior, 112 01277-900 – São Paulo, SP E-mail: ortopediatrica@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os aspectos clínicos e radiográficos observados após o tratamento operatório de pacientes portadores de coxa vara do desenvolvimento (CVD), além de revisar sua epidemiologia e história natural.

MÉTODOS: Foram selecionados 19 pacientes (26 quadris) portadores de CVD submetidos à osteotomia valgizante subtrocantérica, com tempo médio de quatro anos e 10 meses e mínimo de 12 meses de seguimento. Foram analisadas a amplitude de movimento dos quadris, o sinal de Trendelenburg e a discrepância de comprimento dos membros inferiores. Na avaliação radiográfica, foi medido o ângulo epifisodiafisário (ED) e a distância articulotrocantérica (DAT) em diferentes momentos.

RESULTADOS: Observou-se elevação média de 21º da amplitude de abdução dos quadris, assim como desaparecimento do sinal de Trendelenburg. Na avaliação da discrepância de comprimento, 72,2% dos 18 pacientes analisados foram equalizados, considerando uma diferença residual de até 0,5cm entre os membros. A variação da DAT apresentou médias de –0,34cm no período pré-operatório, 2,18cm no pós-operatório imediato e 1,35cm na última avaliação, o ângulo ED apresentou uma média de 91° no pré-operatório, 142° no pós-operatório imediato e 133° na última avaliação.

CONCLUSÃO: A osteotomia valgizante subtrocantérica, levando a ângulos epifisodiafisários próximos a 140°, foi eficiente ao longo do tempo na correção das deformidades.

Descritores: Quadril/anatomia & histologia; Fêmur/anatomia & histologia; Claudicação; Criança

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the clinical and radiographic findings observed after surgical treatment of patients with developmental coxa vara (DCV) and review its epidemiology and natural history.

METHOD: We selected 19 patients (26 hips) with DCVthat underwent subtrochanteric osteotomy with a mean follow-up period of four years and ten months and a minimum of 12 months of follow-up. We analyzed the range of motion of the hips, the Trendelenburg sign, and the discrepancy of the length of the lower limbs.In the radiographic evaluation, we measured the epiphyseal-diaphyseal (ED) angle and articulo-trochanteric distance (ATD) at different times.

RESULTS: We observed an average increase of 21° in the amplitude of hip abduction, as well as the disappearance of theTrendelenburg sign. In assessing the length discrepancy, 72.2% of the 18 patients studied were equalized, witha residual difference of up to 0.5cm between the limbs. The rangeof the ATD showed an average of -0.34 cm in the preoperative period, 2.18 cm in the immediate postoperative period, and 1.35 cm in the last evaluation.The ED angle had an average valueof 91° preoperatively, 142° in the immediate postoperative period, and 133° in the last evaluation.

CONCLUSION: The subtrochanteric valgus osteotomy, leading to epiphyseal-diaphyseal angles close to 140°, was effective in the correction of deformitiesover time.

Keywords: Hip/anatomy & histology; Femur/anatomy & histology; Claudication; Child

INTRODUÇÃO

A coxa vara do desenvolvimento (CVD) é uma anormalidade secundária a um defeito cartilaginoso primário no colo femoral, levando à redução do ângulo cervicodiafisário. Esta afecção não é notada ao nascimento, manifestando-se na infância, fator que a diferencia da coxa vara congênita. Também não está relacionada com outras doenças metabólicas ou sistêmicas. O paciente, geralmente, apresenta-se com marcha claudicante, sinal de Trendelenburg positivo e fadiga após esforços físicos deambulatórios. Pela radiografia, há diminuição do ângulo cervicodiafisário e, frequentemente, identificação de um fragmento metafisário triangular bem delimitado, localizado na parte inferior e medial do colo femoral, formando com a fise uma imagem em "Y" invertido.

O objetivo deste trabalho é realizar revisão da literatura sobre o tema, apresentar os aspectos epidemiológicos observados em 27 pacientes de nossa amostragem, a evolução natural da doença, analisar o tratamento operatório realizado em 19 pacientes (26 quadris) e sua evolução, além de apresentar a técnica cirúrgica empregada e suas dificuldades.

MATERIAL E MÉTODOS

No período de janeiro de 1985 a novembro de 2000 foram admitidos no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – Pavilhão Fernandinho Simonsen – 27 pacientes (38 quadris) portadores de coxa vara do tipo em desenvolvimento.

Destes, 19 (26 quadris) foram submetidos à osteotomia valgizante, chamados e reavaliados clínica e radiograficamente.

O tempo médio de seguimento foi de quatro anos e 10 meses, sendo o tempo mínimo de 12 meses e o maior de 13 anos e seis meses.

Os quadris não operados (11 quadris) e os operados que não preenchiam o critério mínimo de um ano (um quadril), participaram do estudo apenas para fins epidemiológicos.

Em relação ao sexo, 16 (59,3%) pacientes eram do sexo feminino e 11 (40,7%) do sexo masculino, 21 (77,7%) pacientes eram brancos e seis (22,3%) negros; porém, não foi considerada a heterogeneidade étnica da nossa população. Quanto ao lado acometido, seis (22,2%) apresentavam a doença do lado direito, 10 (37,1%) do lado esquerdo e 11 foram bilaterais (40,7%).

No momento da chegada dos pacientes ao serviço, a média das idades foi de sete anos e dois meses, variando entre dois anos e quatro meses a 24 anos. No momento da cirurgia, a média das idades foi de sete anos e nove meses, entre três anos e oito meses e 14 anos e dois meses.

Todos os pacientes operados foram submetidos por ocasião da última avaliação a uma anamnese completa. No exame ortopédico dos quadris, avaliamos a amplitude dos movimentos, particularmente a abdução e a presença ou não do sinal de Trendelenburg.

Foram submetidos a radiografias simples da bacia com inclusão das articulações coxofemorais, nas posições em anteroposterior (AP) e Lauenstein (dupla abdução ou de "rã"), realizadas em pelo menos três ocasiões específicas: pré-operatório, pós-operatório imediato e na última avaliação.

Para a análise destas comparações, foram medidos, nas radiografias em anteroposterior, o ângulo epifisodiafisário (ED), descrito por Southwick(1), e a distância articulotrocantérica (DAT), descrita por Edgren(2).

O ângulo epifisodiafisário (ED) foi obtido pela intersecção de duas linhas, uma perpendicular ao alinhamento da cartilagem de conjugação da epífise proximal do fêmur e outra correspondendo ao longo eixo da diáfise femoral. A linha que demarca a placa de crescimento obtida na base do núcleo, conectando-se os pontos do extremo medial e lateral da epífise e a da diáfise traçada, utilizando-se como parâmetros dois pontos afastados, centrais e equidistantes às corticais da diáfise femoral em seu terço proximal (Figura 1).


A distância articulotrocantérica (DAT) foi obtida utilizando-se duas linhas perpendiculares ao eixo longitudinal da diáfise femoral, uma passando pelo pólo proximal da cabeça femoral e a outra pela extremidade proximal do trocanter maior A distância entre estas duas linhas foi medida pelo sistema métrico. Se a ponta do trocanter maior estivesse abaixo do pólo proximal da cabeça femoral a DAT era considerada positiva e atribuído um valor negativo quando a ponta do trocanter estivesse situada acima do ápice da cabeça femoral (Figura 2).


Na evolução natural da doença, os pacientes tiveram comparadas, por meio das medidas dos ângulos EDs e das DATs, as radiografias do início do acompanhamento no serviço (T0) com as do pré-operatório imediato (T1). Para uma vez que seis não preenchiam o critério estabelecido (mínimo de seis meses de acompanhamento).

Para aferir a resposta clínica, em função da operação, o grau de abdução dos quadris e o sinal de Trendelenburg foram comparados entre os momentos pré-operatório (T1) e o da avaliação final (T3).

O grau de correção obtido através da cirurgia foi verificado através dos ângulos EDs e das DATs comparativos das radiografias do pré-operatório imediato (T1) com as do pós-operatório imediato (T2), e, para avaliar o resultado ao longo do tempo, foram comparadas ainda as radiografias da avaliação final (T3) com as do pós-operatório imediato.

Para se avaliar o comportamento das discrepâncias no comprimento dos membros inferiores entre os momentos pré-operatório (T1) e os observados na avaliação final (T3) foram utilizadas as medidas por escanometria.

A técnica cirúrgica utilizada, com algumas variações, foi a osteotomia valgizante subtrocantérica descrita por Borden et al(3). O intuito do método foi obter ângulos de inclinação do colo femoral em torno de 135º a 140º.

Em 14 quadris, utilizou-se placa angulada de 135º e, em nove, a de 140º, sendo que duas tinham três furos para parafusos e quatro furos. Estas placas, confeccionadas em aço inox F-138 dureza 24-28HRC eram, no início, produzidas em nossa oficina ortopédica artesanalmente, baseadas em cada caso. Posteriormente, foram fornecidas por algumas empresas especializadas, sob orientação do grupo de ortopedia pediátrica da nossa faculdade, havendo no comércio atualmente vários tamanhos padronizados para uso em crianças e adolescentes.

Em três quadris, pacientes com idades acima dos 12 anos – época em que a placa fisária do trocanter maior contribui pouco para o crescimento longitudinal daquele núcleo –, foram utilizadas placas retas, de grandes fragmentos, moldadas e estreitas. Em dois casos, para a valgização, foi realizada remoção de cunha óssea de base lateral.

Para a análise estatística das variações dos valores dos ângulos epifisodiafisários (EDs) e das distâncias articulotrocantéricas (DATs) na evolução dos diferentes momentos, foi utilizada a análise de variância ANOVA.

Para a avaliação da diferença estatística na comparação dos resultados obtidos com as variações dos ângulos EDs e das DATs em diferentes faixas etárias utilizou-se o teste t independente.

Aplicou-se o teste t pareado para avaliar se havia diferença significante entre as discrepâncias dos membros inferiores nos momentos pré-operatório (T 1) e final (T 3).

Aplicou-se o teste do Qui-quadrado para a avaliação de significância na análise das variações do ângulo de abdução dos quadris e, na comparação da presença do sinal de Trendelenburg, entre os momentos pré-operatório (T 1) e a última avaliação (T 3).

O nível de significância de cada teste foi de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

Observamos uma elevação média de 21o da amplitude de abdução dos quadris, assim como importante diminuição na presença do sinal de Trendelenburg no momento da última avaliação em comparação com o momento pré-operatório, o que se mostrou significante.

Com relação à evolução natural, observou-se progressão da deformidade em varo dos quadris entre os períodos de avaliação inicial e o pré-operatório imediato, tanto em relação ao ângulo ED quanto à DAT de forma significativa, conforme as Tabelas 1 e 2. O tempo médio decorrido entre essas duas avaliações foi de um ano e nove meses (seis meses a cinco anos e quatro meses), somente um paciente não entrou nesta estatística em virtude do tempo decorrido entre os dois momentos ter sido inferior a seis meses.

Em relação aos momentos pré-operatório, pós-operatório imediato e última avaliação, observou-se mudança significativa em relação tanto ao ângulo ED quanto à DAT, conforme mostram as Tabelas 3 e 4 e Figuras 3 e 4.



A média dos ângulos ED no momento pré-operatório foi de 92°, no pós-operatório imediato foi de 142° e na última avaliação foi de 139°.

A média das DAT no momento pré-operatório foi de –0,37cm, no pós-operatório imediato foi de 2,13cm e na última avaliação foi de 2,13cm.

Em relação à avaliação escanométrica, 13 de 15 pacientes que apresentaram inicialmente diferença de comprimento dos membros inferiores, encontravam-se equalizados. As medidas mostraram variação entre zero e 15 milímetros. Convencionou-se que diferenças de até meio centímetro, inclusive, não eram de significância para o resultado final.

Em cinco quadris, observou-se perda nos graus de correção conseguida no pós-operatório imediato (T2) que se pode atribuir a falhas técnicas: em dois, por erro na orientação das lâminas no colo femoral; em um, por excessivo comprimento da lâmina da placa, isto ocasionando lateralização excessiva da diáfise femoral e fragilização do sistema de montagem; em um, por correção insuficiente da deformidade; e um por soltura parcial da placa angulada no segmento diafisário.

Destes, quatro foram reoperados – após decorrido mais de um ano da operação inicial. O último, no qual se detectou soltura parcial do material de síntese, foi mantido em aparelho gessado até a consolidação.

Foram removidos os materiais de síntese de apenas 11 quadris.

Quanto ao grau de satisfação (avaliação subjetiva), 15 pacientes (88,2%), 21 quadris (91,3%), afirmaram-se satisfeitos com o resultado final.

DISCUSSÃO

Desde as primeiras publicações da doença, existiu discordância em relação à melhor denominação para esta afecção. O termo coxa vara em desenvolvimento foi inicialmente utilizado por Hoffa em 1905 apud Johanning(4), que realizou descrição detalhada da afecção, com inclusão de estudo histológico. Parece que a unificação da nomenclatura é dificultada por alguns fatores: o primeiro, relacionado à pouca frequência desta afecção; o outro, relacionado à sua etiologia até o momento desconhecida; um terceiro ponto, importante, deve-se ao fato de o diagnóstico ser predominantemente radiográfico e várias afecções poderem apresentar características radiográficas semelhantes.

Encontramos discreta predominância no sexo feminino, 1,4:1, o que corrobora outros achados(4-12). O comprometimento unilateral em nossa série foi o mais frequente, uma relação de 1,4 unilaterais para cada bilateral, também em acordo com dados da literatura(4,6-10,13,14). Em nossa casuística, houve uma relação familiar (mãe e filho) também relatada por outros autores(4-7,14-16).

Existem diversas teorias para a etiologia, como: raquitismo(14), alterações vasculares(4,17), infecção(14), aumento da pressão intrauterina(4), trauma(6,18) e causas mecânicas(19).

Não realizamos, em nossos casos, estudo histológico. Esta doença parece decorrer de algum distúrbio ósseo ainda mal compreendido que, devido a fatores mecânicos, se expressa principalmente no colo femoral. A forma de desenvolvimento da doença, e muitas de suas características radiográficas, lembram a tíbia vara de Blount, no joelho e a deformidade de Madelung, no punho.

O sinal clínico mais frequentemente observado em nossos pacientes foi a marcha claudicante, o mesmo fato observado por outros autores(5,10,20,21), seguido pela observação de assimetria no comprimento dos membros inferiores, a qual, em nossos pacientes, não ultrapassou os três centímetros, sendo, em média, de 16 milímetros, concordantes com outros dados(8,10,11). Outros sinais clínicos observados foram a limitação parcial na amplitude dos movimentos do quadril, principalmente da abdução e da rotação interna, e a presença do sinal de Trendelenburg na maior parte dos nossos pacientes e em vários trabalhos(2,22). A baixa estatura é outro sinal referido(5,8).

O sintoma mais frequente foi a fadiga aos esforços, algumas vezes descrita como cansaço, desconforto e até "dor", sendo esta última manifestação mal caracterizada e vaga, coincidindo estes achados com os observados por outros autores(4,5,8,11,12).

A coxa vara em desenvolvimento, em sua fase evolutiva, apresenta algumas características radiográficas muito sugestivas: ângulo cervicodiafisário diminuído, fragmento ósseo com o formato triangular localizado na região metafisária do colo femoral, verticalização da fise, encurtamento do colo, cabeça e diáfise femoral sem alterações(4,5,10-12,15,20,21).

As três medidas radiográficas utilizadas neste trabalho foram: o ângulo epifisodiafisário(1) (ED), a distância articulotrocantérica(2) (DAT) e a medida do comprimento dos membros inferiores pelo escanograma. Também havíamos medido o ângulo Hilgenreiner epifisário (HE) descrito por Weinstein et al(9); porém, estas medidas foram desconsideradas, pois pequenas alterações no posicionamento dos membros, seja em abdução ou adução, alteram este ângulo na mesma proporção.

Muitos autores mostram alteração do ângulo cervicodiafisário com as posições de rotação do membro e com a anteversão do colo, sendo recomendadas radiografias com o membro rodado internamente(23,24), podendo este ângulo ser alterado em até 90o com as diferentes rotações(7,8,25). O ângulo ED, que utiliza a fise como parâmetro, é pouco influenciado por estas rotações, pois a linha da inclinação da fise é obtida da mesma maneira como descrita por Mirkopulos et al(25).

A distância articulotrocantérica (DAT), aferida nas radiografias de frente, traduz uma relação direta da biomecânica do quadril com as forças abdutoras. Apesar de funcionalmente existirem outros fatores que alteram o funcionamento articular, como: fraqueza muscular, lesões neurológicas, velocidade de instalação da coxa vara, comprimento do colo, deformidades articulares, entre outros, acreditamos tratar-se de uma medida útil, diretamente relacionada em situações anormais com a presença do sinal de Trendelenburg e com a marcha característica da enfermidade.

Em quadris normais, a medida média das DATs é de 15,9mm, com variações entre + 7mm e +25mm(2). As variações destas mensurações com as diferentes rotações são muito pequenas, sendo uma medida de fácil reprodução.

A evolução natural da coxa vara em desenvolvimento é pouco estudada, sua progressão até a maturidade esquelética é citada em alguns trabalhos, quando ela pode atingir situações extremas com deformidades graves, tais como a instalação de pseudartrose no colo femoral e degenerações artrósicas(5-8,10-12,15,22,26). Regressão espontânea em deformidades menos acentuadas também são citadas(9,14).

Não se observou melhora da deformidade em qualquer dos pacientes; a piora, no entanto, considerando a média dos ângulos EDs a das DATs, foi estatisticamente significante. É interessante observar que os pacientes com comprometimento unilateral apresentaram uma progressão média das deformidades mais rápida que os pacientes com afecção bilateral. Não se encontrou diferença na velocidade de progressão quando comparados pacientes menores e maiores de sete anos, isto é, a idade não parece influenciar na velocidade de progressão.

É um consenso que o tratamento não operatório, utilizando-se de imobilizações gessadas, órteses ou trações, não é útil nesta afecção(4,5,12,27).

A frase que melhor expressa as dúvidas no tratamento da coxa vara em desenvolvimento advém de Amstutz e Wilson(7): "O problema no tratamento não é o que fazer, mas quando e como fazer".

O "quando" de se operar é muito discutido. Duncan(5) e Peixinho et al(28) acreditam que a melhor idade estaria entre os seis e os oito anos. Amstutz e Wilson(7) e Amstutz e Freiberger(8) advogam que, se o ângulo cervicodiafisário for igual ou menor que 90º e se mostrar em progressão, a operação está indicada independente da idade; entretanto, se este ângulo for maior que 90º e não se mostrar progressivo, a correção cirúrgica deve ser indicada ao redor dos oito anos quando a incidência de recorrência é menor. Peckham e Dvonch(21) e Beals(24) também consideram a demonstração de progressão da deformidade como indicação da correção, devendo-se também considerar a assimetria dos membros, dor e claudicação. Serafin e Szulc(10) indicam a operação quando o ângulo cervicodiafisário é menor que 110º nas crianças, quando menor que 100o nos adultos, com presença do sinal de Trendelenburg e dor. Defendem correções entre as idades de dois e nove anos, uma vez que as alterações radiográficas nos casos operados mostram-se reversíveis, devendo-se procurar correções de 10º a 15º acima do normal. Correções mais precoces, a partir dos 18 meses, são defendidas por Weighill(29) e Herring(12), mesmo correndo-se o risco de recidiva da deformidade.

Carroll et al(30) estudaram coxas varas de diversas etiologias e afirmam que o importante na correção é orientar o ângulo de inclinação da fise medido pelo ângulo Hilgenreiner epifisário (HE) a valores menores que 38º, não importando o tipo de cirurgia, idade ou etiologia.

Nossos pacientes foram operados com idades que variaram entre três anos e oito meses e 14 anos e dois meses, com uma média de sete anos e nove meses. Não concordamos com a ideia de existir uma idade ideal para se operar, pois o que dita a operação é o grau da deformidade, progressão e o quadro clínico. Afixação da osteotomia em idade muito precoce é difícil de ser realizada. Além disso, em nosso estudo, a média de idade no diagnóstico foi de sete anos e dois meses, semelhante a outros autores(4,9,11,15), sendo que o caso mais precoce tinha dois anos e seis meses, o que torna impossível a cirurgia nas idades preconizadas por alguns autores(12).

Em crianças de baixa idade, a segurança nos métodos de fixação das osteotomias é menor, podendo ocorrer, também, em função da imaturidade, perdas da correção alcançada na operação(27).

O tratamento ideal deve visar a consolidação do defeito no colo femoral, estimulando sua ossificação; a correção do ângulo cervicodiafisário orientando a fise para uma posição mais horizontalizada; restauração da fisiologia articular e da biomecânica muscular; e equalização do comprimento dos membros inferiores(3,11,12,15). Salientamos também a necessidade de se corrigir a retroposição da cabeça femoral que acompanha a deformidade(27,29).

Carroll et al(30) compararam diferentes tipos de osteotomias (subtrocantéricas e intertrocantéricas) e não encontraram diferenças de resultados entre os grupos.

Acreditamos que a forma mais coerente de se realizar a correção é a osteotomia valgizante, a qual pode ser realizada na região intertrocantérica ou subtrocantérica; devendo-se evitar abordagens intracapsulares devido aos riscos de se comprometer a vascularização da epífise femoral(17,31,32).

A quantidade de valgização a ser realizada também deixa dúvidas. Muitos autores citam a necessidade de mudar a inclinação da placa fisária para uma posição mais próxima do plano horizontal, porém não enfatizam com precisão estes valores(5,7-9,24).

Existem autores que recomendam que a fise fique inclinada 16º em relação à horizontal, de modo que as forças compressivas passem perpendiculares a ela(19); outros não observam a necessidade estrita de se corrigir o ângulo de inclinação da fise a valores normais, não encontrando correlação entre a angulação obtida com a valgização e os resultados(28,33); outros ainda observaram nos casos operados que o fechamento do defeito metafisário ocorreu frequentemente quando o ângulo de inclinação da fise não ultrapassou 40º, preconizando a hipercorreção do ângulo cervicodiafisário entre 10º e 15º acima do normal(10); e, por fim, ainda existem autores(15,30) que recomendam a correção do ângulo de Hilgenreiner epifisário (HE) a valores menores que 40º, ângulo cervicodiafisário maior que 140º e distância articulotrocantérica maior que um centímetro(34,35), o que foi semelhante ao encontrado por nós com valgização média alcançada de aproximadamente 50º e valores médios dos ângulos ED acima de 140º.

Preferimos a osteotomia subtrocantérica, semelhante à técnica descrita por Borden et al(3). Atualmente, temos à disposição placas com diferentes valores angulares e com diferentes tamanhos, o que facilita o planejamento.

A repercussão clínica do sucesso no posicionamento adequado do trocanter maior é objetivada pelo desaparecimento do sinal de Trendelenburg(36). Na avaliação final, este sinal apenas se mostrou presente nos quadris que apresentaram complicações.

Consideramos que os casos que não evoluíram bem foram decorrentes de falhas técnicas intraoperatórias.

Devemos lembrar da possibilidade de se associar imobilizações gessadas ao tratamento operatório, quando a fixação não se mostrar confiável. Lembramos que as crianças aceitam bem os aparelhos gessados, não havendo necessidade dos mesmos permanecerem por mais de oito semanas; provavelmente, algumas das nossas complicações pós-operatórias poderiam ter sido evitadas se tivéssemos lançado mão deste artifício.

CONCLUSÕES

A CVD é doença de evolução progressiva no intervalo de tempo entre o início de acompanhamento e a cirurgia. A osteotomia valgizante subtrocantérica, levando a ângulos epifisodiafisários próximos a 140°, foi eficiente para a correção das deformidades e equalização do comprimento dos membros, com melhora clínica e radiográfica da doença, trazendo satisfação aos pacientes.

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

Trabalho realizado no Grupo de Ortopedia Pediátrica do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Pavilhão "Fernandinho Simonsen" (Diretor: Prof. Dr. Osmar Avanzi).

Referências bibliográficas

  • 1. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am. 1967 Jul;49(5):807-35.
  • 2. Edgren W. Coxa plana. A clinical and radiological investigation with particular reference to the importance of the metaphyseal changes for the final shape of the proximal part of the femur. Acta Orthop Scand 1965;84(Suppl):1-129.
  • 3. Borden J, Spencer GE Jr, Herndon CH. Treatment of coxa vara in children by means of a modified osteotomy. J Bone Joint Surg Am. 1966;48(6):1106-10.
  • 4. Johanning K. Coxa vara infantum. I. Clinical appearance and aetiological problems. Acta Orthop Scand. 1951;21(4):273-99.
  • 5. Duncan GA. Congenital and developmental coxa vara. Surgery. 1938;3:741-65.5.
  • 6. Le Mesurier AB. Developmental coxa vara. J Bone Joint Surg Br. 1948; 30(4):595-605.
  • 7. Amstutz HC, Wilson PD Jr. Dysgenesis of the proximal femur (coxa vara) and its surgical management. J Bone Joint Surg Am. 1962;44:1-24
  • 8. Amstutz HC, Freiberger RH. Coxa vara in children. Clin Orthop Relat Res. 1962;22:73-92.
  • 9. Weinstein JN, Kuo KN, Millar EA. Congenital coxa vara. A retrospective review. J Pediatr Orthop. 1984;4(1):70-7.
  • 10. Serafin J, Szulc W. Coxa vara infantum, hip growth disturbances, etiopathogenesis, and long-term results of treatment. Clin Orthop Relat Res. 1991;(272):103-13.
  • 11. Desai SS, Johnson LO. Long-term results of valgus osteotomy for congenital coxa vara. Clin Orthop Relat Res. 1993;(294):204-10.
  • 12. Herring JA. Congenital coxa vara. In: Tachdjian's pediatric orthopaedics. 4a ed. Philadelphia: Elsevier; 2008. p. 897-912.
  • 13. Magnusson R. Coxa vara infantum. Acta Orthop Scand. 1954;23(4):284-308.
  • 14. Pylkkanen PV. Coxa vara infantum. Acta Orthop Scand Suppl. 1960;48:1-120.
  • 15. Santili C; Akkari M; Waisberg G; Alves MW; Verde RL; Prado JCL. Coxa vara do desenvolvimento. Rev Bras Ortop Pediatr. 2000;1(1):27-33.
  • 16. Fisher RL, Waskowitz WJ. Familial developmental coxa vara. Clin Orthop Relat Res. 1972;86:2-5.
  • 17. Chung SM, Riser WH. The histological characteristics of congenital coxa vara: a case report of a five year old boy. Clin Orthop Relat Res. 1978;(132):71-81.
  • 18. Blockey NJ. Observations on infantile coxa vara. J Bone Joint Surg Br. 1969;51(1):106-11.
  • 19. Pauwels FI. Theoretical foundation and II. Biomechanical analysis and basic treatment of congenital coxa vara, pseudarthrosis of the femoral neck, and osteoarthritis of the hip. In: Biomechanics of the normal and diseased hip. New York: Springer-Verlag; 1976. p. 1-80.
  • 20. Bos CF, Sakkers RJ, Bloem JL, vd Stadt RJ, vd Kamp JJ. Histological, biochemical, and MRI studies of the growth plate in congenital coxa vara. J Pediatr Orthop. 1989;9(6):660-5.
  • 21. Peckham R, Dvonch VM. Coxa vara. Orthopedics. 1989 Jun;12(6):891-2.
  • 22. Langenskiöld A, Salenius P. Epiphyseodesis of the greater trochanter. Acta Orthop Scand. 1967;38(2):199-219.
  • 23. Gage JR, Cary JM. The effects of trochanteric epiphyseodesis on growth of the proximal end of the femur following necrosis of the capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am. 1980;62(5):785-94.
  • 24. Beals RK. Coxa vara in childhood: evaluation and management. J Am Acad Orthop Surg. 1998;6(2):93-9.
  • 25. Mirkopulos N, Weiner DS, Askew M. The evolving slope of the proximal femoral growth plate relationship to slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop. 1988;8(3):268-73.
  • 26. Amstutz HC. Developmental (infantile) coxa vara--a distinct entity. Report of two patients with previously normal roentgenograms. Clin Orthop Relat Res. 1970;72:242-7.
  • 27. Macewen GD, Shands AR Jr. Oblique trochanteric osteotomy. J Bone Joint Surg Am. 1967;49(2):345-54.
  • 28. Peixinho M, Cordeiro EM, Kuroba MT. Coxa vara congênita: considerações sobre o tratamento cirúrgico. Rev Paul Med. 1972; 80:227-32.
  • 29. Weighill FJ. The treatment of developmental coxa vara by abduction subtrochanteric and intertrochanteric femoral osteotomy with special reference to the role of adductor tenotomy. Clin Orthop Relat Res. 1976;(116):116-24.
  • 30. Carroll K, Coleman S, Stevens PM. Coxa vara: surgical outcomes of valgus osteotomies. J Pediatr Orthop. 1997;17(2):220-4.
  • 31. Trueta J. The normal vascular anatomy of the human femoral head during growth. J Bone Joint Surg Br. 1957;39(2):358-94.
  • 32. Ogden JA. Changing patterns of proximal femoral vascularity. J Bone Joint Surg Am. 1974;56(5):941-50.
  • 33. Cordes S, Dickens DR, Cole WG. Correction of coxa vara in childhood. The use of Pauwels' Y-shaped osteotomy. J Bone Joint Surg Br. 1991;73(1):3-6.
  • 34. Sabharwal S, Mittal R, Cox G. Percutaneous triplanar femoral osteotomy correction for developmental coxa vara: a new technique. J Pediatr Orthop. 2005;25(1):28-33.
  • 35. Burns KA, Stevens PM. Coxa vara: another option for fixation. J Pediatr Orthop B. 2001;10(4):304-10.
  • 36. Lam F, Hussain S, Sinha J. An unusual cause of a limp in a child: developmental coxa vara. Emerg Med J. 2001;18(4):314.
  • Correspondência:
    Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de São Paulo – Grupo de Ortopedia e Traumatologia Pediátrica
    Rua Cesário Mota Junior, 112
    01277-900 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
    location_on
    Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbo@sbot.org.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro