Open-access A tradução de jogos para smartphones na sala de aula de ensino de tradução

Translating games for smartphones in translation classrooms

RESUMO

Apesar do crescimento da indústria de videogames nos últimos anos, planejar uma disciplina de tradução e localização desse tipo de produto para cursos de graduação em Tradução torna-se uma tarefa complexa, particularmente devido ao acesso limitado a materiais autênticos oriundos das empresas desenvolvedoras de jogos, que temem o vazamento de informações e a pirataria. Assim, este trabalho descreve possibilidades para o ensino da tradução e localização de videogames, a partir da manipulação dos ativos linguísticos de jogos de código aberto para smartphones, com vistas a demonstrar as possíveis demandas tradutórias a eles relacionados e prospectando sua inserção na formação de tradutores.

Palavras-chave: ensino de tradução; formação de tradutores; tradução e localização de videogames; jogos de código aberto para smartphones

ABSTRACT

In spite of the growth of the videogame localization industry in recent years, designing a video game translation and localization course for translation undergraduate programs is a complex task, particularly due to limited access to authentic materials produced by game developers and publishers who fear information leakage and piracy. This paper describes possibilities for game translation and localization teaching through the manipulation of linguistic assets of open source mobile games, while trying to shed some light on potential translation requirements related to them, and envisaging its incorporation into the translator education.

Keywords: translation teaching; translator education; game translation and localization; open source mobile games

1. Contextualizando a tradução e a localização de jogos para smartphones

Desde sua concepção na década de 1950 e sua eclosão em 1970, as pessoas, cada vez mais, jogam videogames - jogos de console, jogos de arcade, aplicativos do Facebook, aplicativos para smartphones, jogos para celular e jogos on-line em grande escala. A era da internet permitiu que a indústria de games decolasse e chegasse aos dispositivos que conhecemos hoje, com os quais podemos interagir com outras pessoas em nossos jogos, não importa onde estejam. A tradução de quaisquer jogos ou aplicativos é essencial para qualquer empresa que deseja atingir as melhores marcas em vendas mundiais. (Barceló, 2011:36, tradução nossa)3

Os séculos XX e XXI vêm assistindo à eclosão dos jogos eletrônicos4. Desde as pinball machines lançadas em 1920, à criação do Pac-Man pela empresa japonesa Nintendo, em 1980, e de distintas plataformas, tais como jogos para computador, Play Station 2, 3 e 4, PSP, Xbox (360), GC, GBA, Nintendo DS (Wii), Wii U, sem contar as arenas de batalha on-line, a bilionária indústria que envolve esses produtos tem atraído usuários das mais diversas idades e nacionalidades.

Para atender às expectativas de jogadores de diferentes características e origens, a tradução e a localização de jogos eletrônicos são essenciais para qualquer empresa que almeja alcançar grandes lucros e visibilidade no mercado internacional, conforme retratado na epígrafe que introduz este trabalho (Barceló, 2011).

Para Mangiron (2018),

A localização de jogos teve origem no final dos anos 1970, quando os primeiros videogames japoneses, contendo pequenas quantidades de texto, foram traduzidos para o inglês. Desde então, as práticas de localização de jogos vêm evoluindo continuamente em paralelo aos avanços tecnológicos da indústria de jogos. (Mangiron, 2018:278, tradução nossa)5

Independentemente do conteúdo ou da plataforma para a qual é projetado, todo jogo é multitextual, isto é, contém diferentes tipos de textos, além de congregar arte gráfica, arte fílmica, narrativa literária, interação audiovisual, interatividade e jogabilidade, sendo essa multimodalidade (Gambier, 2006) também encontrada em jogos para smartphones, objeto de proposição didática deste artigo, que se soma às proposições de Esqueda e Silva (2016), Esqueda e Silva (2018) e Esqueda e Stupiello (2018).

Os jogos para dispositivos móveis, celulares ou smartphones6 (em inglês, mobile ou portable games, em referência aos diversos tipos de plataformas e dispositivos móveis), em geral, partilham das mesmas práticas de localização que aquelas utilizadas para computadores ou consoles, porém, com algumas especificidades.

Chandler e Deming (2012) apontam que existem variados tipos de dispositivos, com display, memória, tamanho de tela, botões e padrões de acionamento distintos, o que faz com que seja um desafio desenvolver aplicações para o grande público consumidor, principalmente aplicativos para jogos. Com a variação de tela, por exemplo, os desenvolvedores, tradutores e localizadores desse tipo de produto geralmente analisam com cuidado as traduções, para que essas possam estar adequadas ao espaço disponível ao toque dos jogadores.

Revelando-se como aplicações específicas e produtos de baixo custo (ou nenhum) para o usuário, e, geralmente, utilizados com internet/wi-fi, o setor cresce desenfreadamente, culminando na criação de jogos cada vez mais sofisticados e com grande potencial de jogabilidade (interação jogo-jogador). Os mobile games podem, algumas vezes, apresentar qualidade superior àquela de jogos de consoles ou computador, contendo variadas temáticas, tais como esportes, música, aventura, brain training, jogos de estratégia e afins.

A quarta edição, de 2017, da pesquisa realizada pela Sioux7 (Agência de Tecnologias Interativas com foco em gameficação), com sede em São Paulo, ao entrevistar cerca de 2.947 respondentes de várias regiões do país, concluiu que os jogos especificamente desenvolvidos para smartphones são os mais populares entre os jogadores (77,9%), seguido dos jogos para computador (66,4%) e de consoles (49%). A preferência pela plataforma portátil pode ser explicada em virtude da mobilidade que oferece, uma vez que os respondentes se descreveram como jogadores casuais e que, muitas vezes, jogam em trânsito (enquanto estão no ônibus, no metrô ou no carro). Os dados da Sioux, em parceria com os da ESPM - SP8, uma escola de Formação em Propaganda e Marketing, e também com os da empresa Blend New Research9, ambas sediadas no Estado de São Paulo (Brasil), apontam os smartphones como a plataforma mais popular dentre os jogadores da atualidade10.

Mesmo com tanta popularidade, O’Hagan e Mangiron (2013) explicam que a literatura sobre a teoria e a prática da tradução e localização de jogos para smartphones é escassa e que as pesquisas são normalmente voltadas para jogos de consoles e computador, embora o mercado de jogos para tais plataformas se mostre muito impactante no processo de localização. Como consequência, se a literatura sobre o assunto é quase inexistente, também o são, segundo as autoras, as proposições didáticas para a sala de aula de ensino de tradução, que necessita, inevitavelmente, agregar novas frentes de formação ao aprendiz perante os avanços tecnológicos e as exigências mercadológicas.

Assim, este trabalho, além de, na seção seguinte, colocar em evidência algumas tendências de pesquisa sobre a tradução e localização de jogos para smartphones, tem como proposta fornecer diretrizes de como se pode manipular as tecnologias que envolvem esses produtos e traduzir os conteúdos linguísticos a eles agregados. O objetivo é retratar os possíveis desafios tecnológicos e tradutórios ao se trabalhar com softwares de entretenimento em cursos de formação de tradutores. Em outras palavras, este trabalho caracteriza-se como uma proposição didática, de viés teórico, que se baseia em problemas típicos dos estudos em tradução envolvendo as novas e emergentes tecnologias em contextos de ensino e aprendizagem de tradução (Williams; Chesterman, 2002:26).

Para Roturier (2015), vista da perspectiva dos Estudos da Tradução, a proliferação de plataformas digitais só pode ter um impacto positivo para a área. Quanto mais aparelhos móveis e plataformas existirem, mais recursos deverão ser traduzidos e localizados e, ainda, investigados, já que as novas tecnologias transformam a atividade tradutória e seu ensino.

2. A tradução e localização11 de jogos para smartphones

2.1. Acerca das características gerais da localização e tradução de jogos para smartphones

Existe uma grande variedade de smartphones e dispositivos móveis (tablet e IPad) no mercado, sendo que o processo de localização que os envolve exige que uma série de fatores seja levada em consideração para que os aplicativos e jogos neles instalados possam funcionar adequadamente em qualquer modelo.

Como Chandler e Deming (2012:138) enfatizam, o tamanho de tela dos dispositivos, os botões de comandos e a interface variam, sendo necessárias adequações na etapa de localização. O desenvolvedor do jogo deve ajustar o conteúdo linguístico e os comandos, por exemplo, se utilizado um determinado tamanho de tela, e, por consequência, as traduções deverão ter o seu conteúdo igualmente ajustado para que se encaixem no espaço disponível ao toque do jogador. Após implementadas tais alterações na mecânica dos jogos, o desenvolvedor irá testar seu aplicativo em todos os dispositivos para os quais o jogo será disponibilizado, a fim de não ocorrerem erros linguísticos e de funcionalidade.

As autoras afirmam que o controle de qualidade de jogos para plataformas móveis é distinto daquele dos jogos arquitetados para outras plataformas, já que não buscam atingir um público específico ou os denominados hardcore gamers, mas um público maior, que não passa muito tempo jogando e que, portanto, a tradução e a terminologia aplicadas não seguem um padrão, podendo o conteúdo linguístico traduzido ser menos nerd, ou específico, nas palavras das autoras.

Baruch (2012) afirma que o típico processo de localização dos produtos e serviços contidos em um smartphone envolve lidar com as linhas de textos simples na interface com o usuário, com o lançamento mundial de vários apps em diferentes línguas, com o leiaute e compatibilidade com outras plataformas, dentre outros. A autora explica, no entanto, que é a linha de texto bem traduzida que torna o usuário satisfeito. Assim, um erro de tradução e localização em um app pode custar muito mais que o projeto inteiro de customização de um software, seja utilitário ou de entretenimento. Baruch (2012) expõe o desafio da tradução para telas pequenas, principalmente das línguas escritas da direita para a esquerda, como é o caso do árabe e hebraico, e na vertical, como é o caso das línguas de países da Ásia, afirmando existir uma tendência em se utilizar ícones gráficos em vez de textos completos, gerando uma abordagem ainda mais internacional ou global. No caso de tradução de strings (linhas) de texto, a autora explica que os tradutores necessitam de contexto para entenderem se se trata de um verbo ou substantivo. Segundo ela, a Apple e outras empresas têm desenvolvido glossários com a terminologia-chave dos aplicativos, tornando possível que alguns conteúdos já venham pré-instalados no smartphone e outros possam ser baixados do servidor da empresa, seguindo outro fluxo de trabalho de localização.

2.2. Desafios da tradução e localização de jogos para plataformas móveis

Além daqueles citados anteriormente, um dos principais desafios tratados por Baruch (2012) é localizar jogos para sistemas operacionais distintos, tais como: iOS, Android, BlackBerry e Windows OS. Os emuladores não replicam as funcionalidades dos sistemas operacionais e tampouco a tela das plataformas móveis. A localização para portable games deve corresponder ao tipo e estilo da aplicação, com traduções mais voltadas ao tipo de plataforma do que ao estilo do texto.

Amr Zaki (2012), ao realizar uma retrospectiva acerca da localização de jogos a partir dos anos de 1980, também mostra a complexidade desse tipo de operação. No caso do pangrama utilizado por programadores de software “The quick brown fox jumps over the lazy dog”, uma frase em que são utilizadas todas as letras de um determinado alfabeto, neste caso da língua inglesa, e que serve para avaliar o efeito visual de uma fonte, sua ordem, em árabe, por exemplo, estaria invertida, criando um problema para todo o processo de localização: “dog lazy the over jumps fox brown quick The.” Para Zaki (2012), este é apenas um exemplo da ordem invertida do conteúdo de um software, solucionado graças ao Unicode (padrão que permite aos computadores representar e manipular, de forma consistente, textos de qualquer sistema de escrita existente), mas que demanda revisão cuidadosa da tradução e localização para plataformas móveis voltadas aos mais de 21 países árabes.

O’Hagan e Mangiron (2013:331) ressaltam que o que está alterando o curso da história dos games é a popularização dos smartphones e outros dispositivos móveis, que, em futuro bem próximo, irão agregar vozes e outros elementos verbais e não verbais, aumentado a necessidade de tradução. De acordo com as autoras, os jogos para dispositivos móveis ou tablets são casuais, rápidos e simples. As pessoas que ocasionalmente jogam tais jogos são chamadas de casual gamers, ou jogadores casuais. Nesse prisma, os jogos casuais visam abranger um público maior e conectá-los em redes sociais, como o Facebook.

Dada a popularidade dos games para smartphones e tablets, outros estudos científicos deverão ser implementados com relação aos novos desafios impostos pela limitação de espaço em telas menores. A indústria de jogos e da localização vêm percebendo a entrada no mercado de desenvolvedores independentes, que se esquivam dos custos das empresas de localização, desenvolvendo jogos em outras línguas além do inglês e japonês. Mesmo que a preocupação da academia seja com o impacto da tradução e localização de jogos para consoles ou computador, o crescimento dos jogos casuais e sociais alavancam novas frentes de investigação aos Estudos da Tradução.

O’Hagan e Mangiron (2013) mencionam que a Pan-European Game Information (PEGI) é um comitê que estabelece aos pais a classificação etária dos jogos e que seus parâmetros também atingem os games para smartphones, principalmente para iPhone. A Entertainment Software Rating Board (ESRB), criada em 1994, que abrange os Estados Unidos, Canadá e México, estabelece as indicações etárias para Android, iPhone, e Windows Mobile 7 e sistemas operacionais portáteis, classificações e orientações essas que ainda merecem estudos detalhados no Brasil, por exemplo, e que acabam por trazer desafios aos tradutores e também à sala de aula de ensino de tradução.

2.3. Tendências mercadológicas e tradutórias envolvendo os smartphones

Terena Bell (2014) afirma que os africanos têm mais smartphones que escovas de dentes, e que mais de 75% dos americanos levam o aparelho até para o banheiro. Para a autora, traduziremos muito mais strings de textos para esses dispositivos do que websites ou textos convencionais, e defende que, em um futuro próximo, traduziremos pelo smartphone, ou seja, a tradução ocorrerá no e para o dispositivo: “se posso operar o elevador do meu escritório, fazer depósito, chamar um táxi e comprar um vestido de noiva pelo celular, porque não deveria usá-lo para traduzir também?”. (Bell, 2014:18, tradução nossa)12

Para a autora, a empresa francesa Wordfast, sediada em Paris, na França, desde 1999, e proprietária do sistema de memória de tradução homônimo WordFast, foi a única a enxergar essa possibilidade e lançar, nas nuvens, um software que traduz via smartphone, o WordFast Anywhere:

De todos os sistemas de memória de tradução do mercado, o Wordfast é o único que previu o futuro. Sediada em Paris, na França, a empresa lançou o produto Wordfast Anywhere em maio de 2010. Antes da tradução sair do laptop, os tradutores precisam parar de salvar todos os seus dados nesse dispositivo. Desenhada para ajudar os tradutores literalmente em qualquer lugar, o Wordfast Anywhere foi a primeira ferramenta a colocar as traduções nas nuvens. E colocar os dados nas nuvens significa tornar os processos celulares possíveis. (BELL, 2014:19, tradução nossa)13

Bell (2014) também destaca que a The Rosetta Foundation, uma fundação sem fins lucrativos que reúne Translators without borders (Tradutores sem fronteiras), dentre outros serviços, é outra instituição que criou um aplicativo de tradução para iPhone, desenvolvido principalmente para pós-edição. A autora explica que o aplicativo foi criado para auxiliar as pessoas em distintos projetos de tradução, principalmente daquelas regiões em crise econômica, que não podem ter um computador, sendo mais fácil a aquisição de smartphone. Segundo Bell:

Esse movimento faz todo o sentido. A missão da The Rosetta Foundation é usar a tradução como uma forma de prover informações sobre saúde e educação a pessoas que pertencem a regiões pobres e subdesenvolvidas. Se um tradutor, na África, não tem um laptop, mas tem um smartphone, então ele ou ela poderá traduzir através desse dispositivo. (Bell, 2014:19, tradução nossa)14

Rebecca Ray (2016) relata que países do sudeste da Ásia são alvos fáceis para as empresas que desenvolvem jogos para smartphones, em virtude, em grande medida, do preço desses aparelhos e da banda larga de conexão à internet. Além disso, países como Brunei, Camboja, Timor, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã têm culturas, histórias, línguas e práticas comerciais muito ricas e diversificadas, o que torna a tradução e a localização atividades do cotidiano desses lugares.

Ray (2016) mostra que não só nos países da Ásia, mas no mundo todo, os jogos para smartphones propiciaram um lucro de 35,5 bilhões de dólares em 2016 e foi estimado em 44,2 bilhões para 2018, mostrando também o tipo de app para smartphone mais viável à localização, a fim de gerar sucesso no mercado. A autora aponta que as línguas mais populares na localização de apps são o inglês, português e o espanhol.

Com base em vários dados, Ray (2016) aponta que 40% da população mundial possui um smartphone, mostrando que a Indonésia, o Vietnã e as Filipinas possuem as maiores concentrações de jogadores que jogam pelos smartphones, sendo os jogos de corrida, estratégia e ação os gêneros mais comuns.

2.4. A terminologia e as abordagens que envolvem a tradução e a localização de jogos para smartphones

Bernal-Merino (2015) explica que portable games, em referência a jogos portáteis em português, seria o termo mais viável para designar os jogos clássicos para celulares e para os modernos smartphones, que possuem limitações de hardware em termos de armazenamento e processamento, mas que hoje competem em pé de igualdade com a indústria de jogos para consoles. O autor explica que o termo mobile games (ou jogos para celulares) é também bastante recorrente.

Na corrida por maior inserção no mercado de jogos, Bernal-Merino (2015) explica que os jogos para esse tipo de plataforma prospectaram um público maior, interessado em uma maior diversidade de diversão e entretenimento. Embora vistos como menos apelativos do ponto de vista de suas limitações de processamento, os jogos para smartphones vêm ganhando terreno. O autor relata que esse segmento foi avaliado em 9 bilhões de euros em 2007, 12,5 bilhões em 2012, ganhando com isso sofisticação gráfica e multimodal. Para Bernal-Merino (2015), o segmento compreende metade da receita atual da indústria de jogos.

Diante da variedade de plataformas, desde o desenvolvimento de um jogo simples para celular, como é o caso de Snake, até a experiência cinemática sofisticada de Uncharted 3 (cf. Coelho; Esqueda, 2017), não há, para Bernal-Merino (2015), um modelo padrão de desenvolvimento, tradução, localização e distribuição envolvendo os videogames. De modo geral, há 10 grandes fases que abarcam tal processo: 1) documentação e protocolo de criação do software; 2) desenvolvimento do protótipo do software; 3) primeira versão jogável; 4) versão alfa; 5) versão beta; 6) tradução e localização para outros países; 7) pesquisa de mercado e público-alvo; 8) indicações etárias e registro; 9) aprovação das plataformas e 10) publicação do jogo. As fases descritas pelo autor também são comuns na indústria da localização de modo geral.

Para Roturier (2015), não há distinção entre websites, softwares e aplicações para celulares, smartphones, ou outros dispositivos móveis. Segundo o autor, todos são apps, isto é, aplicações cujos ecossistemas digitais variam apenas de tamanho e plataforma, sendo todos submetidos a uma forma, mais ou menos completa, de localização e adequação linguística e técnica para outros países. No entanto, quando se trata de softwares desenhados para plataformas móveis, como é o caso dos smartphones e tablets, surgem novos desafios para tradutores e localizadores, principalmente em virtude do volume de informações, acesso e customização. A venda de smartphones eclodiu e estima-se que foram vendidos até o final de 2013 cerca de 250 milhões de dispositivos. Com tantos smartphones no mercado, seria impossível não surgir uma maior interação entre esse aparelho e o computador.

De acordo com Roturier (2015), entre 1990 e 2000, os softwares usavam modelos definidos de arquitetura, trazendo em sua própria composição um user guide, isto é, textos que serviam de manuais de instrução para auxiliar o usuário durante o manuseio da ferramenta. Atualmente, com a tendência de softwares multiplataforma, isto é, que possibilitam a interação entre distintas plataformas, os softwares tornaram-se ainda mais amigáveis e intuitivos, sendo que a maioria pode ser aberta em qualquer navegador da internet, como poderá ser constatado na descrição da tradução e localização de jogos para smartphones para fins didáticos na seção 3 deste trabalho.

2.5. O caso da tradução e localização do jogo Top Eleven

Jelača e Dranch (2016), ao utilizarem como exemplo o jogo Top Eleven, criado pela empresa sérvia Nordeus, em 2010, explicam que qualquer jogo desenvolvido para celulares ou smartphones contém textos instrucionais claros e com poucas linhas, devido ao reduzido espaço disponível nas telas pequenas. Como Top Eleven é traduzido para 30 línguas, quaisquer mudanças nos textos da interface com o usuário dão origem a 29 traduções do produto, fazendo com que tradutores e localizadores direcionem sua atenção para que determinadas traduções escolhidas para as linhas de texto estejam adequadas ao tamanho do botão a ser acionado pelo jogador. Para os autores, os tradutores e localizadores de jogos para plataformas móveis devem ser muito flexíveis.

Os autores também explicam que a tradução, no caso de Top Eleven, não fica embutida no aplicativo propriamente dito, mas salva no servidor da empresa Nordeus. Assim, cada usuário pode baixar, por 4G ou wi-fi, a versão desejada. Em termos técnicos, assim que o jogador inicia o jogo, o aplicativo busca a língua do sistema operacional do telefone. Quando a empresa faz alguma modificação linguística, um script detecta as mudanças e abre a nova tradução.

A Nordeus utiliza apenas um texto original em língua inglesa. Uma agência terceirizada detém as traduções para todas as línguas e controla a qualidade linguística do produto. Mesmo adotando essa abordagem, a empresa disponibiliza o jogo completo no telefone do jogador. Embora os textos dos jogos para celulares, smartphones ou tablets sejam bastante concisos, a equipe de localização do jogo desenvolveu uma ferramenta para debug (solução de problemas), principalmente para detectar inconsistências com linhas de textos duplicadas.

O processo é realizado por localizadores, que passam a ter mais liberdade com o controle de qualidade, independentemente dos desenvolvedores do jogo. Ao transferirem o jogo traduzido e localizado para outras plataformas, no caso do jogo Top Evelen,Jelaca e Dranch (2016) ressaltam que a variedade de smartphones é imensa e há telas de todos os tamanhos. O jogo Top Eleven foi traduzido e localizado levando-se em consideração o formato mais comercializado no mercado, sendo o iPhone o primeiro da lista, tornando os jogos para smartphones muito diferentes daqueles das redes sociais. Sendo a tela muito reduzida, o jogador poderá ter acesso a apenas algumas linhas, demandando ainda mais a criatividade do tradutor para esse tipo de jogo, que necessita conhecer a fundo seu contexto. A equipe de localização de Top Eleven alerta o tradutor, por meio de CAT Tools (Computer Assisted Translation Tools), ou sistemas de memória de tradução, quando uma determinada linha de texto demanda maior elaboração com relação ao contexto no qual se encontra.

Os autores também destacam que no controle de qualidade de tradução da empresa, os usuários do jogo consideram a tradução automática inaceitável e sem naturalidade. A empresa passou a realizar, portanto, o controle de qualidade de traduções humanas do jogo. Para os autores, a tradução de jogos para smartphones mantém-se mais coesa e atualizada do que aquela para jogos envolvendo outras plataformas.

3. Tradução, localização e emulação de jogos para smartphones

Segundo O’Hagan e Mangiron (2013), o conceito de “plataforma” é importante para que se possa compreender os mecanismos da indústria de jogos, que está dividida em quatro segmentos: o primeiro segmento envolve os jogos para console e consoles de mão (handheld); o segundo segmento inclui os jogos para computadores (PC games); o terceiro compreende os jogos on-line (MMOG - Massively Multiplayer Online Game); e o quarto e último segmento abrange os minigames desenvolvidos para televisões digitais, celulares, smartphones, PDAs (Portable Digital Assistants) e para a internet. Neste trabalho, portanto, propõe-se, para a sala de aula de formação de tradutores, formas de tradução, localização e emulação de jogos pertencentes ao quarto segmento ora mencionado, com especial ênfase aos smartphones.

Os jogos escolhidos como exemplos para tradução e localização são os jogos gratuitos de código aberto Stick Hero e 2048, ambos da empresa desenvolvedora francesa Ketchapp. Essa empresa é bastante conhecida por comercializar jogos de grande sucesso, tais como ZigZag e Cloud Path, além de ter publicado mais de 100 jogos de diversos gêneros para smartphones, que podem ser acessados em seu site http://www.ketchappgames.com ou diretamente na App Store ou Google Play. Como já mencionado, diante da dificuldade de se conseguir parcerias com as empresas desenvolvedoras de jogos, que temem o vazamento de informações e a pirataria, justifica-se a escolha por materiais gratuitos e de código aberto, para que, além disso, os cursos de Tradução e as universidades evitem problemas com os direitos autorais dos desenvolvedores. Embora comercialize seus produtos, é comum a empresa Ketchapp disponibilizar o código-fonte de seus jogos para agradar aos fãs em repositórios da internet. Essas versões, geralmente antigas e gratuitas, dos códigos-fonte podem ser livremente modificadas.

Para manipular os jogos que servirão de exemplo para esta proposição didática, isto é, baixar, abrir, traduzir, localizar, faz-se necessário acessar o site GitHub, uma rede de compartilhamento de produtos open source, na qual é possível realizar o download de vários softwares de entretenimento ou utilitários, acessando seus códigos-fonte.

O GitHub, em termos gerais, é um repositório na internet que distribui o código-fonte de diversas empresas desenvolvedoras e aspirantes a desenvolvedores. Ligada à iniciativa open source, estima-se que 36 milhões de desenvolvedores compartilham seus projetos nesta rede, https://github.com/, formando mais de 55 milhões de repositórios.

3.1. O jogo Stick Hero

Do gênero arcade (antigamente conhecido como fliperama), que possui em geral ações definidas e comandos simples, o objetivo do jogo Stick Hero é construir pontes com um bastão (stick, em inglês), que pode ser esticado para conduzir o herói (o jogador) às plataformas, conforme mostra a Figura 1. Se a ponte construída com o bastão não for suficientemente longa ou se ultrapassar a plataforma, o jogador não consegue avançar para a próxima plataforma. No decorrer do jogo, os obstáculos variam de tamanho e diversos cenários surgem ao fundo da tela, na qual se notam imagens de grandes cidades, montanhas, áreas desérticas, sendo que os sons também variam conforme o cenário.

Stick Hero possui fácil jogabilidade, apesar de ser necessária bastante precisão para não se esticar demais ou de menos o bastão e perder o jogo.

Figura 1
Telas do início do jogo.

Stick Hero foi criado em 26 de outubro de 2014 e encontra-se somente em língua inglesa, sem tradução para a língua portuguesa do Brasil ou para outras línguas. É um jogo “leve”, sendo seu tamanho 28,7MB, disponível nas plataformas iOS e Android.

Stick Hero é um jogo multiplataforma15 de código aberto (open source16), originalmente escrito em HTML (HyperText Markup Language)17, o que facilita a extração e posterior manipulação de seu conteúdo.

O acesso ao jogo pelo site GitHub pode ser realizado digitando-se na barra do Google: github stick hero ou em https://github.com/mrmarktyy/Stick-Hero. Ao acessar o site18, o usuário encontrará as seguintes informações referentes ao pacote do jogo, conforme mostra a Figura 2:

Figura 2
Tela do site GitHub.

Em seguida, uma pasta pode ser baixada com vários arquivos do jogo em Clone or download, podendo ser, na sequência, salva em um diretório de preferência do professor ou aluno de Tradução. Para executar o jogo no computador, basta acessar a pasta, procurar o arquivo “.index” e abri-lo no navegador do computador (Figura 3). A partir dessa ação, quaisquer modificações podem ser feitas no jogo, incluindo a tradução das linhas de texto do jogo do inglês para o português, viabilizando, assim, o planejamento e consecução de atividades didáticas para a sala de aula de ensino de tradução.

Figura 3
Tela do computador com o diretório contendo o jogo.

Para conseguir manipular o conteúdo linguístico do jogo Stick Hero e traduzi-lo é necessário abrir o arquivo .index. Embora vários softwares também gratuitos e de código aberto, tais como Potext, Drupal ou Virtaal, possam executar tal ação, utiliza-se, para a esta proposição didática, o software Notepad++, a versão mais recente do “Bloco de Notas”, que é um editor de texto gratuito e de código aberto para Windows, que permite a manipulação de arquivos de textos simples e do código-fonte de diversas linguagens de programação, disponível para download em https://notepad-plus-plus.org. Na Figura 4, encontra-se a primeira tela do jogo, aberta em um navegador, na qual se destaca a instrução ao jogador: Begin, em referência a “Iniciar jogo” ou “Jogar”, em português.

Figura 4
Tela inicial do Stick Hero.

Conforme mencionado, com a manipulação de seu conteúdo linguístico no software Notepad++, é possível traduzir o jogo para o português do Brasil, com vistas a localizá-lo linguisticamente para a cultura dos jogadores desse país.

Figura 5
Abertura do arquivo .index pelo Notepad++.

Figura 6
Arquivo .index do jogo Stick Hero aberto pelo Notepad++.

Quando o arquivo .index com o conteúdo do jogo é aberto, pode-se observar as várias strings de texto (ou linhas de texto) que compõem o jogo. O conteúdo do jogo encontra-se fora das barras de fechamento (como, por exemplo, em >Game Over<, >New Game<, >Perfect!!!<), na cor preta, já que a aplicação Notepad++ utiliza cores diferentes para designar a estrutura geral do documento. O jogo pode, assim, ser traduzido sem quaisquer tipos de prejuízo a seu código de programação, como mostrado nas Figuras 7 e 8. Basta substituir o texto na cor preta, em inglês, por sua tradução, tomando-se o cuidado de apenas editar o que está fora das barras de fechamento.

Figura 7
Tradução das linhas de texto no Notepad++.

Figura 8
Linha de texto Begin traduzida como “Jogar” e aberta no navegador.

Após sua tradução e ao ser aberto novamente no navegador, verifica-se que a tela inicial do jogo já se encontra em língua portuguesa.

As Figuras 9 e 10 mostram as telas original e traduzida. Assim, à medida que se traduz no Notepad++, abre-se o jogo no navegador para visualizar e simular se as palavras e frases traduzidas não ultrapassaram os limites da tela e do toque para o conforto e jogabilidade dos jogadores, antes mesmo de sua emulação no smartphone. Neste caso, a união de todos esses softwares culmina no uso de ferramentas ligadas aos processos de tradução e localização, que, nas palavras de Sandrini (2005) e Garcia (2015), fornecem um ambiente WYSIWYG (What You See Is What You Get, que em português significa “O que você vê é o que você tem”), isto é, uma simulação da inserção do conteúdo linguístico em proporção à arte gráfica e seus demais elementos.

Figura 9
Tela em inglês e português contendo o comando do início do jogo.

Figura 10
Tela em inglês e português contendo a pontuação conseguida pelo jogador e os comandos de fim ou reinício de jogo.

Após traduzido para a língua portuguesa, o jogo poderá ser jogado no próprio navegador ou, como será ilustrado na próxima seção com o jogo 2048, aberto em um smartphone.

3.2. O jogo 2048

Todas as ações realizadas com o jogo Stick Hero podem ser replicadas com o jogo 2048, da já mencionada empresa Ketchapp. Nessa etapa, vislumbrando uma progressão didática para a sala de aula de ensino de tradução, após traduzido, o jogo pode ser aberto em um smartphone, para que os alunos-tradutores tomem ciência da importância de suas escolhas tradutórias, que necessitam estar adequadas ao tamanho das telas e ao toque do jogador desse dispositivo.

Do gênero puzzle (enigma), que possui, em geral, ações definidas e comandos simples, o objetivo do jogo 2048 é deslizar peças numeradas em uma grade, combiná-las e criar uma única grade com o número 2048. Como já ilustrado, o acesso ao jogo pelo site GitHub pode ser realizado digitando-se na barra do Google: github 2048 ou em https://github.com/gabrielecirulli/2048. Ao acessar o site19, o usuário encontrará as seguintes informações referentes ao pacote do jogo, conforme ilustra a Figura 11:

Figura 11
Tela do site GitHub.

2048 foi criado em 9 de março de 2014 e encontra-se somente em língua inglesa, sem tradução para a língua portuguesa do Brasil ou para outras línguas. É um jogo “leve”, sendo seu tamanho 17,6 MB, disponível nas plataformas iOS e Android, Windows, Navegador Web, Nintendo 3DS e Apple TV.

Esse jogo é multiplataforma, de código aberto, também escrito em HTML, o que facilita a extração e posterior manipulação de seu conteúdo para fins de ambiente de ensino e aprendizagem de tradução.

Figura 12
Tela inicial do jogo 2048.

No canto direito inferior (Figura 11), na aba Clone or download, uma pasta zipada pode ser baixada com vários arquivos do jogo, podendo ser, na sequência, salva em um diretório de preferência do professor ou aluno. Para executar o jogo no computador, assim como descrito com o jogo Stick Hero, basta acessar a pasta, procurar o arquivo “.index” e abri-lo em um navegador.

Figura 13
O diretório contendo o jogo.

Para conseguir manipular o conteúdo do jogo 2048 e traduzi-lo para o português, ou outras línguas de interesse do professor ou aluno de Tradução, é necessário abrir o arquivo .index através, mais uma vez, do software Notepad ++.

Figura 14
Jogo aberto para tradução no Notepad++.

Assim, ao ser aberto para edição e ter seu conteúdo traduzido para a língua portuguesa (Figura 15), o jogo pode ter sua usabilidade duplicada, podendo ser transferido do navegador para um smartphone.

Figura 15
Jogo traduzido.

Para compilar o jogo para um smartphone, no entanto, é necessário utilizar o software PhoneGap. Uma vez que o jogo é escrito em HTML, o software PhoneGap irá convertê-lo em uma extensão de arquivo para uma plataforma diferente, seja Android, iOs ou Windows Phone. A aplicação pode ser baixada gratuitamente do site http://phonegap.com/, pertencente à empresa americana Adobe Systems.

A ferramenta Node também deverá ser baixada por meio do site https://nodejs.org/en/, que além de controlar as dependências do projeto criado pelo Phone Gap, atua como plug-in. Após instaladas ambas as aplicações, abre-se a interface do Phone Gap.

Figura 16
Tela inicial do PhoneGap.

Clica-se no comando “+” no menu da aplicação do PhoneGap para criar um novo projeto. Este passo permite que a aplicação reúna em uma só pasta todos os dados e metadados para a execução do projeto. Após criada a pasta, os arquivos .index, images e dist, contendo o jogo traduzido, neste caso 2048, suas imagens e dados devem ser a esta transferidos. Clica-se no link do IP da máquina, disponível na parte inferior da aplicação, possibilitando que esta abra o jogo no navegador e recupere automaticamente o IP da máquina na qual o jogo foi traduzido.

Para que o jogo possa ser emulado (ou simulado) no smartphone, é necessária a instalação do aplicativo PhoneGap também nesse dispositivo. Quando aberto, o link do IP do computador no qual foi compilado o jogo deverá ser copiado na aplicação do PhoneGap instalada no smartphone. O Phonegap do smartphone atua, portanto, como emulador, simulando o jogo traduzido para outras plataformas.

Devido ao fato de os jogos citados neste trabalho, Stick Hero e 2048, serem concebidos como produto multiplataforma e open source, os efeitos da localização em nível técnico e tecnológico podem ser percebidos pelos alunos através das etapas operacionais percorridas em sala de aula de ensino de tradução, ou seja, desde o acesso à rede GitHub para efetuar o download do jogo, à manipulação de seus arquivos .index no software Notepad++, sua simulação no navegador, até sua compilação e emulação através do PhoneGap para os smartphones dos alunos ou do professor.

Torna-se, assim, impossível a inserção da tradução e localização de jogos para smartphones em contexto de ensino e aprendizagem de tradução sem a congregação de várias tecnologias. Vale lembrar que se o professor ou aluno de Tradução almejam traduzir o jogo exclusivamente para Android, a plataforma App Translation Service do Google Play pode ser utilizada, abreviando alguns dos passos anteriormente descritos em relação à instalação do software PhoneGap. Também é importante salientar que tal etapa pode ser facilitada por meio da instalação de aplicativos de Quick Recognition Code (QR Codes), ou, em português, códigos escaneados por celulares, que rapidamente transferem e instalam as aplicações do computador para smartphones.

Palavras finais

Embora tenha-se lançado mão de jogos de fluxo de trabalho tradutório relativamente fácil, com pouca densidade informacional e sem a discussão acerca da tradução de seus materiais de divulgação apresentados em seus sites oficiais e conteúdos de ajuda ao usuário, a tradução de jogos para smartphones corrobora o que afirma Bernal-Merino (2015), que as mesmas preocupações de tradutores e teóricos da antiguidade ou contemporaneidade continuam válidas e aplicáveis à tradução de jogos, incluindo aqueles destinadas a smartphones. Ou seja, independentemente do produto ou material a ser traduzido, a tradução é desde sempre um processo de compreensão do texto original (TO), de suas especificidades e peculiaridades, não importando seu formato, e de reexpressão de seu conteúdo no texto traduzido (TT), durante o qual o tradutor se preocupa com as características dos TO e TT, seu conteúdo, destinatário, plataformas e ferramentas para manipulá-los.

Sobre a tradução propriamente dita, como parte do processo de tradução e localização de jogos para usuários de outras línguas, o professor de Tradução poderá ressaltar o fato de que as traduções buscam acompanhar a concisão da interface com o usuário do jogo em inglês, de forma que possam estar compatíveis ao espaço disponível na tela e ao touch input do jogador.

Para Biau Gil e Pym (2006) e Dunne (2015), a complexidade da localização de softwares, seja utilitário ou de entretenimento, e da tradução de seus conteúdos, dá-se amplamente pelo fato de que os tradutores e localizadores não trabalham com textos lineares, mas sim com “pedaços” e “linhas” de textos descontextualizadas. Trabalhar com textos sem contexto não só complica o processo de decisão tradutória, mas torna improvável ou até impossível a compreensão do texto como um todo. Ao compreender o texto, o tradutor não apenas integra as informações nele contidas, mas também faz conexões ao longo das frases para formar o discurso. Para os autores, o tradutor não consegue formar conexões ao longo das linhas de texto de um software devido à sua estrutura não linear. Sem um fluxo narrativo, os softwares não podem ser “lidos” da mesma forma que os documentos ou textos convencionais, daí a importância das ferramentas e emuladores no modo WYSIWYG.

As etapas ora descritas, de traduzir as linhas de texto de jogos de baixa densidade informacional para smartphones, podem parecer tecnologicamente mais fáceis do que a localização de softwares utilitários, pois os tradutores não precisam traduzir vários tipos de arquivos, compilar e testar arquivos na língua-alvo. Entretanto, a tradução dos formatos de jogos para smartphones pode ser cognitivamente mais complexa, pois além de ler e compreender textos sem o contexto e “textos sem fim” (Biau Gil; Pym, 2006), requer que o tradutor construa uma situação modelo de texto e jogabilidade que não existem ainda, demandando conhecimentos de jogos para esse tipo de plataforma, como é o caso da tradução da linha New Game contida no jogo 2048. Qual tradução mais corresponderia às tendências de jogos para smartphones? “Novo Jogo”, “Iniciar jogo”, “Jogar”, “Iniciar”, “Início”? Qual tradução seria mais adequada para o touch input (toque) da tela de smartphones? Para qual modelo de smartphone? Para qual tamanho de tela?

Para Fernández-Costales (2018), em seu texto, On the reception of mobile content” (Sobre a recepção de conteúdo para dispositivos móveis), o conceito nuclear das plataformas móveis é, precisamente, a mobilidade, que não pode ser ignorada por tradutores, pesquisadores dos Estudos da Tradução, ou pela sala de aula de ensino de tradução. Embora a mobilidade ofereça flexibilidade, também impõe algumas restrições. Para o autor, o tamanho da tela continua sendo uma questão central na tradução de conteúdos para as plataformas móveis, como é o caso dos smartphones. Uma relação significativa entre as dimensões verbal e não verbal, visual e acústica, compartilha os constituintes básicos dos textos neles contidos. Além disso, Fernández-Costales (2018) menciona que a dimensão tátil (toque) também é uma característica fulcral dos dispositivos móveis:

Atualmente, interagimos com smartphones tocando na tela e usando vários gestos (por exemplo, deslizar para excluir mensagens, clicar duas vezes para confirmar uma operação ou expandir a tela para aplicar zoom). Esse é um novo canal de interação que tem sido amplamente promovido por desenvolvedores de software e hardware e foi rapidamente adotado pelos usuários. De fato, parece que os componentes não verbais se tornaram o principal canal de comunicação entre usuários e tecnologia: menus, ferramentas de navegação e sistemas operacionais para smartphones e tablets contam com ícones, imagens e recursos visuais, permitindo que os usuários controlem seus dispositivos sem ter que digitar muito texto (como fazemos em computadores). A interação do usuário com os dispositivos móveis precisa ser fácil e rápida, já que o acesso a seus conteúdos exige imediatismo. (Fernández-Costales, 2018:302, tradução nossa)20

Em outras palavras, apesar de os jogos não apresentarem uma base linguística extensa, a manipulação de seus conteúdos demanda do ambiente de sala de aula de ensino de tradução não apenas o desenvolvimento da competência linguístico-comunicativa, extralinguística, teórica e técnica dos aprendizes, mas também, e em igual proporção, o desenvolvimento da competência instrumental, no sentido de manejar os diversos softwares e aplicações que envolvem a tradução e localização desse fascinante e cada vez mais crescente produto de entretenimento, os jogos para smartphones, bem como as características mercadológicas e do público-alvo que os envolve.

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  • WILLIAMS, J.; CHESTERMAN, A. 2002. The map: a beginner’s guide to doing research in translation studies. London: Routledge.
  • 3
    . Since their conception in the 1950s and their boom in the 1970s, people have been playing video games — console games, arcade games, Facebook applications, smartphone applications, mobile games and large-scale online games. The era of the internet allowed the game industry to take off and get to what we know now, where we can interact with other people in our games no matter where they are. The translation of any game or application is essential for any company that would like to reach top marks in worldwide sales.
  • 4
    . Os termos jogos eletrônicos, videogames, games e jogos serão utilizados de forma intercambiável neste trabalho. Para Bernal-Merino (2015), video game tornou-se um hiperônimo que designa diversos tipos de jogos eletrônicos.
  • 5
    . Game localisation originated in the late 1970s, when the first Japanese video games, containing small amounts of text, were translated into English. Since then, game localisation practices have continuously evolved in parallel with the technological advances of the game industry.
  • 6
    . Smartphone é um termo, em inglês, utilizado também no Brasil e em outras partes do mundo, para designar um telefone celular inteligente, com tecnologias avançadas, incluindo aplicativos que são executados através de um sistema operacional semelhante aos dos computadores. Os termos dispositivo móvel, plataforma móvel e smartphone serão utilizados de forma intercambiável neste trabalho.
  • 7
  • 8
  • 9
  • 10
  • 11
    . A localização é o processo que envolve a preparação, manipulação, engenharia e qualidade de softwares utilitários, de entretenimento (games) e websites, sendo o termo locale, ou localidade, a combinação de uma região sociocultural com uma língua. Refere-se ao processo por meio do qual os textos contidos nesses produtos, e também em serviços da internet, são modificados para serem usados em diferentes regiões. Tomando o Brasil como exemplo, pode-se adaptar um software originalmente desenvolvido no Japão, por exemplo, para ser utilizado em português, o que demanda várias modificações técnicas, legais e adaptações culturais. Um locale, ou localidade, não é uma língua, apesar de a língua ser um dos componentes vitais da localização. Tecnicamente, os locales são representados por um código de duas letras combinado com o código do país, como no caso de pt-BR, ou pt-PT, para designar o português do Brasil e o português de Portugal, por exemplo. Localizar um produto é adaptá-lo técnica e linguisticamente, sendo a tradução uma das partes do processo de localização (DUNNE, 2015).
  • 12
    . [...] if I can operate my office elevator, make a bank deposit, hail a cab or buy a wedding gown all from my phone, why shouldn’t I be able to translate on it too?
  • 13
    . Of all the CAT tools on the market, WordFast is really the only one that saw this coming. Headquartered in Paris, France, the translation memory maker debuted WordFast Anywhere in May 2010. Before translation can come off the laptop, translators have to stop saving all their data on a laptop. Designed to help translators quite literally work anywhere, WordFast’s tool was the first to notably push translation into the cloud. And making the cloud possible means making cellular processes possible.
  • 14
    . This move makes perfect sense. The Rosetta Foundation’s whole mission is to make use of translation as a way to provide health and educational information to those in impoverished and under-developed areas. If a translator in Africa does not have a laptop, only a smartphone, he or she must therefore translate upon that phone.
  • 15
    . Definem-se como jogos multiplataforma aqueles que não são arquitetados para uso exclusivo em uma plataforma, mas podem, após compilados, funcionar em distintas delas, tais como computadores, consoles e smartphones.
  • 16
    . Código aberto, ou open source, em inglês, é um modelo de desenvolvimento que promove um licenciamento livre para o design ou esquematização de um produto, e a redistribuição universal desse design ou esquema, dando a possibilidade para que qualquer pessoa consulte, examine ou modifique o produto, geralmente um software.
  • 17
    . Documentos HTML podem ser interpretados por navegadores.
  • 18
    . O jogo Stick Hero foi desenvolvido por Mark Zhou e disponibilizado no site GitHub no dia 21 de maio de 2015.
  • 19
    . O jogo 2048 foi desenvolvido por Gabriele Cirulli e disponibilizado no GitHub em 09 de março de 2014.
  • 20
    . Nowadays, we interact with smartphones by touching the screen and using multi-gestures (e.g. sliding to delete messages, double-clicking to confirm an operation, or pinching to zoom). This is a new interaction channel which has been largely promoted by software and hardware developers and has been rapidly adopted by users. In fact, it seem that non-verbal components have become the main communication channel between users and technology: menus, navigation tools, and operating systems for smartphones and tablets rely on icons, images, and visual aids, allowing users to control their devices without having to enter much text (as we do in computers). User interaction in mobile devices needs to be easy and fast, as access to mobile contents requires immediacy.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2018
  • Aceito
    21 Maio 2019
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