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Pesquisa narrativa e audiodescrição: outra opção metodológica

Narrative research and audiodescription: another methodological option

RESUMO

A Pesquisa Narrativa é uma metodologia que consiste na coleta de histórias sobre um determinado assunto em busca de informações para entender um fenômeno específico. Em geral, ela é utilizada como um recurso para dar voz aos sujeitos do estudo. Neste artigo, apresentamos um exemplo de como a Pesquisa Narrativa pode ser utilizada como uma alternativa aos tradicionais estudos de recepção na área da audiodescrição (AD). Para tanto, nos debruçamos sobre o percurso metodológico da tese de doutoramento intitulada Para além do visível: princípios para uma audiodescrição menos visocêntricaSilva, M. C. C. C. da (2019). Para além do visível: princípios para uma audiodescrição menos visocêntrica [Unpublished doctoral dissertation]. Universidade Federal da Bahia. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/29344
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, na qual foram analisadas duas autobiografias de autoria de pessoas com cegueira adquirida: Touching the Rock, de John Hull, e Out of Darkness: A Memoir, de Zoltan Torey. As obras foram estudadas a partir da metodologia da Pesquisa Narrativa e os dados foram trabalhados através da análise temática nos moldes propostos por Braun e Clarke. A análise empreendida enfatizou a importância, entre outros, do respeito aos diferentes perfis do público-alvo, de uma exposição de qualidade, precoce e continuada, e da associação da AD a experiências multissensoriais.

Palavras-chave:
tradução audiovisual; pesquisa narrativa; acessibilidade; audiodescrição

ABSTRACT

Narrative research is a methodology that consists in collecting stories about a particular subject in search of information to understand a specific phenomenon. In general, it is used as a resource to give voice to the subjects of a study. In this article, we present an example of how narrative research can be used as an alternative to traditional reception studies in the area of audio description (AD). To do so, we look at the methodological path of the doctoral thesis entitled Para além do visível: princípios para uma audiodescrição menos visocêntricaSilva, M. C. C. C. da (2019). Para além do visível: princípios para uma audiodescrição menos visocêntrica [Unpublished doctoral dissertation]. Universidade Federal da Bahia. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/29344
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, in which two autobiographies by people with acquired blindness were analyzed: Touching the Rock, by John Hull, and Out of Darkness: A Memoir, by Zoltan Torey. The works were studied through the use of narrative research methodology, and thematic analysis as devised by Braun and Clarke. The analysis undertaken emphasized the importance of elements such as respect for the different profiles of the target audience, the inclusion of early and continued high-quality exposure, and the association of AD with multisensory experiences.

Keywords:
audiovisual translation; narrative research; accessibility; audio description

1. Introdução

A Tradução Audiovisual (TAV) é a subárea dos Estudos da Tradução que se ocupa de textos que ofertam input através dos canais acústico e/ou visual, ou seja, textos que se caracterizam pela presença de sons e/ou imagens. Entre suas modalidades podemos citar a dublagem, a legendagem, o voice-over3 3 Tradução de texto oral através da sobreposição de vozes. Difere da dublagem ao não exigir sincronismo labial e permitir a presença do discurso em língua estrangeira em volume mais baixo. É geralmente utilizado na tradução de gêneros de não ficção como documentários, entrevistas etc. e a audiodescrição (AD). Resultado de pressões sociais para que os produtos audiovisuais se tornassem acessíveis a todos os tipos de público, a AD pode ser definida como uma modalidade de tradução audiovisual intersemiótica na qual imagens estáticas (fotografias, pinturas, gráficos etc.) ou dinâmicas (filmes, peças teatrais, espetáculos de dança etc.) são traduzidas por meio de texto verbal. Assim, ao transformar signos não verbais em palavras, a AD garante o apoio necessário àquelas pessoas que teriam seu acesso ao conteúdo imagético impedido ou dificultado.

A AD é uma modalidade de tradução que tende a ser assimétrica. Em geral, ela é produzida por pessoas que não fazem parte do público-alvo, já que sua audiência primária é constituída por pessoas cegas ou com baixa visão.4 4 A AD pode beneficiar um público muito mais amplo, formado tanto por indivíduos com outras necessidades especiais (autistas, disléxicos, pessoas com deficiência intelectual etc.), quanto por idosos, estrangeiros aprendendo uma nova língua ou crianças pequenas em fase de ampliação de vocabulário (Snyder, 2008; Fellowes, 2012; Carneiro, 2015). Desse modo, obras originalmente produzidas por e para videntes são traduzidas por outros videntes, mas para pessoas com deficiência visual. Então, para minimizar os efeitos negativos dessa assimetria e evitar que traduções sejam criadas com base em concepções falsas ou rasas de quais seriam as necessidades e preferências do público-alvo, várias estratégias têm sido empregadas na área da AD.

Muitas das pesquisas realizadas, tanto em nível nacional quanto internacional, por exemplo, constituem-se em estudos de recepção. Ao se debruçarem sobre a prática da AD, portanto, grande parte dos trabalhos tenta investigar a eficácia do que já foi produzido ou delinear parâmetros que apontem as melhores práticas a serem seguidas. Para tanto, o público-alvo é convidado a assistir às produções audiodescritas que estão sendo estudadas (produzidas ou não pelos próprios pesquisadores) e um teste é conduzido para avaliar se a presença da AD auxilia ou não a compreensão dessas pessoas, e se a forma pela qual a obra foi audiodescrita lhes agrada.

Contudo, apesar de sua grande popularidade, o emprego de testes de recepção também apresenta desvantagens. Como qualquer estudo envolvendo voluntários, algumas vezes é difícil recrutar um número significativo de participantes. Além disso, alguns desses sujeitos desistem no meio da pesquisa, ou não estão suficientemente engajados para estarem presentes em todas as sessões. Por fim, caso os testes não sejam realizados remotamente através de ferramentas como a internet, o que nem sempre é possível devido ao perfil socioeconômico mais carente desses voluntários ou às especificidades de certos estudos, outras questões de logística precisam ser levadas em conta. Essas questões envolvem desde a escolha de um local arquitetonicamente acessível até a necessidade de guias, por exemplo. Haveria, então, alguma outra alternativa?

Neste trabalho procuramos demonstrar o potencial da Pesquisa Narrativa para os estudos na área, uma vez que essa metodologia oferece uma abordagem êmica, acessível e teoricamente flexível para pesquisas de cunho qualitativo. Para alcançar esse objetivo, nos debruçamos sobre o percurso metodológico adotado para a consecução da tese de doutoramento intitulada Para além do visível: princípios para uma audiodescrição menos visocêntricaSilva, M. C. C. C. da (2019). Para além do visível: princípios para uma audiodescrição menos visocêntrica [Unpublished doctoral dissertation]. Universidade Federal da Bahia. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/29344
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. A referida tese se constitui num trabalho cujo objetivo foi o de analisar narrativas de pessoas cegas para melhor entender o público-alvo da AD e encontrar subsídios para a construção de textos menos visocêntricos5 5 O termo “visocentrismo”, também grafado como “visuocentrismo”, refere-se a um modo de conhecer e agir no mundo centrado no sentido da visão e que iguala o “ver” à normalidade, conferindo-lhe um status superior aos demais modos de percepção do mundo. e mais próximos de suas necessidades e preferências. Durante a pesquisa, foram analisadas duas autobiografias de autoria de pessoas com cegueira adquirida:6 6 Caso a deficiência ocorra do nascimento até os cinco anos de idade, ela é denominada congênita; caso ocorra numa fase posterior, ela é chamada de adquirida. Touching the Rock, de John Hull (2016Hull, J. M. (2016). Touching the rock. SPCK.),7 7 Este livro foi originalmente publicado em 1990. Entretanto, a edição utilizada no trabalho aqui reportado foi a de 2016. e Out of Darkness: A Memoir, de Zoltan Torey (2003Torey, Z. (2003). Out of darkness: a memoir . Picador.). As obras foram estudadas a partir da metodologia da Pesquisa Narrativa e os dados foram trabalhados através da análise temática nos moldes propostos por Braun e Clarke (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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). Neste artigo, trazemos algumas das conclusões alcançadas, particularmente: 1- A necessidade de respeito aos diferentes perfis do público-alvo, 2- A validade de uma exposição de qualidade, precoce e continuada, e 3- O benefício da associação da AD a experiências multissensoriais.

2. Pesquisa Narrativa

A Pesquisa Narrativa pode ser definida como uma metodologia que consiste na coleta de histórias sobre um determinado assunto em busca de informações para entender um fenômeno específico. As histórias podem ser obtidas por meio de vários métodos: entrevistas, diários, autobiografias, gravação de narrativas orais, narrativas escritas e notas de campo (Paiva, 2008Paiva, V. L. M. O. (2008). A pesquisa narrativa: uma introdução. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, 8(2), 261-266. https://doi.org/10.1590/S1984-63982008000200001
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). Em tempos de internet e mídias sociais, Earthy e Cronin (2008Earthy, S., & Cronin, A. (2008). Narrative analysis. In N. Gilbert (Ed.), Researching Social Life (3rd ed.). SAGE. http://epubs.surrey.ac.uk/805876/9/narrative%20analysis.pdf
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) chamam a atenção também para fontes como blogs e fóruns de discussão, e Hyvärinen (2007Hyvärinen, M. (2007). Analyzing narratives and story-telling. In P. Alasuutari, L. Bickman, & J. Brannen (Eds.), The SAGE Handbook of Social Research Methods (pp. 447-460). SAGE. ) para textos criados em coautoria.

A Pesquisa Narrativa guarda semelhanças com a História Oral e os estudos biográficos. Ela é empregada em áreas do conhecimento tão diversas como, por exemplo, Literatura, Comunicação, Sociologia, Medicina, Enfermagem, Educação, Estudos de Gênero, Estudos Feministas, e Estudos sobre Deficiência (McAlpine, 2016McAlpine, L. (2016). Why might you use narrative methodology? A story about narrative. Eesti Haridusteaduste Ajakiri, 4(1), 32-57. http://ojs.utlib.ee/index.php/EHA/article/view/eha.2016.4.1.02b/7966
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). Em geral, ela é utilizada por aqueles que desejam entender um determinado fenômeno através de um processo de colaboração entre pesquisador e pesquisado na tentativa de “dar voz” aos sujeitos do estudo (Paiva, 2008Paiva, V. L. M. O. (2008). A pesquisa narrativa: uma introdução. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, 8(2), 261-266. https://doi.org/10.1590/S1984-63982008000200001
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).

A base de uma pesquisa nesses moldes é a narrativa. No caso específico da tese aqui relatada, foram escolhidas duas autobiografias: Touching the Rock, de John Hull, e Out of Darkness: A Memoir, de Zoltan Torey. Em sua obra O Olhar da Mente, Oliver Sacks (2010Sacks, O. (2010). O olhar da mente. Companhia das Letras.) faz menção a ambas e descreve uma delas nos seguintes termos: “um livro extraordinário” (p. 179), “rico em sagazes percepções” (p. 179), “escrito com o mais escrupuloso cuidado e lucidez” (p. 182). Segundo Sacks, as autobiografias descrevem o processo de “transição para uma vida de cego” (p. 179) e apresentam perfis absolutamente diferentes, o que poderia ajudar a contemplar a heterogeneidade existente entre pessoas com deficiência visual.8 8 Ao falar de deficiência visual podemos estar nos referindo desde a pessoas com total ausência de visão e sem qualquer memória visual até a indivíduos que possuem perda de visão central ou periférica (“visão em túnel”), mas cujo resíduo visual está num limiar mais próximo do padrão de normalidade. Um dos autores havia entrado num estado de “cegueira profunda” com perda gradual de sua “imagética e memória visuais” (p. 179). O outro era um “cego visual” com uma “visualização compulsiva” e que se empenhava na “construção de um mundo visual interior” (p. 191). O aval do renomado neurologista quanto à qualidade das autobiografias é também confirmado pelo próprio histórico dos dois autores em questão, ambos escritores experientes com outras obras elogiadas pela crítica especializada. Além disso, as obras também apresentam a vantagem de terem sido escritas por autores que perderam a visão já adultos, o que lhes permitia discorrer com propriedade, tanto sobre a vidência quanto sobre a cegueira, explicando diferenças de um modo mais acessível. Por fim, como uma das maiores preocupações dos autores era descrever como passaram a lidar com o mundo visual depois de se tornarem cegos, as narrativas oferecem preciosos insights para pesquisadores na área da AD. De que modo, então, essas narrativas foram estudadas?

A Pesquisa Narrativa se caracteriza por uma “diversidade de tópicos de estudo, métodos de investigação e análise, e orientações teóricas”9 9 […] a diversity of topics of study, methods of investigation and analysis, and theoretical orientations. (Andrews et al., 2008Andrews, M., Squire, C., & Tamboukou, M. (2013). What is narrative research? In M. Andrews, C. Squire, & M. Tamboukou (Eds.), Doing Narrative Research (pp. 1-26). SAGE. https://www.researchgate.net/publication/281562598_Doing_Narrative_Research
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, p. 3, tradução nossa). Lieblich et al. (1998)Lieblich et al. (1998). Narrative research: reading, analysis and interpretation. Sage Publications. apresentam duas dimensões de análise: o estudo holístico, que se opõe ao categorial, e o estudo de conteúdo, que se opõe ao estudo da forma. A primeira dessas dimensões se refere à unidade de análise, ou seja, se a narrativa é analisada como um todo (estudo holístico), ou se são elencadas categorias (estudo categorial). Estudos holísticos procuram entender uma narrativa em particular dentro do contexto de vida de uma única pessoa, mesmo que essa narrativa tenha sido colhida, por exemplo, durante várias entrevistas com aquele indivíduo. Estudos categoriais, em contrapartida, analisam um tipo particular de evento ou experiência e comparam as referências a esse fenômeno dentro de uma única narrativa ou uma série de narrativas diferentes. Estudos holísticos tendem a ser usados na investigação de processos de formação identitária de um único indivíduo, enquanto estudos categoriais tendem a estudar experiências compartilhadas por um grupo de pessoas.

A segunda dessas dimensões diz respeito ao foco da análise, ou seja, se a análise centra-se no conteúdo (estudo de conteúdo) ou na estrutura da narrativa (estudo de forma). Estudos de conteúdo podem analisar tanto o conteúdo superficial de uma narrativa (O que aconteceu? Quem estava presente? Como cada um reagiu? etc.), quanto seu conteúdo latente (Quais os motivos e intenções dos participantes? Qual o significado e importância dessa história para o narrador? etc.). Estudos de forma, por outro lado, analisam, por exemplo, como o enredo é estruturado, a sequência dos eventos e a linguagem utilizada (Lieblich et al., 1998Lieblich et al. (1998). Narrative research: reading, analysis and interpretation. Sage Publications.).

A combinação dessas duas dimensões dá origem a quatro tipos de estudo diferentes: estudo de conteúdo holístico, estudo de conteúdo categorial, estudo de forma holístico, e estudo de forma categorial (Lieblich at al., 1998Lieblich et al. (1998). Narrative research: reading, analysis and interpretation. Sage Publications.). No caso da tese aqui analisada, dois desses tipos de estudo foram realizados: o de conteúdo holístico e o de conteúdo categorial.

Inicialmente, as narrativas foram analisadas em busca de uma maior compreensão acerca do público-alvo da AD. Nesse estágio, buscavam-se respostas para questões como: De que modo cada autor entende o que é a cegueira? De que forma cada um deles deixa de ser vidente e constituiu uma nova identidade cega? Em que exatamente se constituem a “cegueira profunda” e a “cegueira visual”? A intenção, portanto, era entender as narrativas dentro do contexto de vida de cada autor e o processo de formação identitária de cada um. Por isso, optou-se por um estudo de conteúdo holístico.

Em seguida, investigou-se a menção em ambas as narrativas a elementos relevantes para a prática da AD. Nesse caso, buscavam-se respostas para perguntas como: São feitas referências diretas à AD ou práticas análogas em alguma das narrativas? Em caso afirmativo, o que se pode aprender com essas instâncias? Em caso negativo, que outros elementos presentes nas narrativas poderiam trazer informações úteis para a prática da AD? Como o foco, nesse momento, era a análise de todas as referências feitas a um tipo particular de fenômeno dentro de cada narrativa individualmente, bem como a comparação das experiências dos dois autores, um estudo de conteúdo categorial foi desenvolvido.

Quanto ao método de análise de dados, optou-se pela análise temática nos moldes propostos por Braun e Clarke (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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). Segundo as autoras, esse método “oferece uma abordagem acessível e teoricamente flexível para a análise de dados qualitativos”10 10 [...] offers an accessible and theoretically-flexible approach to analyzing qualitative data. (p. 2, tradução nossa) que pode “potencialmente fornecer um conjunto rico e detalhado, ainda que complexo, de dados”11 11 [...] potentially provide a rich and detailed, yet complex account of data. (p. 5, tradução nossa). Entre as vantagens apresentadas pelas autoras para a adoção do método estão: a possibilidade de se trabalhar dentro de um paradigma de pesquisa participativa, com os sujeitos como colaboradores; a geração de percepções imprevistas e não antecipadas a priori; e o realce de semelhanças e diferenças no conjunto total de dados.

De acordo com Braun e Clarke, a análise temática é usada para identificar, examinar e relatar padrões, ou temas, dentro de um conjunto de dados. “Um tema capta algo importante sobre os dados em relação à pergunta de pesquisa ao ressaltar algum nível de resposta padronizada ou significado dentro do conjunto de dados”12 12 A theme captures something important about the data in relation to the research question to address some level of patterned response or meaning within the data set. (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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, p. 10, tradução nossa). No entanto, as autoras procuram frisar que temas não “emergem” do corpus, eles não “residem” nos dados e não estão ali para serem “descobertos” pelo pesquisador. Qualquer analista tem sempre um papel ativo na identificação de padrões/temas num conjunto de dados. Portanto é preciso reconhecer que, por mais que esse tipo de análise seja útil para “dar voz” aos sujeitos, há limitações intrínsecas ao próprio método, uma vez que é o pesquisador quem seleciona aquilo que considera relevante de acordo com suas crenças e posições teóricas, e redige o relatório final.

Segundo Braun e Clarke (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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), a análise temática pode ser dividida em seis fases diferentes: 1- a familiarização com os dados, 2- a geração de códigos iniciais, 3- a busca por temas, 4- a revisão dos temas, 5- a definição e nomeação dos temas, e 6- a produção do relatório final. Esse, contudo, não é um processo linear, mas uma atividade que requer tempo e dedicação, já que, muitas vezes, requer um ir e vir no material produzido/analisado.

Ao optar pela análise temática, o pesquisador inicia o trabalho transcrevendo os dados (se necessário), e lendo e relendo esses dados para poder fazer os apontamentos iniciais. Nessa fase, é importante que ele “mergulhe” no corpus e procure se familiarizar ao máximo com seu conteúdo. Nesse caso, recomenda-se a leitura de todo o conjunto de dados pelo menos uma vez (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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).

Em seguida, o pesquisador codifica (através de cores, por exemplo) informações interessantes presentes no conjunto de dados de forma sistemática. Esses códigos servem para organizar os dados em grupos significativos que poderão, posteriormente, gerar temas ao ser agrupados (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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).

Após essa fase, o pesquisador procura agrupar os códigos iniciais em temas potenciais. Nesse momento, é preciso considerar como códigos diferentes podem se combinar para formar um tema abrangente. Ao final dessa etapa, o analista deve contar com uma coleção de temas e subtemas potenciais, acompanhados de extratos de texto que podem exemplificá-los (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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). Em seguida, o pesquisador verifica se os temas definidos são verdadeiramente apropriados e guardam coerência tanto com relação aos extratos do texto que serão usados para exemplificá-los quanto com relação ao conjunto total de dados. Ao refinar os temas, é possível que o pesquisador descarte alguns deles, por não haver dados suficientes para sustentá-los, ou que temas diferentes venham a se fundir. Nessa fase, é preciso garantir que os temas sejam significativamente coerentes e que haja distinções claras entre eles (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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). Na penúltima etapa, o pesquisador refina a história geral contada pela análise, gerando definições e nomes claros para cada tema. Nesse momento, é importante identificar a “essência” de cada tema e determinar que aspectos dos dados são expressos por cada um deles. É preciso observar como cada tema se encaixa na história global que está sendo contada sobre o conjunto total de dados (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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).

Por fim, o pesquisador produz um relatório coerente, lógico, não repetitivo e interessante no qual relaciona seus achados a suas questões de pesquisa, seus pressupostos teóricos e a literatura da área. Esse relatório deve ser mais que apenas um conjunto de extratos de texto ou uma mera descrição de dados. Passagens de texto devem estar incorporadas a uma narrativa analítica convincente, servindo para ilustrar a história geral contada pela análise temática realizada pelo pesquisador (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://eprints.uwe.ac.uk/11735/2/thematic_analysis_revised...
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). A seguir, são apresentadas algumas das conclusões alcançadas no estudo de conteúdo categorial desenvolvido.

3. Reflexões para a prática da AD

Hull e Torey perderam a visão já adultos. No caso de Hull, esse foi um processo lento e gradual que só se finalizou quando ele já estava na meia idade. No caso de Torey, a perda foi instantânea e ocorreu ainda no início da vida adulta. Como consequência da cegueira, ambos enfrentaram crises existenciais e precisaram reaprender a lidar com o mundo visual que os cercava. No entanto, as estratégias adotadas por cada um, bem como a configuração que a cegueira assumiu em cada caso, foram bastante diferentes. De qualquer forma, ambas as histórias são bastante úteis para aqueles que desejam conhecer melhor o fenômeno da deficiência visual, e têm o potencial de fomentar reflexões interessantes quanto a questões que envolvem a acessibilidade.

No caso específico da AD, não são encontradas quaisquer referências ao recurso em nenhuma das duas autobiografias. Essa situação é explicada pelo fato da AD ainda não estar disponível nos locais nos quais as histórias se desenrolam nos períodos cobertos pelas narrativas. Contudo, ambos os autores fazem referências a descrições verbais feitas por familiares ou amigos. O estudo de conteúdo categorial, portanto, centrou-se na análise das instâncias em que essas descrições são mencionadas, bem como na procura por outros elementos de interesse para a prática da AD ao longo das narrativas. Essa análise deu origem, entre outros, a três temas diferentes: 1- A necessidade de respeito aos diferentes perfis do público-alvo, 2- A validade de uma exposição de qualidade, precoce e continuada, e 3- O benefício da associação da AD a experiências multissensoriais.

O primeiro desses temas se refere ao respeito à heterogeneidade do público-alvo. Para entender melhor essa questão, é preciso explicar mais detalhadamente tanto a “cegueira profunda” de Hull quanto a “cegueira visual” de Torey. No caso de Hull, a cegueira foi acompanhada de um gradual abandono de comportamentos visuais. Cerca de cinco anos após ter sido declarado oficialmente cego, ele já não se recordava mais do rosto de familiares ou de sua própria aparência, tinha dificuldades para se lembrar da grafia correta de certas palavras, e havia deixado para trás conceitos como luz e cor. Sua viúva descreve essa mudança nos seguintes termos:

Quando esse livro foi originalmente publicado em 1990, John já não dizia mais que uma coisa “parecia” com qualquer outra; ou melhor, talvez ele tivesse deliberadamente deixado de lado esse conceito de aparência, algo que ele acreditava ser um elo nostálgico com uma vida antiga que já havia perdido a autenticidade. […] Claro que havia ocasiões nas quais eu gostava de lembrá-lo que eu não estava nada mal para alguém da minha idade, ou que uma das crianças estava fantástica, toda pronta para o baile de formatura. Ele ficava grato pela informação, mas no nosso mundo esses comentários já não tinham muito significado. (Hull, 2017Hull, J.M. (2017). Epilogue. In J.M. Hull, Notes on blindness: a journey through the dark. Profile Books/Wellcome Collection.,13 13 Em 2017 foi publicada uma nova edição de Touching the Rock com o título Notes on Blindness: a journey through the dark. Essa edição contém um epílogo escrito pela viúva de Hull. p. 200-201)14 14 By the time this book was originally published in 1990, John no longer referred to something ‘looking like’ anything else; or rather perhaps he had deliberately let go of the concept, which he regarded as a nostalgic hanging on to part of an old life which was now inauthentic. […] Of course there was the odd occasion when I liked to remind him that I wasn’t looking half bad for my age, or that one or other of the kids looked fantastic, all dressed up for their prom. He was gently appreciative, but in our world these comments no longer held much meaning.

Contudo, a experiência de Hull não poderia ser igualada à de cegos congênitos porque, mesmo depois de atingir essa fase, sua narrativa traz episódios que apontam para o fato de sua memória visual ainda poder ser acionada, e de sua capacidade de visualização não haver desaparecido totalmente. O que parecia haver ocorrido é que ambas se encontravam num estado de latência, não sendo utilizadas apenas porque outras formas de percepção as compensavam satisfatoriamente. Até o final de sua narrativa, por exemplo, Hull continuou a ter sonhos vívidos, detalhados e em cores. Ele chegava a dizer, inclusive, que vivia o paradoxo de redescobrir a visão todas as noites, apenas para perdê-la novamente sempre que acordava. Além disso, havia momentos nos quais, mesmo acordado, Hull ainda tinha lampejos visuais. Essas não eram, no entanto, situações pelas quais ele buscasse avidamente, ou das quais sentisse falta. Nessa fase, ele já estava plenamente adaptado à sua nova realidade e se sentia absolutamente à vontade enquanto uma pessoa cega. Nesse estágio, ele já havia forjado uma nova identidade completamente funcional que não se apoiava em comportamentos visuais. Sua “cegueira profunda”, portanto, poderia ser explicada como sendo uma profunda aceitação da cegueira e das alternativas impostas por ela como formas de se relacionar com o mundo e as pessoas.

No caso de Torey, a estratégia encontrada para enfrentar a perda da visão foi bem diferente. Após seu acidente, ele foi aconselhado a reconstruir sua representação do mundo com base na audição e no tato. No entanto, ele optou pela direção oposta e passou a exercitar sua capacidade de visualização ao máximo. Isso o levou a se afastar da “cegueira profunda” descrita por Hull, que ele chega, inclusive, a citar em seu texto:

Minha visualização é massiva e quase contínua, embora possa ser atenuada ou desligada. Quando isso acontece, devido à fadiga, por exemplo, o mundo se torna cinza-carvão, minha tela visual se esvazia e se torna inexpressiva. Essa deve ser a experiência daqueles que perdem a visão e não reativam suas imagens mentais. Eles acabam na “cegueira profunda” à qual John Hull se refere em seu livro autobiográfico Touching the Rock. [...] Essa possibilidade me aterroriza. O caminho que trilhei desde então, sua riqueza, cor e efetiva substituição, não existiriam e eu me esforço para imaginar o que estaria em seu lugar. (Torey, 2003Torey, Z. (2003). Out of darkness: a memoir . Picador., p.166, tradução nossa)15 15 My visualisation is massive and almost continuous, though it can be eased back or even switched off. When this happens, due to fatigue, for example, the world turns charcoal grey, my visual canvas empties and becomes featureless. This may be the experience of those who lose their sight and do not reactivate their mental vision. They end up in the “deep blindness” to which John Hull refers in his autobiographical book Touching the Rock. […] The thought horrifies me. The road I have travelled since, its richness, colour and effective substitution, would not exist and I am hard pressed to think what would be there instead.

Mas como funcionava exatamente essa “cegueira visual” de Torey? Que habilidade era essa que funcionava a ponto de substituir satisfatoriamente sua visão? Ele a comparava com a projeção de um filme. Com ajuda de seu “olhar interior”, de suas memórias visuais e das informações que colhia através de seus outros sentidos e junto às pessoas que o cercavam, ele construía o que estava diante de seus olhos e projetava aquilo que “via” na tela cinza-carvão que ocupava seu campo visual. Ele também comparava sua visualização ao sonhar acordado. Só que, diferentemente de um sonho, sua visualização se tratava de uma atividade consciente, contínua e controlada, que contava com o benefício da participação dos demais sentidos.

No início, ele usava intuição e lógica para criar suas imagens mentais. Porém, com o tempo, suas reconstruções visuais se tornaram cada vez mais refinadas e sintonizadas com as pistas que colhia do ambiente. Seu córtex visual, livre da tarefa de processar informações visuais externas, passou a contribuir ativamente nesse processo:

Meu cérebro, anteriormente programado para perceber o mundo através da visão, agora, em resposta à demanda por uma substituição de alta qualidade, começou a usar suas técnicas de processamento em sentido inverso. Antes, ele captava informações e fazia inferências com base em dados visuais. Agora, ele reunia quaisquer dados, dados anteriormente ignorados, e junto com suposições perspicazes, gerava percepções [visuais] internamente. (Torey, 2003Torey, Z. (2003). Out of darkness: a memoir . Picador., p. 150-151, tradução nossa)16 16 My brain, formerly there to perceive the world through sight, now, in response to the demand for a high-grade substitution for it, began using its processing techniques in reverse. Previously it perceived and made inferences on the bases of visual data, now it gathered any data, data formerly ignored, and together with shrewd guesses it generated perceptions from within.

O desenvolvimento de todas essas habilidades não foi instantâneo. Torey levou anos para atingir seu nível de visualização. E esses níveis eram tão elevados que, quando ele estava escrevendo seu primeiro livro (ele aprendeu a datilografar pelo tato pouco depois do acidente), ele “via” as letras sendo impressas no papel à medida que ele tocava cada tecla. Quando ele precisava datilografar por muito tempo, ele chegava, inclusive, a sentir tensão ocular devido ao esforço mimético exercido pelos músculos de seus olhos durante a tarefa. O mundo de Torey, portanto, ao contrário do de Hull, era intensamente visual.

Como consequência dessa disparidade, o modo como cada um deles lidava com as descrições verbais feitas por familiares ou amigos também diferia grandemente. No caso de Torey, essas descrições eram de extrema importância, pois o ajudavam a formar imagens acuradas da realidade ao seu redor. O recurso, aliado ao input de seus outros sentidos, sua memória visual e seu conhecimento de mundo, era tão efetivo que lhe possibilitou desenvolver uma visualização capaz de substituir satisfatoriamente sua visão. Por isso, essas descrições eram extremamente apreciadas, estando presentes nas mais diferentes situações do seu dia a dia, até mesmo as mais corriqueiras e triviais como suas refeições:

Outro exemplo da dependência em relação à visão é a comida, cuja apresentação visual sedutora sabidamente estimula o apetite. Depois que eu perdi a minha visão, tudo ficou meio sem gosto. Então, comecei a visualizar o que estava comendo e meu interesse retornou. Agora, eu quero saber como é o meu prato antes de comer e, acredite, isso faz diferença. (Torey, 2003Torey, Z. (2003). Out of darkness: a memoir . Picador., p. 163, tradução nossa)17 17 Another example of sight dependence involves food, whose enticing visual presentation is known to stimulate the appetite. After I lost my sight everything tasted a bit on the bland side. Then I began to visualize what I was eating and my appreciation returned. Now I want to know what my plate looks like before I eat and, believe me, it makes a difference.

Para Hull, em contrapartida, as descrições não tinham o mesmo peso. Nesse caso, apesar de muitas vezes o recurso ainda ser útil, ele parecia não formar imagens tão vívidas, nem ter um caráter tão indispensável. Para Hull, era “difícil acreditar que a ignorância possa jamais ser melhor que o conhecimento”18 18 […] hard to believe that ignorance can ever be better than knowledge. (2016, p. 16, tradução nossa), por isso as descrições não deixavam de ter certa utilidade. Porém, nesse caso, o mais importante era que a iniciativa na busca por informações dessa natureza partisse dele:

De fato, me sinto incomodado quando recebo informações sobre a aparência de alguma coisa, a não ser que eu tenha especificamente solicitado esse tipo de explicação. Muitas vezes, eu realmente faço isso, porque estou curioso. Pode haver certos detalhes que eu queira saber. Não há mérito algum na ignorância. Às vezes, nessas ocasiões, encho um amigo vidente de perguntas. A iniciativa, no entanto, tem que ser minha. (Hull, 2016Hull, J. M. (2016). Touching the rock. SPCK., p. 172, tradução nossa)19 19 Indeed, it disturbs me to be given information about the appearance of something, unless I specifically ask for it. Often, I do ask, because I am curious. There may be certain details I want to know. There is no value in ignorance. Sometimes, on those occasions, I will interrogate a sighted friend in some detail. The initiative, however, has to be mine.

Considerações como essas trazem quais reflexos para a prática da AD, uma vez que o recurso precisa atender tanto a cegos com o perfil de Hull quanto o de Torey? A solução parece residir numa oferta nos moldes dos serviços sob demanda. Apesar da já reconhecida necessidade da presença da AD nos mais variados contextos possíveis, é necessário que o acesso às descrições seja opcional e feito por iniciativa da própria pessoa com deficiência visual. Após ser informada da presença de profissionais que possam fazer ADs simultâneas ou da possibilidade de acesso a ADs pré-gravadas, cabe a cada pessoa com deficiência decidir se quer ou não utilizar esses benefícios, bem como quando irá acessá-los ou desligá-los. Sessões de cinema cujo áudio com AD seja aberto para todo o público, ou o uso de microfones para a veiculação de ADs simultâneas, por exemplo, devem ser evitados. A adoção de uma faixa de áudio exclusiva para a veiculação da AD (via fones, aplicativos de celular etc.) e que seja acessada apenas pelos interessados, torna mais fácil, inclusive, que videntes e pessoas com deficiência visual usufruam juntos dos mesmos eventos culturais.20 20 Nada impede que videntes possam também ter acesso a essas ADs. O recurso pode tornar a experiência de alguns videntes mais educativa e interessante. Contudo, o princípio deve ser o mesmo, ou seja, cabe a cada vidente individualmente optar pelo uso do recurso ou não.

Essas não são, contudo, as únicas conclusões geradas a partir da disparidade de perfis de Hull e Torey. Suas narrativas autobiográficas demonstram que a heterogeneidade do público da AD não afeta apenas a oferta e o acesso ao recurso, mas também o próprio conteúdo e forma das descrições. Torey, por exemplo, demandava descrições pormenorizadas e ricas em dados de natureza visual (cor, dimensões etc.) a fim de construir as imagens que projetava. E quando esses dados lhe eram conferidos, o nível de detalhamento alcançado por sua visualização era impressionante, como durante as partidas de tênis que assistia com sua esposa Dawn:

É assim que funciona para mim: eu formo imagens dos jogadores mais importantes ou interessantes para que eu possa sentir o envolvimento emocional que é necessário para participar e torcer. Dawn fornece os ingredientes visuais de que preciso, incluindo a descrição física e o estilo de jogo. [...] À medida que o jogo avança, eu “vejo” a ação, os movimentos, os golpes, o voo da bola, e em sincronia com o que você vê. Como eu sei de quem é o serviço, eu posso seguir o rally21 21 Termo técnico usado no tênis para designar o conjunto de trocas de bola que ocorre desde o momento de um saque até a marcação de um ponto. à medida que ele se desenrola. Eu levo em conta as reações dos espectadores; o som dos pés correndo na quadra; o tempo entre o golpe, a bola quicando e o contragolpe; e, no final, o árbitro dizendo o placar. Enquanto isso, meu ângulo de visão vai mudando. É como se eu pudesse me valer de câmeras situadas em pontos diferentes, me dando close-ups dos jogadores enquanto eles servem, ou de extremidades alternadas da quadra. [...] Toda essa produção ocorre sem que eu a dirija. Os cortes e closes vão se organizando automaticamente da melhor maneira possível. Eu não sei como isso acontece. O cérebro faz tudo sozinho e eu realmente me divirto. (Torey, 2003Torey, Z. (2003). Out of darkness: a memoir . Picador., p. 260-261, tradução nossa)22 22 This is how it works for me: I form images of the more important or interesting players so that I can feel the emotional involvement that is needed for participation and barracking. Dawn supplies the visual ingredients I need, including body shape and style of movement […] As the play progresses I ‘see’ the action, the movements, the strokes, the flight of the ball, and in synchrony with what you see. Since I know whose service game it is I can follow the rally as it unfolds. I factor in the reactions of the spectators, the sound of the running feet, the time between stroke, bounce and counterstroke and in the end the umpire’s calling the score. All the while my viewing angle keeps shifting around. It is as if I can avail myself of variously situated cameras, giving me close-ups of the players as they serve, of alternative ends of the court […]. The whole production takes place without my directing it, the cuts and close-ups arranging themselves to best advantage. I do not know how it happens, the brain does it all by itself and it is truly enjoyable.

Depois da leitura de um relato tão extraordinário, pode-se ter a impressão de que o caso de Torey seja uma exceção, que muito dificilmente outros “cegos visuais” como ele seriam encontrados. No entanto, isso não é verdade. Sacks (2010Sacks, O. (2010). O olhar da mente. Companhia das Letras.) cita diversos casos de pessoas cegas que, como Torey, são capazes de visualizar em diferentes graus e de diferentes formas. Torey talvez represente o mais alto grau de visualização que um cego com esse perfil possa alcançar, mas, de qualquer forma, ele está longe de ser uma exceção entre aquelas pessoas que perdem a visão depois de adultas. Daí a relevância da utilização de ADs ricas e detalhadas para pessoas com esse perfil. No entanto, esse tipo de descrições não é uma unanimidade. A natureza das descrições apreciadas por Hull, por exemplo, era bastante diferente.

Hull e sua esposa também costumavam aproveitar momentos de lazer juntos. Nessas ocasiões, assim como Dawn, Marilyn muitas vezes fornecia descrições verbais da realidade visual que os cercava. No entanto, em sua opinião, o resultado final sempre ficava muito aquém do desejado:

Agora tudo isso tinha que ser mediado por mim, sua acompanhante vidente. Que aspectos de um prédio eu deveria descrever? O tamanho, o período, as características arquitetônicas, a posição? Ele agora estava menos interessado nos elementos visuais per si e mais em seu papel como indicadores de coisas como significado, propósito e estilo. As palavras tinham que dar conta da quantidade infinita de informações que normalmente são transmitidas pela visão, e isso traz uma sobrecarga tanto para quem é cego quanto para o acompanhante. Andar com ele em uma rua da cidade, viajar de férias, ou assistir a uma peça da escola poderia ser desafiador. Muitas vezes eu sentia que não tinha conseguido fazer justiça nem à paisagem ou ao evento que eu estava tentando descrever, nem ao entendimento que John teria de tudo aquilo. Mas ele perdoava as descrições desajeitadas de seus acompanhantes videntes e logo mudava a conversa para assuntos para os quais não havia necessidade de visão. (Hull, 2017Hull, J.M. (2017). Epilogue. In J.M. Hull, Notes on blindness: a journey through the dark. Profile Books/Wellcome Collection., p. 198, tradução nossa)23 23 Now this all had to be mediated by me, his sighted companion. What bits of a building to describe? Its size, period, architectural features, position? He was now less interested in visual elements for their own sake, and more in their role as indicators of things like meaning, purpose and personality. Words had to fill in the endless information normally streamed by sight and that is a lot more effort for both the blind person and their companion. Walking along with him in a city street, being on holiday, or watching a school play could be demanding. I often felt that I had failed to do justice not only to the landscape or event I was attempting to describe, but to John’s understanding of it. But he was forgiving of the clumsy descriptions of his sighted companions and would soon move the conversation on to subjects for which sight was unnecessary.

Uma das maiores dificuldades apontadas por Marilyn nessa passagem se relaciona ao fato de que a mera descrição dos elementos visuais per si não trazia grandes benefícios para Hull. Diferentemente de Torey, o que ele procurava não eram exatamente informações como cor, dimensão ou posição de um determinado objeto. Nesse caso, a observância a parâmetros mais tradicionais da AD, criados para garantir um pretenso ideal de realismo, como o famoso “descreva apenas o que você vê”, seria altamente contraproducente. No caso de Hull, as descrições deveriam correlacionar os elementos visuais a seus possíveis “significados”, “propósitos” e “estilos”.

Em termos práticos, cegos com o perfil de Hull dificilmente apreciariam a AD de uma exposição de fotografias que reduzisse as obras de arte a um mero conjunto de linhas, formas, planos e cores. Nesses casos, além de descrever aquilo que o audiodescritor entendesse que estivesse vendo, esse profissional também precisaria revestir a própria AD de um caráter artístico, tornando-a mais expressiva e poética através de recursos como, por exemplo, metáforas, sinestesias, aliterações, assonâncias... Enfim, todos os recursos que transformassem a redação do texto em um trabalho meticuloso de lapidação do material bruto que é a linguagem. O objetivo seria que a tradução, de algum modo, espelhasse aquilo que aquele audiodescritor entendesse como sendo o “espírito” da obra (a leitura daquele audiodescritor do que seria seu significado, seu estilo etc.).

De modo análogo, cegos com o perfil de Hull dificilmente apreciariam a AD de um espetáculo de dança que se restringisse à descrição seca dos movimentos executados pelos bailarinos. Por isso, afora todo o trabalho já mencionado de lapidação do texto meta, sua cadência e ritmo, o audiodescritor deveria dar destaque ao caráter autoral e subjetivo inerente à própria AD. Isso quer dizer que, nesses casos, as interpretações e inferências realizadas pelo audiodescritor, bem como a adição de informações extras consideradas relevantes por aquele profissional, ganhariam destaque. Ao descrever um espetáculo de dança para esse público, portanto, ao invés de restringir a AD ao conteúdo visual da apresentação e aos movimentos dos bailarinos, ele poderia oferecer uma tradução enriquecida da interpretação de elementos do cenário, dos personagens e da história, bem como da intenção dos movimentos em cena.

Essas reflexões acerca do conteúdo e forma das ADs suscitam novamente a questão de como conciliar perfis tão diferentes. Nesse caso, um dos parâmetros práticos a ser utilizado poderia ser a finalidade do texto meta. Assim, seria possível escolher entre uma AD que prioriza os elementos visuais per si e dá destaque à descrição mais detalhada de personagens, cenários e figurinos, ou uma AD mais expressiva e autoral. Textos imagéticos de caráter mais referencial, como o das imagens presentes num processo seletivo como o ENEM, seriam descritos de modo mais próximo ao preferido por “cegos visuais”. Nesse caso, o objetivo seria a produção de uma tradução cujo texto denotativo oferecesse informações de natureza mais literal sobre o conteúdo visual de uma imagem. Já aqueles textos imagéticos de caráter mais poético, como as obras de arte, seriam descritos de modo mais próximo ao preferido por Hull. Nesse caso, o objetivo seria a produção de uma tradução cujo texto expressivo auxiliasse a fruição das imagens descritas. Outra estratégia a ser adotada seria a produção de ADs para um público “médio”, aliada à utilização de extras em DVDs e aplicativos para celular, ou funções especiais no menu de TVs digitais. Através desses recursos, o público-alvo poderia ter acesso a informações complementares, podendo contar tanto com descrições mais detalhadas de elementos visuais per si, como com informações que relacionassem esses elementos a seus possíveis “significados”, “propósitos” e “estilos”.

A adoção de táticas como essas poderia contribuir para amenizar o efeito da disparidade de perfis da audiência primária da AD, mas não para lançar luz quanto às suas causas. No prefácio de Out of Darkness: A memoir, Sacks (2003Sacks, O. (2003). Prefácio. In Z. Torey, Out of darkness: a memoir. Picador.) questiona que fatores seriam responsáveis por levar uma pessoa que perde a visão na vida adulta a se tornar uma “cega visual”: “Quanto depende de vontade ou escolha; quanto do meio ou treinamento e experiências passadas; quanto da própria constituição, fisiologia, do cérebro de cada indivíduo?”24 24 How much is dependent on will, or choice; how much on environment or training, past experience; how much on the wiring, the physiology, of the individual brain? (2003, p. xvii, tradução nossa). Obviamente, o teórico não apresenta nenhuma resposta para um problema tão complexo. No entanto, assim como o próprio Sacks, os leitores das autobiografias de Hull e Torey são levados a se questionar por que a cegueira adquirida teria levado a desdobramentos tão diferentes nas histórias de vida de cada autor e, mais especificamente, o quanto as descrições de familiares e amigos teriam influenciado esse processo.

O depoimento de Marilyn acerca da dificuldade de fazer descrições para Hull parece trazer pistas nesse sentido. É possível perceber sua insegurança com relação à qualidade das descrições feitas por ela ou por outros eventuais acompanhantes. Essas pessoas não sabiam muito bem como descrever o que viam e, como resultado, levavam Hull prontamente a mudar o rumo da conversa para assuntos nos quais descrições não se fizessem necessárias. Tem-se a impressão, portanto, de que o abandono gradativo da necessidade de informações de natureza visual por parte de Hull pode ter sido, de algum modo, influenciado pela própria falta de qualidade do input que recebia por parte dos videntes que o cercavam.

Não enxergar mais os pontos turísticos da cidade, o mar e o campo, eu consigo suportar. Há, contudo, uma dificuldade de conexão. É tão difícil permanecer sempre interessado e entusiasmado quando as pessoas estão apontando as coisas e me lembrando da vista linda que se pode ter de um determinado lugar! Sinto a insegurança delas em como me ajudar a compartilhar o seu próprio prazer, como me mostrar as coisas, [...] como me atrair para esse mundo que tanto amam. (Hull, 2016Hull, J. M. (2016). Touching the rock. SPCK., p. 102, tradução nossa)25 25 The loss of the sights of the city, the sea and the countryside, I can endure. There is, however, a problem of sharing. It is so difficult to remain always interested and enthusiastic when people are pointing things out and reminding me of the lovely view which one can see from this spot. I sense their own perplexity at how they can help me to share their own enjoyment, how to show things off, [,,,] how to draw me into this world which they love so much.

Falas como essa corroboram, portanto, a superioridade da AD profissional em relação a descrições informais. Isso não só por que ela desobriga familiares e amigos da tarefa de descrever o que veem, mas também por que a qualidade das descrições pode ser mais facilmente garantida. Além disso, a leitura das narrativas de Hull e Torey leva a crer que quanto mais contato uma pessoa que tenha perdido a visão tiver com descrições bem feitas, mais serão suas chances de desenvolver algum grau de visualização e mais fácil será sua adaptação à sua nova situação, mesmo que ela venha a mergulhar na “cegueira profunda” como Hull. Torey declara, por exemplo, que sua visualização o teria ajudado a se reconectar mais facilmente com as pessoas e o mundo ao seu redor, dando a ele um senso de pertencimento; ao contrário de Hull, que teve de enfrentar ataques de pânico e depressão no início de seu processo de transição para a cegueira. Tudo isso leva a crer, portanto, que a oferta de uma AD de qualidade de forma precoce e continuada seria de suma importância.

No entanto, a mera oferta de ADs não pode ser encarada como uma panaceia. É preciso reconhecer as limitações do recurso. Apesar de sua grande utilidade, seu uso exclusivo é insuficiente para garantir plena acessibilidade. Várias são as instâncias nas narrativas de Hull e Torey, inclusive, nas quais é possível perceber que a situação ideal, aquela que garantia o máximo conforto e compreensão, ocorria quando descrições verbais eram associadas ao input de algum sentido remanescente:

Por exemplo, quando o design incomum e imaginativo da Ópera de Sydney foi publicado e sua construção começou, vários amigos o descreveram para mim. Juntando todas essas informações, eu construí uma imagem. Era uma primeira aproximação aceitável, apesar dos contornos e proporções ainda estarem nebulosos, permanecendo incompletos e aguardando confirmação. Depois, o modelo em escala do edifício ficou disponível e aí a inspeção física que fiz dele [através do tato] finalmente definiu a imagem. Agora eu tenho uma visão clara, tão segura quanto se eu tivesse realmente visto o prédio. (Torey, 2003Torey, Z. (2003). Out of darkness: a memoir . Picador., p. 151, tradução nossa)26 26 For example, when the unusual and imaginative design of the Sydney Opera House was published and its building commenced, a number of friends gave me a description of it. From this material I built for myself a kind of composite image. It was an acceptable first approximation whose outlines and proportions were shrouded, remaining incomplete and awaiting confirmation. Then the scale model of the building became available and my physical inspection of it finally settled the image. Now it is clear vision, as firmly held as if I had actually seen it.

Apesar de no exemplo anterior as descrições estarem associadas a percepções táteis, essa, obviamente, não é a única combinação possível. Na realidade, quanto mais sentidos forem acionados, mais vívida será a imagem construída e mais rica e prazerosa será a experiência. Na realidade, o ideal seria que as descrições pudessem sempre ser associadas a experiências multissensoriais (táteis, olfativas, gustativas, cinestésicas etc.). No caso de espetáculos ao vivo, como peças de teatro ou apresentações de dança, as visitas guiadas ao palco para que se possa tocar o cenário e figurinos, por exemplo, são essenciais. No caso de museus ou galerias, recursos como réplicas, maquetes táteis, taxidermia, textos ampliados e em braille, música, efeitos sonoros, cheiros e gostos tornam muito mais fácil para o público com deficiência visual usufruir os bens culturais em exposição. No caso de filmes e programas de TV, o próprio texto da AD pode conter figuras de linguagem como a sinestesia, a comparação, a aliteração, ou a onomatopeia. Qualquer que seja o caso, o importante é que se procure acionar tantos sentidos quantos forem possíveis.

4. Considerações Finais

A assimetria inerente ao processo da AD tem motivado pesquisadores a buscar conhecer melhor o universo da cegueira e da baixa visão. No entanto, qualquer medida nesse sentido deve preferencialmente contar com a participação das próprias pessoas com deficiência. Após anos de descaso e preconceito, esses indivíduos vêm conquistando o direito a ser protagonistas de sua própria história. O lema “Nada sobre nós sem nós”27 27 A história desse lema, cuja primeira aparição foi registrada num artigo do ativista sul africano William Rowland em 1986, pode ser encontrada no endereço <http://www.bengalalegal.com/nada-sobre-nos>. A ideia é a de que as pessoas com deficiência devem ser consultadas e estar envolvidas na tomada de qualquer decisão que as afetem, pois só elas teriam expertise a respeito de sua própria condição. ilustra perfeitamente esse anseio e demonstra a importância da valorização do lugar de fala dessas pessoas e de sua experiência pessoal de viver a deficiência.

No campo das pesquisas acadêmicas, a resposta encontrada para esse desafio tem sido a condução de estudos de recepção. Entretanto, vários fatores podem dificultar esse processo. Por isso, é importante que estudos conduzidos sob novos ângulos e perspectivas menos tradicionais não deixem de ser acrescidos à massa crítica da área. Neste artigo, a Pesquisa Narrativa é apresentada como uma alternativa metodológica para pesquisas em AD.

Ao oferecer uma abordagem êmica, acessível e teoricamente flexível para pesquisas de cunho qualitativo, a Pesquisa Narrativa abre aos pesquisadores a possibilidade de trabalho com muitos tipos diferentes de narrativas, que vão desde autobiografias a blogs e fóruns de discussão, por exemplo. Essa diversidade é muito salutar e pode trazer inúmeros benefícios para a área da Tradução Audiovisual. Esperamos, portanto, com esse texto que pesquisadores sejam estimulados a testar essa possibilidade metodológica e que isso venha a contribuir para a oferta de ADs cada vez mais próximas das necessidades e preferências de seu público-alvo.

Referências

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  • Torey, Z. (2003). Out of darkness: a memoir . Picador.
  • 3
    Tradução de texto oral através da sobreposição de vozes. Difere da dublagem ao não exigir sincronismo labial e permitir a presença do discurso em língua estrangeira em volume mais baixo. É geralmente utilizado na tradução de gêneros de não ficção como documentários, entrevistas etc.
  • 4
    A AD pode beneficiar um público muito mais amplo, formado tanto por indivíduos com outras necessidades especiais (autistas, disléxicos, pessoas com deficiência intelectual etc.), quanto por idosos, estrangeiros aprendendo uma nova língua ou crianças pequenas em fase de ampliação de vocabulário (Snyder, 2008Snyder, J. (2008). Audio description - the visual made verbal. In J. Díaz Cintas (Ed.), The didactics of audiovisual translation (pp. 191-198). John Benjamins Publishing Company.; Fellowes, 2012Fellowes, J. (2012). Espectro autístico, legendas e áudio-descrição. RBTV - Revista Brasileira de Tradução Visual, 13. http://www.associadosdainclusao.com.br/enades2016/sites/all/themes/berry/documentos/15-espectro-autistico-legendas-e-audio-descricao-por-judith-fellowes-traducao-de-tereza-r-gomes.pdf
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    ).
  • 5
    O termo “visocentrismo”, também grafado como “visuocentrismo”, refere-se a um modo de conhecer e agir no mundo centrado no sentido da visão e que iguala o “ver” à normalidade, conferindo-lhe um status superior aos demais modos de percepção do mundo.
  • 6
    Caso a deficiência ocorra do nascimento até os cinco anos de idade, ela é denominada congênita; caso ocorra numa fase posterior, ela é chamada de adquirida.
  • 7
    Este livro foi originalmente publicado em 1990. Entretanto, a edição utilizada no trabalho aqui reportado foi a de 2016.
  • 8
    Ao falar de deficiência visual podemos estar nos referindo desde a pessoas com total ausência de visão e sem qualquer memória visual até a indivíduos que possuem perda de visão central ou periférica (“visão em túnel”), mas cujo resíduo visual está num limiar mais próximo do padrão de normalidade.
  • 9
    […] a diversity of topics of study, methods of investigation and analysis, and theoretical orientations.
  • 10
    [...] offers an accessible and theoretically-flexible approach to analyzing qualitative data.
  • 11
    [...] potentially provide a rich and detailed, yet complex account of data.
  • 12
    A theme captures something important about the data in relation to the research question to address some level of patterned response or meaning within the data set.
  • 13
    Em 2017 foi publicada uma nova edição de Touching the Rock com o título Notes on Blindness: a journey through the dark. Essa edição contém um epílogo escrito pela viúva de Hull.
  • 14
    By the time this book was originally published in 1990, John no longer referred to something ‘looking like’ anything else; or rather perhaps he had deliberately let go of the concept, which he regarded as a nostalgic hanging on to part of an old life which was now inauthentic. […] Of course there was the odd occasion when I liked to remind him that I wasn’t looking half bad for my age, or that one or other of the kids looked fantastic, all dressed up for their prom. He was gently appreciative, but in our world these comments no longer held much meaning.
  • 15
    My visualisation is massive and almost continuous, though it can be eased back or even switched off. When this happens, due to fatigue, for example, the world turns charcoal grey, my visual canvas empties and becomes featureless. This may be the experience of those who lose their sight and do not reactivate their mental vision. They end up in the “deep blindness” to which John Hull refers in his autobiographical book Touching the Rock. […] The thought horrifies me. The road I have travelled since, its richness, colour and effective substitution, would not exist and I am hard pressed to think what would be there instead.
  • 16
    My brain, formerly there to perceive the world through sight, now, in response to the demand for a high-grade substitution for it, began using its processing techniques in reverse. Previously it perceived and made inferences on the bases of visual data, now it gathered any data, data formerly ignored, and together with shrewd guesses it generated perceptions from within.
  • 17
    Another example of sight dependence involves food, whose enticing visual presentation is known to stimulate the appetite. After I lost my sight everything tasted a bit on the bland side. Then I began to visualize what I was eating and my appreciation returned. Now I want to know what my plate looks like before I eat and, believe me, it makes a difference.
  • 18
    […] hard to believe that ignorance can ever be better than knowledge.
  • 19
    Indeed, it disturbs me to be given information about the appearance of something, unless I specifically ask for it. Often, I do ask, because I am curious. There may be certain details I want to know. There is no value in ignorance. Sometimes, on those occasions, I will interrogate a sighted friend in some detail. The initiative, however, has to be mine.
  • 20
    Nada impede que videntes possam também ter acesso a essas ADs. O recurso pode tornar a experiência de alguns videntes mais educativa e interessante. Contudo, o princípio deve ser o mesmo, ou seja, cabe a cada vidente individualmente optar pelo uso do recurso ou não.
  • 21
    Termo técnico usado no tênis para designar o conjunto de trocas de bola que ocorre desde o momento de um saque até a marcação de um ponto.
  • 22
    This is how it works for me: I form images of the more important or interesting players so that I can feel the emotional involvement that is needed for participation and barracking. Dawn supplies the visual ingredients I need, including body shape and style of movement […] As the play progresses I ‘see’ the action, the movements, the strokes, the flight of the ball, and in synchrony with what you see. Since I know whose service game it is I can follow the rally as it unfolds. I factor in the reactions of the spectators, the sound of the running feet, the time between stroke, bounce and counterstroke and in the end the umpire’s calling the score. All the while my viewing angle keeps shifting around. It is as if I can avail myself of variously situated cameras, giving me close-ups of the players as they serve, of alternative ends of the court […]. The whole production takes place without my directing it, the cuts and close-ups arranging themselves to best advantage. I do not know how it happens, the brain does it all by itself and it is truly enjoyable.
  • 23
    Now this all had to be mediated by me, his sighted companion. What bits of a building to describe? Its size, period, architectural features, position? He was now less interested in visual elements for their own sake, and more in their role as indicators of things like meaning, purpose and personality. Words had to fill in the endless information normally streamed by sight and that is a lot more effort for both the blind person and their companion. Walking along with him in a city street, being on holiday, or watching a school play could be demanding. I often felt that I had failed to do justice not only to the landscape or event I was attempting to describe, but to John’s understanding of it. But he was forgiving of the clumsy descriptions of his sighted companions and would soon move the conversation on to subjects for which sight was unnecessary.
  • 24
    How much is dependent on will, or choice; how much on environment or training, past experience; how much on the wiring, the physiology, of the individual brain?
  • 25
    The loss of the sights of the city, the sea and the countryside, I can endure. There is, however, a problem of sharing. It is so difficult to remain always interested and enthusiastic when people are pointing things out and reminding me of the lovely view which one can see from this spot. I sense their own perplexity at how they can help me to share their own enjoyment, how to show things off, [,,,] how to draw me into this world which they love so much.
  • 26
    For example, when the unusual and imaginative design of the Sydney Opera House was published and its building commenced, a number of friends gave me a description of it. From this material I built for myself a kind of composite image. It was an acceptable first approximation whose outlines and proportions were shrouded, remaining incomplete and awaiting confirmation. Then the scale model of the building became available and my physical inspection of it finally settled the image. Now it is clear vision, as firmly held as if I had actually seen it.
  • 27
    A história desse lema, cuja primeira aparição foi registrada num artigo do ativista sul africano William Rowland em 1986, pode ser encontrada no endereço <http://www.bengalalegal.com/nada-sobre-nos>. A ideia é a de que as pessoas com deficiência devem ser consultadas e estar envolvidas na tomada de qualquer decisão que as afetem, pois só elas teriam expertise a respeito de sua própria condição.
  • Contribuição dos autores

    Nós, Manoela Cristina Correia Carvalho da Silva e Alessandra Santana Soares Barros, declaramos, para os devidos fins, que não temos qualquer conflito de interesse, em potencial, neste estudo. Este artigo contém ideias originalmente apresentadas na tese de doutoramento Para além do visível: princípios para uma audiodescrição menos visocêntrica, desenvolvida por Manoela Cristina Correia Carvalho da Silva sob orientação de Alessandra Santana Soares Barros.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2020
  • Aceito
    07 Dez 2021
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