RESUMO:
O objetivo deste artigo é problematizar, por meio de discursos que propagam o uso das tecnologias digitais (TD) nas escolas públicas, a forma como é disseminado o uso das ferramentas digitais na educação escolarizada. Análises empreendidas nos documentos relativos ao Projeto EDUCOM, ao Programa Nacional de Informática Educativa (PRONINFE), ao Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO) e ao Programa Um Computador por Aluno (PROUCA) constituem o corpus da pesquisa. Pela pesquisa e as discussões aqui empreendidas, demonstra-se que os discursos mobilizados por meio das políticas supracitadas criam as condições de possibilidade para a condução eletrônica das condutas e operam na constituição de sujeitos, cujo comportamento deve afinar-se com as condições de vida próprias da contemporaneidade. A problematização aqui apresentada é de inspiração foucaultiana, e foram utilizadas como ferramentas conceituais as noções de discurso, governamento e governamentalidade.
Palavras-chave:
Tecnologias digitais na educação; Discurso; Governamento; Governamentalidade.
ABSTRACT:
This paper discusses how widespread is the use of digital tools in school education through discourses that propagate digital technologies' use in public schools. The corpus of research is constituted by analysis undertaken in documents related to Project EDUCOM, National Program of Educational Informatics (PRONINFE), National Program for Information Technology in Education (PROINFO) and One Computer per Student Program (PROUCA). Survey and discussions undertaken here demonstrated that discourses mobilized through the above policies creates possibility's conditions for the electronic conduction of conducts operating in the constitution of subjects, whose behavior are in tune with living conditions in contemporaneity. The problematization presented here has foucaultian inspiration. Notions of discourse, government and governmentality were used as conceptual tools.
Keywords:
Digital technologies in education; Speech; Government; Governmentality.
INTRODUÇÃO
"Usamos o termo tecnologias a fim de insinuar uma abordagem particular da análise da atividade de governar, um enfoque que presta grande atenção aos mecanismos através dos quais autoridades de vários matizes têm buscado modelar, normalizar e instrumentalizar a conduta, o pensamento, as decisões e as aspirações dos outros, a fim de alcançar os objetivos que eles consideram desejáveis."
(Peter Miller; Nikolas Rose)
Neste artigo, a palavra "tecnologia" tem tanto um sentido estratégico relacionado às práticas de condução das condutas quanto um sentido de artefato cultural eletrônico/digital. Nosso interesse não é analisar o uso das Tecnologias Digitais (TD) em si, mas abordar as diretrizes e as formas de disseminação das TD pelo País, bem como as formas como elas são divulgadas e dirigidas aos sujeitos, especialmente no espaço escolar. Portanto, não se trata de um artigo que aborde metodologias de uso de novas ferramentas digitais na escola ou que destaque as muitas políticas de incentivo à expansão e à alfabetização digital dos escolares. Também não se trata de fazermos uma leitura ingênua de ser contra as práticas de uso e de disseminação de tais tecnologias entre os indivíduos de uma população. Objetivamos mostrar, a partir de dados de pesquisa, como os usos e a disseminação das TD, por meio da escola, constituem formas cada vez mais sofisticadas e includentes de captura dos indivíduos para um tipo de racionalidade governamental contemporânea. Para tanto, usamos os estudos foucaultianos e, com destaque, as ferramentas teórico-metodológicas da "governamentalidade" e do "discurso" para analisar e problematizar as tecnologias que constituem as práticas de condução das condutas e de subjetivação do presente. Com tal problematização, ganhamos em conhecimento sobre como o uso das TD nas escolas pode operar como uma tecnologia de "governamento" e de "subjetivação", ou seja, como uma tecnologia que possibilita que o Estado intervenha nos escolares e que cada escolar intervenha sobre si mesmo.
Complexificando ainda mais o uso que fazemos da palavra "tecnologia", buscamos em Michel Foucault uma articulação entre ela e a palavra "técnica". Embora para o filósofo o termo "tecnologia" nem sempre tenha sido tratado de forma distinta do termo "técnica" - pois, no curso de 1978, intitulado Segurança, Território e População, por vezes ele toma "tecnologia" e "técnica" como sinônimos -, ele nos leva a pensar em tecnologia como uma dimensão estratégica das práticas. Tecnologias e/ou técnicas seriam "os meios calculados através dos quais uma ação qualquer poderá cumprir certos fins ou objetivos" (CASTRO-GOMEZ, 2010CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Historia de la gubernamentalidad: razón de Estado, liberalismo y neoliberalismo em Michel Foucault. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Pontificia Universidad Javeriana - Instituto Pensar; Universidad Santo Tomás de Aquino, 2010., p. 34). Ao usar tais termos, Foucault possibilita-nos entender os modos como as práticas operam no interior de uma rede de relações, ou seja, somos conduzidos a operar com práticas que se constituem de acordo com uma dada racionalidade. Conforme Marín-Diaz 2013MARÍN-DÍAZ, Dora Lilia. Autoajuda e educação: uma genealogia das antropotécnicas contemporâneas. 2013. 310 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013., p. 26), "racionalidade e pensamento não respondem a vontades de indivíduos particulares; elas produzem-se, atualizam-se no seu acontecer histórico e nas condições particulares dos espaços sociais onde se formam". Desse modo, são múltiplas as práticas em operação em distintas redes de relações, e cada uma delas mereceria uma análise em particular. Porém, para este artigo, movimentamo-nos entre as práticas que, voltadas para a disseminação das TD, constituem condições favoráveis para o governamento eletrônico da população. Por governamento, orientadas por Veiga-Neto (2002)VEIGA-NETO, Alfredo. Coisas de governo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. L.; VEIGA-NETO, Alfredo (org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 13-34., entendemos conjuntos de práticas que, disseminadas pela sociedade, orientam, conduzem/governam a população. Somada a tais práticas, está a necessária ação do sujeito sobre si mesmo, ou seja, as práticas de subjetivação. Juntas, as práticas de governamento e de subjetivação constituem a grade de inteligibilidade que propomos usar para a leitura do presente, qual seja, a governamentalidade.
Assim, nessa dupla possibilidade de entendimento da palavra "tecnologia", o segundo passo que compreendemos ser importante anunciar para posteriormente desenvolver refere-se à nossa posição política e pedagógica frente às políticas e aos projetos governamentais e aos usos das TD nas escolas. No século XXI, estar incluído digitalmente é condição mínima para participação em uma sociedade em rede e para que estejamos conectados a outras formas de trabalho, de relacionamento e de participação política, social, cultural e econômica. Dessa forma, assegurar que todos tenham acesso ao mundo digital é condição necessária, embora não suficiente, para garantir condições de possibilidade para que em um futuro próximo tenhamos, em diferentes escalas de participação, uma população conectada e acessível às capturas digitais.
Para darmos sequência ao artigo, no próximo subtítulo, apresentamos os materiais de pesquisa e tornamos visível como as TD têm sido difundidas pelas políticas educacionais e como estas necessitam da intervenção da maquinaria escolar para minimizar os efeitos da diferenciação social, econômica e política gerados pela in/exclusão digital. No subtítulo seguinte, a partir de excertos dos materiais de pesquisa, demonstramos que a disseminação das TD nas escolas pode ser entendida como uma tecnologia de governamentalidade que, ao investir na familiarização do uso das ferramentas digitais, investe na formação das condições para o desenvolvimento de outra forma de governamento da população - a "governamentalidade eletrônica".
PROJETOS E PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE TD NAS ESCOLAS: PREPARAÇÃO PARA A GOVERNAMENTALIDADE ELETRÔNICA
Desde 1980, de forma crescente até os dias atuais, o Estado brasileiro tem investido na massificação do uso das TD, bem como na criação de uma cultura digital capaz de produzir outro tipo de sujeito para outra concepção de sociedade. Parece trivial ou mais um clichê do senso comum acadêmico fazer tal afirmação, porém é fundamental problematizarmos o papel da escola no contexto da sociedade tecnológica. Para tanto, buscamos nos estudos foucaultianos instrumentos que permitam pensar a escola moderna como maquinaria implicada na produção das condições de vida do presente, mais especificamente, pensar a escola como maquinaria de ensino, formação de sujeitos e disseminação de uma cultura tecnológica. Em Vigiar e Punir, Foucault descreve e analisa tecnologias disciplinares que resultaram em uma complexa rede de novos saberes e de novas economias do poder, o que permite entender deslocamentos de ênfase em uma lógica disciplinar para uma lógica de controle.
Nos cursos Segurança, território e população (2008aFOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes, 2008a.) e Nascimento da Biopolítica (2008b), Foucault, ao problematizar as práticas de condução das condutas dos homens (nos contextos do ordoliberalismo alemão e do (neo)liberalismo americano) e ao buscar entender como estes se curvam às verdades que os envolvem, possibilita que entendamos o jogo educativo entre o Estado, a escola e a população. Nesse jogo educativo, ao operarmos com as ferramentas do "discurso" e da "governamentalidade", propomos mostrar como as TD têm sido difundidas pelas políticas educacionais e como estas necessitam, mesmo na contemporaneidade ou na sociedade de controle, da intervenção da maquinaria escolar para difundir formas de comportamento e conhecimentos mínimos que permitam o uso das tecnologias pelos sujeitos. Antes de darmos continuidade às discussões sobre o que as análises dos materiais de pesquisa nos fazem pensar e os conceitos-ferramentas já anunciados, apresentamos, mesmo que rapidamente, os materiais.
O conjunto de materiais do corpus de análise da pesquisa é composto pelos documentos referentes ao Projeto EDUCOM, ao Programa Nacional de Informática Educativa (PRONINFE), ao Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO) e ao Programa Um Computador por Aluno (PROUCA)1
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Especificamente, o conjunto de materiais de análise é composto pelo documento publicado pelo Núcleo de Apoio à Informática na Educação - UNICAMP (NIED, 1983), referente ao Projeto EDUCOM; pelo documento orientador referente ao PRONINFE (PRONINFE, 1989); pelas Diretrizes do PROINFO (PROINFO, 1997); pelo Manual Eletrônico do PROUCA (PROUCA, 2010a); pela cartilha do PROUCA (PROUCA, 2010b); e pela Resolução/FNDE/CD/nº 17, de 10 de junho de 2010 (PROUCA, 2010c).
. O Projeto EDUCOM - Informática na Educação (BRASIL, 1985BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Governo Eletrônico. Disponível em <Disponível emhttp://www.governoeletronico.gov.br/ >. Acesso em: 07 dez. 2012.s.d
http://www.governoeletronico.gov.br/...
) começou a ser implantado em julho de 1983 e, apesar de receber fomento financeiro do governo federal e de órgãos ligados ao governo, não se configura em uma política com os mesmos propósitos dos programas que o sucederam. Todas as instâncias de implantação do EDUCOM (1983NIED. Núcleo de Informática Aplicada à Educação - Universidade Estadual de Campinas Projeto Educom: Proposta Original. Campinas: NIED, 1983. (Memo n. 1).), desde o seu planejamento até a sua execução, ficaram a cargo das cinco universidades que tiveram suas propostas contempladas - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Federal de Pernambuco. O objetivo do projeto era desenvolver a "pesquisa multidisciplinar voltada para a aplicação das tecnologias de informática no processo ensino-aprendizagem" (BRASIL, 1985BRASIL. Um relato atual de informática no ensino no Brasil. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1985., p. 12). A concepção do EDUCOM foi fundamentada na utilização do softwareLogo e baseava-se em uma metodologia na qual o aluno não recebia estruturas prontas de situações de aprendizagem, mas era incentivado a estruturar a situação para que a sua própria aprendizagem ocorresse na busca pela solução de problemas. Em síntese, por meio da utilização do software Logo, o EDUCOM propunha-se a
[...] imprimir uma filosofia diferente ao uso do computador na educação, nas áreas de Matemática, Física, Química, Biologia, e Letras (Língua Portuguesa). Segundo a filosofia Logo, o computador é fundamentalmente uma ferramenta para a aprendizagem, não uma máquina de ensinar. (NIED, 1983NIED. Núcleo de Informática Aplicada à Educação - Universidade Estadual de Campinas Projeto Educom: Proposta Original. Campinas: NIED, 1983. (Memo n. 1)., p. 1)
Dando continuidade ao processo de inserção das TD na educação, em 1989 foi implantado o Programa Nacional de Informática Educativa (PRONINFE), que visava definir estratégias não para a utilização da informática no processo de ensino e de aprendizagem, mas para a disseminação da informática educativa no país. O principal propósito do PRONINFE era que "o desenvolvimento e a utilização das tecnologias de informática, em todos os níveis e modalidades do ensino [...] [fosse] um forte aliado na luta pela melhoria do desempenho do nosso sistema educacional" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., s/p.).
Embora o PRONINFE não tenha produzido modificações na estrutura escolar - como a implantação de laboratórios ou a distribuição de softwares e equipamentos - ele serviu como subsídio para o programa que o sucedeu, o Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO). O PROINFO, em funcionamento desde 1997, objetiva "introduzir o uso das tecnologias da informação e comunicação nas escolas da rede pública" (BRASIL, 2012LOPES, Maura Corcini; FABRIS, Eli Henn. Inclusão & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.). Com o intuito de contribuir para a "mudança de cultura no sistema público de ensino de 1º e 2º graus, de forma a torná-lo apto a preparar cidadãos capazes de interagir numa sociedade cada vez mais tecnologicamente desenvolvida" (PROINFO, 199PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997.7, p. 5), o PROINFO é responsável pela instalação de laboratórios de informática e pela estruturação para a implantação de banda larga nas escolas públicas.
Vinculado ao PROINFO e com o objetivo principal de promover a "inclusão digital pedagógica de alunos e professores" (PROUCA, 2010aPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Manual, 2010a. Disponível em: <Disponível em: http://www.uca.gov.br/institucional//dowloads/manual_eletronico.pdf >. Acesso em: 04 dez. 2010.
http://www.uca.gov.br/institucional//dow...
s/p.), em 2010 é implantado o Programa Um Computador por Aluno (PROUCA). O PROUCA, por meio da distribuição de laptops educacionais para alunos e professores da educação básica, tem como uma de suas metas
[...] melhorar o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas brasileiras, por meio da universalização do uso de tecnologias da informação e comunicação (TIC) no sistema público de ensino, que permitam a utilização e o acesso individual dos alunos a conteúdos e instrumentais digitais de qualidade para o uso pedagógico. (PROUCA, 2010aPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Manual, 2010a. Disponível em: <Disponível em: http://www.uca.gov.br/institucional//dowloads/manual_eletronico.pdf >. Acesso em: 04 dez. 2010.
http://www.uca.gov.br/institucional//dow... , s/p.).
Para que uma escola possa receber equipamentos oriundos do PROUCA é necessário que a instituição esteja vinculada ao PROINFO.
Os materiais referentes a essas políticas permitem pensar em ênfases, entendimentos e ações de governamento que nos conduzem a entender, no contexto educacional, por que algumas práticas das políticas citadas acima foram esmaecidas e outras ganharam expressão no contexto das práticas escolares. Permitem também entender os investimentos do Estado na disseminação, via escola, das TD como uma forma de equacionar um maior equilíbrio entre aqueles que possuem acesso às TD (independentemente da escola) e aqueles cujo acesso é cerceado pelas condições precárias de vida. Por fim, permitem entender, pelo desejo de aprender a usar o computador (tanto de parte dos alunos quanto dos professores), bem como pelo desejo de estar e permanecer conectado, como são produzidas e colocadas em curso energias necessárias para que todos disponham de condições, mesmo que mínimas, de participar de uma sociedade conectada em rede.
Assim, quando nos propomos a desenvolver uma pesquisa analítica utilizando como ferramenta operatória o conceito de discurso, queremos dizer que estamos comprometidas em estudar tais documentos na condição de sua "textualidade" (FISCHER, 2002FISCHER, Rosa Maria Bueno. Verdades em suspenso: Foucault e os perigos a enfrentar. In: COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2002, p. 49-71., p. 65), buscando neles "a descrição minuciosa das práticas a que eles fazem referência" (FISCHER, 2002FISCHER, Rosa Maria Bueno. Verdades em suspenso: Foucault e os perigos a enfrentar. In: COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2002, p. 49-71., p. 65). Nessa esteira, compreendemos que os documentos que promovem o uso das TD no ensino põem em circulação discursos oriundos das diferentes racionalidades políticas que as pensaram e as colocaram em funcionamento. Trata-se de discursos que evocam comportamentos sociais, políticos e econômicos a ser assumidos pelos indivíduos e que acabam por operacionalizar técnicas de condução das condutas; por conseguinte, constituem sujeitos conforme as necessidades para o melhor exercício da governamentalidade. Para esse exercício, importa conhecer a população nas suas minúcias para que a condução das condutas possa dar-se de modo "racional e refletido" (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, Michel. Governamentalidade. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010a, p. 281-305.). Por esse viés, tornam-se produtivos os investimentos em discursos que propaguem as formas como cada indivíduo deve comportar-se para ter emprego, para ser um bom gestor da sua vida e da vida daqueles com quem convive e para alavancar o Brasil à condição de país em desenvolvimento.
O conceito de governamentalidade refere-se a uma racionalidade governamental que faz da população o seu principal objeto e da economia o seu saber mais importante, tendo nos dispositivos de segurança seu mecanismo mais eficaz (VEIGA-NETO, 2011VEIGA-NETO, Alfredo. Governamentalidades, neoliberalismo e educação. In: BRANCO, Guilherme Castelo; VEIGA-NETO, Alfredo (Org). Foucault: filosofia e política., Belo Horizonte: Autêntica 2011, p. 37-52.; 2007VEIGA-NETO, Alfredo. Pensar a escola como uma instituição que pelo menos garanta a manutenção das conquistas fundamentais da modernidade. In: COSTA, Marisa Vorraber. A escola tem futuro? Rio de Janeiro: Lamparina, 2007, p. 97-118.). A governamentalidade não consiste em impor as leis, ela é exercida sobre homens livres e consiste em dispor as coisas, utilizar as leis como tecnologias para a condução das condutas (FOUCAULT, 2008bFOUCAULT, Michel. O Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.). Dessa maneira, para a constituição de uma sociedade governamentalizada, interessa poder "intervir ao mesmo tempo sobre cada um e sobre o coletivo, formar ao mesmo tempo o governo e o autogoverno" (PINEAU, 2008PINEAU, Pablo. Como a noite engendra o dia e o dia engendra a noite: revisando o vínculo da produção mútua entre escola e Modernidade. Pro-Posições. Campinas, v. 19, n. 3(57), p. 83-104, set./dez. 2008., p. 91), características que potencializam a necessidade de produzir o disciplinamento dos indivíduos, bem como a necessidade de que estes desenvolvam práticas de governamento e de controle sobre si mesmos. A "governamentalidade", conforme referimos na introdução, dá-se no encontro entre as práticas de governamento e as práticas de subjetivação, formando uma grade de inteligibilidade a partir da qual pode ser lida. Para tanto, importa para o exercício da governamentalidade dispor de tecnologias de governamento, que estruturam o campo de ações dos outros, e de práticas de subjetivação, que produzem as condições de possibilidade para que cada indivíduo se responsabilize pela condução das condutas de si mesmo, ou seja, pelo autogoverno.
Assim, para contar com uma população formada por indivíduos livres e capazes de autogovernar-se, a escola tem a função de ensinar as crianças a ser "capazes, por si mesmas, de se disciplinarem e disciplinarem o entendimento que têm do mundo em que estão" (VEIGA-NETO, 2007VEIGA-NETO, Alfredo. Pensar a escola como uma instituição que pelo menos garanta a manutenção das conquistas fundamentais da modernidade. In: COSTA, Marisa Vorraber. A escola tem futuro? Rio de Janeiro: Lamparina, 2007, p. 97-118., p. 109). Com isso, queremos dizer que à escola moderna, produzida por dispositivos disciplinares, foi conferida a tarefa de disciplinarização do indivíduo. A disciplinarização é uma forma de operar tanto sobre o eixo do corpo quanto sobre o eixo do saber, e ambos estão implicados no "poder disciplinar, do qual depende a nossa 'capacidade' de nos autogovernarmos mais e melhor" (VEIGA-NETO, 2007VEIGA-NETO, Alfredo. Pensar a escola como uma instituição que pelo menos garanta a manutenção das conquistas fundamentais da modernidade. In: COSTA, Marisa Vorraber. A escola tem futuro? Rio de Janeiro: Lamparina, 2007, p. 97-118., p. 101). Portanto, é na escola moderna que a criança melhor aprende a disciplinar seu corpo, a controlar as suas atitudes. Por meio de horários e espaços bem definidos e avaliações regulares, é esperado que a criança amplie o seu conhecimento sobre conteúdos específicos. Tais investimentos visam a "transformar as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas" (FOUCAULT, 2010bFOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010b., p. 143) e operam para a produção de um sujeito disciplinado, que tem internalizadas as regras sociais de conduta, é cumpridor de horário e de suas obrigações e se constitui no trabalhador próprio da modernidade.
Na atualidade, algumas dessas funções da escola alteram-se, pois, em vez da formação de um sujeito "apenas" disciplinado, é preciso investir também na constituição de sujeitos com características deste outro tempo, em que fazer uso das TD se torna uma necessidade. Com isso, não queremos dizer que a instituição escolar não está mais comprometida com o disciplinamento dos sujeitos, mas, sim, que ela também está voltada - e talvez de forma cada vez mais acentuada - para a produção de sujeitos para viverem esse outro tempo, cuja percepção não está mais pautada na continuidade, na linearidade e em espaços bem ordenados, hierarquizados, com regras rígidas e bem definidas.
Assim, para a "geração de uma nova sociedade" e para "atender aos imperativos de uma nova ordem social" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., p. 21) pautada no uso das TD, a escola passa a ter como uma de suas funções a produção de "novas formas de pensar, trabalhar, viver e conviver" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 2). Tal função está atrelada à necessidade de que os sujeitos não só tenham acesso às ferramentas digitais, mas que também aprendam, o mais cedo possível, a fazer uso delas. Dessa forma, na atualidade, para o exercício do autogoverno, além de disciplinado, o sujeito deve ser também responsável pela preservação da sua vida, pelo seu sustento e pela manutenção da ordem social. Em outras palavras, cabe à escola "preparar o novo cidadão, aquele que deverá colaborar na criação de um novo modelo de sociedade, em que os recursos tecnológicos sejam utilizados como auxiliares no processo de evolução humana" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 3). Para tanto, fica conferida a essa instituição a produção de sujeitos "autônomos, cooperativos, criativos e críticos" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 7).
A partir de outro contexto teórico, Rifkin (2001RIFKIN, Jeremy. A era do acesso: a transição de mercados convencionais para networks e o nascimento da nova economia. São Paulo: Pearson/Makron Books, 2001.) diz que vivemos a "era do acesso", na qual mais importante do que possuir bens materiais é poder ter acesso, fazer parte da rede, estar conectado, o que nos permite afirmar que as modificações que caracterizam a contemporaneidade estão diretamente relacionadas ao advento das TD. Com isso, mais do que um "valioso agente de mudanças para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., p. 21), o uso das TD no espaço escolar também se constitui em uma forma de operar na produção de sujeitos que saibam fazer uso das TD e que, ao serem expostos ao uso dos recursos computacionais digitais, "desenvolvam processos mentais mais elaborados, aumentando as suas chances de êxito/autonomia na sociedade ativa e produtiva" (PROUCA, 2010bPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Cartilha Projeto UCA. Brasília: Escola Superior de Redes, 2010b., s/p.).
Em síntese, embora a educação escolarizada ainda esteja pautada por um modelo disciplinar de condução das condutas, tendo como "estratégia espaço-temporal" o "confinamento e a distribuição espacial" (MORAES; VEIGA-NETO, 2008IV COLÓQUIO IVCOLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO SOBRE QUESTÕES CURRICULARES, 4, 2008, Florianópolis. MORAES, Antônio Luiz de; VEIGA-NETO, Alfredo. Disciplina e controle na escola: do aluno dócil ao aluno flexível. Florianópolis: UFSC, 2008., p. 4), ela também está comprometida com a constituição de sujeitos preparados para o uso dos recursos digitais e capazes de adaptar-se às modificações trazidas pelas novas formas de viver que se constituem na contemporaneidade, estando abertos a mudanças e dispostos a correr riscos. Mais do que isso, Moraes (2008IV COLÓQUIO IVCOLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO SOBRE QUESTÕES CURRICULARES, 4, 2008, Florianópolis. MORAES, Antônio Luiz de; VEIGA-NETO, Alfredo. Disciplina e controle na escola: do aluno dócil ao aluno flexível. Florianópolis: UFSC, 2008.) defende que na atualidade um estado de coisas conduz à produção de um outro tipo de subjetividade - que ele denomina de "subjetivação flexível" (MORAES, 2008MORAES, Antônio Luiz de. Disciplina e controle na escola: do aluno dócil ao aluno flexível. 2008. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2008.) - que se difere da produção de subjetividades dóceis, tradicionalmente conferida à educação moderna. O tipo de subjetividade própria da contemporaneidade produz um corpo-digital flexível (MORAES, 2008MORAES, Antônio Luiz de. Disciplina e controle na escola: do aluno dócil ao aluno flexível. 2008. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2008.), ligado a um comportamento conectado às TD, adaptado, que segue as regras da nova organização social que está pautada na proliferação dos recursos tecnológicos digitais. Percebe-se que cada vez mais vai sendo instaurada a necessidade de formação de sujeitos afinados ao uso das TD, fortalecendo a inserção dessas tecnologias no espaço escolar.
Dado esse conjunto de circunstâncias que demonstra a ligação entre as formas de viver, trabalhar, comunicar-se e relacionar-se na contemporaneidade e o uso das TD, oportunizar ao maior número possível de pessoas o acesso às ferramentas digitais, mesmo que esse acesso se dê em diferentes níveis, torna-se uma das bandeiras do roll de políticas de inclusão, em especial a de inclusão escolar. Na esteira da disseminação das TD, um conjunto de iniciativas voltadas para a promoção da inclusão digital dos escolares e da população em geral é mobilizado como forma de promover a melhoria da "eficiência da estrutura social, qualidade de vida da população e construção de uma sociedade mais justa, solidária e integrada" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 1). Ao que nos parece, tais políticas devem proporcionar aos sujeitos as condições mínimas para que o Estado seja desonerado de determinadas responsabilidades sobre a população, uma vez que as políticas de inclusão escolar, de um modo geral, são operacionalizadas visando à "ampliação de oportunidades de acesso e retorno à escola" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., p. 20), à "expansão da escolaridade em todos os níveis de ensino" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., p. 20) e à "redução da evasão e da repetência" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., p. 20). Investimentos dessa natureza parecem ser fundamentais para países que, como o Brasil, almejam atingir o status de país em desenvolvimento. Isso porque, por meio desses investimentos, parece ser possível melhorar os índices de escolaridade, saúde e capacidade de empregabilidade e diminuir os níveis de violência, criminalidade, etc.
Assim, compreendemos que a disseminação das TD na educação se constitui em um conjunto de técnicas operacionalizado por meio dos programas que fomentam o uso das TD na educação e fortalecem o desenvolvimento da governamentalidade eletrônica. Entendemos por governamentalidade eletrônica a condução das condutas, que tem o uso das TD como condição de possibilidade para o seu desenvolvimento. Isso faz com que a preparação da maior parcela possível da população para a utilização das ferramentas digitais se torne uma necessidade. Por isso, "promover a inclusão digital pedagógica de alunos e professores" (PROUCA, 2010bPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Cartilha Projeto UCA. Brasília: Escola Superior de Redes, 2010b., p. 1) parece constituir-se em uma das ações de base a ser desenvolvida pelo Estado-Nação.
Mais do que isso, ao ser enfatizada a importância de que a estrutura dos "laboratórios de informática seja ampliada e enriquecida com o uso de equipamentos portáteis", que "esses equipamentos poderão ser utilizados tanto nos espaços escolares (sala de aula, pátio, laboratórios, etc.) por estudantes e professores [...] como em suas residências, iniciando um processo de inclusão digital de familiares e da comunidade em geral" (PROUCA, 2010aPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Manual, 2010a. Disponível em: <Disponível em: http://www.uca.gov.br/institucional//dowloads/manual_eletronico.pdf >. Acesso em: 04 dez. 2010.
http://www.uca.gov.br/institucional//dow...
, p. 1), a disseminação das TD na educação constitui-se em uma tecnologia da governamentalidade eletrônica. Dessa forma, as TD são ações operadas conjuntamente, organizando o campo de ação dos sujeitos, estruturando a condução das suas condutas e produzindo outro tipo de sujeito, que assume a condução das condutas de si mesmo e dos outros e que cria as próprias condições para viver e conviver em uma sociedade em rede e estar disponível para acessar e ser acessado.
Podemos perceber que, enquanto tecnologia da governamentalidade eletrônica, a disseminação das TD atua no eixo do governamento - conduzindo as condutas para que todos se insiram na cultura digital e tenham ampliadas as suas possibilidades de participação - e no eixo da subjetivação - produzindo sujeitos afinados com as condições de vida do presente. Tais condições de vida implicam que os sujeitos, além de assumirem para si mesmos a importância de ser incluído digitalmente e saber fazer uso das TD, também precisam estar disponíveis para acessar e ser acessado. Esse sujeito, cujo comportamento está pautado pela disponibilidade para acessar e para ser acessado, é o Homo oeconomicus acessibilis, que, além de ser um empresário de si mesmo, também precisa criar e dispor de condições para acessar e para ser acessado. O Homo oeconomicus acessibilis, conforme explicaremos a seguir, é constituído por meio das tecnologias mobilizadas pela governamentalidade eletrônica.
GOVERNAMENTALIDADE ELETRÔNICA: OUTRAS FORMAS DE CONDUÇÃO DAS CONDUTAS
Conforme referimos anteriormente, um dos contextos que Foucault utiliza para problematizar as práticas de governamento é o do neoliberalismo americano. Por esse viés, compreendemos a governamentalidade eletrônica como um desdobramento da governamentalidade neoliberal. Com isso queremos dizer que governamentalidade eletrônica é operacionalizada a partir das mesmas táticas utilizadas para o desenvolvimento da governamentalidade neoliberal. A governamentalidade eletrônica emerge da necessidade de que sejam postas em funcionamento outras práticas de governamento e de subjetivação que estejam afinadas com as condições de vida que se constituem na atualidade. De acordo com Lopes e Fabris (2013LOPES, Maura Corcini; FABRIS, Eli Henn. Inclusão & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 24, grifos das autoras), as
[...] práticas de governamento e de subjetivação [...] são modificadas e/ou deslocadas de foco fazendo emergir outras formas de governamentalidade. Dadas as contingências políticas, sociais, econômicas, educacionais, etc. enfrentadas respeitando recortes temporais e espaciais. Se entendermos que as contingências determinam as formas de vida, também entenderemos que elas determinam as formas de Governo.
A partir da afirmação de Lopes e Fabris (2013LOPES, Maura Corcini; FABRIS, Eli Henn. Inclusão & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.) e ao entendermos que as formas de vida que se constituem na atualidade estão implicadas com a lógica do neoliberalismo, compreendemos que a governamentalidade eletrônica se constitui em outra forma de exercício da governamentalidade neoliberal.
Sobre a governamentalidade neoliberal, na aula de 14 de março de 1979 do curso Nascimento da Biopolítica, Foucault problematiza como a análise neoliberal coloca o trabalho no centro de suas observações. O "problema dos neoliberais, a partir dessa crítica que fazem da economia clássica e da análise do trabalho na economia clássica, é [...] tentar reintroduzir o trabalho no campo da análise econômica" (FOUCAULT, 2008bFOUCAULT, Michel. O Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008b., p. 303). Tal questão traz para a discussão a Teoria do Capital Humano e a constituição do Homo œconomicus. O Homo œconomicus, no contexto da lógica neoliberal, deixa de ser o homem da troca e passa a ser o empresário de si mesmo (FOUCAULT, 2008bFOUCAULT, Michel. O Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.).
Na contemporaneidade, o empreendedorismo e, por conseguinte, a figura do empreendedor tornam-se necessários como fenômenos de massa (LÓPEZ-RUIZ, 2007LÓPEZ-RUIZ, Oswaldo. Os executivos das transnacionais e o espírito do capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro: Azougue, 2007.), imprescindíveis ao desenvolvimento da racionalidade neoliberal. "O empreendedorismo passou a ser a atitude de um povo, a atitude que se espera de um povo" (LÓPEZ-RUIZ, 2007LÓPEZ-RUIZ, Oswaldo. Os executivos das transnacionais e o espírito do capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro: Azougue, 2007., p. 30, grifos do autor). Isso quer dizer
[...] que o sistema econômico já não precisa de alguns poucos homens de negócios empreendedores que tomem nas suas mãos as rédeas do desenvolvimento econômico. O que o sistema econômico precisa é [...] de um conjunto de valores e normas que seja compartilhado dentro de uma sociedade, a partir da qual quem trabalha seja levado a pensar e a sentir a sua atividade como uma empresa particular e como o motivo principal da sua vida (LÓPEZ-RUIZ, 2007LÓPEZ-RUIZ, Oswaldo. Os executivos das transnacionais e o espírito do capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro: Azougue, 2007., p. 30).
Dessa forma, parece ser fundamental propagar a noção de empreendedorismo e, unida a ela, a ideia de que as pessoas assumam a importância de fazer investimentos em si mesmas, de conceber a si como empresas cujo capital precisa de investimentos contínuos para manter-se em condições de competição e de concorrência. Conceber a si mesmo como uma empresa consiste em um dos principais ensinamentos da Teoria do Capital Humano, representativa da racionalidade neoliberal americana (FOUCAULT, 2008bFOUCAULT, Michel. O Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.). Para essa teoria, as habilidades e competências desenvolvidas pelo indivíduo são o capital que ele deverá acumular ao longo da vida como sujeito economicamente ativo. Para Klaus (2011KLAUS, Viviane. Governamentalidade (Neo)Liberal: da administração para a gestão educacional. 2011. 226 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., p. 169), "a partir da Teoria do Capital Humano, o desenvolvimento passa a ser medido [...] pelo capital investido nas pessoas". Assim, qualificar a população torna-se um investimento e, portanto, uma das ações centrais a ser desenvolvida por meio de políticas educacionais viabilizadas pelo Estado. Nas palavras de Schultz (1973SCHULTZ, Theodore. O Capital Humano: investimentos em educação e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1973., p. 109, grifos nossos), um dos principais expoentes da Escola de Chicago, a educação
[...] é predominantemente uma atividade de investimento realizado para o fim de aquisição de capacitações que oferece satisfações futuras ou que incrementa rendimentos futuros das pessoas como um agente produtivo. [...] Proponho, por isso mesmo, tratar a educação como um investimento e tratar suas consequências como uma forma de capital. Dado que a educação se torna parte da pessoa que a recebe [...]. A principal hipótese que está subjacente a este tratamento da educação é a de que alguns aumentos importantes na renda nacional são uma consequência de adições a esta forma de capital.
A partir dessa concepção, educar os sujeitos para que aprendam a fazer investimentos no seu capital humano deixa de ser um gasto e passa a ser uma forma de investimento. Esses investimentos não são de qualquer ordem, é esperado que, por meio deles, as pessoas aumentem o seu capital pessoal e assim obtenham melhores condições de empregabilidade. Isso, além de gerar mais renda, favorecendo o desenvolvimento nacional, pode ser uma forma de contornar a falta de vagas de trabalho. A elevação da renda nacional significa mais possibilidade de consumo e, portanto, de produção, de movimentação do mercado e de giro da economia. Assim, ao considerarmos que: o "desenvolvimento da ciência, da educação e da tecnologia na sociedade brasileira será a mola propulsora para as mudanças políticas, econômicas e sociais que se afiguram neste fim de século" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., s/p.); "a velocidade com que o mundo se transforma, a produção de novos conhecimentos científicos e o desenvolvimento acelerado da informática" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., s/p.); a necessidade de "diminuir a lacuna entre a cultura escolar e o mundo ao seu redor, aproximar a escola da vida, expandindo-a em direção à comunidade e tornando-a facilitadora das interações entre os atores humanos" (PROINFO. 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 3); e que para a Teoria do Capital Humano o aumento da renda nacional está diretamente relacionado aos investimentos em educação como forma do indivíduo aumentar o seu capital produtivo, então a disseminação das TD na educação parece desempenhar um "decisivo papel na retomada do desenvolvimento do País" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., s/p.). Nessa linha, a propagação do uso das TD na educação pública, além de ser um meio para o "alcance de novas práticas pedagógicas, do enriquecimento do processo de aprendizagem, da ampliação das condições de formação do professor, do apoio à capacitação de gestão da escola e mudanças na gestão de espaços e tempos escolares" (PROUCA, 2010bPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Cartilha Projeto UCA. Brasília: Escola Superior de Redes, 2010b., s/p.), também se constitui em uma forma de investimento na capacidade de empregabilidade dos indivíduos. Aumentar a capacidade de empregabilidade dos indivíduos significa ampliar as suas possibilidades de consumir e de produzir, que, por conseguinte, elevam seu potencial de movimentação da economia, que é uma das bandeiras da lógica neoliberal.
Nesse sentido, a propagação do uso das TD na educação constitui-se em uma das ações que potencializam os investimentos em capital humano e, consequentemente, na constituição do Homo œconomicus. Esses investimentos são direcionados, primeiramente, aos estudantes e, posteriormente, à comunidade escolar, pois a integração da escola com a comunidade não só favorece "a sua inclusão [do sujeito] no mundo digital, mas principalmente" (PROUCA, 2010bPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Cartilha Projeto UCA. Brasília: Escola Superior de Redes, 2010b., s/p.) proporciona "elementos para que desenvolva processos mentais mais elaborados, aumentando as suas chances de êxito/autonomia na sociedade ativa e produtiva" (PROUCA, 2010bPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Cartilha Projeto UCA. Brasília: Escola Superior de Redes, 2010b., s/p.). Importa que a "maioria dos indivíduos saiba operar com as novas tecnologias da informação e valer-se destas para resolver problemas, tomar iniciativa e se comunicar" (PROINFO, 1997, p. 2). Tais habilidades são fundamentais para aumentar as possibilidades individuais de concorrer e de competir no mundo do trabalho. Em síntese, "os imperativos de uma nova ordem econômica e social decorrentes dos relevantes progressos do setor de informática e o potencial do computador" implicam a necessidade de "promover e incentivar a capacitação de recursos humanos" (PRONINFE, 1989PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA - PRONINFE. Documento orientador. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1989., s/p.). Mais do que isso, "os avanços tecnológicos trazem consigo mudanças nos sistemas de conhecimento, novas formas de trabalho e influem na economia, na política e na organização das sociedades" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 1).
Por esse viés, entendemos que a capacitação de recursos humanos, mobilizada por meio da disseminação das TD na educação, se constitui em uma tecnologia que atua sobre os sujeitos para que aprendam e assumam a importância de fazer investimentos em si mesmos. A integração da escola com a comunidade importa porque os investimentos em capital humano ultrapassam os limites da educação escolarizada. Os investimentos em capital humano estão relacionados com os cuidados da família com a criança, o tempo que os pais dedicam a ela, o grau de escolaridade dos pais, as possibilidades de contato da criança com a cultura, etc. (FOUCAULT, 2008bFOUCAULT, Michel. O Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.). Valente, ao escrever sobre as mudanças sociais e a educação escolarizada no contexto da sociedade do conhecimento, afirma que
A formação do aprendiz da sociedade do conhecimento não deverá ser restrita à escola e não poderá ficar a cargo somente do professor [...] o aprender será a mais importante atividade do nosso dia a dia. Essa preocupação já está acontecendo com museus e empresas que estão se preparando para ser ambientes alternativos de aprendizagem. Do mesmo modo, o lar deverá se tornar um importante centro de aprendizagem dos filhos. E para isso os pais terão que conhecer, primeiro, o que significa aprender na sociedade enxuta e como eles podem estimular e contribuir para a aprendizagem dos filhos (VALENTE, 1999VALENTE, José Armando. Mudanças na sociedade, mudanças na educação: o fazer e o compreender. In: VALENTE, José Armando (Org). O computador na sociedade do conhecimento. São Paulo: USP, 1999. (Coleção informática para a mudança na educação)., p. 31).
De acordo com os argumentos de Valente (1999VALENTE, José Armando. Mudanças na sociedade, mudanças na educação: o fazer e o compreender. In: VALENTE, José Armando (Org). O computador na sociedade do conhecimento. São Paulo: USP, 1999. (Coleção informática para a mudança na educação).), a capitalização dos sujeitos passa a ser função de todos - família, comunidade e professores - e, tão logo todos aprendam a importância dessa atividade, fazer investimentos em si mesmo passa a ser algo naturalizado. A formação de sujeitos "que saibam tomar conta da sua vida, que sejam capazes de se responsabilizarem pelo seu próprio bem-estar e pela sua produtividade" (SARAIVA, 2013SARAIVA, Karla. Educando para viver sem riscos. Educação: Dossiê - Biopolítica, governamentalidade e educação. Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 168-169, 2013. Disponível em <Disponível em http://www.revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/issue/view/697 >. Acesso em:15 jul. 2013.
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, p. 170) reforça a importância da escola enquanto instituição por meio da qual o Estado operacionaliza estratégias para agir sobre o meio, com a finalidade de alterar as variáveis indesejáveis. Nesse sentido, capacitar o maior número possível de pessoas para o uso das TD confere importância aos programas de disseminação das TD na educação pública escolarizada. No entanto, apenas a capacitação de recursos humanos não é suficiente; é preciso que essa ação esteja atrelada a outras, como a distribuição de computadores, a produção do desejo pela internet, a aprendizagem em todos os espaços, a conexão em rede e a disponibilidade para acessar e ser acessado. Espera-se, com isso, produzir sujeitos que saibam e estejam dispostos a participar de um mundo cuja conexão em rede e disponibilidade para acessar e ser acessado são essenciais.
Desse modo, e ao considerarmos que "o momento atual de informatização do Brasil também está caracterizado pelo crescimento da interligação de computadores em rede e à Internet e do uso de recursos sofisticados" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 9), distribuir computadores individuais portáteis com vistas a garantir que todos tenham condições de "acessar" e de "ser acessado" passa a ser uma das estratégias que ampliam o número de pessoas em condições, mesmo que mínimas, de participar da sociedade conectada em rede. Tão importante quanto garantir a estrutura física é difundir a ideia de que essa estrutura deve ser aproveitada para desenvolver a aprendizagem em todos os espaços e, consequentemente, manter as pessoas conectadas à rede e disponíveis para acessar e ser acessadas.
Aproveitar as oportunidades de aprendizagem, ou a "Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV)" (BALL 2013BALL, Stephen. Aprendizagem ao longo da vida, subjetividade e a sociedade totalmente pedagogizada. Educação: Dossiê - Biopolítica, governamentalidade e educação. Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 144-155, mai/ago 2013. Disponível <Disponívelhttp://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/issue/view/697 >. Acesso em: 15 jul. 2013.
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, p. 144), pode ser entendido como um dos principais investimentos em capital humano mobilizados na atualidade por meio de diretrizes de organismos supranacionais. Stephen Ball (2013BALL, Stephen. Aprendizagem ao longo da vida, subjetividade e a sociedade totalmente pedagogizada. Educação: Dossiê - Biopolítica, governamentalidade e educação. Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 144-155, mai/ago 2013. Disponível <Disponívelhttp://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/issue/view/697 >. Acesso em: 15 jul. 2013.
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) desenvolve uma problematização que, embora esteja embasada em uma análise de documentos referentes a diretrizes educacionais de diferentes países europeus e em uma declaração da UNESCO, expressa uma estreita aproximação com as percepções que se tem acerca das políticas educacionais brasileiras. Tal aproximação reforça a ideia de que estamos imersos em um processo de globalização que faz com que os discursos sobre as políticas educacionais desenvolvidas em outros continentes demonstrem uma ligação inextrincável com aquelas que proliferam no Brasil. De acordo com o pesquisador, "no cerne desse fervilhante discurso sobre o aprendiz ao longo da vida está o indivíduo empreendedor" (BALL, 2013BALL, Stephen. Aprendizagem ao longo da vida, subjetividade e a sociedade totalmente pedagogizada. Educação: Dossiê - Biopolítica, governamentalidade e educação. Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 144-155, mai/ago 2013. Disponível <Disponívelhttp://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/issue/view/697 >. Acesso em: 15 jul. 2013.
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, p. 145).
A disseminação do uso das TD na educação parece fortalecer o desenvolvimento desse tipo de comportamento em que aprender deve ser uma atividade contínua e constante na vida dos sujeitos. Nos discursos mobilizados por meio das políticas voltadas para o uso das TD na educação, a utilização do computador é apresentada como um recurso metodológico direcionado para a aprendizagem, mais especificamente, para "aprender a aprender" (NIED, 1983NIED. Núcleo de Informática Aplicada à Educação - Universidade Estadual de Campinas Projeto Educom: Proposta Original. Campinas: NIED, 1983. (Memo n. 1)., p. 7). Nesse contexto, "o computador é fundamentalmente uma ferramenta para a aprendizagem" (NIED, 1983NIED. Núcleo de Informática Aplicada à Educação - Universidade Estadual de Campinas Projeto Educom: Proposta Original. Campinas: NIED, 1983. (Memo n. 1)., p.1), de modo que as TD na escola podem funcionar como "prótese de inteligência e ferramenta de investigação, comunicação, construção, representação, verificação, análise, divulgação e produção de conhecimento" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 2).
Pesquisadores como Ball e Sennet (2012) afirmam que desenvolver a capacidade de aprender coisas novas e de manter-se em constante processo de aprendizagem se torna uma das condições para o indivíduo continuar em condições de empregabilidade na atualidade (SENNETT, 2012SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2012.; BALL, 2013BALL, Stephen. Aprendizagem ao longo da vida, subjetividade e a sociedade totalmente pedagogizada. Educação: Dossiê - Biopolítica, governamentalidade e educação. Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 144-155, mai/ago 2013. Disponível <Disponívelhttp://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/issue/view/697 >. Acesso em: 15 jul. 2013.
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). Dessa forma, se na atualidade uma das funções da escola é ensinar o indivíduo a aumentar, intensificar e gerir o seu próprio capital humano e se a proposta de utilizar computadores na educação é propiciar que o indivíduo aprenda "conteúdos por meio de procedimentos que desenvolvam a própria capacidade de continuar aprendendo" (FAGUNDES; SATO; MAÇADA, 1999FAGUNDES, Léa da Cruz; SATO, Luciane Sayuri; MAÇADA, Débora Laurino. Aprendizes do futuro: as inovações começaram. São Paulo: USP, 1999. (Coleção Informática para a mudança na educação)., p. 24), então, a disseminação das TD na educação funciona como um conjunto de estratégias que potencializam os investimentos em capital humano. Em suma, a constituição de um "novo cidadão, aquele que deverá colaborar na criação de um novo modelo de sociedade" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 3), é reverberada por meio dos discursos mobilizados pelos programas que propagam o uso das TD na educação. Esse "novo cidadão" é alguém participativo, criativo e colaborativo, tem iniciativa e é capaz de "se comunicar, conviver e dialogar num mundo interativo e interdependente" (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997., p. 3); é alguém conectado, disponível para acessar e ser acessado. Assim, não basta que o sujeito faça investimentos no sentido de aumentar o seu capital humano - é preciso também fazer investimentos para manter-se atualizado e inserido no mundo tecnológico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa intenção neste texto foi mostrar como percebemos as ações mobilizadas por meio dos programas de disseminação das TD na educação funcionarem como tecnologia da governamentalidade eletrônica. A governamentalidade eletrônica, mais do que a constituição do Homo œconomicus, está comprometida com a constituição do Homo œconomicus acessibilis, que é o sujeito capaz de adaptar-se às inovações tecnológicas e está disponível pare conectar-se às redes digitais e ser acessado a qualquer tempo e em qualquer lugar. Isso importa porque sujeitos cujo comportamento é pautado pela aprendizagem em todos os espaços, na conexão em rede e na disponibilidade para acessar e ser acessado ampliam as possibilidades de exercício da governamentalidade, pois criam as condições de possibilidade para que outra forma de condução das condutas possa ser exercida - a governamentalidade eletrônica.
Importa pontuarmos também que, com as discussões tecidas aqui, não queremos dizer que há uma mente maléfica por trás das políticas voltadas para o uso das TD na educação, arquitetando estratégias para ampliar as formas de funcionamento da governamentalidade, nesse caso. Também não foi nosso objetivo avaliar tais políticas. Ao contrário, entendemos que o uso das TD tanto deve fazer parte das práticas escolares quanto contribuir para a melhoria da qualidade da educação institucionalizada na atualidade. Nosso objetivo foi demonstrar como os discursos mobilizados por meio dos programas voltados para a disseminação das TD na educação estão, de certo modo, comprometidos com o desenvolvimento de uma lógica própria das formas de viver pautadas pelo neoliberalismo e como acabam operacionalizando estratégias que ampliam e criam as condições de possibilidade para o desenvolvimento de outras formas da governamentalidade neoliberal, como a governamentalidade eletrônica.
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Especificamente, o conjunto de materiais de análise é composto pelo documento publicado pelo Núcleo de Apoio à Informática na Educação - UNICAMP (NIED, 1983NIED. Núcleo de Informática Aplicada à Educação - Universidade Estadual de Campinas Projeto Educom: Proposta Original. Campinas: NIED, 1983. (Memo n. 1).), referente ao Projeto EDUCOM; pelo documento orientador referente ao PRONINFE (PRONINFE, 1989); pelas Diretrizes do PROINFO (PROINFO, 1997PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO - PROINFO. Diretrizes. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997.); pelo Manual Eletrônico do PROUCA (PROUCA, 2010aPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Manual, 2010a. Disponível em: <Disponível em: http://www.uca.gov.br/institucional//dowloads/manual_eletronico.pdf >. Acesso em: 04 dez. 2010.
http://www.uca.gov.br/institucional//dow... ); pela cartilha do PROUCA (PROUCA, 2010bPROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Cartilha Projeto UCA. Brasília: Escola Superior de Redes, 2010b.); e pela Resolução/FNDE/CD/nº 17, de 10 de junho de 2010 (PROUCA, 2010c)PROGRAMA UM COMPUTADOR POR ALUNO - PROUCA. Ministério da Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE Conselho Deliberativo. Resolução/FNDE/CD/nº 17, de 10 de junho de 2010c. Dispõe sobre normas e diretrizes para que os Municípios, Estados e o Distrito Federal se habilitem ao Programa Um Computador por Aluno - PROUCA. Disponível em: <Disponível em: http://ws.mpmg.mp.br/biblio/informa/ 180613563.htm > Acesso em: 23 abr. 2010. 2010c
http://ws.mpmg.mp.br/biblio/informa/ 180... . -
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Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professora Pesquisadora do Mestrado Profissional em Informática na Educação (IFRS/PoA). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Inclusão (GEPI/UNISINOS/CNPq). E-mail: loureirocarine@gmail.com
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Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora Pesquisadora e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/ São Leopoldo). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Inclusão (GEPI/UNISINOS/CNPq). E-mail: maurac@terra.com.br
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Set 2015
Histórico
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Recebido
02 Set 2014 -
Aceito
13 Mar 2015