Resumos
Resumo
Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) são burocratas de nível de rua que desempenham um papel fundamental na implementação da Atenção Primária à Saúde (APS). Sua função envolve o estabelecimento de um vínculo com as famílias atendidas por este serviço de saúde, o que permite conhecer a realidade do território e as vulnerabilidades da população. Este artigo tem como objetivo analisar a configuração das interações de ACS na implementação da APS com enfoque nas alterações causadas pelas mudanças recentes nesta política e pela pandemia de Covid-19. Foi realizada uma etnografia em uma Unidade de Saúde de APS na cidade de Porto Alegre/RS. Durante quatro meses, observamos o trabalho de seis ACS, analisando suas principais atividades e as mudanças na sua rotina. Além disso, também foram realizadas seis entrevistas semiestruturadas para compor a análise. Foi possível identificar que a organização interna da Unidade de Saúde não está orientada ao trabalho comunitário e à identificação das demandas no território. ACS estão perdendo o vínculo com a população e limitando-se a funções burocráticas. Os territórios e as famílias mais vulneráveis são os mais afetados com essas mudanças, pois deixam de ter seus problemas reconhecidos pela política pública.
Palavras-chave:
Implementação; Burocracia de Nível de Rua; Interações; Atenção Primária à Saúde; Agentes Comunitários de Saúde
Abstract
Community Health Workers (CHW) are street-level bureaucrats who play a key role in the implementation of Primary Health Care (PHC). Their function involves establishing a bond with the families assisted by this health service, which allows knowing the reality of the territory and the vulnerabilities of the population. This article aims to analyze the configuration of CHW interactions in PHC implementation, focusing on the consequences caused by recent changes in this policy and by the Covid-19 Pandemic. An ethnography was conducted in a PHC Health Unit in the city of Porto Alegre. During four months, we observed the work of six CHW, analyzing their main activities and changes in their routine. Furthermore, six semi-structured interviews were held to compose the analysis. It was possible to identify that the internal organization of the Health Unit is not oriented to community work and to the identification of demands in the territory. The CHW are losing the bond with the population and limiting themselves to bureaucratic functions. The most vulnerable territories and families are the most affected by these changes, as their problems are no longer recognized by this public policy.
Keywords:
Implementation; Street-level Bureaucracy; Interactions; Primary Health Care; Community Health Workers
Introdução
A Atenção Primária à Saúde (APS) é o primeiro contato da população com o Sistema Único de Saúde (SUS). Situada como a “porta de entrada” do usuário, tem como prerrogativa atuar dentro de um território definido para conhecer as famílias, seus problemas de saúde, suas condições sanitárias, habitacionais e sociais (Starfield, 2002STARFIELD, Barbara. (2002), Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. 1a edição, Brasília, UNESCO.). Agentes Comunitárias de Saúde (ACSs)1 1 Todas as participantes desta pesquisa são mulheres, que também são maioria na linha de frente dos serviços públicos de saúde. Por esta razão, as referências à ACS, neste artigo, utilizarão sempre o pronome feminino. são profissionais que fazem parte das equipes de APS e são centrais na implementação dessa política porque moram no território em que trabalham. Essa característica faz delas um elo muito importante entre o serviço de saúde e a comunidade, uma vez que conhecem as pessoas pelo nome e estabelecem um vínculo diferenciado com a população, em relação aos demais profissionais de saúde.
O objetivo da pesquisa retratada neste artigo foi analisar a configuração das interações de ACSs na implementação da APS, tendo como foco as alterações causadas por mudanças recentes em sua política e pela pandemia de Covid-19. O foco nas ACSs se deu em função de sua importância na implementação da APS enquanto “burocratas de nível de rua”, ou, como destaca Lotta (2015)LOTTA, Gabriela Spanghero. (2015), Burocracia e implementação de políticas públicas: os agentes comunitários na Estratégia Saúde da Família. 1a edição, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz., devido à sua representação como objeto de análise do processo de adaptação política, visto que atuam como mediadoras entre Estado e sociedade.
Partimos do pressuposto de que o contexto atual de trabalho na APS é marcado por dois conflitos principais: a pandemia de Covid-19, que alterou as rotinas em serviços de saúde e as transformações recentes na regulamentação da APS, que mudaram o desenho das equipes e a disposição de ACSs.
A condução do Governo Federal durante a pandemia apresentou posições contrárias às recomendações científicas, pois desconsiderava a adoção de medidas preventivas e não apresentou ações concretas no direcionamento das políticas de saúde (Lotta, Coelho e Brage, 2020LOTTA, Gabriela; COELHO, Vera Schattan Ruas Pereira; BRAGE, Eugenia. (2020), “How Covid-19 has affected frontline workers in Brazil: a comparative analysis of nurses and community health workers”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 1-11. DOI 10.1080/13876988.2020.1834857.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
). A falta de coordenação do Governo Federal tornou as respostas à crise dependentes dos governos municipais e estaduais, gerando um contexto de incertezas e de decisões heterogêneas. Também, tem sido apontada uma subutilização do potencial preventivo da APS no enfrentamento à Pandemia de Covid-19, no que se refere à abordagem territorial e populacional deste nível de atenção (Giovanella et al., 2020GIOVANELLA, Ligia; MARTUFI, Valentina; MENDONZA, Carolina Ruiz; BOSQUAT, Aylene Emilia Moraes; PEREIRA, Rosana Aquino Guimarães; MEDINA, Maria Guadalupe. (2020), “A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19”. Saúde em Debate, p. 1-21. DOI: 10.1590/SciELOPreprints.1286.
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints....
; Maciel et al., 2020MACIEL, Fernanda Beatriz Melo; SANTOS, Herbert Luan Pereira; CARNEIRO, Raquel Araujo da Silva; SOUZA, Eliana Amorim; PRADO, Nilia Maria de Brito; TEIXEIRA, Carmem Fontes. (2020), “Agente Comunitário de Saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de Pandemia de Covid-19”. Revista de Ciência e Saúde Coletiva, v. 25(2): 4185-4195. DOI: 10.1590/1413-812320202510.2.28102020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
).
Além da pandemia, reformulações na regulamentação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), ocorridas em 2017, e mudanças no financiamento, em 2019, alteraram as diretrizes de trabalho nas equipes de APS. Essas mudanças possibilitaram a redução no número de ACSs, maior flexibilização para parcerias com o setor privado na prestação dos serviços e uma descaracterização da abordagem territorial e comunitária da APS (Giovanella et al., 2020GIOVANELLA, Ligia; MARTUFI, Valentina; MENDONZA, Carolina Ruiz; BOSQUAT, Aylene Emilia Moraes; PEREIRA, Rosana Aquino Guimarães; MEDINA, Maria Guadalupe. (2020), “A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19”. Saúde em Debate, p. 1-21. DOI: 10.1590/SciELOPreprints.1286.
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints....
).
Destes conflitos atuais emergem os questionamentos que conduzem o artigo: como as mudanças políticas na APS e a pandemia de Covid-19 alteraram e alteram as configurações das interações de ACSs? E quais são os efeitos das interações no vínculo construído entre a BNR e a população usuária da política pública? O trabalho parte de uma análise relacional da política pública, seguindo uma perspectiva teórica que considera a interação dos agentes implementadores no nível de rua como objeto de estudo para compreender a realidade da política, com seus efeitos, alcances e resultados inesperados (Pires, 2019PIRES, Roberto Rocha C. (2019), “Introdução”, in R. Pires (org.), Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, 1a edição, Rio de Janeiro, Ipea.; Marins, 2019MARINS, Mani Tebet. (2019), “As consequências não previstas do Programa Bolsa Família”, in G. Lotta (org.), Teoria e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, 1a edição, Brasília, Enap.).
Pesquisas que buscam compreender os contextos e a forma como as interações são moldadas pelos burocratas de nível de rua costumam privilegiar o uso de técnicas etnográficas como estratégia de pesquisa empírica (Brodkin, 2012BRODKIN, Evelyn Z. (2012), “Reflections on street-level bureaucracy: past, present, and future”. Public Administration Review, v. 72(6): 940-959. DOI:10.111/j.1540-6210.2012.02657.x.Book.
https://doi.org/10.111/j.1540-6210.2012....
; Zacka et al., 2020ZACKA, Bernardo; ACKERLY, Brooke; ELSTER, Jakob; ALLEN, Signy; LONGO, Mattew; SAGAR, Paul. (2020), “Political Theory with an Ethnographic Sensibility”. Contemporary Political Theory v. 20: 385-418. DOI: 10.1057/s41296-020-00433-1.
https://doi.org/10.1057/s41296-020-00433...
). Afinal, para entender as dimensões e intensidades das interações é necessária uma imersão nas rotinas burocráticas. Como ressalta Brodkin (2012), aBRODKIN, Evelyn Z. (2012), “Reflections on street-level bureaucracy: past, present, and future”. Public Administration Review, v. 72(6): 940-959. DOI:10.111/j.1540-6210.2012.02657.x.Book.
https://doi.org/10.111/j.1540-6210.2012....
análise da política no nível micro permite entender como essas organizações reagem a fenômenos de nível macro e revela seus alcances e conflitos.
Nesse sentido, foi realizada uma etnografia em uma Unidade de Saúde de APS, na cidade de Porto Alegre/RS. O trabalho de campo se desenvolveu no período de setembro a dezembro de 2020, com o propósito de acompanhar seis ACSs durante suas Visitas Domiciliares (VD). Esta pesquisa busca contribuir em análises sobre como ocorrem as interações na implementação de políticas públicas e compreender seus processos de inclusão e exclusão social (Pires, 2019PIRES, Roberto Rocha C. (2019), “Introdução”, in R. Pires (org.), Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, 1a edição, Rio de Janeiro, Ipea.). Em termos empíricos, a pesquisa avança na interpretação das práticas do cotidiano da APS, explicitando os desafios e contradições atuais dessa política em um contexto local.
Além da introdução, o artigo está dividido em três seções mais as considerações finais. Na primeira seção são apresentados os principais pressupostos teóricos dos estudos sobre BNR e por que esta abordagem pode contribuir para analisar as práticas das ACSs na APS. Na segunda seção é apresentado o percurso metodológico da pesquisa. Na terceira seção são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa.
Olhar para a política pública no nível da rua
Os estudos com burocracia de nível de rua (BNR) se enquadram no campo de teorias emergentes sobre implementação de políticas públicas (Collins e Augsberger, 2020COLLINS, Mary Elizabeth; AUGSBERGER, Astraea. (2020), “Impacts of policy changes on Care-Leaving Workers in a time of coronavirus: Comparative analysis of discretion and constraints”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 51-62. DOI:10.1080/13876988.2020.1841560.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
). O termo street-level bureaucracy foi criado por Lipsky (1980)LIPSKY, Michael. ([1980] 2010), Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. Updated edition, Nova York, Russell Sage Foundation. e trouxe uma alternativa para analisar políticas públicas a partir da relação estabelecida entre o profissional que desempenha os serviços públicos e a população. A face do Estado na interação direta com o cidadão pode ser observada no papel de policiais, professores, agentes de saúde, assistentes sociais, defensores públicos, entre outros profissionais que são responsáveis diretos pelas entregas de serviços, benefícios e/ou sanções à população. Trata-se de quem faz a aplicação direta das leis e das políticas públicas.
O processo de operacionalização de uma política pública implica em uma série de interações, desde uma comunicação entre as gestões municipais, estaduais e federais, até os laços que são criados entre os agentes burocráticos que executam essas ações e os usuários que recebem os serviços. As interações de uma política geram um processo de transformação contínua que passa pelos escalões internos da burocracia e alcança seu ápice no momento do encontro entre o profissional da linha de frente e a população (Pires, 2019PIRES, Roberto Rocha C. (2019), “Introdução”, in R. Pires (org.), Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, 1a edição, Rio de Janeiro, Ipea.). Portanto, o foco na interação na análise de implementação de políticas públicas é importante porque delimita como cada indivíduo vai ter acesso ao serviço público, bem como o que vai acontecer nesse acesso (Lotta, 2015LOTTA, Gabriela Spanghero. (2015), Burocracia e implementação de políticas públicas: os agentes comunitários na Estratégia Saúde da Família. 1a edição, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.).
A função de burocrata de nível de rua faz com que tenham um alto grau de discricionariedade, uma vez que suas decisões são tomadas por intermédio de questões que vão além das regras formais da política e das ordens às quais são subordinados. É justamente essa dimensão que os distingue da visão weberiana do burocrata como um simples cumpridor de atividades (Fernandez e Guimarães, 2020FERNANDEZ, Michelle Vieira; GUIMARÃES, Natália Cordeiro. (2020), “Caminhos teórico-metodológicos para a análise da burocracia de nível de rua”. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 32: 283-322. DOI 10.1590/0103-335220203208.
https://doi.org/10.1590/0103-33522020320...
). Para apreender a estruturação das interações, é necessário ir além da regulamentação da política em suas normas escritas, estrutura hierárquica e os registros formais, voltando-se para como esses burocratas cumprem suas atividades. Portanto, observações in loco, entrevistas e método etnográfico são as estratégias mais recomendadas (Auyero, 2012, apudCavalcanti et al., 2018CAVALCANTI, Sérgio; LOTTA, Gabriela; PIRES, Roberto. (2018), “Contribuições dos estudos sobre burocracia de nível de rua”, in R. Pires; G. Lotta; V. Oliveira (org.), Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas, 1a edição. Brasília: IPEA: ENAP. ISBN: 978-85-7811-331-5).
A pandemia de Covid-19 impôs desafios complexos aos governos e sistemas de saúde, apresentando-lhes uma infecção grave com alta capacidade de transmissão, além de configurar contextos de urgências e incertezas (Gofen e Lotta, 2021GOFEN, Anat; LOTTA, Gabriela. (2021), “Street-level bureaucrats at the forefront of pandemic response: a comparative perspective”. Journal of Comparative Policy Analysis:Research and Practice, v. 23(1): 3-15. DOI 10.1080/13876988.2020.1861421.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
; Brodkin, 2021BRODKIN, Evelyn Z. (2021), “Street-level organizations at the front lines of crises”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 16-29. DOI: 10.1080/13876988.2020.1848352.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
). Como destaca Møller (2020)MØLLER, Marie Østergaard. (2020), “The dilemma between self-protection and service provision under Danish Covid-19 guidelines: a comparison of public servants’ experiences in the pandemic frontline”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23: 1-15. DOI 10.1080/13876988.2020.1858281.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
, considerando que, especialmente, para grupos sociais mais vulneráveis o acesso ao serviço está condicionado à interação física, é relevante entender como as organizações de nível de rua procedem diante das alterações que impedem o elemento definidor do seu trabalho: a interação.
Estudos realizados no México (Meza et al., 2020MEZA, Oliver; PEREZ-CHIQUÉS, Elizabeth; CAMPOS, Sergio A.; CASTRO, Samanta Varela. (2020), “Against the COVID-19 Pandemic: Analyzing Role Changes of Healthcare Street-Level Bureaucrats in Mexico”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 3-15. DOI: 10.1080/13876988.2020.1846993.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
), em Israel (Davidovitz et al., 2020DAVIDOVITZ, Maayan; COHEN, Nissim; GOFEN, Anat. (2020), “Governmental response to crises and its implications for Street-Level Implementation: Policy ambiguity, risk, discretion during the Covid-19 Pandemic”. Journal of Comparative Policy Analysis: research and practice, v. 23(1): 120-130. DOI: 10.1080/13876988.2020.1841561
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
) e na Dinamarca (Møller, 2020MØLLER, Marie Østergaard. (2020), “The dilemma between self-protection and service provision under Danish Covid-19 guidelines: a comparison of public servants’ experiences in the pandemic frontline”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23: 1-15. DOI 10.1080/13876988.2020.1858281.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
), com trabalhadores da linha de frente da saúde, educação, segurança e assistência social, apresentam conclusões convergentes em relação ao trabalho destes profissionais no contexto da pandemia: a primeira é que o contexto de incertezas e ambiguidades nas diretrizes de trabalho aumentam e ampliam a discricionariedade com que tomam suas decisões; em segundo, os profissionais se vêem expostos ao risco de contaminação e divididos entre a autoproteção e a prestação do serviço público; terceiro, o alcance dos serviços pode ser insuficiente para os grupos mais vulneráveis, dificultando a manutenção dos vínculos entre essa população e os serviços públicos.
Também é importante ressaltar que as organizações de nível de rua agem sobre um contexto territorial, o que deve ser levado em consideração. Segundo Tirelli (2020, pTIRELLI, Cláudia. (2020), “Conectando políticas públicas e território: a contribuição da perspectiva relacional”, in L. L. Lima; L. Schabbach (org.), Políticas Públicas: questões teórico-metodológicas emergentes, 1a edição, Porto Alegre, Editora da UFRGS/CEGOV.. 245), o conceito de território vem sendo utilizado em grande parte das análises sobre as políticas públicas no Brasil, e no próprio desenho dessas políticas, “como um recorte espacial sobre o qual a política busca incidir para responder a um determinado tipo de problema”.
Lotta et al. (2021a)LOTTA, Gabriela; LIMA-SILVA, Fernanda; FAVARETO, Arilson. (2021a), “Dealing with violence: Varied reactions from frontline workers acting in highly vulnerable territories”. Environment and Planning C: Politics and Space, v.0(0): 1-18. DOI: 10.1177/23996544211031560.
https://doi.org/10.1177/2399654421103156...
, ao analisar como trabalhadores da linha de frente lidam com a violência no território, destaca, entre outras questões, que com a inserção desses trabalhadores no território é possível conhecer as dinâmicas, conflitos e principais vulnerabilidades, permitindo maior articulação da política frente aos problemas sociais. Por outro lado, quando as organizações de nível de rua não conhecem profundamente a realidade do território, a capacidade de os trabalhadores negociarem estratégias de ação se restringe (Lotta et al., 2021aLOTTA, Gabriela; LIMA-SILVA, Fernanda; FAVARETO, Arilson. (2021a), “Dealing with violence: Varied reactions from frontline workers acting in highly vulnerable territories”. Environment and Planning C: Politics and Space, v.0(0): 1-18. DOI: 10.1177/23996544211031560.
https://doi.org/10.1177/2399654421103156...
), demonstrando como a política se manifesta de formas diferentes frente a cada contexto de vulnerabilidade.
Além das questões territoriais, BNR enquadram vulnerabilidades individuais e são determinantes nas trajetórias dos indivíduos. Para Butler (2017BUTLER, Judith. (2017), “Vulnerabilidad corporal, coalición y la política de la calle”. Nómadas (Col), v. 46: 13-30. DOI: 105152132003.
https://doi.org/105152132003...
; 2019BUTLER, Judith. (2019), Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução de Andreas Lieber. 1a edição, Belo Horizonte, Editora Autêntica.), a vulnerabilidade e a condição precária partem das necessidades de todo ser humano, como alimentação, abrigo, proteção à dor e violência, trabalho, assistência à saúde e necessidade de redes sociais de apoio para sobreviver. Em todas as formas de vulnerabilidade os corpos necessitam de outras pessoas e também de sistemas sociais e políticos para garantir sua sobrevivência (Butler, 2017BUTLER, Judith. (2017), “Vulnerabilidad corporal, coalición y la política de la calle”. Nómadas (Col), v. 46: 13-30. DOI: 105152132003.
https://doi.org/105152132003...
).
A vulnerabilidade está inerente à nossa condição de ser vivo. A diferença surge na forma com que alguns corpos contam com redes de proteção e segurança, enquanto outros não terão sua vulnerabilidade reconhecida e assistida da mesma forma (Butler, 2019BUTLER, Judith. (2019), Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução de Andreas Lieber. 1a edição, Belo Horizonte, Editora Autêntica.). Compreender essa distribuição desigual da precariedade, enquanto necessidade de cuidado, deve levar em conta a produção de políticas e normas que operam para tornar tais condições reconhecíveis (Butler, 2017BUTLER, Judith. (2017), “Vulnerabilidad corporal, coalición y la política de la calle”. Nómadas (Col), v. 46: 13-30. DOI: 105152132003.
https://doi.org/105152132003...
). Nesse sentido, o argumento desenvolvido por Butler (2017BUTLER, Judith. (2017), “Vulnerabilidad corporal, coalición y la política de la calle”. Nómadas (Col), v. 46: 13-30. DOI: 105152132003.
https://doi.org/105152132003...
, 2019BUTLER, Judith. (2019), Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução de Andreas Lieber. 1a edição, Belo Horizonte, Editora Autêntica.), que contribui para este debate, analisa como as normas sociais e políticas existentes atribuem reconhecimento de forma diferenciada. Como uma “hierarquia do luto”, trata-se de compreender a quem importa ter direitos e como ocorre a constituição de um sujeito de direitos (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Rosana Medeiros de. (2014), “Notícias de homofobia: enquadramento como política”, in D. Diniz; R. M. Oliveira (orgs.), Notícias de homofobia no Brasil, 1a edição, Brasília, Letras livres.). Este fenômeno vem sendo apontado como um comportamento moral da BNR na categorização de usuários (Eiró, 2017EIRÓ, Flávio. (2017), “O programa bolsa família e os pobres ‘não merecedores’: poder discricionário e os limites da consolidação de direitos sociais”, in IPEA. Boletim de Análise Político-Institucional, Brasília, Ipea, 2017.; Pires, 2019PIRES, Roberto Rocha C. (2019), “Introdução”, in R. Pires (org.), Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, 1a edição, Rio de Janeiro, Ipea.; Lotta, 2019LOTTA, Gabriela. (2019), “Práticas, interações, categorização e julgamentos: análise da ação discricionária dos agentes comunitários de saúde”, in R. Pires (org.), Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, 1a edição, Rio de Janeiro, Ipea.).
Questões sobre o território da política pública e das condições desiguais de vulnerabilidade importam, especialmente, para a leitura que fazemos da APS, uma vez que se trata de uma política com ponto de partida em uma abordagem territorial, focada em uma população adscrita e com um cuidado direcionado ao reconhecimento das vulnerabilidades de cada núcleo familiar (Marsiglia e Carneiro Jr., 2009MARSIGLIA, Regina G.; CARNEIRO JR., Nivaldo. (2009), “Disponibilidade, acessibilidade e aceitabilidade do PSF em áreas metropolitanas”, in A. Cohn (org.), Saúde da Família e SUS: convergências e dissonâncias, 1a edição, Rio de Janeiro, Beco do Azougue, São Paulo, CEDEC. ISBN: 978-85-7920-003-8.; Brasil, 2017BRASIL, Ministério da Saúde. (2017), Portaria nº 2.436/2017 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e dá outras providências. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html>, consultado em 20/05/2021.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
; Giovanella et al., 2020GIOVANELLA, Ligia; MARTUFI, Valentina; MENDONZA, Carolina Ruiz; BOSQUAT, Aylene Emilia Moraes; PEREIRA, Rosana Aquino Guimarães; MEDINA, Maria Guadalupe. (2020), “A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19”. Saúde em Debate, p. 1-21. DOI: 10.1590/SciELOPreprints.1286.
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints....
). Diante desse cenário, o papel da BNR na APS ganha alguns contornos específicos ao tratar de problemas individuais e coletivos, possibilitando acesso a cuidados básicos de saúde.
Reformas na APS
A crise provocada pela pandemia de Covid-19 cruza-se aos dilemas existentes dentro da própria política de saúde. O planejamento e a implementação dos serviços de APS, conforme a descentralização na gestão do SUS, é de responsabilidade dos municípios, enquanto a regulamentação e o financiamento são provenientes do Governo Federal (Meniccuci e Gomes, 2018MENICCUCI, Telma; GOMES, Sandra. (2018), Políticas sociais: conceitos, trajetórias e a experiência brasileira. 1a edição, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.).
A APS ocupa um dos principais serviços na Estratégia de Saúde da Família (ESF), sendo responsável por um atendimento com enfoque comunitário e territorial, de abordagem preventiva, e que deve agir, principalmente, sobre territórios mais vulneráveis, reduzindo desigualdades nas condições de saúde da população (Nascimento e Costa, 2009NASCIMENTO, Vânia B.; COSTA, Ieda Maria C. C. (2009), “PSF, descentralização e organização de serviços de saúde no Brasil”, in A. Cohn (org.), Saúde da Família e SUS: convergências e dissonâncias, 1a edição, Rio de Janeiro, Beco do Azougue, São Paulo, CEDEC. ISBN: 978-85-7920-003-8.; Santos et al., 2018SANTOS, Debora de Souza; MISHIMA, Silvana Martins; MERHY, Emerson Elias. (2018), “Processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família: potencialidades e subjetividade do cuidado para reconfiguração do modelo de atenção”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23(3): 861-870. DOI: 10.1590/1413-2311.331.107905 .
https://doi.org/10.1590/1413-2311.331.10...
). A ESF atua com uma equipe composta por médico/a clínico geral ou especialista em saúde da família, enfermeiro/a, técnico/a ou auxiliar de enfermagem e ACSs, além da equipe de saúde bucal (Brasil, 2017BRASIL, Ministério da Saúde. (2017), Portaria nº 2.436/2017 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e dá outras providências. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html>, consultado em 20/05/2021.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
). Cada equipe de ESF deve ser responsável por um território de cerca de 4.000 mil pessoas e o número de ACSs por equipe é definido de acordo com o tamanho da população, de modo que cada ACS fique responsável por, no máximo, 750 pessoas (Brasil, 2011BRASIL, Ministério da Saúde. (2011), Portaria nº 2.844/2011 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e dá outras providências. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>, consultado em 20/05/2021.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
).
Porém, como sugere Giovanella et al. (2020), oGIOVANELLA, Ligia; MARTUFI, Valentina; MENDONZA, Carolina Ruiz; BOSQUAT, Aylene Emilia Moraes; PEREIRA, Rosana Aquino Guimarães; MEDINA, Maria Guadalupe. (2020), “A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19”. Saúde em Debate, p. 1-21. DOI: 10.1590/SciELOPreprints.1286.
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints....
modelo assistencial da APS, com abordagem territorial e comunitária, vem sendo descaracterizado nos últimos anos diante de reformas em sua política. Em 2017, foi publicada uma nova PNAB com revisões nas suas diretrizes de trabalho. Uma das mudanças em relação à anterior, de 2011, estabeleceu a obrigatoriedade de apenas um ACS por equipe de ESF (Brasil, 2017BRASIL, Ministério da Saúde. (2017), Portaria nº 2.436/2017 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e dá outras providências. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html>, consultado em 20/05/2021.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
). A PNAB de 2017 ainda criou outra modalidade de equipe para a APS, a Equipe de Atenção Primária (EAP), que atua em moldes muito semelhantes à ESF, porém sem obrigatoriedade de ACSs e com carga horária mais flexível.
Em 2019, foi criado o programa “Saúde na hora”, que consiste na ampliação da carga horária de funcionamento das equipes de APS e na criação de três formatos de adesão para os municípios receberem incentivos financeiros, os quais exigem a configuração de Unidades de Saúde que concentrem de três a seis equipes de ESF e/ou EAP (Brasil, 2019BRASIL, Ministério da Saúde. (2019), Portaria 2.979/2019. Institui o Programa Previne Brasil. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-novembro-de-2019-227652180>, consultado em 20/05/2021.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
). Com a implementação do programa, pode ocorrer uma concentração no número de equipes de APS em um serviço de saúde, o que possibilita o revezamento dos profissionais e, por consequência, a ampliação do horário de atendimento.
O potencial preventivo da APS está diretamente relacionado ao vínculo estabelecido com a população. Conforme Cohn, Nakamura e Gutierres (2009), aCOHN, Amélia; NAKAMURA, Eunice; GUTIERRES, Kellen A. (2009), “De como o PSF entrecruza as dimensões pública e privada da vida social”, in A. Cohn (org.), Saúde da Família e SUS: convergências e dissonâncias, 1a edição, Rio de Janeiro: Beco do Azougue, São Paulo: CEDEC. ISBN: 978-85-7920-003-8. construção desse vínculo se dá por meio da proximidade constituída entre ACSs e a população, o que permite entrar nas casas e monitorar a situação de saúde das famílias, penetrando desde bairros bem estruturados de classe média, até favelas e vilas com condições mais precárias.
No caso da APS, a interação entre as burocratas dessa política (agentes de saúde, médicas e enfermeiras) e a população representa a forma com que cuidados primários à saúde são acionados. Portanto, a maneira com que a interação é estruturada vai refletir em como os profissionais são capazes de construir vínculos com os usuários.
Percurso metodológico
Esta pesquisa teve seu referencial empírico apreendido por meio de uma etnografia das configurações das interações de ACSs em uma Unidade de Saúde de APS, na cidade de Porto Alegre/RS. Parte-se de uma abordagem etnográfica, tal como a utilizada por Fonseca et al. (2018)FONSECA, Cláudia; SCALCO, Lucia Mury; CASTRO, Helisa Canfield de. (2018), “Etnografia de uma política pública: controle social pela mobilização popular”. Horizontes antropológicos, v. 24(50): 271-303. DOI: 10.1590/S0104-71832018000100010.
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201800...
, que analisa uma política pública por meio da sua infraestrutura e daquilo que faz a mediação entre o plano formulado e seus efeitos práticos, algo que depende em grande medida dos atores e recursos locais. Bem como da sensibilidade ressaltada pela etnografia desenvolvida por Zacka et al. (2020)ZACKA, Bernardo; ACKERLY, Brooke; ELSTER, Jakob; ALLEN, Signy; LONGO, Mattew; SAGAR, Paul. (2020), “Political Theory with an Ethnographic Sensibility”. Contemporary Political Theory v. 20: 385-418. DOI: 10.1057/s41296-020-00433-1.
https://doi.org/10.1057/s41296-020-00433...
para compreender os contextos das pessoas e das estruturas envolvidas em políticas públicas.
A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisas2 2 Código no CEP: CAAE nº 31709720.4.0000.5327. com Seres Humanos via Plataforma Brasil e, durante a realização do trabalho de campo, foram tomados os cuidados preventivos contra a Covid-19, no que se refere ao uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento. O caso estudado foi o da Clínica da Saúde da Família IAPI,3 3 Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI). No mesmo prédio também funcionam outros serviços de saúde, especialidades, uma farmácia distrital e até uma emergência psiquiátrica. O local é conhecido como “Postão do IAPI”. uma Unidade de Saúde (US) da Zona Norte de Porto Alegre/RS referência para uma população em torno de 70 mil pessoas. Foi escolhida devido a sua modalidade de funcionamento ter agregado as mudanças estabelecidas nos últimos anos pelo Governo Federal.
A Clínica IAPI conta com onze ACSs, das quais seis aceitaram participar da pesquisa e foram acompanhadas no período de setembro a dezembro de 2020. As saídas de campo foram negociadas com as ACSs pelo whatsapp, por meio do qual combinamos os dias e locais dos encontros, geralmente naqueles de referência dentro do território de cada agente, como praças, pontos de ônibus ou escolas. A proposta foi acompanhá-las durante o trabalho externo da US, enquanto saíam para realizar as Visitas Domiciliares (VD) e circulavam pelo território.
Devido às restrições impostas pela pandemia, as visitas deveriam acontecer sem adentrar os domicílios, de forma que os encontros com as famílias passaram a ser “no portão”, o que facilitava ou dificultava o trabalho, dependendo da residência (apartamentos ou casas). O motivo das visitas, na maioria das vezes, era a entrega de encaminhamentos de consultas especializadas ou exames, mas no caminho surgiam demandas da população, como dúvidas sobre funcionamento do serviço de saúde e orientações a respeito de problemas individuais.
Enquanto caminhávamos, as ACSs explicavam a configuração do território, os conflitos, a organização do trabalho durante a pandemia e contavam histórias das famílias que acompanhavam. Ao final do período de trabalho de campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com quatro ACSs e com duas gestoras da Gerência Distrital em que a US está localizada. Para preservar a identidade das participantes da pesquisa, todos os nomes utilizados no artigo são fictícios. O uso do caderno de campo serviu para anotar temas relevantes e organizar o roteiro das entrevistas. Além das anotações no caderno de campo e transcrições das entrevistas, foram consultados Relatórios de Gestão e Dados de Monitoramento da APS de 2020, em Porto Alegre/RS.
A análise do conteúdo coletado foi organizada com auxílio do software Atlas Ti®. Com a realização do trabalho de campo, emergiram três variáveis importantes para compreender a configuração das interações das ACSs, as quais embasaram a análise:
a)Ocontexto local da APS: é fundamental para entender a atuação da burocracia de nível de rua da APS, as características locais na implementação de políticas nacionais e a condução do trabalho em saúde durante a pandemia. Além disso, a disposição das interações é diretamente afetada pela gestão local da política.
b) O território adscrito: a APS age sobre um recorte territorial e, dentro desse território adscrito, as diferentes condições de vida que ali se apresentam configuram distintas interações com o serviço de saúde. No estudo de caso realizado, os contrastes dentro do território revelam diferenças nas interações das ACSs.
c) Vulnerabilidades individuais: dentro de cada contexto territorial, distribuem-se diferentes vulnerabilidades individuais, que podem ser orientadas por necessidades do ciclo de vida, (idosos, crianças, gestantes) ou com condições socioeconômicas e de moradia que moldam diferentes tipos de interações das ACSs com a população.
Por meio dessas variáveis foi possível analisar mudanças no modelo de trabalho das ACSs provocadas, em parte, pelas reformulações na PNAB e pelas excepcionalidades causadas pela pandemia de Covid-19.
Compreendendo a configuração das interações das ACSs
O estudo de caso realizado na Clínica de Saúde da Família IAPI, de Porto Alegre, salientou as implicações das reformulações da PNAB e da pandemia de Covid-19 nas práticas de agentes que atuam no nível de rua, em contato direto com a população. Dentre os fatores mais recorrentes nas falas das entrevistadas e nas situações vivenciadas no trabalho de campo, é possível destacar que as mudanças nas configurações do trabalho e nas interações das ACSs convergem em uma redução da continuidade dos vínculos estabelecidos na APS. Isso pode ser observado na prevalência de interações mais pontuais das ACSs com as famílias do território, em detrimento das interações constantes e contínuas. O primeiro aspecto a ser analisado é o contexto da política local em Porto Alegre, que permite compreender as dimensões das reformas na PNAB, as alterações impostas pela pandemia e o cruzamento com os conflitos locais.
O contexto local
O contexto local da APS de Porto Alegre apresenta características particulares, mas significativas, sobre como a configuração das interações das ACSs foi afetada pelas mudanças na política e pela pandemia de Covid-19. A rede de serviços de APS de Porto Alegre é composta por 130 Unidades de Saúde, 264 equipes de ESF e 105 EAP, representando 48,41% de cobertura de ESF (Porto Alegre, 2020PORTO ALEGRE. (2020), “Relatório Anual de Gestão de 2020”. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Disponível em: <https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_anual_gestao2020.pdf>, consultado em: 25/05/2022.
https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pre...
). Antes da crise de saúde provocada pela pandemia, o município já vinha enfrentando uma crise interna em decorrência do processo de ruptura com o órgão municipal que realizava a contratação das equipes de APS.
Em 2019, uma decisão tomada em um processo judicial julgou inconstitucional o Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF), responsável pela gestão e coordenação das equipes de APS no município. Desde então, os/as trabalhadores/as que antes eram contratados/as pelo IMESF foram sendo demitidos/as e a gestão municipal das US foi passada para Organizações Sociais (OS). Das 130 Unidades de APS do município, 99 estão contratadas por OS, 18 US são próprias e 13 são conveniadas (Porto Alegre, 2020PORTO ALEGRE. (2020), “Relatório Anual de Gestão de 2020”. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Disponível em: <https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_anual_gestao2020.pdf>, consultado em: 25/05/2022.
https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pre...
). Existe uma normativa local que impede que ACSs sejam contratadas de forma terceirizada, por isso houve uma redução significativa, e sem previsão de reposição, no número de ACSs no município (Porto Alegre, 2020PORTO ALEGRE. (2020), “Relatório Anual de Gestão de 2020”. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Disponível em: <https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_anual_gestao2020.pdf>, consultado em: 25/05/2022.
https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pre...
). A Clínica da Família IAPI está entre as 18 US que são gerenciadas pelo município.
Um dos pontos mais ressaltados pelas participantes da pesquisa foi em relação à mudança no desenho da APS. Essas mudanças foram incorporadas pelo governo municipal na implantação da modalidade de Clínica da Família para aderir às habilitações de EAP e ao programa “Saúde na Hora”. Essa modalidade concentra um número maior de equipes de saúde, responsáveis por um território mais extenso, com o propósito de oferecer atendimento em horário ampliado: das 07h às 19h. A Clínica IAPI foi inaugurada em junho de 2020 e é a terceira a adotar essa modalidade no município, o que gerou uma reordenação das equipes e seus territórios de referência.
A Clínica IAPI é composta por 7 equipes de ESF, 5 EAP e 5 equipes de Saúde Bucal. Dispõe de atendimento médico clínico geral, pediatria e ginecologia. Porém, em termos de lógica de trabalho, a transformação para a modalidade de Clínica da Família apresentou algumas mudanças em relação ao que se aplicava na ESF antes das reformas. Como explica a gestora:
A Clínica da Família, ela veio pra dar um plus pra Estratégia [ESF]. O que é esse plus? É a unidade ficar aberta das 07h da manhã às 19h. Mas a lógica da Clínica da Família, ela foge um pouco da Estratégia, porque o que eles falam? Que a Clínica da Família tem que ter um percentual de atendimento de demanda espontânea/dia que seria em torno de 70%. Então 70% tu tem que ter profissionais dentro da unidade focados só no atendimento/dia e os 30% seria o planejamento pra outros pacientes na questão do foco de Estratégia. (Bibiana, gestora na APS, 2020BIBIANA. Entrevista com gestora da APS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.)
Seguindo a explicação da gestora e o que pôde ser observado durante o trabalho de campo, a Clínica “foge” da lógica de trabalho que existia anteriormente na ESF, pois ampliou a cobertura e horário de atendimento, mas com um processo de trabalho mais direcionado ao atendimento da demanda espontânea, com menor tempo de planejamento das ações preventivas e de reconhecimento do território. Outro ponto ressaltado pela gestora foi a dificuldade em ampliar o olhar para o contexto social do indivíduo diante dessas novas configurações: “Porque muitas vezes o paciente não vem só pela patologia, tem algo atrás, só que a gente não consegue com pouco tempo pra conversar com o paciente, pra criar o vínculo, a gente não consegue perceber o que tá acontecendo e o paciente não se abre.” (Bibiana, gestora na APS, 2020BIBIANA. Entrevista com gestora da APS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.).
A resolutividade projetada na ESF está em ir além do atendimento à patologia do paciente e buscar compreender as condições que agravam a saúde e dificultam o tratamento (Pinto e Giovanella, 2018PINTO, Luiz Felipe; GIOVANELLA, Ligia. (2018), “Do Programa à Estratégia Saúde da Família: expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à atenção básica (ICSAB)”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23(6): 1903-1913. DOI: 10.1590/1413-81232018236.05592018 .
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
). Por isso, essa política preconiza o vínculo com o usuário, como forma de entender tais condições: “A ESF faz isso, criar vínculo, porque esse é o principal, é o olho no olho e com um atendimento de vinte minutos tu não consegue criar esse vínculo” (Bibiana, gestora na APS, 2020BIBIANA. Entrevista com gestora da APS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.).
A reformulação da PNAB em 2017 permitiu que uma equipe de ESF pudesse ser constituída por apenas um ACS (Brasil, 2017BRASIL, Ministério da Saúde. (2017), Portaria nº 2.436/2017 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e dá outras providências. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html>, consultado em 20/05/2021.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
). Com isso, o município aumentou o número de equipes de ESF na Clínica IAPI, mantendo o mesmo número de ACSs, mas ampliando seu território: “Nós éramos quatro equipes, cada uma tinha três agentes, dava pra movimentar bastante coisa, a gente realmente fazia as visitas e era uma coisa que tinha sentido, sabe?” (Odete, ACS, 2020ODETE. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.).
A maioria das ACSs que participaram da pesquisa trabalhava no cadastramento de usuários que foram incluídos em seu território com a reconfiguração. A meta de cadastramento foi um imperativo constante nas suas falas. Entretanto, também foram levantadas questões sobre a manutenção do vínculo com cada família em um território tão extenso: “Não tem como tu atender 30 mil pessoas, 20 e tantas mil e tu conseguir entrar em cada casa. Não tem. O máximo que tu vai fazer é ‘tá tudo bem senhora? Tá tomando o remédio?’” (Marta, ACS, 2020MARTA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.).
No começo da pandemia no Brasil, de março a agosto de 2020, as VDs foram canceladas. “No primeiro momento a gente parou de fazer visitas, aí em agosto tinha voltado a escala para fazer visitas, mas não entrar na casa, só passar e ver se tá tudo bem. Aí começamos a fazer mais a parte burocrática, recepções, cadastros...” (Marta, ACS, 2020MARTA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.). Além disso, os grupos de saúde e atividades comunitárias foram suspensos. Desde então, a meta de 120 visitas domiciliares mensais não tem sido mais cumprida. Com o retorno em agosto, o trabalho externo não era prioridade e as ACSs passaram a cumprir funções internas de recepção e cadastro de usuários, saindo apenas uma ou duas vezes por semana.
Quanto aos procedimentos de segurança, o sentimento das ACSs era de grande exposição: “Eu acho que uma exposição total que nós e os agentes de endemias ficávamos totalmente na linha de frente sem proteção, as proteções começaram a vir depois. Super exposta! E aí uma hora vem uma normativa sobre máscara, daqui a pouco mudava” (Marta, ACS, 2020MARTA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.). Como destaca Lotta et al. (2021b)LOTTA, Gabriela Spanghero; MAGRI, Giordano; NUNES, Ana Carolina; BENEDITO, Beatriz; ALBERTI, Claudio; RIBEIRO, Erika Caracho; LIMA-SILVA, Fernanda; THOMAZINHO, Gabriela; PEREIRA, Guilherme; MIRANDA, Juliana Rocha; CORRÊA, Marcela; SILVEIRA, Mariana; KRIEGER, Morgana; BARCELOS, Taciana; SANTOS, Alexsandro. (2021b), “O impacto da pandemia de Covid-19 na atuação da burocracia de nível de rua no Brasil”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 35: 1-38. DOI: 10.1590/0103-3352.2021.35.243776.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.3...
, foi apenas com a Lei n. 14.023 de julho de 2020 que esses profissionais foram definidos como essenciais, tornando obrigatória a distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI).
“Reunião de equipe durante dois anos nós tivemos duas vezes” (Karen, ACS, 2020KAREN. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.). A comunicação entre a equipe ocorria principalmente por meio de grupos no whatsapp, por meio dos quais eram repassadas as determinações sobre o trabalho. Porém, não havia momentos de discussão, nem treinamento para lidar com a situação excepcional da pandemia, conforme ressaltado: “e a gente vai sem capacitação, sem treinamento, entendeu? Tu tem que ir buscando” (Karen, ACS, 2020KAREN. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.).
Mais que entender como ocorrem as interações das ACSs com a equipe, é importante visualizarmos o contexto em que ocorrem: nesse caso, demanda ampliada pelo serviço de saúde, sobrecarga de trabalho, redução no número de profissionais, insegurança e falta de treinamento. A rotina de trabalho das ACSs mudou consideravelmente com a transição para a Clínica da Família, processo que ocorreu em meio à pandemia e de forma verticalizada, sem apresentar orientações detalhadas quanto às mudanças no processo de trabalho.
O território adscrito
A Clínica está localizada em uma região histórica de Porto Alegre, onde, na década de 1950, o Governo Federal inaugurou a Vila do IAPI, composta por cerca de 2.500 casas e apartamentos destinados às famílias dos industriários. Trata-se de um complexo habitacional planejado com inspiração nas “cidades-jardim” europeias: ruas arborizadas, muitas praças, arquitetura variada de casas geminadas, individuais e os prédios “em fita”. Grande parte das casas e prédios da Vila IAPI estão situados no Bairro Passo D’Areia e a maior parte dos moradores são idosos aposentados com renda e padrão de vida estável.
O território referenciado na Clínica compreende os bairros: Passo D’Areia, Higienópolis, Boa Vista, São João, Santa Maria Goretti, Jardim São Pedro, São Sebastião, Vila Nazaré e Vila Dique. No Mapa da figura 1 podemos observar a disposição territorial da Clínica.
O território da Clínica da Família IAPI. Fonte: Geosaúde Porto Alegre, 2020PORTO ALEGRE, Geosaúde. (2020), Mapa com território base das unidades de saúde municipais. Disponível em: <https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=119gTW9fF1HCImSAMSrlHrOJkdqE&shorturl=1≪=-30.055424577415746%2C-51.14057907185402&z=11>, consultado em 25/05/2022.
https://www.google.com/maps/d/viewer?mid... , adaptado pelos autores.
Cada ACS estava atendendo uma população de mais de três mil pessoas, que antes era referenciada por três ou quatro agentes. Apesar do imaginário de que a ESF dirige-se apenas a segmentos mais pobres da população (Marsiglia e Carneiro Júnior, 2009), foi possível observar diferentes estratos sociais sendo assistidos pela política.
A região no entorno da Clínica, de maneira geral, pode ser caracterizada por um bom padrão de vida, todas as famílias possuem água encanada, esgoto fechado e coleta seletiva de lixo. Contextos familiares de alto poder aquisitivo e muitos idosos, como descreve a ACS: “Aqui no IAPI as pessoas têm um padrão estável já, porque são pessoas que moram aqui há bastante tempo, alguns têm situações precárias, mas a maioria é estável, já são aposentados, os filhos trabalham, algum filho desempregado, mas tem uma estabilidade” (Odete, ACS, 2020ODETE. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre. ). Nos bairros do entorno da Clínica as principais demandas das ACSs estão relacionadas a um acompanhamento contínuo à saúde dos idosos, pois muitos são diabéticos, hipertensos ou têm alguma doença crônica.
Entretanto, essa não é a realidade de todo o território, como descreve outra ACS: “A Vila Nazaré é um território assim... de pobreza, na maioria dela, uns 60, 70%, porque lá atrás, lá no fundo, tem gente que trabalha no lixão, com criação de porcos, então é bem pobre mesmo” (Lindalva, ACS, 2020LINDALVA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.). Os contextos das duas Vilas que pertencem ao território da Clínica destoam da região próxima ao posto de saúde e a dificuldade de acesso foi uma das principais queixas feitas para a ACS, já que muitas pessoas precisavam do serviço de saúde, mas não têm condições de se deslocar até a Clínica.
A Vila Dique e a Vila Nazaré são territórios de ocupação irregular, áreas de extrema pobreza, sem saneamento básico e que ficam muito distantes da Clínica IAPI. Até fevereiro de 2020 existia uma equipe de ESF próxima à Vila Nazaré, com quatro ACSs que faziam atendimento exclusivo daquela população. Porém, grande parte da população da Vila foi removida, devido às obras de ampliação do Aeroporto Salgado Filho, que avança sobre o terreno ocupado. Os moradores que ainda não foram removidos migraram para a Vila Dique. Com o fechamento da ESF essa população passou a ser referenciada pela Clínica IAPI, perante a justificativa oferecida pela gestão municipal de que as demais US próximas às vilas Dique e Nazaré não têm capacidade para atendê-la.
A desigualdade social dentro do território é notável. Enquanto no bairro Passo D’Areia existem boas condições de vida, locais como na Vila Dique:
Tem uns que são paupérrimos, que é uma casinha de dois por três ali, um barraco, né? E dentro daquele barraco ali mora o pai, a mãe e uns quatro ou cinco filhos, tem muitas casas que não tem banheiro. Eles não têm um banheiro dentro de casa! Tem uma casinha onde faz as necessidades. Têm casas onde não tem água encanada, a água é só mais pro início da Vila, os que moram mais pro fundo lá não tem água que saia na torneira. (Karen, ACS, 2020KAREN. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.)
Circular com as ACSs nesses distintos contextos permitiu perceber duas situações: no bairro elas precisam insistir no interfone para falar com as famílias, enquanto na Vila são abordadas diretamente pelas pessoas que expõem suas demandas. Perante as condições precárias e a dificuldade de acesso ao serviço de saúde dos moradores da Vila Dique, uma Unidade Móvel de Saúde é disponibilizada na entrada da Vila para realizar atendimentos uma vez por semana.
Ainda, é interessante analisar o contexto da desigualdade. Dique é uma geotecnologia de contenção de enchentes, uma alternativa muito utilizada em Porto Alegre para proteger a cidade das cheias no Delta do Rio Jacuí. A Vila Dique se desenvolveu sobre um desses diques, no extremo norte da capital, por isso configura mais de 3km de extensão construída em uma única rua, tendo, de um lado, os canais do Rio Gravataí e, do outro, diversos córregos oriundos de esgotos do distrito industrial da cidade.
É o local mais miserável, mais pobre, mais dificultoso, com maiores demandas é lá, mas não tinha médico lá. Vinham pra cá aí passava pro atendimento ‘não, não tem médico! Tem que vim mais cedo’. Como é que um paciente morando lá naquela distância, vai caminhar tudo aquilo lá pra competir com pacientes que moram aqui perto? (Karen, ACS, 2020KAREN. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.)
O contexto em que o SUS opera gera situações como a descrita pela ACS. Um sistema público universal implementado com restrição de recursos, produz uma espécie de “competição” pelo acesso aos serviços de saúde. Neste caso, a desigualdade de condições faz com que a classe média do entorno tenha inúmeras facilidades no atendimento de suas vulnerabilidades físicas e sociais, enquanto a periferia é a que mais sofre com as restrições colocadas pelas mudanças políticas. Com o trabalho da ACS na Vila, é possível reconhecer as demandas de saúde da população, mas, sem que essa população possa acessar a Unidade de Saúde, o trabalho da ACS torna-se um mero registro da precariedade.
Vulnerabilidades individuais
Um registro em diário de campo de outubro de 2020 descreve a precariedade em que ocorre a interação da ACS. No caminho para uma VD na casa de Larissa, a ACS adiantou do que se tratava: mulher negra de 26 anos, gestante do quarto filho, morava em um “barraco” bastante precário, estava desempregada, com sintomas de tuberculose (TB) e era beneficiária do Programa Bolsa Família. A visita tinha como finalidade informar Larissa sobre a necessidade de ir até a Unidade Móvel de Saúde dali há dois dias para coletar exame de TB. Quando chegamos em sua casa, Larissa saiu para conversar com a ACS, junto com ela saíram dois de seus filhos: Élison, de 6 anos e Roberta, de 3 anos.
Larissa estava ofegante, tossia bastante e perguntou à ACS se tinha problema ela usar uma bombinha para asma que havia conseguido com um conhecido e que estava ajudando na sua falta de ar. A ACS disse que ela precisava ter muito cuidado com a falta de ar, que poderia ser um agravamento de alguma infecção ou até mesmo covid, entrou em contato com a enfermeira da US pelo whatsapp. Com a resposta da enfermeira a ACS orientou que Larissa não usasse mais a bombinha e que procurasse uma emergência, pois a falta de ar era preocupante e poderia colocar em risco sua gestação. Larissa disse que não tinha dinheiro para as passagens de ônibus até um hospital e, mesmo que tivesse, não teria com quem deixar seus filhos, pois seu companheiro estava em outra cidade. A ACS avisou do seu exame de TB e disse que iria lhe pedir um encaminhamento para a assistência social para conseguir o enxoval do bebê. Larissa agradeceu, disse que iria no “caminhão” (Unidade Móvel de Saúde) dali a dois dias, nos despedimos e seguimos. Desacreditada, a ACS disse: “é triste, mas eu acho que ela não vai conseguir ganhar esse filho”. (Martins, diário de campo, 2020MARTINS, Maique. Visita domiciliar registrada em caderno de campo. Pesquisador. 06/10/2020, Porto Alegre.)
A dificuldade de acesso a serviços públicos nas regiões periféricas e mais vulneráveis foram muito evidentes na pesquisa. Casos como o de Larissa foram frequentes: situações em que a ACS ia até a casa para entregar um pedido de exame ou de consulta que havia sido atendido pela Secretaria de Saúde, mas a pessoa não tinha condições financeiras para o deslocamento até o serviço. Contextos precários no âmbito financeiro, nas condições de moradia, alimentação e que, inevitavelmente, acabam afetando no cuidado à saúde. “Muitos são de baixa renda, não têm passagem [de ônibus] e aí acabam não procurando a Unidade de Saúde, então muitos não sabem se tão com Covid, se não tão, se tem tuberculose ou se não tem” (Lindalva, ACS, 2020LINDALVA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.). A pandemia escancarou essas desigualdades, nas interações das ACSs com famílias das vilas não chegava a ser “pauta” recomendações sobre a prevenção a Covid-19. Como seria? Em contextos sem saneamento básico, sem água encanada e em que a maioria da população sobrevive da reciclagem ou de programas sociais, como recomendar cuidados de higiene, uso de álcool em gel e isolamento?
Para Butler (2019), aBUTLER, Judith. (2019), Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução de Andreas Lieber. 1a edição, Belo Horizonte, Editora Autêntica. condição precária designa um estado politicamente induzido, no qual certas populações sofrem com poucas redes sociais e econômicas de apoio e ficam expostas de forma diferenciada às violações, à violência e à morte. Todo indivíduo é vulnerável e necessita de cuidados ao longo de sua vida, porém existe uma distribuição desigual da precariedade, variável de acordo com o contexto social.
Tal compreensão é relevante para analisar a interação das ACSs com as famílias assistidas, pois permite perceber como o contato da BNR com a população torna visível a forma desigual da atribuição do reconhecimento. Quando a ACS lamenta o fato de que talvez o filho de Larissa não sobreviva, ela está considerando que a família e o Estado não têm condições de tornar aquela vida vivível. A Unidade Móvel de Saúde, ou o “caminhão”, como é conhecido pela população, oferece atendimento uma vez por semana, em frente a uma escola próxima às duas vilas, porém é feito por poucos profissionais, muitas vezes apenas uma enfermeira e duas técnicas, o que limita bastante o atendimento de uma população com distintas demandas de saúde.
O estilo de interação da ACS com as famílias é moldado pelo contexto em que ocorre. No entorno da Clínica, onde a maioria dos moradores são idosos e com boas condições financeiras, as ACSs relatam que, antes da pandemia, costumavam entrar em suas casas, conversar, orientar e monitorar suas condições de saúde. Com a pandemia e a orientação para que as visitas fossem realizadas com distanciamento social, as interações ficaram mais limitadas, pois trata-se de uma região com muitos prédios e o encontro acabava acontecendo pelo interfone: “Assim, receber no portão tu até pode pegar alguma coisa dependendo da pessoa, mas não é o mesmo olhar de tu entrar dentro da casa e observar o ambiente, né? Porque a gente entra dentro de uma casa e a gente percebe tudo” (Marta, ACS, 2020MARTA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.).
Por outro lado, com as famílias mais vulneráveis, a questão da visita ser realizada no “portão” não mudou a interação com as ACSs. Nas vilas, as portas das casas geralmente estão abertas e a separação entre a casa e o espaço da rua, nesses contextos, é mais homogênea, uma vez que são moradias pequenas e as portas estão direcionadas para a rua.
Porém, devido à ampliação dos territórios de cada ACS, o vínculo com famílias que eram acompanhadas constantemente foi reduzido a poucos encontros. Com o aumento da quantidade de casas para visitar, tornou-se mais difícil manter uma continuidade nas relações. E o fato de não estarem mais presentes, reduziu a possibilidade de monitorar as vulnerabilidades de saúde e também de perceber os efeitos da pandemia dentro de cada família: “Muita gente com outros problemas de vulnerabilidade, de estupro, de muita coisa que pode acontecer dentro das casas e a gente não está com esse alerta ligado por não estar nas comunidades” (Marta, ACS, 2020MARTA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.). A atuação da ACS consiste em identificar esses outros problemas de vulnerabilidade que são mais difíceis de aparecer em atendimentos com outros profissionais de saúde.
A redução no vínculo foi uma das principais alterações no trabalho, como apontado pelas ACSs: "O problema maior que a gente vê hoje em dia é não poder adentrar e não poder ter esse vínculo que nós tínhamos” (Lindalva, ACS, 2020LINDALVA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.). Com a diminuição do vínculo com o território e com as famílias, ficou mais difícil acompanhar e monitorar as condições de saúde, deixando de identificar as vulnerabilidades de cada contexto familiar.
Considerações finais - uma crise de vínculos
A presente pesquisa buscou explorar um caso empírico para analisar os efeitos provenientes de mudanças na regulamentação da política pública e da pandemia de Covid-19 em um serviço de saúde que atua como porta de entrada do usuário no SUS. As ACSs são um importante elo entre populações vulneráveis e o sistema de saúde pelo fato de desenvolverem seu trabalho nas ruas, em contato direto com a população, o que permite conhecer as dinâmicas territoriais, identificar demandas e orientar quanto ao funcionamento das Unidades de Saúde. Porém, em meio à pandemia de Covid-19, os conflitos desses profissionais somaram-se às decisões de âmbito nacional que flexibilizaram a centralidade da atuação desses profissionais.
As mudanças incorporadas no nível local, como podemos observar no caso da Clínica da Família IAPI, direcionam atendimentos para Unidades que atendem a um território maior, gerando contextos pouco acessíveis para as comunidades mais vulneráveis. No caso estudado, a política não conseguiu atender demandas diferenciadas dentro do território, como ocorre entre a Vila Dique e o bairro Passo D’Areia, por exemplo. A ampliação da cobertura não alcança os estratos sociais mais vulneráveis que estão dentro do recorte geográfico pertencente à US. Ainda, o processo dessas mudanças locais ocorre de forma centralizada, sem orientação ou apoio institucional para lidar com as situações de aumento da demanda de trabalho e o medo constante diante da exposição ao vírus.
Alguns trabalhos sobre a APS têm apontado o subaproveitamento e as dificuldades desta política no enfrentamento à pandemia de Covid-19 (Giovanella et al., 2020GIOVANELLA, Ligia; MARTUFI, Valentina; MENDONZA, Carolina Ruiz; BOSQUAT, Aylene Emilia Moraes; PEREIRA, Rosana Aquino Guimarães; MEDINA, Maria Guadalupe. (2020), “A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19”. Saúde em Debate, p. 1-21. DOI: 10.1590/SciELOPreprints.1286.
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints....
; Lotta et al., 2020LOTTA, Gabriela; COELHO, Vera Schattan Ruas Pereira; BRAGE, Eugenia. (2020), “How Covid-19 has affected frontline workers in Brazil: a comparative analysis of nurses and community health workers”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 1-11. DOI 10.1080/13876988.2020.1834857.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
; Fernandez et al., 2021FERNANDEZ, Michelle; LOTTA, Gabriela; CORRÊA, Marcela. (2021), “Desafios para a Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma análise do trabalho das agentes comunitárias de saúde durante a pandemia de Covid-19”. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19: 2-18. DOI:10.1590/1981-7746-sol00321.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol003...
). Ao ponderar as questões que permeiam as mudanças na política nacional e sua incorporação no nível municipal, percebemos uma desterritorialização da política pública de saúde por meio da centralização das ações em atendimentos de demanda espontânea e, principalmente, pela minimização da abordagem territorial e preventiva possibilitada pelo trabalho da ACS. Apesar de específica, a análise deste caso permite entender que se trata de uma forma em que a política vem sendo conduzida nacionalmente, conforme comenta uma gestora: “a gente tem que ter um olhar de todas as gestões, quando existe uma gestão central que não tem esse olhar de Estratégia de Saúde da Família meio que vai fragmentando, vai rompendo esses laços” (Bibiana, gestora na APS, 2020BIBIANA. Entrevista com gestora da APS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.).
O estudo também ressalta a importância de olhar para o contexto de atuação da BNR, tanto do ponto de vista dos dilemas da gestão local da política, quanto sobre como o território e o público-alvo são atingidos nas interações com burocratas (Fernandez e Guimarães, 2020FERNANDEZ, Michelle Vieira; GUIMARÃES, Natália Cordeiro. (2020), “Caminhos teórico-metodológicos para a análise da burocracia de nível de rua”. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 32: 283-322. DOI 10.1590/0103-335220203208.
https://doi.org/10.1590/0103-33522020320...
; Lotta et al., 2021bLOTTA, Gabriela Spanghero; MAGRI, Giordano; NUNES, Ana Carolina; BENEDITO, Beatriz; ALBERTI, Claudio; RIBEIRO, Erika Caracho; LIMA-SILVA, Fernanda; THOMAZINHO, Gabriela; PEREIRA, Guilherme; MIRANDA, Juliana Rocha; CORRÊA, Marcela; SILVEIRA, Mariana; KRIEGER, Morgana; BARCELOS, Taciana; SANTOS, Alexsandro. (2021b), “O impacto da pandemia de Covid-19 na atuação da burocracia de nível de rua no Brasil”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 35: 1-38. DOI: 10.1590/0103-3352.2021.35.243776.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.3...
). O processo de trabalho na APS requer a construção de vínculos para que seja possível realizar um cuidado mais efetivo e atento às vulnerabilidades de cada contexto. Ao analisarmos a configuração das interações da burocracia de nível de rua da APS, observamos relações limitadas e sem continuidade, que apresentam um distanciamento em relação ao território e às pessoas assistidas pela política. Esse distanciamento não ocorre apenas pelas medidas restritivas, relativas à pandemia de Covid-19, mas, também, devido aos efeitos da mudança de desenho de atuação da política pública que tornou mais difícil a manutenção de vínculos e o reconhecimento das necessidades do território.
Agradecimentos
Essa pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Agradecemos aos/às pareceristas e revisores/as da Revista Brasileira de Ciências Sociais pelos comentários que em muito contribuíram para a finalização deste artigo. Também à Professora do Departamento de Políticas Públicas da UFRGS, Luciana Leite Lima, pela sua leitura e contribuições ao texto.
-
1
Todas as participantes desta pesquisa são mulheres, que também são maioria na linha de frente dos serviços públicos de saúde. Por esta razão, as referências à ACS, neste artigo, utilizarão sempre o pronome feminino.
-
2
Código no CEP: CAAE nº 31709720.4.0000.5327.
-
3
Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI). No mesmo prédio também funcionam outros serviços de saúde, especialidades, uma farmácia distrital e até uma emergência psiquiátrica. O local é conhecido como “Postão do IAPI”.
Bibliografia
- BRODKIN, Evelyn Z. (2012), “Reflections on street-level bureaucracy: past, present, and future”. Public Administration Review, v. 72(6): 940-959. DOI:10.111/j.1540-6210.2012.02657.x.Book.
» https://doi.org/10.111/j.1540-6210.2012.02657.x.Book - BRODKIN, Evelyn Z. (2021), “Street-level organizations at the front lines of crises”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 16-29. DOI: 10.1080/13876988.2020.1848352.
» https://doi.org/10.1080/13876988.2020.1848352 - BUTLER, Judith. (2017), “Vulnerabilidad corporal, coalición y la política de la calle”. Nómadas (Col), v. 46: 13-30. DOI: 105152132003.
» https://doi.org/105152132003 - BUTLER, Judith. (2019), Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução de Andreas Lieber. 1a edição, Belo Horizonte, Editora Autêntica.
- BRASIL, Ministério da Saúde. (2011), Portaria nº 2.844/2011 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e dá outras providências Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>, consultado em 20/05/2021.
» https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html - BRASIL, Ministério da Saúde. (2017), Portaria nº 2.436/2017 Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e dá outras providências Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html>, consultado em 20/05/2021.
» https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html - BRASIL, Ministério da Saúde. (2019), Portaria 2.979/2019. Institui o Programa Previne Brasil Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-novembro-de-2019-227652180>, consultado em 20/05/2021.
» https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-novembro-de-2019-227652180 - CAVALCANTI, Sérgio; LOTTA, Gabriela; PIRES, Roberto. (2018), “Contribuições dos estudos sobre burocracia de nível de rua”, in R. Pires; G. Lotta; V. Oliveira (org.), Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas, 1a edição. Brasília: IPEA: ENAP. ISBN: 978-85-7811-331-5
- COLLINS, Mary Elizabeth; AUGSBERGER, Astraea. (2020), “Impacts of policy changes on Care-Leaving Workers in a time of coronavirus: Comparative analysis of discretion and constraints”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 51-62. DOI:10.1080/13876988.2020.1841560.
» https://doi.org/10.1080/13876988.2020.1841560 - COHN, Amélia; NAKAMURA, Eunice; GUTIERRES, Kellen A. (2009), “De como o PSF entrecruza as dimensões pública e privada da vida social”, in A. Cohn (org.), Saúde da Família e SUS: convergências e dissonâncias, 1a edição, Rio de Janeiro: Beco do Azougue, São Paulo: CEDEC. ISBN: 978-85-7920-003-8.
- EIRÓ, Flávio. (2017), “O programa bolsa família e os pobres ‘não merecedores’: poder discricionário e os limites da consolidação de direitos sociais”, in IPEA. Boletim de Análise Político-Institucional, Brasília, Ipea, 2017.
- DAVIDOVITZ, Maayan; COHEN, Nissim; GOFEN, Anat. (2020), “Governmental response to crises and its implications for Street-Level Implementation: Policy ambiguity, risk, discretion during the Covid-19 Pandemic”. Journal of Comparative Policy Analysis: research and practice, v. 23(1): 120-130. DOI: 10.1080/13876988.2020.1841561
» https://doi.org/10.1080/13876988.2020.1841561 - FERNANDEZ, Michelle Vieira; GUIMARÃES, Natália Cordeiro. (2020), “Caminhos teórico-metodológicos para a análise da burocracia de nível de rua”. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 32: 283-322. DOI 10.1590/0103-335220203208.
» https://doi.org/10.1590/0103-335220203208 - FERNANDEZ, Michelle; LOTTA, Gabriela; CORRÊA, Marcela. (2021), “Desafios para a Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma análise do trabalho das agentes comunitárias de saúde durante a pandemia de Covid-19”. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19: 2-18. DOI:10.1590/1981-7746-sol00321.
» https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00321 - FONSECA, Cláudia; SCALCO, Lucia Mury; CASTRO, Helisa Canfield de. (2018), “Etnografia de uma política pública: controle social pela mobilização popular”. Horizontes antropológicos, v. 24(50): 271-303. DOI: 10.1590/S0104-71832018000100010.
» https://doi.org/10.1590/S0104-71832018000100010 - GIOVANELLA, Ligia; MARTUFI, Valentina; MENDONZA, Carolina Ruiz; BOSQUAT, Aylene Emilia Moraes; PEREIRA, Rosana Aquino Guimarães; MEDINA, Maria Guadalupe. (2020), “A contribuição da atenção primária à saúde na rede SUS de enfrentamento à Covid-19”. Saúde em Debate, p. 1-21. DOI: 10.1590/SciELOPreprints.1286.
» https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.1286 - GOFEN, Anat; LOTTA, Gabriela. (2021), “Street-level bureaucrats at the forefront of pandemic response: a comparative perspective”. Journal of Comparative Policy Analysis:Research and Practice, v. 23(1): 3-15. DOI 10.1080/13876988.2020.1861421.
» https://doi.org/10.1080/13876988.2020.1861421 - LIPSKY, Michael. ([1980] 2010), Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services Updated edition, Nova York, Russell Sage Foundation.
- LOTTA, Gabriela Spanghero. (2015), Burocracia e implementação de políticas públicas: os agentes comunitários na Estratégia Saúde da Família. 1a edição, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.
- LOTTA, Gabriela. (2019), “Práticas, interações, categorização e julgamentos: análise da ação discricionária dos agentes comunitários de saúde”, in R. Pires (org.), Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, 1a edição, Rio de Janeiro, Ipea.
- LOTTA, Gabriela; COELHO, Vera Schattan Ruas Pereira; BRAGE, Eugenia. (2020), “How Covid-19 has affected frontline workers in Brazil: a comparative analysis of nurses and community health workers”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 1-11. DOI 10.1080/13876988.2020.1834857.
» https://doi.org/10.1080/13876988.2020.1834857 - LOTTA, Gabriela; LIMA-SILVA, Fernanda; FAVARETO, Arilson. (2021a), “Dealing with violence: Varied reactions from frontline workers acting in highly vulnerable territories”. Environment and Planning C: Politics and Space, v.0(0): 1-18. DOI: 10.1177/23996544211031560.
» https://doi.org/10.1177/23996544211031560 - LOTTA, Gabriela Spanghero; MAGRI, Giordano; NUNES, Ana Carolina; BENEDITO, Beatriz; ALBERTI, Claudio; RIBEIRO, Erika Caracho; LIMA-SILVA, Fernanda; THOMAZINHO, Gabriela; PEREIRA, Guilherme; MIRANDA, Juliana Rocha; CORRÊA, Marcela; SILVEIRA, Mariana; KRIEGER, Morgana; BARCELOS, Taciana; SANTOS, Alexsandro. (2021b), “O impacto da pandemia de Covid-19 na atuação da burocracia de nível de rua no Brasil”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 35: 1-38. DOI: 10.1590/0103-3352.2021.35.243776.
» https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.35.243776 - MACIEL, Fernanda Beatriz Melo; SANTOS, Herbert Luan Pereira; CARNEIRO, Raquel Araujo da Silva; SOUZA, Eliana Amorim; PRADO, Nilia Maria de Brito; TEIXEIRA, Carmem Fontes. (2020), “Agente Comunitário de Saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de Pandemia de Covid-19”. Revista de Ciência e Saúde Coletiva, v. 25(2): 4185-4195. DOI: 10.1590/1413-812320202510.2.28102020.
» https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.28102020 - MARINS, Mani Tebet. (2019), “As consequências não previstas do Programa Bolsa Família”, in G. Lotta (org.), Teoria e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, 1a edição, Brasília, Enap.
- MARSIGLIA, Regina G.; CARNEIRO JR., Nivaldo. (2009), “Disponibilidade, acessibilidade e aceitabilidade do PSF em áreas metropolitanas”, in A. Cohn (org.), Saúde da Família e SUS: convergências e dissonâncias, 1a edição, Rio de Janeiro, Beco do Azougue, São Paulo, CEDEC. ISBN: 978-85-7920-003-8.
- MEZA, Oliver; PEREZ-CHIQUÉS, Elizabeth; CAMPOS, Sergio A.; CASTRO, Samanta Varela. (2020), “Against the COVID-19 Pandemic: Analyzing Role Changes of Healthcare Street-Level Bureaucrats in Mexico”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23(1): 3-15. DOI: 10.1080/13876988.2020.1846993.
» https://doi.org/10.1080/13876988.2020.1846993 - MENICCUCI, Telma; GOMES, Sandra. (2018), Políticas sociais: conceitos, trajetórias e a experiência brasileira. 1a edição, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.
- MØLLER, Marie Østergaard. (2020), “The dilemma between self-protection and service provision under Danish Covid-19 guidelines: a comparison of public servants’ experiences in the pandemic frontline”. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, v. 23: 1-15. DOI 10.1080/13876988.2020.1858281.
» https://doi.org/10.1080/13876988.2020.1858281 - NASCIMENTO, Vânia B.; COSTA, Ieda Maria C. C. (2009), “PSF, descentralização e organização de serviços de saúde no Brasil”, in A. Cohn (org.), Saúde da Família e SUS: convergências e dissonâncias, 1a edição, Rio de Janeiro, Beco do Azougue, São Paulo, CEDEC. ISBN: 978-85-7920-003-8.
- OLIVEIRA, Rosana Medeiros de. (2014), “Notícias de homofobia: enquadramento como política”, in D. Diniz; R. M. Oliveira (orgs.), Notícias de homofobia no Brasil, 1a edição, Brasília, Letras livres.
- PINTO, Luiz Felipe; GIOVANELLA, Ligia. (2018), “Do Programa à Estratégia Saúde da Família: expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à atenção básica (ICSAB)”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23(6): 1903-1913. DOI: 10.1590/1413-81232018236.05592018 .
» https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05592018 - PIRES, Roberto Rocha C. (2019), “Introdução”, in R. Pires (org.), Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, 1a edição, Rio de Janeiro, Ipea.
- PORTO ALEGRE. (2020), “Relatório Anual de Gestão de 2020”. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Disponível em: <https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_anual_gestao2020.pdf>, consultado em: 25/05/2022.
» https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/relatorio_anual_gestao2020.pdf - PORTO ALEGRE, Geosaúde. (2020), Mapa com território base das unidades de saúde municipais Disponível em: <https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=119gTW9fF1HCImSAMSrlHrOJkdqE&shorturl=1≪=-30.055424577415746%2C-51.14057907185402&z=11>, consultado em 25/05/2022.
» https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=119gTW9fF1HCImSAMSrlHrOJkdqE&shorturl=1≪=-30.055424577415746%2C-51.14057907185402&z=11 - SANTOS, Debora de Souza; MISHIMA, Silvana Martins; MERHY, Emerson Elias. (2018), “Processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família: potencialidades e subjetividade do cuidado para reconfiguração do modelo de atenção”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23(3): 861-870. DOI: 10.1590/1413-2311.331.107905 .
» https://doi.org/10.1590/1413-2311.331.107905 - STARFIELD, Barbara. (2002), Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia 1a edição, Brasília, UNESCO.
- TIRELLI, Cláudia. (2020), “Conectando políticas públicas e território: a contribuição da perspectiva relacional”, in L. L. Lima; L. Schabbach (org.), Políticas Públicas: questões teórico-metodológicas emergentes, 1a edição, Porto Alegre, Editora da UFRGS/CEGOV.
- ZACKA, Bernardo; ACKERLY, Brooke; ELSTER, Jakob; ALLEN, Signy; LONGO, Mattew; SAGAR, Paul. (2020), “Political Theory with an Ethnographic Sensibility”. Contemporary Political Theory v. 20: 385-418. DOI: 10.1057/s41296-020-00433-1.
» https://doi.org/10.1057/s41296-020-00433-1
CITAÇÕES DO TRABALHO DE CAMPO
- BIBIANA. Entrevista com gestora da APS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.
- KAREN. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.
- LINDALVA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.
- MARTINS, Maique. Visita domiciliar registrada em caderno de campo. Pesquisador. 06/10/2020, Porto Alegre.
- MARTA. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.
- ODETE. Entrevista com ACS (identidade preservada). Pesquisador M. Martins. 12/2020, Porto Alegre.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Nov 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
22 Set 2021 -
Aceito
24 Maio 2022