Resumo
Houve um tempo na Ciência Política brasileira em que análises históricas eram usuais. Os temas então estudados eram diversos e fundamentais para a compreensão do país e de sua política. Pesquisas com perfil similar desapareceram deste campo disciplinar. Diríamos hoje, como havíamos dito há alguns anos, que a Ciência Política brasileira é essencialmente “presentista” e pouco espaço concede, se é que algum, ao contexto histórico como fator explicativo. Não pretendemos identificar as causas dessa mudança, muito provavelmente vinculadas ao predomínio de um tipo de pesquisa “centrada em variáveis”. Nosso objetivo é discutir qual poderia ser o lugar do conhecimento histórico na Ciência Política e defender um retorno à história que seja condizente com as pretensões teorizantes da disciplina. Acreditamos que isso é possível por meio de duas ferramentas cada vez mais utilizadas na Ciência Política: a Qualitative Comparative Analysis (QCA) e o Process Tracing (PT).
Palavras-chave:
QCA; Process Tracing; Comparação Histórica; Ciência Política; História
Abstract
There was a time in the Brazilian Political Science when historical analysis were common. The topics studied were diverse and fundamental for understanding the country and its politics. Research with a similar profile has disappeared from our disciplinary field. We would say today, as we said a few years ago, that Brazilian Political Science is essentially “presentist” and gives little space, if any, to the historical context as an explanatory factor. We do not intend to identify the causes of this change, most likely linked to the predominance of a variable-centered type of research. Our objective is rather to discuss what could be the place of historical knowledge in Political Science and to defend a return to history that is consistent with the theorizing pretensions of the discipline. We believe that this is possible through two tools increasingly used in Political Science: Qualitative Comparative Analysis (QCA) and Process Tracing (PT).
Keywords:
QCA; Process Tracing; Political Science; Historical Comparison; History
1. Apresentação1 1 Agradeço àqueles que comentaram a primeira versão deste artigo no 47º Encontro Nacional da Anpocs no âmbito do GT 49, coordenado pelas professoras Ana Capella (UNESP) e Telma Menicucci (UFMG). Agradeço também aos pareceristas da Revista Brasileira de Ciências Sociais.
“Olhai para o passado e para o futuro, e vereis o presente” (Padre Vieira)
Houve um tempo na Ciência Política brasileira em que análises históricas eram recorrentes. Os temas então estudados eram diversos: a articulação entre Estado e industrialização; a construção do Estado nacional; os condicionantes do golpe de 1964 e os problemas da transição democrática; a relação entre Estado Novo e sistema partidário; as consequências do sindicalismo de Estado para a estrutura de representação de interesses; a formação das elites políticas ao longo da história, para citar apenas alguns exemplos. Pesquisas com perfil similar desapareceram do nosso campo disciplinar. Diríamos hoje, como havíamos dito há alguns anos (Perissinotto, 2004PERISSINOTTO, Renato. (2004), “Política e sociedade: por uma volta à sociologia política”. Política & Sociedade, 5:203-232. DOI: https://doi.org/10.5007/%25x.), que a Ciência Política brasileira é essencialmente “presentista” e pouco espaço concede, se é que algum, ao contexto histórico como fator explicativo.2 2 Para ser mais preciso, este texto aborda um certo tipo de ciência política praticado no Brasil, notadamente aquele dedicado à análise das instituições e do comportamento político. Não é o caso, por exemplo, dos estudos nacionais e internacionais de teoria e pensamento político, fortemente inspirados pela abordagem histórica. Agradeço ao parecerista anônimo da Revista Brasileira de Ciências Sociais por esta observação. A nossa concepção de história é introduzida na seção 2, a seguir, a partir do texto de Rüsen (2016). Não pretendemos identificar as causas desta mudança. Nosso objetivo é discutir qual poderia ser o lugar do conhecimento histórico nas explicações produzidas pela Ciência Política e defender um retorno à história que seja condizente com as pretensões teorizantes da disciplina.
Este é um problema central, pois a Ciência Política sempre foi perpassada por uma tensão entre, por um lado, buscar leis causais na forma de covering laws e, por outro, esmiuçar casos singulares recorrendo a estudos interpretativos e históricos (Somers, 1996SOMERS, Margaret. (1996), “Where Is Sociology after the Historic Turn? Knowledge Cultures, Narrativity, and Historical Epistemologies”, in T. McDonald. (org.), The Historic Turn in the Human Sciences. Michigan, University of Michigan Press.). Considerando esses dois extremos, temos duas opções: ou excluímos o contexto histórico porque a busca de generalizações amplas deve evitar referências aos aspectos específicos dos sistemas sociais estudados (Przeworski e Teune, 1982PRZEWORSKI, Adam; TEUNE, Henry. (1982), The Logic of Comparative Social Inquiry. Malabar, Krieger Publishing Company.) ou conferimos a ele centralidade absoluta, o que implicaria abandonar quaisquer pretensões de generalização causal e correr o sério risco de transformar o cientista político em um mau historiador (Reis, 1991REIS, Fábio Wanderley. (1991), “O Tabelão e a Lupa: Teoria, Método Generalizante e Idiografia no Contexto Brasileiro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 6, 16:1-16.).
Em meados dos anos 1990 essa discussão recebeu atenção especial por meio do que ficou conhecido como “virada histórica” nas Ciências Sociais (Lloyd, 1995LLOYD, Cristopher. (1995), As estruturas da história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.; McDonald, 1996MCDONALD, Terrence. (org.) (1996). The Historic Turn in the Human Sciences. Michigan, University of Michigan Press.; Abbott, 1997ABBOTT, Andrew. (1997), “Of Time and Space: The Contemporary Relevance of the Chicago School”. Social Forces, 75, 4:1149-1182. DOI: https://doi.org/10.1093/sf/75.4.1149.), mas o debate continua até hoje (Zelizer, 2004ZELIZER, Julian. (2004), “History and Political Science: Together Again?” Journal of Policy History, 16, 2:126-136. DOI: https://doi.org/10.1353/jph.2004.0012.; Pierson e Skocpol, 2008PIERSON, Paul; SKOCPOL, Theda. (2008), “El Institucionalismo Histórico en la Ciencia Política Contemporánea”. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 17,1:7–38.; McLean, 2010MCLEAN, Iain. (2010), “Political Science and History: Friends and Neighbours”. Political Studies, 58, 2:354–367. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-9248.2009.00826.x.; Orren e Skowroneck, 2016ORREN, Karen; SKOWRONECK, Stephen. (2016), “Pathways to the Present: Political Development in America”, in R. Valelly; S. Mettler; R. Lieberman. (org.), The Oxford Handbook of American Political Development. Oxford, Oxford University Press.; Cavazza, 2017CAVAZZA, Stefano. (2017), “Suspicious Brothers: Reflections on Political History and Social Sciences”. Ricerche di Storia Politica, special issue, 53-63. DOI: https://doi.org/10.1412/87619.; Diletti, 2022DILETTI, Mattia. (2022), “Bringing the History Back into Social and Political Sciences”. USAbroad – Journal of American History and Politics, 5, 1:43-48. DOI: https://doi.org/10.6092/issn.2611-2752/14654.). Na Ciência Política esta discussão se deu de forma mais sistemática com os trabalhos pioneiros de Paul Pierson (2000PIERSON, Paul. (2000), “Increasing Returns, Path Dependence and the Study of Politics”. American Political Science Association, 94, 2:251-267. DOI: https://doi.org/10.2307/2586011.; 2004PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.; 2015PIERSON, Paul. (2015), “Power and path dependence”, in J. Mahoney; K. Thelen. (org.), Advances in Comparative-Historical Analysis. Cambridge, Cambridge University Press.). Para este autor, trata-se exatamente de recusar a antinomia entre proposições universais e conhecimento idiográfico e almejar uma Ciência Política que combine a “sensibilidade à complexidade causal e aos efeitos contextuais com aspirações que visem tirar implicações sobre os processos sociais que transcendam um único contexto” (Pierson, 2004, pPIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.. 169).
Não pretendemos fazer neste artigo um recenseamento bibliográfico dessa literatura, mas discutir algumas questões teóricas e metodológicas em relação às quais o debate sobre o tema avançou. Para tanto, o artigo se divide, além desta apresentação, da seguinte maneira: na seção dois faremos uma síntese das propostas iniciais de introdução do conhecimento histórico na Ciência Política, cujo objetivo era evitar tanto proposições na forma de leis gerais quanto um conhecimento baseado no detalhismo histórico, metas que poderiam ser cumpridas pelo uso conjunto do conceito de path dependence e da comparação histórica (Pierson, 2004PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.; 2015PIERSON, Paul. (2015), “Power and path dependence”, in J. Mahoney; K. Thelen. (org.), Advances in Comparative-Historical Analysis. Cambridge, Cambridge University Press.). A terceira seção apresenta críticas ao uso dessas duas estratégias como forma de promover o retorno da história à Ciência Política, que consistem em dizer que, ao fim e ao cabo, a história se faz pouco presente por meio delas. A quarta seção discute as possíveis soluções para superar os limites apontados na terceira seção. Em especial, discutiremos as vantagens da Qualitative Comparative Analysis (QCA) e do Process Tracing (PT) como estratégias que permitem conjugar, de maneira metodologicamente rigorosa, o retorno à história com a produção de explicações causais que permitam alguma generalização e, por conseguinte, avanços teóricos significativos. Por fim, a título de conclusão, listamos três pontos que nos parecem importante enfatizar a partir da discussão feita ao longo do artigo.
2. O retorno da história
2.1. Ordenação temporal e path dependence
O objetivo heurístico do retorno à história é enfatizar que fenômenos políticos não são frutos de leis universais que operariam independentemente do tempo e do lugar de sua ocorrência. Essa orientação, defendida, por exemplo, por algumas variantes da teoria da escolha racional,3 3 Sobre o descarte da cultura e da história como fatores explicativos do comportamento humano, ver as discussões de Tsbelis (1998) sobre a intercambialidade dos indivíduos. minora o peso do contexto histórico na produção dos fenômenos sociais e, portanto, a necessidade de levá-lo em consideração na formulação de explicações causais (Abbott, 1997ABBOTT, Andrew. (1997), “Of Time and Space: The Contemporary Relevance of the Chicago School”. Social Forces, 75, 4:1149-1182. DOI: https://doi.org/10.1093/sf/75.4.1149.). No entanto, não se trata de fazer a história descritiva dos acontecimentos, e sim identificar atributos contextuais cuja relação de causalidade com o fenômeno analisado seja passível de alguma teorização.
O conceito de path dependence se impõe como um interlocutor privilegiado quanto a esse ponto, pois apresenta uma definição explícita de “história”. Esta é entendida como a “ordem temporal dos eventos” que, nessa perspectiva, se constitui em variável explicativa de direito próprio. Dizer que a “história importa” significa, assim, incluir a ordenação temporal dos eventos na análise e recuperar a cadeia causal de longo prazo dos fenômenos políticos (em oposição a uma análise puramente sincrônica) (Pierson, 2000PIERSON, Paul. (2000), “Increasing Returns, Path Dependence and the Study of Politics”. American Political Science Association, 94, 2:251-267. DOI: https://doi.org/10.2307/2586011.; 2004PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.; 2015PIERSON, Paul. (2015), “Power and path dependence”, in J. Mahoney; K. Thelen. (org.), Advances in Comparative-Historical Analysis. Cambridge, Cambridge University Press.).4 4 Para proposições similares, ver Abbott (1983; 1984; 1991; 1992), Aminzade (1992), Tilly (1994), Abell (2004), Pierson e Skocpol (2008) e Collier e Munck (2022). A definição canônica de path dependence, conceito oriundo da economia (David, 1985DAVID, Paul. (1985), “Clio and the Economics of QWERTY”. The American Economic Review, 75, 2:332-337.), indica que opções feitas no início da sequência temporal tendem, com o passar do tempo, a eliminar alternativas cuja plausibilidade é crescentemente reduzida à medida que a trajetória escolhida se consolida. Como os atores são desejosos de escapar das incertezas inerentes à vida política, eles se apegam às regras institucionais consolidadas, obtendo “retornos positivos crescentes” derivados dos ganhos de aprendizado, de coordenação, de estabilização das expectativas e de poder gerados pela institucionalização da trajetória. Dessa forma, tem-se cada vez menos incentivos para abandonar a rota estabelecida, instaurando-se o que Stinchcombe (1968)STINCHCOMBE, Arthur. (1968), Constructing Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press. chama de self-replicating causal loops e Paul Pierson (2004)PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press. de self-reinforcing mechanisms. Dito de outra forma, a institucionalização da trajetória se constitui no mecanismo causal de sua própria reprodução ao longo do tempo. Assim, não se trata de olhar para o passado como fonte de material empírico, mas sim para teorizar sobre “como a política ocorre ao longo do tempo” (Pierson, 2004, pPIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.. 4).
Essa proposta de transformar o ordenamento temporal dos eventos na via por excelência de retorno da história à Ciência Política é um bom modo de conjugar a importância dos fatores contextuais para a explicação científica dos fenômenos políticos com os objetivos teorizantes da disciplina, e isso por duas razões. Primeiro, porque, por definição, a ordenação temporal dos eventos é um atributo do local onde eles ocorrem. Ao falarmos em “ordenação temporal”, ligamos o passado ao presente e o presente ao futuro e, por conseguinte, estamos obrigados a levar em consideração o contexto histórico na análise. Como eventos contingentes e aleatórios ocorridos no início da sequência podem afetar o resultado, a ordenação temporal e suas consequências são um fato essencialmente histórico (David, 1985DAVID, Paul. (1985), “Clio and the Economics of QWERTY”. The American Economic Review, 75, 2:332-337.; 2007DAVID, Paul. (2007), “Path dependence: a foundational concept for historical social science”. Cliometrica, 1, 91–114. DOI: https://doi.org/10.1007/s11698-006-0005-x.). Segundo, porque a ordenação temporal é um atributo ontológico de grande parte dos eventos políticos, o que viabiliza a teorização sobre seus impactos nas ocorrências analisadas. A ideia é apontar as propriedades dinâmicas do processo e seus principais mecanismos (os “retornos positivos”), identificar sequências típicas e padrões diversos de conexões temporais e, por fim, fornecer narrativas que os capturem (David, 2007DAVID, Paul. (2007), “Path dependence: a foundational concept for historical social science”. Cliometrica, 1, 91–114. DOI: https://doi.org/10.1007/s11698-006-0005-x.; Pierson, 2004PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.; Aminzade, 1992AMINZADE, Ronald. (1992), “Historical Sociology and Time”. Sociological Methods & Research, 20, 4:456-480. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004003.; Abbott, 1991ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415.).
Há ainda outros conceitos formulados pela tradição teórica do institucionalismo histórico, intimamente vinculados à dependência de trajetória em função de sua ênfase na temporalidade dos eventos, como os conceitos de conjuntura crítica, legados históricos e estrutura temporal, que enfatizam a duração, o ritmo e ciclo dos eventos (Collier e Collier, 1991COLLIER, Ruth Berins; COLLIER, David. (1991), Shaping the Political Arena. Princeton, Princeton University Press.; Aminzade, 1992AMINZADE, Ronald. (1992), “Historical Sociology and Time”. Sociological Methods & Research, 20, 4:456-480. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004003.; David, 2007DAVID, Paul. (2007), “Path dependence: a foundational concept for historical social science”. Cliometrica, 1, 91–114. DOI: https://doi.org/10.1007/s11698-006-0005-x.; Mahoney e Thelen, 2010MAHONEY, James; THELEN, Kathleen. (2010), Explaining Institutional Change. Ambiguity, Agency and Power. Cambridge, Cambridge University Press.; 2015MAHONEY, James; THELEN, Kathleen. (org.) (2015), Advances in Comparative Historical Analysis. Cambridge, Cambridge University Press.; Collier e Munck, 2022COLLIER, David; MUNCK, Gerardo. (org.) (2022), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova Iorque, Rowman & Littlefield.). Temporalmente definidos, todos esses conceitos são dependentes do contexto histórico. Uma conjuntura crítica é, por definição, um acontecimento localizado no tempo e no espaço. Mesmo que ela tenha impacto universal, o modo como é vivenciada dependerá dos contextos locais. Por exemplo, a crise econômica de 1929 afeta de maneira universal os países inseridos na economia capitalista mundial, mas as reações a ela são peculiares, dependendo do cenário político e ideológico de cada nação. É o caso de Brasil e Argentina, países que ocupam a mesma posição na divisão internacional do trabalho, mas reagem a 1929 com movimentos políticos muito distintos, o que produzirá efeitos diferentes para o desenvolvimento econômico de cada país.
A estrutura temporal dos eventos, isto é, o ritmo em que os eventos ocorrem e sua duração, é também fortemente condicionada pelo contexto histórico. Por exemplo, o ritmo dos acontecimentos é central para pensar o tema clássico da relação entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento político, em que o avanço acelerado do primeiro compromete a estabilidade do segundo, afetando as chances de sobrevivência da democracia, a sequência da distribuição de diretos civis, políticos e sociais ou o tipo de corporativismo a predominar numa dada sociedade (Schmitter, 1974SCHMITTER, Phillippe. (1974). “Still the Century of Corporatism?”. The Review of Politics, 36, 1:85-131.; Huntington, 1975HUNTINGTON, Samuel. (1975), A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo, Editora Forense/Edusp.; Santos, 1987SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (1987), Cidadania e Justiça. A política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro, Campus.).
2.2. A comparação histórica
Estratégia complementar para garantir o retorno da história à Ciência Política é o uso da comparação histórica. Os trabalhos que a utilizam têm cinco traços em comum. Primeiro, quase sempre recorrem à comparação para controlar variáveis e produzir explicações causais. Em segundo lugar, suas explicações não pretendem ser apresentadas na forma de leis gerais, mas sim como resposta a problemas específicos que ocorrem em casos determinados. São pesquisas problem-oriented. Para tanto, em terceiro lugar, dedicam-se à análise comparativa de poucos casos e ao conhecimento contextual aprofundado de cada um deles a fim de sustentar empiricamente suas explicações causais. São também pesquisas case-oriented. Em quarto lugar, a comparação leva em conta processos históricos que se iniciam no passado e produzem efeitos posteriores, ou seja, processos históricos que causam revoluções, formam Estados nacionais, promovem desenvolvimento econômico, democratização, fascistização, inclusão política etc. Em quinto lugar, a conjugação do desenho de pesquisa comparativo com o foco nos processos históricos busca identificar padrões de sequência histórica que são apresentados na forma de generalizações modestas e de ganhos teóricos. Nesse sentido, tais estudos estão menos preocupados, por exemplo, com a revolução russa, chinesa ou francesa e mais com uma teoria da revolução; menos com o desenvolvimento econômico da Coreia do Sul, de Taiwan e do Brasil e mais com uma teoria do desenvolvimento econômico em países tardios, e assim por diante.5 5 Apenas a título de exemplo, para discussões metodológicas, ver os seguintes trabalhos: Collier e Collier (1991); Skocpol e Somers (1997); Tilly (2006); Mahoney e Villegas (2007); Mahoney e Thelen (2015); Perissinotto et al. (2022). Para aplicações práticas do método histórico comparativo, ver, Hintze (1975); Moore Jr. (1983); Skocpol (1984); Haggard (1990); Collier e Collier (1991); Luebbert (1991); Perissinotto (2023).
3. Quanto há de história no retorno à história na Ciência Política?
Se aceitarmos que a virada histórica é caracterizada por esse duplo movimento – ênfase na ordenação temporal dos eventos e uso da comparação histórica –, cabe perguntar quão presente a história está em ambos. É importante frisar que essas duas estratégias são um grande avanço no que concerne ao objetivo de reintroduzir o contexto histórico no conhecimento produzido pela Ciência Política. No entanto, há aí menos história do que a palavra de ordem history matters sugere. Vejamos onde residem seus limites quanto a este ponto.
3.1. Path dependence: história reduzida à ordenação temporal
No caso da proposta de retorno da história por meio do conceito de path dependence, parece-nos limitante reduzir a história à ordenação temporal dos eventos a fim de tratá-la como “variável independente” contextual privilegiada. Em alguns casos, podemos até mesmo pensar a ordenação temporal dos eventos como “variável dependente” a ser explicada por fatores contextuais de outra natureza que o conceito de path dependence não leva em consideração, como as características das elites políticas e estatais – i.e., sua ideologia, coesão interna e capacidade de forjar coalizões –, para ficar em um exemplo que nos interessa particularmente. Essas características podem ser a “variável independente” a explicar por que os eventos ocorrem na sequência e na velocidade em que ocorrem, porque o desenvolvimento institucional assume determinadas características e, assim, serem elas próprias passíveis de teorização.6 6 Thelen (2000) defende posição similar. Para ela, o desenvolvimento institucional não depende apenas da sequência temporal dos eventos e dos seus retornos positivos, mas é afetado também por processos de “conversão funcional” iniciados por novos atores poderosos que surgem ao longo do processo. Quanto a este ponto, ver a tipologia dos atores políticos portadores de mudanças institucionais formulada por Mahoney e Thelen (2010). Nesse sentido, a história não é apenas “temporalidade”, mas é também uma temporalidade definida por fatores normativos e políticos cuja inclusão no modelo explicativo se torna necessária. Dito de outra forma, é preciso teorizar não apenas sobre a temporalidade e seus efeitos sobre a política, o que Pierson faz brilhantemente, mas também sobre esses outros fatores que também fazem parte da história e, não raro, ditam o ritmo dos acontecimentos. A história é, sem dúvida alguma, “ocorrência no tempo”, mas é também “valores em disputa”, como lembra Terence McDonald (1996)MCDONALD, Terrence. (org.) (1996). The Historic Turn in the Human Sciences. Michigan, University of Michigan Press..
Nesse sentido, podemos afirmar que um “evento” só se torna “histórico” se “colocado em conexão temporal com outros eventos” e, ao mesmo tempo, quando os atores sociais o interpretam “enquanto uma ocorrência que faz sentido”, isto é, se “inserido, interpretativamente, em uma representação do processo temporal” (Rüsen, 2016, pRÜSEN, Jörn. (2016), Teoria da História. Uma teoria da História como ciência. Curitiba, Editora da UFPR.. 44). Portanto, se a história é temporalidade e sentido, então sua incorporação à análise política implica olhar para processos temporais contingentes que exigem dos atores uma produção de sentido que lhes dê significado e lhes permita tomar decisões sobre como atuar no mundo. O sentido atribuído pelos atores aos fatos analisados, pode, assim, afetar a própria sequência temporal dos acontecimentos.
Pierson, no entanto, em função de seus pressupostos teóricos, reduz a importância dos atributos interpretativos dos atores como componente do contexto histórico passível de teorização. Focado no tema do “desenvolvimento institucional”, o autor recusa analisá-lo a partir do que ele chama de “funcionalismo baseado no ator”. Essa abordagem, segundo ele, direciona a atenção do analista para o momento da “seleção institucional”, quando a crença dos atores de que eventuais ganhos futuros decorrerão de uma dada instituição se constitui no motivo para selecioná-la. No entanto, continua Pierson, o processo de desenvolvimento institucional que ocorre após a escolha inicial estrategicamente orientada é marcado por consequências não antecipadas que terminam por frustrar a realização das intenções iniciais dos atores. Por essa razão, o desenvolvimento institucional deve ser não apenas analiticamente separado do processo de seleção, mas francamente privilegiado pelo cientista político como objeto de estudo. Como as intenções não se realizam, elas se tornam analiticamente irrelevantes (Pierson, 2004PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.). É por isso que Pierson (2004PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.; 2015PIERSON, Paul. (2015), “Power and path dependence”, in J. Mahoney; K. Thelen. (org.), Advances in Comparative-Historical Analysis. Cambridge, Cambridge University Press.) afirma que uma concepção estrutural de poder é mais útil para entender o desenvolvimento institucional do que uma perspectiva comportamentalista. Para esta, poder é exatamente a capacidade dos atores políticos produzirem efeitos pretendidos. Assim definido, fica evidente sua inutilidade para explicar um processo no qual as intenções dos fundadores das instituições não jogam papel algum no seu desenvolvimento posterior. Desse modo, o analista só pode retornar à história por meio do foco na ordenação temporal dos eventos e da dependência de trajetória que ela instaura, já que esta se impõe plenamente às intenções dos atores envolvidos no processo.7 7 O institucionalismo histórico tem se dedicado a superar essa limitação reconhecendo a importância da agency e dos atores sociais como intérpretes das regras institucionais. Ver Mahoney e Thelen (2010).
Creio que os pressupostos que estão na base dessas considerações não precisam ser inteiramente aceitos, sobretudo quando Pierson (2004, pPIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.. 110) exagera ao contrapor consequências “plenamente antecipadas” (fully anticipated) a “consequências não antecipadas”. Como ele próprio sugere em outras passagens (Pierson, 2004, pPIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.. 106), não há razão para pensar esses dois termos como mutuamente excludentes, já que os resultados produzidos por uma ação propositalista podem, ao mesmo tempo, ser condizentes com as intenções iniciais dos atores (e, por conseguinte, expressão do seu poder numa perspectiva comportamental) e portadores de efeitos não antecipados (frutos de constrangimentos estruturais).8 8 Sobre essa posição, ver Boudon (1993), Lloyd (1995), Wrong (2002) e Abell (2004). Ademais, a dimensão inintencional do social não deriva apenas da ação humana, mas também das estruturas sociais que a ultrapassam e a limitam. Ver Godelier (1985). O abandono das intenções e seus resultados (seleção institucional) como objeto de análise legítimo em favor das consequências não antecipadas pelos atores (desenvolvimento institucional) sugere que, em função das incertezas e opacidades da vida política, os atores sociais em hipótese alguma conseguem produzir aquilo que pretendem, isto é, que eles são incapazes, por definição, de exercer poder. Ao contrário, pensamos que o mundo social não pode ser visto apenas como o resultado inesperado de ações intencionais, mas sim como um mix de efeitos pretendidos e efeitos perversos. Se estamos corretos ao dizer isso, então não é apenas a ordenação temporal que estrutura o desenvolvimento institucional, mas também os atributos ideológicos e políticos dos atores que orientam as escolhas institucionais, pautam sua ação estratégica visando a realização prática dessas escolhas, lançam os fundamentos de sua reprodução por meio da socialização de seus futuros membros e definem os objetivos que podem ser realizados e reproduzidos ao longo do tempo. Como observa Stinchcombe (1968, pSTINCHCOMBE, Arthur. (1968), Constructing Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press.. 109), “os detentores do poder controlam a socialização dos seus sucessores” e o fazem exatamente por meio da construção/reprodução de instituições.9 9 Instituições são um exemplo típico do que Stinchcombe (1968) chama de “loops causais autorreplicantes”, isto é, mecanismos que permitem que determinados fenômenos se reponham sistematicamente ao longo do tempo, mesmo quando a causa que lhe deu origem deixa de existir (“causação histórica”, nas suas palavras). A identificação desses mecanismos é fundamental para explicações “historicistas”, segundo o autor. Assim, eliminar da análise seus atributos e intenções implica excluir parte importante da história.
O exemplo dos países que se industrializaram tardiamente fornece um teste rigoroso para essa proposição. Para Pierson e Skocpol (2008)PIERSON, Paul; SKOCPOL, Theda. (2008), “El Institucionalismo Histórico en la Ciencia Política Contemporánea”. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 17,1:7–38., ambientes de alta complexidade e incerteza aumentam exponencialmente as consequências não antecipadas pelos atores, frustrando a capacidade dos fundadores de instituições realizarem seus projetos no futuro. No entanto, os países de industrialização tardia são caracterizados exatamente por esse tipo de ambiente e, mesmo assim, podemos ver ali uma estreita conexão entre intenções, seleção e desenvolvimento institucional. Em primeiro lugar, o caminho desses países em direção à industrialização acelerada é fruto da vitória política de elites modernizadoras que, ao assumirem o controle do Estado, vencem politicamente as elites tradicionais e constroem instituições estatais com o objetivo explicitamente anunciado de industrializar o país como parte de um projeto nacional. Há, portanto, a intenção de industrializar. Em segundo lugar, é a partir dessas intenções que certas instituições (bancos de desenvolvimento, conselhos técnicos, burocracias competentes, agências de planejamento) são selecionadas, pois são vistas como adequadas para promover aquele objetivo. Por fim, tais instituições produzem muitos dos efeitos pretendidos. De fato, esses países saltam, às vezes no espaço de uma década, da condição de sociedades agrárias para sociedades industrializadas. Os efeitos pretendidos são, assim, amplamente realizados, mas acompanhados por uma série de efeitos não antecipados, como poluição, desequilíbrio populacional, desigualdade regional, desigualdade social, acirramento dos conflitos de classe, inflação, dentre outros, efeitos que resultam claramente de uma temporalidade acelerada por uma elite política modernizadora. Casos como o do Brasil, Coreia do Sul, Japão, Taiwan e México se encaixam nessa descrição estilizada do processo de industrialização tardia e, por isso, permitem teorizar sobre o lugar de suas elites nesse processo, que tipo de sequência instauram e com quais consequências (Perissinotto, 2023PERISSINOTTO, Renato. (2023), Ideias, burocracia e industrialização no Brasil e na Argentina. Eduerj, Rio de Janeiro.; Perissinotto, 2024PERISSINOTTO, Renato. (2024), “O desenvolvimentismo como legado histórico”. Brazilian Journal of Political Economy, 44, 2:280-297. DOI: https://doi.org/10.1590/0101-31572024-3567.; Perissinotto e Nunes, 2023aPERISSINOTTO, Renato; NUNES, Wellington. (2023a), “Elites, Estado e Industrialização: uma Análise Fuzzyset”. Dados, 66, 4:1-45. DOI: https://doi.org/10.1590/dados.2023.66.4.302.). Tais casos mostram que é certamente um exagero estabelecer uma antinomia entre efeitos pretendidos e efeitos não antecipados de modo a descartar como parte do contexto histórico as intenções dos atores e centrar o retorno da história na ordenação temporal dos eventos e nas consequências não antecipadas produzidas por ela.
3.2. Comparação histórica: a história subordinada à lógica
No caso dos estudos históricos-comparativos, o objetivo é recorrer ao passado e à comparação visando identificar padrões que possam ser apresentados como explicações causais do fenômeno em análise (Abbott, 1991ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415.). Por exemplo, no caso do já clássico estudo de Skocpol (1984)SKOCPOL, Theda. (1984), Los Estados y las revoluciones sociales. México, Fondo de Cultura Económica. sobre as revoluções, a autora compara processos revolucionários muito diferentes e distantes no tempo (França, Rússia e China) com o objetivo de encontrar um padrão de sequência de eventos que possa ser apresentado como explicação causal desses processos. O argumento é mais ou menos o seguinte: os países analisados são Estados nacionais em posição militar inferior frente a outras potências, exauridos financeiramente por guerras diversas; por conta disso, promovem reformas modernizantes e centralizadoras a fim de aumentar a sua capacidade de exação fiscal; isso gera uma reação política dos setores dominantes, que, por sua vez, produz instabilidade, abre espaço para a luta das classes subalternas e resulta em revolução. Tal sequência de eventos é comum a todos os “casos positivos”, mas está ausente de países em posição similar no contexto internacional, mas que não presenciaram processos revolucionários. Esse desenho de pesquisa, portanto, autoriza a autora a construir uma explicação causal que assume o status de uma teoria das revoluções sociais. O mesmo tipo de desenho de pesquisa pode ser encontrado em vários outros trabalhos que se colocam problemas diferentes, como, por exemplo, Moore Jr. (1983), Luebbert (1991)LUEBBERT, Gregory. (1991), Liberalism, Fascism, or Social Democracy. Social Classes and the Political Origins of Regimes in Interwar Europe. Oxford, Oxford University Press., Evans (1995), eEVANS, Peter. (1995), Embedded Autonomy. State and Industrial Transformation. Princeton, Princeton University Press. em muitos outros. É o que Rueschemeyer (1984, pRUESCHEMEYER, Dietrich. (1984), “Theoretical Generalization and Historical Particularity in the Comparative Sociology of Reinhard Bendix”, in T. Skocpol. (org.), Method and Visions in Historical Sociology. Cambridge, Cambridge University Press.. 143) chamou de “indução histórica analítica”.
Nesse tipo de estudo procura-se sempre enfatizar o caráter científico da investigação frente às recorrentes críticas dos quantitativistas (Abbott, 1991ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415.; Sewell Jr., 1996). Os adeptos dos estudos histórico-comparativos de poucos casos insistem que o desenho comparativo de suas pesquisas permite controlar variáveis e, assim, autorizar conclusões válidas e generalizações contextualizadas acerca dos processos analisados. Isso conduziria a uma concepção experimental de temporalidade (Sewell Jr., 1996) na medida em que os casos analisados – no livro de Skocpol (1984)SKOCPOL, Theda. (1984), Los Estados y las revoluciones sociales. México, Fondo de Cultura Económica., as revoluções – “devem ser conceitualizados como ‘testes’ separados de um experimento. Isso significa que os testes devem ser tanto equivalentes como independentes” (Sewell Jr., 1996, p. 257-258).
Assim, o primeiro desafio da comparação histórica na sua versão experimental é comparar casos que precisam respeitar o critério da equivalência. Dizer que os casos analisados devem ser equivalentes significa que cada novo teste realizado (ou seja, cada nova revolução incluída na comparação) deve conter as mesmas características dos casos anteriores, o que garante ao analista manter constantes as variáveis relevantes para a produção das revoluções. Como em todos os países que sofreram processos revolucionários (não importando a sua distância temporal), a modernização e a centralização dos seus aparatos estatais estão presentes, então em um eventual novo caso incluído na comparação essa mesma variável deve ser encontrada. Ou seja, para fazer a comparação, Skocpol deve assumir que as três grandes revoluções são “de fato uma classe uniforme de objetos governados por leis idênticas”, o que é, segundo Sewell Jr. (1996, p. 258), altamente discutível. Por exemplo, entre a Revolução Francesa e a Revolução Russa ocorreu a revolução industrial, que gerou na Rússia um proletariado de dimensões não desprezíveis. Esta, no entanto, é uma variável descartada como condição causal por Skocpol porque a sua inclusão quebraria a equivalência entre os objetos. Como o proletariado não existia nas revoluções francesa e chinesa, a autora se vê obrigada a descartá-lo como causa importante também no caso russo. Assim, o “pressuposto da equivalência” aplicado à análise histórica não admite levar em conta as especificidades de cada caso na causação do fenômeno e causas localmente importantes devem ser descartadas em nome da coerência lógica formal. Dito de outra maneira, a necessidade de produzir uma explicação causal uniforme, passível de generalização, exige deixar de lado a contingência e a temporalidade própria dos fenômenos históricos (Abbott, 1991ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415.).
O segundo desafio é o da independência entre os casos. Isso significa que para os testes serem independentes, o que ocorre em um caso não pode afetar o que ocorre em outro. Ou seja, o pressuposto da independência exige que um dado fenômeno num dado caso não seja explicado pelo mesmo fenômeno ocorrido em outros casos. Mantendo o exemplo de Skocpol, é preciso garantir que os resultados de uma revolução não devem interferir nos de outra, o que é um equívoco histórico quando se leva em consideração os objetos analisados pela autora, já que é impossível, por exemplo, entender a revolução russa sem os exemplos produzidos pelos jacobinos e, ainda mais, a revolução chinesa sem sua antecedente russa.
Ademais, essas duas exigências lógicas do método histórico-comparativo (MHC) – equivalência e independência – tendem a ser contraditórias. Quanto mais se preenche a exigência da equivalência – os mesmos fatores operando nas mesmas sociedades –, mais se afasta do pressuposto da independência, já que sociedades equivalentes tendem a ser sociedades próximas temporal e geograficamente e, por isso, a se influenciar reciprocamente. Por outro lado, quando cumprimos o objetivo da independência – os processos em uma sociedade não explicam o que ocorre em outra – tendemos a negar o princípio da equivalência, já que a ausência de influência é mais significativa entre sociedades distantes geográfica e temporalmente, o que gera unidades de observação muito diferentes e dificulta o controle das variáveis causais (Sewell Jr., 1996SEWELL JR., William. (1996), “Three Temporalities: Toward an Eventful Sociology”, in T. McDonald. (org.), The Historic Turn in the Human Sciences. Michigan, University of Michigan Press.).
Cabe perguntar, então, se há soluções satisfatórias para esses problemas. É possível resguardar as preocupações teóricas da Ciência Política e, ao mesmo tempo, colocar mais história nas suas explicações? Há como preservar essas preocupações teóricas e incluir o contexto histórico entendido como algo mais do que ordenação temporal dos eventos? Conseguimos evitar o sacrifício da história às operações lógicas da comparação sem cair no detalhismo histórico? Pensamos que as discussões atuais sobre Qualitative Comparative Analysis (QCA) e Process Tracing visam exatamente atingir esses dois objetivos, isto é, reconhecer o caráter contingente, processual e sequencial da história sem renunciar à busca por generalizações modestas.
4. História e comparação: os avanços da QCA e do Process Tracing
A despeito das críticas feitas acima, a combinação entre história e comparação continua sendo importante para uma Ciência Política que pretende incluir o contexto histórico como fator explicativo dos fenômenos políticos. As discussões recentes sobre este ponto têm três objetivos: a) conferir algum grau de formalização ao conhecimento produzido por essa estratégia de pesquisa, que vá além, mas não descarte, as densas descrições históricas que marcam trabalhos desse tipo; b) considerar a complexidade da combinação de condições causais na produção do fenômeno que se quer explicar; e c) por fim, fornecer explicações causais robustas, capazes de descartar correlações espúrias mesmo em estudo de poucos casos, o que poderia ser feito fornecendo narrativas reveladoras de evidências de mecanismos intermediários que conectam as causas aos seus efeitos, mecanismos estes que também são altamente sensíveis ao contexto histórico. Combinadas essas características, o conhecimento produzido poderia ser passível de generalização “modesta” (Tilly, 1984TILLY, Charles. (1984), Big Structures, Large Processes, Huge Comparisons. Nova Iorque, Russel Sage Foundation.) ou “limitada” (Pierson, 2004PIERSON, Paul. (2004), Politcs in time. History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.). As duas ferramentas que, a meu ver, estão a serviço dos três objetivos acima enunciados são a Qualitative Comparative Analysis (QCA) e o Process Tracing (PT). Faremos abaixo uma rápida síntese das caraterísticas essenciais destas duas técnicas, sem pretender exaurir a imensa bibliografia sobre o assunto (Perissinotto et al., 2022PERISSINOTTO, Renato; BOTELHO, João Carlos Amoroso; BOLOGNESI, Bruno; BATISTA, Mariana; SANTOS, Manoel Leonardo. (org.) (2022), Política Comparada: Teoria e Método. Rio de Janeiro, Eduerj.; Perissinotto e Nunes, 2023bPERISSINOTTO, Renato; NUNES, Wellington. (2023b), Introdução aos Métodos Qualitativos: Comparação Histórica, QCA e Process Tracing. São Paulo, Edusp.). Nosso objetivo é apenas enfatizar a importância de ambas para a inclusão da história no conhecimento científico do nosso campo disciplinar e para a preservação de suas pretensões de teorização.
4.1. QCA: teoria dos conjuntos e história
Quando falamos de QCA convém reproduzir um alerta feito por Wagemann e Schneider (s/dWAGEMANN, Claudius; SCHNEIDER, Carsten. (s/d), “Standards of Good Practice in Qualitative Comparative Analysis (QCA) and Fuzzy-Sets”. Disponível em http://www.compasss.org/wpseries/WagemannSchneider2007.pdf, consultado em 20/10/2021.
http://www.compasss.org/wpseries/Wageman...
, p. 1-2), para quem esta técnica de pesquisa deve ser vista em duas dimensões integradas: como um determinado “tipo de abordagem de pesquisa” (a sua dimensão ontológica) e como um “momento analítico” (a sua dimensão operacional). Como tipo de abordagem, a QCA é uma ferramenta para pesquisas qualitativas, para a qual é fundamental um permanente diálogo com os dados por meio do conhecimento aprofundado dos casos. Desse modo, quando o pesquisador utilizar a QCA ele não poderá simplesmente tirar suas informações sobre os casos de uma base de dados pronta (ainda que isso seja tecnicamente possível); ele precisa conhecer os casos analisados e os processos que os caracterizam. Como momento analítico, a QCA é um conjunto de procedimentos que permitem sistematizar informações sobre a suficiência e a necessidade das condições causais analisadas. Esse é um momento importante da análise, mas a QCA, dizem os autores, não deve ser reduzida a ele. Assim, nesse tipo de pesquisa, conhecer a fundo a história dos casos analisados é o único modo de se montar uma base de dados adequada. Entendida como um tipo de abordagem de pesquisa qualitativa, há três características na QCA que fazem do contexto histórico (i.e., os aspectos contingentes, sequenciais, processuais e interpretativos dos fenômenos sociais e políticos) um componente incontornável da análise.
A primeira é que o uso da QCA, nas suas mais diversas versões (crispset, multi-value ou fuzzy set), está baseada na construção de tabelas nas quais as linhas contêm os casos e as colunas registram as condições causais e a condição de resultado que se pretende explicar a partir delas. Tais condições causais, repitamos, não devem ser preenchidas a partir de bancos de dados e valores prontos; elas devem ser, antes de tudo, fruto de uma combinação do conhecimento profundo dos casos com a orientação teórica que embasa a pesquisa. As condições causais são identificadas a partir do conhecimento sobre como os casos evoluíram ao longo do tempo e de quais processos os caracterizam. Certamente, a forma mais sofisticada dessa técnica de pesquisa é a sua variante fuzzy set, já que esta permite ir além do registro da ausência ou presença de certas condições e estabelecer as gradações em que os casos se inserem no conjunto de uma dada condição, retendo o máximo de informação possível. Enfim, o que o pesquisador deve fazer ao montar essa tabela é tratar as condições causais como conjuntos e definir em que medida os casos analisados pertencem a eles. Assim, quanto maior for o conhecimento qualitativo dos casos, mais refinada será a tabela em questão.
Por exemplo, ao investigarmos de maneira aprofundada o processo de industrialização tardia de países como Coreia do Sul, Taiwan, Japão, Brasil, México e Argentina podemos propor um modelo explicativo baseado em quatro causas: o legado histórico econômico e institucional de cada país, o tipo de conjuntura crítica por que passam, o tipo de elite modernizadora presente nessas sociedades e o tipo de Estado que conseguem construir. A partir daí, o analista que faz uso da QCA deve ser capaz de relacionar a intensidade do fenômeno analisado (uma industrialização mais ou menos bem sucedida, registrada dentro de uma escala que varia entre 0 e 1) com a intensidade de pertencimento desses diversos casos aos conjuntos das condições causais combinadas. Assim, os países asiáticos podem estar integralmente dentro do conjunto “conjunturas críticas” porque vivenciam situações altamente indutoras da industrialização, ao passo que os casos latino-americanos estão apenas parcialmente inseridos nesse conjunto, já que vivenciam conjunturas críticas menos dramáticas. Ora, fica assim fácil perceber que as “as notas” atribuídas entre 0 e 1, tanto para as condições causais como para a condição de resultado, exige profundo conhecimento do contexto histórico (Perissinotto e Nunes, 2023bPERISSINOTTO, Renato; NUNES, Wellington. (2023b), Introdução aos Métodos Qualitativos: Comparação Histórica, QCA e Process Tracing. São Paulo, Edusp.).
A segunda característica da QCA é o respeito ao princípio da equifinalidade e, por conseguinte, ao contexto histórico em que os fenômenos analisados ocorrem. Aqui vale um rápido comentário sobre os avanços propiciados pela QCA no que concerne a pensar o problema da complexidade causal em função da história. Como dito anteriormente, a comparação histórica é uma maneira de descartar condições necessárias e suficientes por meio do controle de variáveis. Quando comparamos apenas casos em que um dado fenômeno ocorre (casos positivos), uma variável presente em apenas alguns deles não pode ser vista como causa necessária do fenômeno; quando comparamos casos positivos e negativos, uma causa presente tanto nos primeiros como nos segundos deve ser descartada como causa suficiente. Como vimos na crítica de Sewell Jr. a Skocpol, esse é um procedimento que coloca a lógica à frente da história, já que em alguns casos específicos uma dada variável, apesar de descartável pela operação lógica do desenho de pesquisa, pode exercer papel causal em combinação com outros fatores, sendo impossível explicar aquele caso em particular sem referência àquela causa específica. Para esse caso em particular, corre-se o risco de fornecer uma explicação fictícia, que valoriza a lógica e despreza a história. Ao contrário, a técnica da QCA preserva espaço analítico para essa causa ao reconhecer o fenômeno da equifinalidade, ou seja, ao aceitar que um dado fenômeno pode ser produzido por caminhos causais distintos pelo simples fato de que os contextos históricos são distintos e que fatores ausentes de alguns contextos podem ter importante papel causal em outros.
Em terceiro lugar, e intimamente vinculada à questão da equifinalidade, há o reconhecimento da “causação múltipla e conjuntural” (Ragin, 1987, pRAGIN, Charles. (1987), The Comparative Method: Moving Beyond Qualitative and Quantitative Strategies. Los Angeles, University of California Press.. 27). Causação conjuntural significa nada mais nada menos do que o reconhecimento da complexidade do mundo social, algo enfatizado desde os tempos de Max Weber. Não há, no mundo social, causação linear nem unívoca, como pressupõem alguns estudos de sociologia histórica comparativa (Abbott, 1991ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415.). Os fenômenos sociais são sempre o resultado de uma combinação de múltiplas causas hierarquizáveis quanto ao seu peso causal (Weber, por exemplo, falava em causas adequadas, causas fundamentais e causas secundárias). Uma concepção complexa de causação abre espaço para a singularidade contextual e, por conseguinte, para diferentes rotas de produção do fenômeno analisado.
4.2. Process Tracing: mecanismos e história
Cada vez mais se exigem “evidências de mecanismos” para que se possa produzir explicações causais mais robustas. Mais do que encontrar associações entre variáveis, é preciso revelar os mecanismos intermediários que conectam a causa ao seu efeito, mostrando como as correlações emergem. Essa tarefa é particularmente importante em estudos de causação histórica, isto é, em que as causas distam no tempo em relação aos seus efeitos (Stinchcombe, 1968STINCHCOMBE, Arthur. (1968), Constructing Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press.; Abbott, 1984ABBOTT, Andrew. (1984), “Event Sequence and Event Duration: Colligation and Measurement”. Historical Methods: A Journal of Quantitative and Interdisciplinary History, 17, 4:192-204. DOI: https://doi.org/10.1080/01615440.1984.10594134.; 1992ABBOTT, Andrew. (1992), “From Causes to Event. Notes on Narrative Positivism”. Sociological Methods & Research, 20, 4:428-455. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004002.; Roberts, 1996ROBERTS, Clayton. (1996), The Logic of Historical Explanation. Pennsylvania, Pennsylvania University Press.; Gerring, 2007GERRING, John. (2007), Case Study Research. Principles and Practices. Cambridge, Cambridge University Press.; Collier e Munck, 2022COLLIER, David; MUNCK, Gerardo. (org.) (2022), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova Iorque, Rowman & Littlefield.).
Entende-se por “mecanismo” um fenômeno composto por entidades e atividades organizadas de um modo tal que se tornam responsáveis pela transmissão do impacto de uma causa até a produção do seu efeito (Illari, 2011ILLARI, Phyllis McKay. (2011), “Mechanistic Evidence: Disambiguating the Russo–Williamson Thesis”. International Studies in the Philosophy of Science, 25, 2:139-157. DOI: https://doi.org/10.1080/02698595.2011.574856.). Esses mecanismos são responsáveis pela “relação produtiva” (Beach e Pedersen, 2019BEACH, Derek; PEDERSEN, Ramus Brun. (2019), Process-Tracing Methods. Foundations and Guidelines. Michigan, University of Michigan Press.) que conduz a energia transformadora da causa até os efeitos produzidos por ela. Desse modo, “rastrear processos” significa observar “as digitais empíricas, ou traços, deixados pela operação do mecanismo causal num caso” (ou em múltiplos casos), revelando que “evidências confirmadoras das atividades associadas a cada parte do mecanismo estão presentes” (Beach e Pedersen, 2019, pBEACH, Derek; PEDERSEN, Ramus Brun. (2019), Process-Tracing Methods. Foundations and Guidelines. Michigan, University of Michigan Press.. 2). São esses mecanismos que transmitem a força causal ao longo do processo até que a causa produza seus efeitos.
É importante insistir nesse ponto contra um uso meramente metafórico do Process Tracing (PT). Este método não envolve apenas a elaboração de simples narrativas descritivas de como as coisas ocorreram num determinado caso (ou em vários casos), mas exige pensar, a partir da teoria, os mecanismos causais (e suas partes constitutivas, as entidades e atividades) que conectam uma causa (ou um conjunto de causas) a seus efeitos. Tais mecanismos (e suas partes) devem ser apresentados inicialmente na forma de hipóteses e em termos de condições necessárias e/ou suficientes. A definição das partes dos mecanismos que compõem o processo a ser rastreado em termos de condições necessárias e/ou suficientes resulta numa narrativa muito mais estruturada e precisa, que permite avaliar o valor das evidências empíricas apresentadas e a validade da narrativa. Assim, o PT é uma narrativa que enfatiza a força causal do encadeamento dos eventos, reconhecendo o impacto da ordenação temporal (isto é, que mecanismos podem ser path dependent) e conectando passado e presente por meio da atribuição de sentido feita pelos atores (Abbott, 1992ABBOTT, Andrew. (1992), “From Causes to Event. Notes on Narrative Positivism”. Sociological Methods & Research, 20, 4:428-455. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004002.; Lloyd, 1995LLOYD, Cristopher. (1995), As estruturas da história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.; Bates et al.,1998BATES, Robert; GREIF, Avner; LEVI, Margareth; ROSENTHAL, Jean-Laurent; WEINGAST, Barry. (org.) (1998), Analytic Narratives. Princeton, Princeton University Press.; Abell, 2004ABELL, Peter. (2004), “Narrative Explanations: An Alternative to Variable-Centered Explanation”. Annual Review of Sociology, 30:287-310. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev.soc.29.010202.100113.; Rüsen, 2016RÜSEN, Jörn. (2016), Teoria da História. Uma teoria da História como ciência. Curitiba, Editora da UFPR.).
Como dissemos, mecanismos são formados por partes componentes, isto é, as entidades e suas atividades. “Entidades” são atores, organizações ou estruturas que se engajam em atividades e deixam traços de funcionamento dos mecanismos. Por sua vez, “atividades” acionam causalmente os mecanismos (todo tipo de ação propositalista – uma greve, uma decisão, a criação de uma instituição, uma ação coletiva – ou de mudanças macroestruturais – uma crise econômica, uma guerra), revelando o poder causal das entidades.10 10 Os mecanismos podem operar em vários níveis, sequencialmente ou ao mesmo tempo: mecanismos no nível macro dos grandes eventos (choques externos, crises econômicas mundiais, guerras); mecanismos situacionais, no nível das estruturas sociais que constrangem as ações dos atores (posições de classe, estruturas normativas, mecanismos generativos de regras) e mecanismos de transformação, que operam no nível das ações dos agentes sociais e de seus efeitos (processos decisórios, ações coletivas). Cf. Abell (2004); Beach e Pedersen (2019). O reconhecimento de diversos tipos de mecanismos operando ao mesmo tempo confere duas vantagens ao PT no que diz respeito ao retorno da história na Ciência Política: primeiro, permite superar narrativas estritamente lineares (Abbott, 1983) e, segundo, não baseia a narrativa estritamente em ações propositalistas, tal como sugerem Stone (1979) e Aminzade (1992). Na medida em que as entidades e suas atividades são as partes componentes dos mecanismos causais, elas são essenciais para entender a produção do fenômeno a ser explicado e, por isso, devem se constituir no foco da análise feita pelo Process Tracing. Dito de outra forma, o que o analista que usa este método faz é rastrear os vestígios deixados pelas atividades das entidades, pois são eles a evidência de que um mecanismo causal está operando, são eles, enfim, que constituem “evidências de mecanismos” (Perissinotto, 2022PERISSINOTTO, Renato. (2022), “Comparação histórica e Process Tracing”, in R. Perissinotto; J.C.A. Botelho; B. Bolognesi; M. Batista; M.L. Santos. (org.), Política Comparada: Teoria e Método. Rio de Janeiro, Eduerj.; Perissinotto e Nunes, 2023bPERISSINOTTO, Renato; NUNES, Wellington. (2023b), Introdução aos Métodos Qualitativos: Comparação Histórica, QCA e Process Tracing. São Paulo, Edusp.; Parkkinen et al., 2018PARKKINEN, Veli-Pekka; WALLMAN, Christian; WILDE, Michael; CLARKE, Brendan; ILLARI, Phyllis; KELLY, Michael; NORELL, Charles; RUSSO, Federica; SHAW, Beth; WILLIAMSON, Jon. (2018), Evaluating Evidence of Mechanisms in Medicine Principles and Procedures. Cham, Springer. DOI: https://doi.org/10.1007/978-3-319-94610-8.; Falleti, 2016FALLETI, Tulia. (2016), “Process tracing of extensive and intensive processes”. New Political Economy: 1, 8:455-462. DOI: https://doi.org/10.1080/13563467.2015.1135550.; Illari, 2011ILLARI, Phyllis McKay. (2011), “Mechanistic Evidence: Disambiguating the Russo–Williamson Thesis”. International Studies in the Philosophy of Science, 25, 2:139-157. DOI: https://doi.org/10.1080/02698595.2011.574856.).
Insistamos um pouco neste ponto, pois ele marca uma diferença importante entre desenhos de pesquisa que contam com poucos casos, analisados por meio do MHC/QCA e PT, e desenhos de pesquisa baseados em análises quantitativas de muitos casos, diferença que tem muito a ver com o retorno da história à Ciência Política. Os tipos de evidência com as quais esses dois desenhos de pesquisa lidam são muito diferentes entre si. Estudos quantitativos trabalham com data-set observation (DSO), com banco de dados em que cada célula das colunas de uma planilha contém o valor de uma variável para cada um dos múltiplos casos registrados nas linhas. Nesse tipo de pesquisa, trata-se de observar as variações nos valores dessas diversas variáveis e procurar saber se há associação entre elas. São pesquisas variable-centered. Ao contrário, investigações qualitativas baseadas nos métodos aqui descritos trabalham com a observação de processos causais (causal process observation). Nesse caso, entende-se o mundo social a partir de uma perspectiva relacional em que a causalidade é fruto de processos interativos que ocorrem ao longo do tempo e em contextos específicos (Abell, 2004ABELL, Peter. (2004), “Narrative Explanations: An Alternative to Variable-Centered Explanation”. Annual Review of Sociology, 30:287-310. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev.soc.29.010202.100113.). Assim, sua grande vantagem reside, diferentemente dos métodos padrões, em não “parcelar a realidade social em entidades fixas com qualidades variáveis” (Abbott, 1992, pABBOTT, Andrew. (1992), “From Causes to Event. Notes on Narrative Positivism”. Sociological Methods & Research, 20, 4:428-455. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004002.. 428).11 11 Abbott (1992) diz que uma das principais características das pesquisas centradas em variável é se basear no pressuposto de que a causalidade ocorre via correlação entre atributos de entidades fixas e não como resultado de um processo sequencial em que eventos e atores interagem entre si. Ou, para dizer como Aminzade (1992, p. 458), são pesquisas que tendem a “reduzir processos [i.e., um conjunto articulado de eventos] a condições” e que, mesmo quando incluem o tempo em suas análises, tomam-no apenas como uma sucessão de valores de certas variáveis. Para Abbott (1992), essa perspectiva é responsável pelo desaparecimento das ações e dos processos sociais da Sociologia empírica de sua época. Podemos nos perguntar se essa também não seria a razão para entender o “presentismo” da Ciência Política brasileira atual. Se a história é processo que só pode ser capturado por narrativas, então ela não pode estar presente numa pesquisa orientada por variáveis. Esses processos causais devem ser entendidos como mecanismos conectados no tempo operando em contextos históricos complexos, definidos em termos de condições necessárias e/ou suficientes, o que permite que as evidências sejam avaliadas em função do seu valor probatório e não de sua quantidade.
Evidentemente, o processo causal formado por mecanismos é apresentado sempre como uma narrativa histórica que busca captar a sequência temporal de eventos que ocorre no interior de um determinado caso, ou de vários, se o desenho de pesquisa for comparativo.12 12 O fato de o Process Tracing ser uma ferramenta inseparável da ideia de sequência temporal dos eventos faz dele uma técnica particularmente adequada a pesquisas que usam o conceito de path dependence. Como se sabe, este conceito exige não apenas mostrar que um dado processo comporta múltiplos equilíbrios possíveis, mas também revelar, por meio de narrativas históricas, os mecanismos seletivos que o conduzem por um caminho e não por outro (David, 2007) e os mecanismos que consolidam a trajetória escolhida (Munck, 2022). Portanto, o Process Tracing é uma ferramenta para pesquisas case-oriented. Sendo assim, é preciso definir bem o caso (ou casos) a ser analisado, o que significa, em outras palavras, delimitar temporal e espacialmente a ocorrência do mecanismo. O fundamental é que o PT, que, por definição, exige estudos aprofundados de mecanismos conectados e dispostos numa sequência temporal contextualmente situada, baseados quase sempre em narrativas densas, só pode ser feito com um ou poucos casos. Esse é um ponto incontornável: o Process Tracing exige uma familiaridade com os casos e nenhum estudo baseado neste método pode começar sem um conhecimento substantivo mínimo sobre eles. Mecanismos causais e, ainda mais, a articulação entre suas partes componentes, são elementos que não existem em abstrato, mas são situados num dado contexto espacial e temporal. “Um argumento fundamental da metodologia narrativa é que o sentido da narrativa (a 'força causal' do encadeamento) é função do contexto passado e presente” (Abbott, 1992, pABBOTT, Andrew. (1992), “From Causes to Event. Notes on Narrative Positivism”. Sociological Methods & Research, 20, 4:428-455. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004002.. 439). Não por outra razão, os estudiosos do PT afirmam que a técnica é altamente sensível ao contexto.
Cabe, por fim, dizer que a revelação empírica de mecanismos causais cumpre um importante papel para o fortalecimento da relação de causalidade em análise, já que a prova empírica de que existem mecanismos intermediários conectando a causa ao efeito reduz o perigo de que tal relação seja fruto de uma correlação espúria. Assim, o PT é, nos estudos qualitativos de poucos casos, ferramenta importante para sustentar a validade interna da pesquisa.
4.3. QCA e PT: os casos, a história e a teoria
Como vimos, tanto a QCA como o PT são técnicas de pesquisa qualitativas utilizadas em estudos de N pequeno, com o objetivo de explicar fenômenos que se desenvolvem nos casos escolhidos para a análise. Como são pesquisas problem-oriented, a natureza do problema escolhido pelo analista conduz a escolha dos casos analisados. Como se costuma dizer, neste tipo de pesquisa a escolha dos casos não é aleatória, mas intencional. Se o pesquisador quer saber quais são as causas das revoluções sociais, ele precisará escolher casos que contenham revoluções. A identificação de associações entre certas condições causais com certas condições de resultado pode ser complementada com o estudo dos mecanismos que viabilizam tal associação. Sendo o estudo comparativo, alguma generalização contextualmente limitada sobre quais as causas do fenômeno em questão e sobre os mecanismos em operação pode ser feita para casos similares ainda não observados.
No entanto, como os dois métodos são sensíveis ao contexto histórico, pode aparecer aquilo que a literatura chama de casos desviantes, como mostra o Quadro 1.
Os casos do quadrante I são aqueles que se apresentam naturalmente para a análise de uma pesquisa problem-oriented. Se o analista afirma que a causa “c” produz o efeito “e”, então casos que contêm ambos são os casos típicos que se prestam à análise segundo a teoria mobilizada pelo pesquisador. Este deverá então mergulhar na história tentando provar a relação causal existente e desvendar os mecanismos que se constituem na sua “força produtiva”. A análise e a teoria que a embasa tendem a se fortalecer quanto mais casos positivos forem acrescentados, nos limites, é claro, de uma pesquisa qualitativa. Os casos do quadrante IV são irrelevantes porque neles não estão presentes nem as causas nem os efeitos de interesse da teoria. Mas o que fazer com os casos desviantes? Diferentemente das pesquisas quantitativas, que descartam os outliers porque seus valores destoam muito dos valores médios, pesquisas qualitativas feitas com base na QCA e no PT fazem desses casos exemplos para testar e refinar teorias. Eles obrigam ao analista retornar à história para entender por que ali, naquele contexto histórico específico, a causa não produz o resultado esperado ou o resultado se faz presente sem a causa enunciada pela teoria. Tais casos, como sugere o princípio da equifinalidade visto acima, não podem ser descartados em nome de um modelo causal homogêneo no qual eles não se encaixam. É o diálogo permanente com a história dos casos que permite aperfeiçoar a teoria, que, assim, deixa de ser uma mera dedução a partir de axiomas abstratos, para ser uma sistematização produzida a partir de um diálogo permanente com a história.13 13 O diálogo permanente entre teoria e história, orientação crucial para a QCA e o Process Tracing, é parte do cabedal clássico das Ciências Sociais, em especial a construção de tipos ideias por Max Weber. Quanto a esse ponto, ver Roth (1971).
5. Conclusão
O objetivo deste artigo foi discutir o lugar do contexto histórico na produção de conhecimento na Ciência Política. Não se trata de defender um retorno à história por amor a um eruditismo vazio. Acreditamos que a inclusão da história como elemento importante de nossas explicações tem as seguintes vantagens.
Primeiro, permite reconhecer que todo fenômeno político ocorre em um contexto específico e vinculado a uma cadeia de eventos. Dessa maneira, avança em relação a análises puramente sincrônicas dos eventos políticos, que deixam de lado a conexão causal de longo prazo que os produz.
Em segundo lugar, a inclusão da história permite lidar com questões e problemas que análises puramente sincrônicas excluem de seu campo de visão. Viabiliza, assim, o estudo de temas referentes a processos complexos de formação de diversas instituições políticas, como o Estado nacional, a burocracia pública, os partidos políticos, a democratização do regime político, entre outros, que são na sua essência processos de longo prazo. São temas clássicos da nossa área que estão basicamente ausentes de nossas análises atuais no Brasil.
Por fim, a inclusão da história é uma estratégia heurística. O conhecimento histórico dos casos, combinado com a comparação e técnicas de pesquisa como a QCA e o Process Tracing, permite produzir alguma generalização. Esse é um ponto importante, pois na medida em que essas técnicas reconhecem a complexidade causal do mundo social, seu uso nos permite recusar a dicotomia estabelecida por Abbott (1991)ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415. entre, de um lado, abordagens baseadas numa concepção causal simplificada e, de outro, abordagens narrativas, necessariamente mais complexas. Como vimos, a QCA e o PT permitem combinar ambas: a primeira, por meio da comparação, permite buscar explicações causais, entendidas agora como múltiplas e conjunturais, e o segundo, produzir narrativas reveladoras de mecanismos. Uma vez combinadas, podemos, enfim, pensar causalmente e narrativamente ao mesmo tempo.14 14 Novamente, é Max Weber o pioneiro neste quesito. Não é verdade, como sugere Abbott (1991), que a sociologia de Weber é apenas descritiva e produtora de tipos ideais. Weber reconhece o papel generalizador da sociologia e defende explicitamente o uso dos cânones de Mill para buscar explicações causais. As generalizações produzidas por essa junção não pretendem ser, é claro, universais, mas contextualmente limitadas, isto é, válidas para outros casos similares não observados. Desse modo, a história está a serviço de ganhos teóricos, objetivo importante de nossa disciplina.
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Agradeço àqueles que comentaram a primeira versão deste artigo no 47º Encontro Nacional da Anpocs no âmbito do GT 49, coordenado pelas professoras Ana Capella (UNESP) e Telma Menicucci (UFMG). Agradeço também aos pareceristas da Revista Brasileira de Ciências Sociais.
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Para ser mais preciso, este texto aborda um certo tipo de ciência política praticado no Brasil, notadamente aquele dedicado à análise das instituições e do comportamento político. Não é o caso, por exemplo, dos estudos nacionais e internacionais de teoria e pensamento político, fortemente inspirados pela abordagem histórica. Agradeço ao parecerista anônimo da Revista Brasileira de Ciências Sociais por esta observação. A nossa concepção de história é introduzida na seção 2, a seguir, a partir do texto de Rüsen (2016)RÜSEN, Jörn. (2016), Teoria da História. Uma teoria da História como ciência. Curitiba, Editora da UFPR..
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Sobre o descarte da cultura e da história como fatores explicativos do comportamento humano, ver as discussões de Tsbelis (1998)TSBELIS, George. (1998), Jogos ocultos. São Paulo, Edusp. sobre a intercambialidade dos indivíduos.
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Para proposições similares, ver Abbott (1983ABBOTT, Andrew. (1983), “Sequences of Social Events: Concepts and Methods for the Analysis of Order in Social Processes”. Historical Methods: A Journal of Quantitative and Interdisciplinary History, 16, 4:129-147. DOI: https://doi.org/10.1080/01615440.1983.10594107.; 1984ABBOTT, Andrew. (1984), “Event Sequence and Event Duration: Colligation and Measurement”. Historical Methods: A Journal of Quantitative and Interdisciplinary History, 17, 4:192-204. DOI: https://doi.org/10.1080/01615440.1984.10594134.; 1991ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415.; 1992ABBOTT, Andrew. (1992), “From Causes to Event. Notes on Narrative Positivism”. Sociological Methods & Research, 20, 4:428-455. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004002.), Aminzade (1992)AMINZADE, Ronald. (1992), “Historical Sociology and Time”. Sociological Methods & Research, 20, 4:456-480. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004003., Tilly (1994)TILLY, Charles. (1994), “The Time of States”. Social Research, 61, 2:269-295., Abell (2004)ABELL, Peter. (2004), “Narrative Explanations: An Alternative to Variable-Centered Explanation”. Annual Review of Sociology, 30:287-310. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev.soc.29.010202.100113., Pierson e Skocpol (2008)PIERSON, Paul; SKOCPOL, Theda. (2008), “El Institucionalismo Histórico en la Ciencia Política Contemporánea”. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 17,1:7–38. e Collier e Munck (2022)COLLIER, David; MUNCK, Gerardo. (org.) (2022), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova Iorque, Rowman & Littlefield..
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Apenas a título de exemplo, para discussões metodológicas, ver os seguintes trabalhos: Collier e Collier (1991)COLLIER, Ruth Berins; COLLIER, David. (1991), Shaping the Political Arena. Princeton, Princeton University Press.; Skocpol e Somers (1997)SKOCPOL, Theda; SOMERS, Margaret. (1997), “The Uses of Comparative History in Macrosocial Inquiry”, in T. Skocpol. (org.), Social Revolutions in the Modern World. Cambridge, Cambridge University Press.; Tilly (2006)TILLY, Charles. (2006), “Why and How History Matters”. Oxford Handbook of Contextual Political Analysis. Oxford, Oxford University Press.; Mahoney e Villegas (2007)MAHONEY, James; VILLEGAS, Celso. (2007). “Historical Enquiry and Comparative Politics”, in C. Boix; S. Stokes. (org.), The Oxford Handbook of Comparative Politics. Oxford, Oxford University Press.; Mahoney e Thelen (2015)MAHONEY, James; THELEN, Kathleen. (org.) (2015), Advances in Comparative Historical Analysis. Cambridge, Cambridge University Press.; Perissinotto et al. (2022)PERISSINOTTO, Renato; BOTELHO, João Carlos Amoroso; BOLOGNESI, Bruno; BATISTA, Mariana; SANTOS, Manoel Leonardo. (org.) (2022), Política Comparada: Teoria e Método. Rio de Janeiro, Eduerj.. Para aplicações práticas do método histórico comparativo, ver, Hintze (1975)HINTZE, Otto. (1975), “The Preconditions of Representative Government in the Context of World History”. The Historical Essays of Otto Hintze. Nova Iorque, Oxford University Press.; Moore Jr. (1983)MOORE JR., Barrington. (1983), As origens sociais da ditadura e da democracia. Senhores e camponeses na construção do mundo moderno. São Paulo, Martins Fontes.; Skocpol (1984)SKOCPOL, Theda. (1984), Los Estados y las revoluciones sociales. México, Fondo de Cultura Económica.; Haggard (1990)HAGGARD, Stephen. (1990), Pathways from the Periphery. The Politics of Growth in the Newly Industrializing Countries. Ithaca, Cornell University Press.; Collier e Collier (1991)COLLIER, Ruth Berins; COLLIER, David. (1991), Shaping the Political Arena. Princeton, Princeton University Press.; Luebbert (1991)LUEBBERT, Gregory. (1991), Liberalism, Fascism, or Social Democracy. Social Classes and the Political Origins of Regimes in Interwar Europe. Oxford, Oxford University Press.; Perissinotto (2023)PERISSINOTTO, Renato. (2023), Ideias, burocracia e industrialização no Brasil e na Argentina. Eduerj, Rio de Janeiro..
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Thelen (2000)THELEN, Kathleen. (2000), “Timing and Temporality in the Analysis of Institutional Evolution and Change”. Studies in American Political Development, 14, 1:101–108. DOI: https://doi.org/10.1017/S0898588X00213035. defende posição similar. Para ela, o desenvolvimento institucional não depende apenas da sequência temporal dos eventos e dos seus retornos positivos, mas é afetado também por processos de “conversão funcional” iniciados por novos atores poderosos que surgem ao longo do processo. Quanto a este ponto, ver a tipologia dos atores políticos portadores de mudanças institucionais formulada por Mahoney e Thelen (2010)MAHONEY, James; THELEN, Kathleen. (2010), Explaining Institutional Change. Ambiguity, Agency and Power. Cambridge, Cambridge University Press..
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O institucionalismo histórico tem se dedicado a superar essa limitação reconhecendo a importância da agency e dos atores sociais como intérpretes das regras institucionais. Ver Mahoney e Thelen (2010)MAHONEY, James; THELEN, Kathleen. (2010), Explaining Institutional Change. Ambiguity, Agency and Power. Cambridge, Cambridge University Press..
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Sobre essa posição, ver Boudon (1993)BOUDON, Raymond. (1993), Effets pervers et ordre social. Paris, Quadrige/Presse Universitaire de France., Lloyd (1995)LLOYD, Cristopher. (1995), As estruturas da história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor., Wrong (2002)WRONG, Dennis H. (2002), Power: Its Forms, Bases, and Uses. Nova Iorque, Transaction Publishers. e Abell (2004)ABELL, Peter. (2004), “Narrative Explanations: An Alternative to Variable-Centered Explanation”. Annual Review of Sociology, 30:287-310. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev.soc.29.010202.100113.. Ademais, a dimensão inintencional do social não deriva apenas da ação humana, mas também das estruturas sociais que a ultrapassam e a limitam. Ver Godelier (1985)GODELIER, Maurice. (1985), L’idéel et le matériel. Paris, Fayard..
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Instituições são um exemplo típico do que Stinchcombe (1968)STINCHCOMBE, Arthur. (1968), Constructing Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press. chama de “loops causais autorreplicantes”, isto é, mecanismos que permitem que determinados fenômenos se reponham sistematicamente ao longo do tempo, mesmo quando a causa que lhe deu origem deixa de existir (“causação histórica”, nas suas palavras). A identificação desses mecanismos é fundamental para explicações “historicistas”, segundo o autor.
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Os mecanismos podem operar em vários níveis, sequencialmente ou ao mesmo tempo: mecanismos no nível macro dos grandes eventos (choques externos, crises econômicas mundiais, guerras); mecanismos situacionais, no nível das estruturas sociais que constrangem as ações dos atores (posições de classe, estruturas normativas, mecanismos generativos de regras) e mecanismos de transformação, que operam no nível das ações dos agentes sociais e de seus efeitos (processos decisórios, ações coletivas). Cf. Abell (2004)ABELL, Peter. (2004), “Narrative Explanations: An Alternative to Variable-Centered Explanation”. Annual Review of Sociology, 30:287-310. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev.soc.29.010202.100113.; Beach e Pedersen (2019)BEACH, Derek; PEDERSEN, Ramus Brun. (2019), Process-Tracing Methods. Foundations and Guidelines. Michigan, University of Michigan Press.. O reconhecimento de diversos tipos de mecanismos operando ao mesmo tempo confere duas vantagens ao PT no que diz respeito ao retorno da história na Ciência Política: primeiro, permite superar narrativas estritamente lineares (Abbott, 1983ABBOTT, Andrew. (1983), “Sequences of Social Events: Concepts and Methods for the Analysis of Order in Social Processes”. Historical Methods: A Journal of Quantitative and Interdisciplinary History, 16, 4:129-147. DOI: https://doi.org/10.1080/01615440.1983.10594107.) e, segundo, não baseia a narrativa estritamente em ações propositalistas, tal como sugerem Stone (1979)STONE, Lawrence. (1979), “The Revival of Narrative: Reflections on a New Old History”. Past & Present, 85, 1:3–24. e Aminzade (1992)AMINZADE, Ronald. (1992), “Historical Sociology and Time”. Sociological Methods & Research, 20, 4:456-480. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004003..
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Abbott (1992)ABBOTT, Andrew. (1992), “From Causes to Event. Notes on Narrative Positivism”. Sociological Methods & Research, 20, 4:428-455. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004002. diz que uma das principais características das pesquisas centradas em variável é se basear no pressuposto de que a causalidade ocorre via correlação entre atributos de entidades fixas e não como resultado de um processo sequencial em que eventos e atores interagem entre si. Ou, para dizer como Aminzade (1992, pAMINZADE, Ronald. (1992), “Historical Sociology and Time”. Sociological Methods & Research, 20, 4:456-480. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004003.. 458), são pesquisas que tendem a “reduzir processos [i.e., um conjunto articulado de eventos] a condições” e que, mesmo quando incluem o tempo em suas análises, tomam-no apenas como uma sucessão de valores de certas variáveis. Para Abbott (1992)ABBOTT, Andrew. (1992), “From Causes to Event. Notes on Narrative Positivism”. Sociological Methods & Research, 20, 4:428-455. DOI: https://doi.org/10.1177/0049124192020004002., essa perspectiva é responsável pelo desaparecimento das ações e dos processos sociais da Sociologia empírica de sua época. Podemos nos perguntar se essa também não seria a razão para entender o “presentismo” da Ciência Política brasileira atual. Se a história é processo que só pode ser capturado por narrativas, então ela não pode estar presente numa pesquisa orientada por variáveis.
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O fato de o Process Tracing ser uma ferramenta inseparável da ideia de sequência temporal dos eventos faz dele uma técnica particularmente adequada a pesquisas que usam o conceito de path dependence. Como se sabe, este conceito exige não apenas mostrar que um dado processo comporta múltiplos equilíbrios possíveis, mas também revelar, por meio de narrativas históricas, os mecanismos seletivos que o conduzem por um caminho e não por outro (David, 2007DAVID, Paul. (2007), “Path dependence: a foundational concept for historical social science”. Cliometrica, 1, 91–114. DOI: https://doi.org/10.1007/s11698-006-0005-x.) e os mecanismos que consolidam a trajetória escolhida (Munck, 2022MUNCK, Gerardo. (2022), “The Theoretical Foundations of Critical Juncture Research”, in D. Collier; G. Munck. (org.), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova Iorque, Rowman & Littlefield.).
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O diálogo permanente entre teoria e história, orientação crucial para a QCA e o Process Tracing, é parte do cabedal clássico das Ciências Sociais, em especial a construção de tipos ideias por Max Weber. Quanto a esse ponto, ver Roth (1971)ROTH, Guenther. (1971), “Max Weber’s Comparative Approach and Historical Typology”, in I. Vallier. (org.), Comparative Methods in Sociology. Essays on Trends and Applications. Berkley, University of California Press..
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Novamente, é Max Weber o pioneiro neste quesito. Não é verdade, como sugere Abbott (1991)ABBOTT, Andrew. (1991), “History and Sociology: The Lost Synthesis”. Social Science History, 15, 2:201-238. DOI: https://doi.org/10.2307/1171415., que a sociologia de Weber é apenas descritiva e produtora de tipos ideais. Weber reconhece o papel generalizador da sociologia e defende explicitamente o uso dos cânones de Mill para buscar explicações causais.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
13 Nov 2023 -
Aceito
22 Ago 2024