Resumo
O artigo analisa episódios da história recente da luta sindical em defesa de determinados marcos regulatórios das relações de trabalho no Brasil, na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos. Considera-se que, a despeito do impacto das oscilações da economia e do mercado de trabalho sobre a capacidade de ação concertada dos trabalhadores em defesa de seus interesses, alguns direitos são mais susceptíveis que outros, conforme o país. A constatação de que essa variação ocorre mesmo em ambientes econômicos parecidos, e submetidos a uma mesma tendência geral, permite formular a hipótese de que fatores situados além da esfera econômica também pesam na definição de certas agendas, na intensidade das preferências expressas pelos atores sociais e, por conseguinte, na persistência de certos direitos. Situada na fronteira entre a história e a sociologia, a abordagem aqui processada tem como ponto de partida as análises de Richard Locke e Kathlen Thelen (1998), que sugerem que o impacto das pressões por mudanças nos marcos regulatórios das relações de trabalho pode afetar não apenas os interesses dos atores, mas também o universo simbólico dentro do qual estes constituem suas identidades. As fontes que serviram de base para as análises referentes ao Brasil são pesquisas realizadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e documentos produzidos pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), central sindical majoritária no período analisado. Os demais casos foram analisados com base em fontes bibliográficas. Ao analisar momentos específicos que marcaram o conflito trabalhista em diferentes países em plena era neoliberal, verificou-se que o peso da tradição, associado ao projeto fundador do sindicalismo em cada situação analisada, contribui para prevalência de certas agendas e determina a intensidade da resistência dentro de cada cenário nacional.
Palavras-chave: sindicalismo; direito do trabalho; relações de trabalho; regulação; desregulamentação
Abstract
This paper analyses episodes in the recent history of the Trade Unions' struggle in defense of specific rules governing labor relations in Brazil, Sweden, Germany and USA. It is accepted that, in spite of the impact of swings in economy and labour market on the ability of workers' concerted action in defense of their interests, some rights are more susceptible than others, depending on the country. This variation occurs even in similar economic environments, and is subject to the same general trends. The hypothesis is that reasons other than economic are relevant in the definition of certain agendas, in the intensity of preferences expressed by social actors and, consequently, in the persistence of specific rights. Lying at the threshold of history and sociology, the present approach has as its starting point the analysis of Richard Locke and Kathleen Thelen (1998). They suggest that the impact of pressures for change in labour relations can affect not only the interests of the actors, but also the symbolic universe within which workers form their identities. The research about Brazil is based on documents produced by the Inter-Union Department of Statistics and Socioeconomic Studies (Dieese) and by the Workers' Unitary Central (CUT), a large union which was pivotal during the analyzed period. The analyses of the remaining cases were based on bibliographic sources. Findings from analyzing specific moments of the labor conflict in different countries in the neoliberal era are that the force of tradition, associated with the baseline project of unionism in every context, contributed to the prevalence of some agendas and determined the intensity of resistance within each national setting.
Key-words: trade unionism; labor law; labour relations; regulation; deregulation
Introdução
Os Estados sociais dos países ocidentais responderam a um desafio comum, o da industrialização e dos fatores de dissociação social que ela acarretava; mas evidentemente o fizeram em ritmos distintos, mobilizando suas tradições nacionais e levando em conta as diferentes forças sociais presentes em cada contexto.
Robert Castel
Do alto de seus 73 anos de existência, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) segue regulando as relações individuais e coletivas de trabalho no Brasil até os dias atuais. Criada pelo Decreto-Lei n.o 5425/43, em 1o de maio de 1943, sob a égide da Constituição de 1937, revelou-se compatível com as cartas de 1946, 1967 e 1988, resistindo firmemente às mudanças ocorridas no sistema político brasileiro e exprimindo uma estabilidade sem paralelos no complexo jurídico brasileiro. Não obstante, no decorrer de sua trajetória a CLT foi por diversas vezes objeto de críticas e alvo de proposições direcionadas a alterar alguns de seus mais importantes artigos. Em comum, os críticos da CLT, situados à direita e à esquerda do espectro político brasileiro, assinalavam o peso excessivo do componente estatal nas relações de trabalho. No entanto, em que pesem as críticas, a CLT permanece inalterada em sua essência, reiterando o caráter legislado das relações de trabalho no país, o qual tem se revelado profundamente enraizado na cultura política dos trabalhadores brasileiros, ainda que as normas sejam frequentemente burladas e que determinados benefícios da cidadania já não estejam vinculados ao trabalho com registro em carteira.
Ao nos depararmos com esse paradoxo, expresso, por um lado, na persistência do que há de essencial na legislação, e, por outro, na crítica amiúde emanada de diferentes setores, somos levados a indagar acerca das razões que informam essa longevidade. Indaga-se, sobretudo, acerca da persistência de dispositivos que asseguram a presença da componente estatal nos organismos sindicais e nas relações de trabalho. A persistência de determinados marcos regulatórios e a resistência sindical a certas mudanças é identificada também em outras realidades nacionais. Sem a pretensão de empreender uma análise comparativa, este artigo aborda o caso brasileiro, mas, adicionalmente, assinala também em outros países a mesma resistência a alterações em certos dispositivos que normatizam as relações de trabalho em cenários onde há forte pressão por mudanças.
Da perspectiva desta abordagem, as décadas de 1980 e 1990 constituem cenários bastante apropriados para perscrutar acerca das razões da persistência da regulação estatal das relações de trabalho no Brasil, permitindo mesmo que se considere outras realidades nacionais.
Nesse período, a economia mundial passou por profundas transformações, em linhas gerais caracterizadas pelo declínio da capacidade regulatória dos Estados nacionais, pela integração das economias nacionais em âmbito regional, pela globalização financeira, pelo aumento da importância do setor de serviços na absorção da força de trabalho. No que diz respeito às mudanças nos padrões de produção e nas relações de trabalho, verificou-se a fragmentação da produção, a crescente sofisticação das tecnologias utilizadas nas fábricas, a introdução de novas modalidades de relação entre administrações e trabalhadores. No rastro dessas transformações, assistiu-se ao aumento do desemprego e à progressiva precarização das formas de contratação de mão de obra. As transformações, ocorridas à luz do ideário neoliberal, marcaram profundamente o sindicalismo em diferentes países. Embora fragilizados, os sindicatos posicionaram-se diante das pressões por mudanças nos diversos aspectos que envolvem o mundo do trabalho.
Após um período inicial de intensa perplexidade, o movimento sindical rearticulou-se em várias sociedades no intuito de reduzir o impacto daquelas transformações sobre a força de trabalho e os sindicatos. A vitoriosa greve dos trabalhadores franceses contra o Plano Juppé1, em 1995; a também vitoriosa greve geral na Coreia do Sul, em 1997, contra a reforma da legislação trabalhista no tocante à supressão de direitos2; bem como a greve da empresa United Parcel Service (UPS), nos Estados Unidos, também de 1997, resultando na formalização de 10 mil empregos precários3, esses são exemplos de mobilizações bem-sucedidas no contexto adverso dos anos 1990. As pressões exercidas pelo movimento sindical, em conjunto com organizações não governamentais, no sentido de frear o processo de liberalização do comércio mundial, por ocasião da III Conferência da Organização Mundial do Comércio, é outro indício da importância readquirida pelo movimento sindical no cenário político internacional.
Não obstante o reaquecimento da ação coletiva dos trabalhadores no sentido de resistir e/ou interferir no processo de transformação em curso entre os anos 1980 e 1990, seu procedimento não foi unívoco. As pressões sobre as configurações institucionais que modelaram as relações de trabalho em diversos países - decorrentes, notadamente, de mudanças tecnológicas, gerenciais e dos padrões de concorrência internacional - foram objeto de reações diversas por parte do movimento sindical, porque afetavam distintamente as estruturas de incentivos que modelavam os interesses dos atores envolvidos e os recursos de poder de que estes dispunham para enfrentar tais pressões, associadas também ao ambiente institucional de cada país.
Esse último também se constituiu distintamente, correspondendo a soluções nacionais específicas para responder ao desafio comum de impedir a desagregação social em meio ao processo de industrialização. Tais soluções envolveram tanto os diferentes interesses expressos pelas forças sociais presentes em cada cenário político nacional, como suas tradições, tal como indica Robert Castel na epígrafe de abertura deste artigo. Na mesma direção, Richard Locke e Kathlen Thelen sugerem que o impacto das pressões por mudanças nos marcos regulatórios das relações de trabalho pode afetar não apenas os interesses dos atores, mas também o universo simbólico dentro do qual estes constituem suas identidades (Locke & Thelen, 1998). Neste sentido, não apenas interesses e recursos de poder diferenciados aparecem como aspectos relevantes para a compreensão da resistência oferecida a determinadas pressões; no caso do movimento sindical, tal resistência pode estar associada à tentativa de preservação de aspectos fundamentais na definição de sua identidade no plano nacional e à forma como se insere na economia política de cada país4.
Ao analisar a postura do movimento sindical norte-americano, quando se desencadeiam pressões para a reorganização do processo de trabalho; do sindicalismo sueco em face das dificuldades para a preservação da política de solidariedade salarial; do sindicalismo alemão em relação às proposições de flexibilização dos salários e da jornada de trabalho; e dos sindicatos italianos diante do questionamento da política de escala móvel de salário, Richard Locke e Kathlen Thelen (1998) agrupam em quatro categorias as pressões decorrentes das mudanças econômicas sobre os sindicatos. Elas envolvem, basicamente:
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mudanças na organização do trabalho, com alterações nas normas, flexibilização da jornada e redefinição das formas de participação dos trabalhadores nas empresas;
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mudanças nas formas de remuneração para trabalhadores e funcionários administrativos;
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mudanças nos padrões de formação profissional, treinamento e planos de carreira; e
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mudanças nos dispositivos referentes à estabilidade e à mobilidade da força de trabalho.
O presente artigo analisa os casos da Alemanha, da Suécia, dos Estados Unidos e, destacadamente, do Brasil, buscando identificar os elementos simbólicos associados à defesa de determinadas políticas que estabelecem o "projeto fundador" do sindicalismo de cada país e sua identidade no cenário nacional. Em adição às formulações de Richard Locke e Kathlen Thelen (1998), sugere-se que, além dos referidos elementos simbólicos, constitui aspecto também importante na configuração da identidade do movimento sindical a estrutura organizativa que dá forma à sua presença. Assim, pretende-se identificar, em cada ambiente nacional, o impacto que as pressões no sentido da descentralização e flexibilização acarretaram sobre o comportamento dos atores sindicais entre as décadas de 1980 e 1990, como resistiram a tais pressões na defesa de seu "projeto fundador" e as alternativas que buscaram ante o maior ou menor sucesso das pressões indicadas.
Para o caso brasileiro, postula-se que, dada a configuração das relações de trabalho no país, as pressões vinculavam-se também à tentativa de sua desregulamentação, no sentido de subtrair a presença do Estado das esferas relacionadas ao capital e ao trabalho. Sugere-se que o hiato entre a retórica sindical em prol da autonomia/liberalização e a efetiva resistência à sua concretização deriva do fato de situar-se a ação estatal no centro de um dos projetos fundadores do sindicalismo brasileiro. Ao mesmo tempo em que a iniciativa do Estado foi essencial na promoção de certo padrão de bem-estar, as leis e instituições fixadas entre as décadas de 1930 e 1940, apropriadas e ressignificadas pelos trabalhadores, também lhes conferiu identidade5.
Suécia, Alemanha e Estados Unidos
Esta seção aborda a maneira como se exprime a força da tradição no sindicalismo sueco, onde predomina, por assim dizer, uma retórica igualitária e uma certa rigidez organizativa; os valores do sindicalismo alemão, onde se observa a presença de uma estrutura organizativa dual; e o trade-unionismo dos Estados Unidos, onde a política fundadora do sindicalismo encontra-se fundamentalmente associada ao controle sobre os cargos no âmbito das empresas.
Nos termos de Richard Locke e Kathlen Thelen (1998), a política de solidariedade salarial é o elemento central do "projeto fundador" do sindicalismo sueco. Mais do que nos outros países escandinavos, o "salário solidário" permaneceu durante décadas como um objetivo perseguido pela Landsorganisationen (LO) sueca nas negociações coletivas encetadas com o patronato através da Associação Nacional dos Empregadores (SAF). Consiste, fundamentalmente, na tentativa de reduzir ao máximo as diferenças salariais entre ramos de produção diversos. Inicialmente, tal perspectiva era bem aceita pelos empresários, porque conduzia à contenção do crescimento dos salários. Além disto, acabava por favorecer o desenvolvimento tecnológico, na medida em que forçava empresas que tendiam a pagar salários mais baixos a buscar compensações por via da introdução de novas tecnologias, diante da pressão de custos que o salário solidário acarretava.
A busca do nivelamento dos salários na Suécia corresponde a uma política guiada por um princípio solidário que visa instituir um patamar de igualdade entre os trabalhadores em termos nacionais. Os instrumentos para a sua efetivação são as organizações nacionais de trabalhadores e empresários e a contratação coletiva realizada de forma centralizada. Assim, na medida em que se instalam pressões para a redefinição dos dispositivos do salário solidário, não apenas essa política é colocada em xeque, mas também toda a estrutura organizativa do sindicalismo sueco.
Em boa medida, as modificações na política de solidariedade salarial decorrem da expansão dos trabalhadores de colarinho branco e do emprego público. Agrupados em organizações independentes da LO, as pressões mais importantes que questionam o sistema e levam as empresas suecas ao colapso nos anos 1990 têm origem nessa parcela de trabalhadores (Galenson, 1998). Os servidores públicos alcançam a equalização salarial a partir dos anos 1960. Por seu turno, trabalhadores de colarinho branco buscam firmar acordos com as empresas que estabeleçam acréscimos em sua remuneração correspondentes às diferenças de qualificação. Como as negociações coletivas centralizadas procuram estender tais diferenciais aos trabalhadores manuais, o resultado é uma pressão agregada sobre o custo dos salários, que atinge principalmente as empresas exportadoras e desencadeia pressões inflacionárias. Em 1983, por iniciativa da entidade patronal do setor de engenharia, um acordo separado foi efetuado com os metalúrgicos. A partir de então, acentuam-se as disputas em torno da negociação coletiva, até que, em 1990, a SAF retira-se das negociações nacionalmente centralizadas.
Conforme Walter Galenson, a própria LO admitia, ante as pressões dos trabalhadores de colarinho branco, que o princípio do salário solidário podia colocar em risco a efetividade dos acordos coletivos (Galenson, 1998). A dificuldade da central sindical sueca para rever seus termos, entretanto, foi significativa. A fórmula encontrada no Congresso da LO de 1991 enfocava a questão salarial segundo os princípios da justiça, designando a perspectiva de salário igual para trabalho igual, e da igualdade, reiterando a perspectiva de promoção dos salários mais baixos. Segundo o novo entendimento, todavia, o acesso generalizado às qualificações técnicas aparecia como o principal caminho para o alcance da igualdade salarial. No limite, a fórmula de 1991 corresponde a um distanciamento considerável da perspectiva do salário solidário, encoberto pela retórica de sua viabilização através da força niveladora da técnica. A referência à solidariedade salarial associa-se à aceitação, de fato, da ocorrência de diferenças salariais.
A necessidade da LO encobrir a aceitação de uma situação nova com a retórica do salário solidário diz respeito à dificuldade de redefinir a identidade do movimento sindical sueco no cenário nacional, fortemente vinculada à presença deste mito fundador. A mesma dificuldade é revelada pela central sindical sueca em redefinir seu formato organizativo, em face das exigências colocadas pela presença de negociações coletivas mais descentralizadas. Na Noruega - onde as práticas da negociação coletiva centralizada e da solidariedade salarial não tiveram o mesmo alcance que na Suécia - e na Dinamarca - marcada por uma estrutura sindical mais segmentada - a constituição de cartéis, envolvendo ramos de produção e outros critérios, foi tomada como meio de fazer face às novas modalidades de negociação. Na Suécia tal dificuldade revelou-se maior e a solução buscada foi a fusão de sindicatos, num processo que acarretou uma série de disputas sobre a jurisdição das diferentes entidades.
Enfim, enquanto na Suécia as pressões para a flexibilização das relações de trabalho não parecem ter encontrado dificuldades consideráveis no que se refere aos itens 3 e 4 das categorias acima apresentadas, dado o restrito mercado de trabalho no país e a tradição de desenvolvimento da qualificação, no ponto 1 ela ensejou algum problema inicial, em virtude da pretensão dos sindicatos, manifesta nos anos 1980, de acentuar os princípios da codeterminação no âmbito das empresas, perspectiva que, entretanto, não foi adiante (Locke & Thelen, 1998). No que se refere ao ponto 2, contudo, as pressões para a flexibilização desencadearam intensas controvérsias e disputas, ao cabo resolvidas com a erosão dos procedimentos relacionados à negociação coletiva centralizada e o enfraquecimento da política de solidariedade salarial. O esforço retórico da LO em manter este princípio, ao lado da admissão de sua derrogação real, e as dificuldades em refazer a estrutura organizativa que dá forma à presença nacional do sindicalismo sueco, são reveladores do peso da tradição sobre a ação do movimento sindical, obrigado a redefinir uma identidade que se construiu em torno de um princípio igualitário regulador.
Na Alemanha, as políticas fundadoras, que conferem identidade ao sindicalismo do país, estão relacionadas à determinação dos salários e da jornada de trabalho por contratações coletivas, em geral efetuadas por ramos e/ou regiões, e à cogestão no interior das empresas (Locke & Thelen, 1998). A tais políticas corresponde a presença de uma estrutura organizativa dúplice, em que os sindicatos dispõem da prerrogativa de conduzir os processos de contratação coletiva, enquanto os conselhos de trabalhadores participam de definições dentro das empresas, desde que não derroguem dispositivos fixados nos contratos coletivos. Em que pese a autonomia dos conselhos, é forte a influência dos sindicatos sobre eles e a grande maioria dos representantes dos trabalhadores nas empresas é composta de sindicalizados (Daübler, 1997).
Uma tal estrutura - conforme Locke e Thelen - tornaria facilmente assimiláveis as pressões relacionadas aos itens 1 e 3. Aquelas que dizem respeito à definição de novos padrões de remuneração, à estabilidade no emprego e a redefinições na jornada de trabalho tendem a provocar reações mais significativas do movimento sindical (itens 2 e 4). De fato, nos anos 1980, os temas que chamaram a atenção do movimento sindical de forma mais candente remetem à jornada de trabalho e ao emprego. O resultado das disputas em torno destas questões levou à abertura dos sindicatos para a flexibilização da jornada de trabalho no âmbito do processo produtivo (item 1) - tendência que exigia atuação mais intensa do conselho de trabalhadores - mediante a fixação de cláusulas relativas à estabilidade no emprego e à redução da jornada semanal de trabalho (item 4)6.
Após a reunificação da Alemanha (1990), a questão salarial (item 2) passa a dispor de maior evidência, não obstante a tradicional diferenciação salarial alemã por ramo e região. Mesmo que a rápida equalização de salários entre Leste e Oeste tenha sido orquestrada entre os atores envolvidos, pressões para a adoção de novas formas de flexibilização se desenvolveram, dada a grande disparidade existente, no sentido de desacelerar o processo de nivelamento.
O modelo alemão tem revelado, de qualquer forma, grande flexibilidade para adaptar-se às pressões que atingem também os itens que afetam de forma mais sensível as políticas que se associam à dimensão fundadora do sindicalismo no país. Esse, em boa medida, plasmou-se à estrutura federativa da Alemanha, tal como se evidencia na presença de acordos coletivos regionais e na ausência da contratação nacionalmente centralizada, como na Suécia. Além disto, os nexos entre os sindicatos alemães e a social-democracia, conquanto importantes, não alcançam a profundidade verificada nos países escandinavos, dispondo a ação sindical stricto sensu de peso primordial nas conquistas das várias parcelas dos trabalhadores alemães. Tais características reforçam entre os sindicatos a perspectiva da busca de proteção aos seus associados fundamentalmente através dos contratos coletivos, sendo a inclusão neles um elemento de diferenciação em relação aos trabalhadores não sindicalizados, especialmente mulheres.
Região, contratação coletiva e inclusão tendem a tornar-se, pois, elementos que se aproximam na dimensão simbólica da ação sindical alemã. As formulações de Horst Kern e Charles F. Sabel (1994), mesmo sinalizando o enfraquecimento das contratações coletivas na ação sindical, evidenciam este nexo. Conforme esses autores, a fragmentação da estrutura produtiva, que acompanha o processo de reestruturação industrial, conduziu as empresas a um processo de dispersão e deslocamento, de modo a reduzir custos ligados ao relacionamento com fornecedores e clientes. Por outro lado, as exigências de aceleração da inovação tecnológica envolviam a necessidade de trabalhadores mais qualificados por parte das empresas, os quais se mostravam distantes dos temas clássicos dos processos de contratação coletiva e dos próprios sindicatos. De modo a renovar a ação sindical diante destas circunstâncias, Horst Kern e Charles F. Sabel (1994) sugerem, ao lado da participação dos sindicatos na formação profissional, a articulação com outros atores sociais no plano regional, de modo a fortalecer as economias regionais e acentuar sua capacidade de inclusão. No limite, ainda que as lentes desses autores estejam atentas àquilo que se renova no mundo do trabalho e às exigências também de renovação do sindicalismo, sua perspectiva revela, da mesma forma, a força da tradição no âmbito da qual se construiu a identidade do movimento sindical alemão.
Também nos Estados Unidos a participação dos sindicatos na definição de contratos coletivos nacionais ou regionais, que fixam salários e outros dispositivos vinculados às relações de trabalho, dispõe de alguma relevância, distribuída de forma desigual entre os diferentes ramos de produção. No entanto, seu peso está longe daquele alcançado pelo sistema de contratação coletiva nacionalmente centralizado da Suécia ou pelos contratos coletivos de perfil setorial e regional da Alemanha. No limite, as negociações coletivas nos Estados Unidos são fundamentalmente descentralizadas (Rodrigues, 1999). A política fundadora do sindicalismo norte-americano está, pois, fundamentalmente associada ao controle sobre os cargos no âmbito da empresa, muito embora os trabalhadores norte-americanos não disponham de instrumentos de participação na gestão empresarial assemelhados ao conselho de fábrica alemão (Locke & Thelen, 1998; Rodrigues, 1999). Desta forma, a estrutura organizativa predominante no sindicalismo dos Estados Unidos envolve a presença de sindicatos nacionais ou regionais, responsáveis pela condução de processos de contratação coletiva mais abrangentes, erguidos sobre seções locais relativamente autônomas em relação às empresas, cuja atuação é importante na negociação travada com a própria empresa, ainda que circunscrita pelas entidades mais ampla7. Podem existir também os sindicatos cuja base esteja fincada exclusivamente na empresa.
Assim, diante das pressões orientadas para a flexibilização das relações de trabalho que as empresas norte-americanas desenvolvem a partir dos anos 1980, o sindicalismo revelou nos Estados Unidos especial sensibilidade para o item 1 apontado por Richard Locke e Kathlen Thelen (1998), referente à flexibilização das normas e da hierarquia que regulam o processo de trabalho nas empresas. O item 4 não oferece dificuldades para os sindicatos norte-americanos, em face da generalizada aceitação das prerrogativas patronais de contratação e demissão, cujos impactos negativos foram mitigados pelo longo período de prosperidade conhecido pela economia dos Estados Unidos no pós-Guerra. O item 3 apresenta alguma importância apenas quando afeta a estrutura de cargos e as normas presentes nas empresas. Já o item 2 adquiriu especial destaque nos casos em que algum nível de centralização da negociação coletiva ocorria, como o revelam as disputas em torno das "concessões" envolvendo as empresas e os sindicatos nos anos 1980, nas quais a redução de salários e benefícios fixados em contratos coletivos era apresentada como alternativa à demissão de trabalhadores, muito embora a maior parte dos sindicatos norte-americanos tenha cedido. Um caso exemplar de resistência às concessões é a greve do P9.
Em meados dos anos 1980, em plena Era Reagan, os trabalhadores da empresa Hormel (em Austin, estado de Minnesota) paralisaram suas atividades em defesa da manutenção do poder aquisitivo dos salários. O movimento evoluiu em protesto contra uma série de medidas de supressão de direitos adotadas pela empresa, que vinculava a manutenção de empregos à fixação daquelas medidas. A greve da P9, como ficou conhecida, fomentou um grave litígio entre o sindicato local e a United Food and Commercial Workers (UFCW), que desautorizou o protesto. O movimento acabou recebendo o apoio de vários sindicatos e de outros segmentos da sociedade norte-americana, mas não logrou conquistas imediatas (Moody, 1996). Cumpre assinalar, entretanto, que, embora a greve do P9 tenha girado fundamentalmente em torno da questão salarial e da preservação de direitos, a insatisfação dos trabalhadores da Hormel intensificou-se a partir do momento em que trabalhadores mais velhos afastaram-se da empresa em virtude de alterações no processo de trabalho, aspecto que atingia em cheio o princípio da senioriety, central na economia moral do sindicalismo dos Estados Unidos.
Por outro lado, a resistência dos sindicatos norte-americanos em desfazer-se das prerrogativas que lhes concede o controle sobre os cargos no interior da firma é ilustrada por Heckscher (1996) ao salientar as objeções efetuadas às novas formas de gestão propostas pelas empresas, nas quais se acena para o aumento da participação dos empregados nas decisões, sem a presença dos sindicatos, envolvendo a possibilidade de redefinições no processo de trabalho. O apelo ao Ato Wagner, fixado nos anos 1930 para restringir a interferência das empresas na constituição de organismos de representação dos trabalhadores, foi recurso amplamente utilizado para mitigar tais iniciativas, que envolveriam a redução do poder dos sindicatos sobre dispositivos importantes na definição de sua própria identidade. Por outro lado, em que pese a diversificação das formas de organização dos trabalhadores e a busca de articulação com outros atores, tal como descrito por Moody na greve do P9, salta aos olhos as dificuldades - a partir da própria análise de Moody (1996) - reveladas por este movimento para manter os novos organismos criados quando estes não são mais sustentados pela estrutura tradicional dos sindicatos. Nas duas situações revela-se a força da tradição, a dificultar a adaptação do sindicalismo norte-americano às novas situações geradas pelo processo de reestruturação, em virtude das exigências de redefinição de sua identidade e de seu lugar na sociedade estadunidense que tal adaptação acarretaria.
Brasil: regulação estatal e autonomia na identidade sindical
As mudanças verificadas durante os anos 1990 no Brasil produziram impacto significativo sobre o sindicalismo, quando, após um período de recrudescimento e notada afirmação, nos anos 1980, tem seu poder de barganha arrefecido em face das transformações econômicas desencadeadas no governo Collor e aprofundadas na gestão Fernando Henrique Cardoso. Não obstante a natureza múltipla destas mudanças, salta aos olhos a importância atribuída à desregulamentação estatal das relações de trabalho, bem como a reação sindical à mesma. O que aqui se sugere é que, ao lado das implicações materiais da desregulamentação, os aspectos simbólicos que ela envolve constituíram razão relevante da resistência de boa parte do movimento sindical à sua efetivação. Em boa medida, a importância histórica da ação estatal na fundação da estrutura sindical e na promoção da legislação que atribui aos trabalhadores uma série de benefícios, como aqueles reunidos na CLT, está na raiz da força simbólica que alimenta o apego à regulação estatal. Ainda que não se possa perder de vista que a legislação trabalhista constitui uma resposta às demandas dos trabalhadores, o modo como foi implementada e todos os recursos simbólicos mobilizados pelo Estado durante as etapas iniciais do processo de sistematização do direito do trabalho no país contribuiu para que a componente estatal presente nas relações sociais se tornasse fonte de identificação de um determinado setor social, ainda que esse, em certos momentos de sua trajetória, tenha rejeitado, ao menos no plano discursivo, tal ligação, buscando projetar sua identidade justamente na rejeição dessa presença.
Observada por outro ângulo, evidencia-se a força simbólica da componente estatal nas relações sociais. No âmbito da retórica governamental dos anos 1990, a força desta tradição era de tal ordem evidente que desregulamentar significava romper com a Era Vargas. Dessa perspectiva, mais do que subtrair direitos e assegurar maior autonomia na contratação da força de trabalho, era preciso romper com a fonte de identificação daqueles setores sociais que haviam aderido - passado o período de afirmação das forças associadas ao chamado Novo Sindicalismo - ao sistema legislado de relações de trabalho, incluído o plano organizacional.
Nesta seção, busca-se inicialmente apreender como os sindicatos reagiram às pressões indicadas por Richard Locke e Kathlen Thelen (1998) no âmbito das negociações coletivas. As análises processadas aqui baseiam-se, sobretudo, em pesquisas produzidas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Em seguida, procura-se verificar o impacto que as proposições orientadas para a desregulamentação das relações de trabalho produziram sobre a parcela majoritária do movimento sindical brasileiro, especialmente aquela representada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT)8. Neste caso específico, documentos produzidos pela CUT constituem a fonte primordial9.
No Brasil, a reestruturação produtiva dos anos 1990 esteve mais associada a redefinições organizacionais dentro das empresas e ao processo de terceirização do que a uma aceleração na capacidade inovadora das empresas (Coutinho, Baltar & Camargo, 1999). A análise acerca das negociações coletivas efetuadas nos anos 1990 revela uma redução do poder de barganha dos sindicatos e, por conseguinte, o aumento das perdas salariais e a crescente flexibilização da jornada e dos contratos de trabalho (Dieese, 1999). No entanto, não obstante o ambiente notadamente hostil ao movimento sindical em que se desenvolveram essas mudanças, alguns sindicatos conseguiram imprimir importantes ressalvas nas negociações coletivas no tocante às inovações.
No que diz respeito ao primeiro aspecto mencionado por Richard Locke e Kathlen Thelen (1998), vinculado às "mudanças na organização do trabalho em função das novas tecnologias e formas mais descentralizadas de produção", a adoção de reformas por iniciativa unilateral das administrações fez-se com um nível reduzido de tensão na relação com os sindicatos, não obstante as tentativas por parte dos trabalhadores no sentido de interferir neste processo, a fim de minimizar os efeitos adversos que tais mudanças pudessem ocasionar. No que diz respeito à jornada de trabalho, por exemplo, o empresariado apostou em sua flexibilização, de forma a adaptá-la ao fluxo produtivo, isto é, estender a jornada nos períodos de pico e reduzi-la nas fases de retração da produção10. De sua parte, o movimento sindical acentuou as demandas por redução da jornada como meio de reduzir o desemprego, vinculando esta reivindicação à discussão sobre a flexibilidade da jornada em acordos coletivos. A pesquisa do Dieese mostra que, embora o movimento sindical tenha obtido sucesso em associar ao tema da flexibilização proposições referentes à redução da jornada, vários acordos analisados revelam que a conquista desta vem acompanhada da retração salarial (Dieese, 2005).
Os sindicatos obtiveram poucos avanços também no que se refere ao tema do trabalho suplementar. Ao vislumbrar a abertura de novos postos de trabalho, o movimento sindical insistiu na diminuição de horas extras, expediente que, tradicionalmente utilizado pelas empresas no Brasil, intensificou-se diante do novo padrão produtivo, contrariando, assim, as proposições do movimento sindical11. No que se refere às condições de trabalho, é bastante conhecido o tradicional descaso das administrações empresariais com as normas trabalhistas12.
Por outro lado, a adoção de novas técnicas de produção contribuiu para intensificar os prejuízos à saúde e à segurança do trabalhador. No entanto, observa-se um aumento da preocupação referente ao tema, embora tenha sido bastante limitada a efetivação de medidas que forçassem o empregador a uma mudança de comportamento com relação às condições de saúde e de segurança no ambiente de trabalho (Dieese, 1999).
As pressões para a mudança no sistema de remuneração (item 2) também não produziram maiores tensões junto aos sindicatos, dada a ausência de critérios de uniformização dos salários mesmo entre as categorias profissionais mais organizadas, ocasionando enormes disparidades regionais e setoriais. No entanto, dos quatro elementos apontados, talvez seja o que mais desestabiliza o movimento sindical, tendo em vista a tendência histórica no sentido de priorizar a questão salarial em suas campanhas.
Fato é que desde o recrudescimento do movimento sindical, em fins dos anos 1970, até o plano de estabilização de meados dos anos 1990, as pressões inflacionárias e o ciclo de crescimento da economia colocaram as questões salariais no centro das negociações coletivas. Para os sindicatos, a mobilização em torno destas questões era fonte de legitimidade, uma vez que, embora os resultados das negociações não se traduzissem em transformações substantivas na distribuição da renda nacional, impediam que sua concentração se acentuasse, ao tempo em que garantiam parcialmente a manutenção do poder aquisitivo dos salários (Dieese, 1999; Horn, 2006; Lobo, 2010). A partir de 1994, todavia, os reajustes salariais perderam a centralidade que haviam alcançado no período anterior, ao passo que, como parte da política econômica levada a cabo pelo governo federal, foi extinta a política salarial que vinculava os reajustes à inflação.
A maior novidade neste terreno foi a instituição da obrigatoriedade da negociação de participação nos lucros ou resultados13. No que diz respeito à remuneração do trabalho, tal medida destacava-se por proporcionar condições para flexibilização dos salários, tendo em vista que a medida provisória regulamentadora definia que a "parcela a ser distribuída" deveria ser "condicional e flexível" e "desvinculada da remuneração [...] isenta de encargos trabalhistas e previdenciários [...]". Por outro lado, desde 1997, quando os sindicatos conquistaram o direito de participar da negociação a respeito da distribuição de lucros e resultados, algumas entidades buscaram inserir em suas pautas de reivindicações metas de interesse dos trabalhadores - como aumento do nível de emprego, qualidade do processo de trabalho e saúde do trabalhador - como contrapartida diante das metas empresariais, que envolviam o compromisso do trabalhador com a produtividade. Portanto, de acordo com a pesquisa Dieese (2005), mesmo em relação à questão salarial, em face de um ambiente político e econômico hostil aos trabalhadores, os sindicatos foram levados a adaptar-se às novas condições, mais do que a postular alternativas.
O mesmo ocorre em relação à adaptação referente às mudanças nos padrões de formação profissional, treinamento e planos de carreira (item 3). Os processos de reestruturação produtiva que se intensificaram no Brasil, a partir da década de 1990, suscitaram a mobilização do movimento sindical, no sentido de garantir maior intervenção dos trabalhadores na implementação das mudanças (Lobo, 2010). Essas, ao mesmo tempo em que poderiam produzir um impacto negativo sobre o movimento sindical, em função do declínio de postos de trabalho, reavivaram uma antiga reivindicação dos sindicatos, referente aos "investimentos em educação, formação profissional e treinamento de pessoal" (Dieese, 1999: 40)14.
A pesquisa Dieese indica que das 94 categorias constantes do Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas (Saac-Dieese), 24 "incluem em seus instrumentos alguma garantia referente à introdução de inovações organizacionais e/ou tecnológicas" (Dieese, 1999: 41). As cláusulas tratam majoritariamente de treinamento ou remanejamento interno, mas não preveem sua obrigatoriedade. Algumas cláusulas propõem que o treinamento seja feito em horário de expediente e custeado pela empresa. Outras sugerem a comunicação - em alguns casos antecipada - aos trabalhadores e sindicato quando da introdução de inovações. Algumas conquistas referem-se à garantia de estabilidade durante certo tempo a partir da introdução das mudanças. Entre as negociações coletivas pesquisadas pelo Dieese no período não há, contudo, qualquer menção aos impactos das mudanças sobre as condições de trabalho e saúde do trabalhador. Além disto, é grande a dificuldade observada no que diz respeito à participação dos trabalhadores na tomada de decisão referente às modificações. Alguns exemplos positivos podem ser encontrados no complexo automotivo do ABC paulista. No entanto, em geral são oferecidas, quando muito, garantias de que os trabalhadores serão informados das modificações. No que se refere à qualificação e ao treinamento de mão de obra, multiplicam-se as negociações em torno da
exigência de formação contínua e requalificação, geralmente dentro da jornada de trabalho; sobre a necessidade de criação de comissão paritária para estudo do tema; e quanto à criação de fundos para reciclagem profissional (Dieese, 1999: 43).
Mas é restrito o número de cláusulas que preveem investimento pelas empresas na educação básica e na qualificação dos trabalhadores (Dieese, 1999; Lobo, 2010).
As mudanças referentes à estabilidade e à mobilidade da força de trabalho (item 4) constituíam, sem dúvida, fonte de grande preocupação nos meios sindicais, tendo em vista que, em boa medida, apontavam para a expulsão do mercado de trabalho de um número crescente de trabalhadores. No entanto, não obstante o sentido de urgência que a abordagem do tema suscitava, as mudanças não acarretavam novas tensões, dado o tradicional descaso verificado no Brasil, dentro das agendas empresariais e governamentais, no tratamento desta questão, conforme atesta a irrelevância de políticas públicas de emprego e renda no país.
Com efeito, a estabilidade no emprego jamais constituiu uma garantia aos trabalhadores brasileiros, particularmente a partir da criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Todavia, se até os anos 1980 as demissões podiam ser compensadas pela absorção da força de trabalho expelida em outras empresas ou regiões, na década de 1990 o caráter estrutural do desemprego subtraíra tal expectativa do horizonte dos trabalhadores, os quais, uma vez dispensados, tendiam a ter grande dificuldade em encontrar nova vaga mesmo em ramos diferentes daquele de que haviam sido dispensados (Lobo, 2010).
Do ponto de vista do movimento sindical, desde fins dos anos 1970, com a retomada das negociações coletivas,
passaram a ser asseguradas cláusulas referentes a garantias no emprego aos trabalhadores que se encontram em situações especiais, como gestantes, trabalhadores em idade de prestação de serviço militar, vítimas de doenças profissionais e acidentes de trabalho (Dieese, 1999: 30).
Nos anos 1990, contudo, quando o desemprego atingiu elevados patamares e declinavam as expectativas de reversão do quadro pelas vias do mercado, o movimento sindical se empenhou em discutir o tema em suas várias dimensões (Lobo, 2010). Tendo em vista a natureza estrutural do desemprego e a proliferação das formas precárias de contratação, os sindicatos conferiram centralidade ao tema, ao lado das questões salariais, tradicionalmente predominantes nas negociações coletivas. Entre as negociações pesquisadas pelo Dieese, as cláusulas versavam principalmente sobre a limitação das demissões e a geração de novas vagas (Dieese, 1999: 32). As reivindicações visavam, sobretudo, assegurar o compromisso empresarial com a manutenção do nível de emprego ou garantir que demissões coletivas não ocorressem sem discussão com o sindicato. Não obstante, as conquistas efetivas foram irrisórias, além de se verificar alguns retrocessos, a exemplo da denúncia oferecida pelo governo federal da Convenção 158 da OIT, em novembro de 1996, onze meses após o próprio governo ter requisitado sua ratificação15.
No que se refere às formas de contratação, ganha destaque o contrato por tempo determinado. Embora este formato já constasse da CLT, previa-se sua utilização apenas em situações de excepcionalidade. Em 1998, contudo, o Congresso Nacional aprovou lei que possibilitava a ampliação das formas de contratação temporária16. De acordo com a pesquisa Dieese, "suas principais determinações referem-se à redução dos custos do trabalho para contratos por tempo determinado" (Dieese, 1999: 34). Quanto a esse formato, a ação sindical expressou-se por meio de propostas de redução da utilização de mão de obra temporária ou de extensão dos "direitos constantes da convenção coletiva da categoria" aos trabalhadores com contrato temporário, além de estipular prazos máximos para a duração desta forma de contratação (Dieese, 1999: 35). Assim, diante das dificuldades em resistir à difusão das formas temporárias de contratação, os sindicatos buscavam reduzir seu impacto sobre os trabalhadores e o movimento sindical, incluindo o tema nas negociações coletivas, a fim de regulamentar o trabalho temporário. Paradigmático é o caso do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, que, em 1996, firmou convenção coletiva estipulando novas formas e condições de contratação, incluindo cláusulas minuciosas que dispunham sobre benefícios para as duas partes (Dieese, 1999: 36-37).
Outro processo referente à mobilidade da mão de obra é a terceirização. Nos anos 1990, esse processo consistiu, de um modo geral, no deslocamento de trabalhadores de grandes unidades industriais para empresas menores,
nem sempre enquadrada na mesma categoria econômica da empresa contratante e geralmente com salários e condições de trabalho inferiores (Dieese, 1999: 37).
Do ponto de vista dos trabalhadores, os principais efeitos da terceirização relacionavam-se às acentuadas diferenças de salários e direitos entre os empregados da empresa contratante e os da empresa fornecedora. Para os sindicatos, dada a segmentação da representação por categorias profissionais e as restrições à negociação coletiva intercategorias, a terceirização significava maior dispersão da representação, tendo em vista que muitas vezes os trabalhadores terceirizados saíam da jurisdição das entidades representativas da empresa tomadora de serviço (Dieese, 1999: 37). Em função das implicações da terceirização para trabalhadores e sindicatos, esses buscaram incluir em suas pautas de reivindicações mecanismos que inibissem os processos de terceirização. Contudo, as conquistas efetivas foram pouco numerosas também neste terreno (Dieese, 1999: 38).
Portanto, com base nos resultados da pesquisa Dieese, verifica-se que foram negociados vários aspectos contemplados nas dimensões apresentadas por Richard Locke e Kathlen Thelen (1998). Os sindicatos brasileiros dispuseram-se a negociar com as empresas, aceitando a inclusão de cláusulas no contrato coletivo que flexibilizavam as relações de trabalho. Diante da retração do mercado de trabalho e da acentuação do desequilíbrio de forças entre capital e trabalho, aceitaram, por exemplo, flexibilizar a jornada de trabalho, com a introdução e posterior ampliação do sistema que ficou conhecido como banco de horas. Tal postura pode ser observada tanto nos sindicatos filiados à CUT, quanto entre os que compõem as bases da Força Sindical (Lobo, 2010).
No entanto, quando essas pressões ameaçavam atingir as "leis da Nação" e mitigar a presença estatal na regulação das relações de trabalho, a parcela majoritária do sindicalismo, representada pela CUT, entidade que nasce combatendo a heteronomia sindical e toda forma de ingerência estatal nas relações de trabalho, reagia com firmeza, revelando forte apego à legislação trabalhista e sindical consolidada na CLT.
Se na esfera da negociação coletiva o comportamento dos sindicatos de diferentes confissões assemelhava-se, a flexibilização da legislação trabalhista dividia o movimento sindical. Para permanecer no âmbito das duas principais centrais sindicais, há de se considerar que a Força Sindical optou desde cedo por uma prática que considerava mais adequada aos novos tempos, apostando num sindicalismo de resultados. Assim, ainda que não se verifique a recusa a ações típicas da luta sindical - como a convocação de greves e os protestos no varejo contra determinadas iniciativas estatais -, o pragmatismo que no atacado tipifica o sindicalismo da Força Sindical a transforma numa entidade de certo modo adequada à perspectiva neoliberal absorvida pelo Estado brasileiro nos anos 1990. O apoio à política de privatizações, de flexibilização das relações de trabalho e a prioridade atribuída à qualificação profissional e à intermediação de mão de obra fazem da Força Sindical uma entidade não apenas tolerada no ambiente democrático da década de 1990, mas uma parceira do empresariado e do governo, a servir de contraponto à CUT, que rejeita firmemente a perspectiva neoliberal predominante no período17.
O episódio que talvez melhor ilustre tal resistência coincide com a tramitação no Congresso Nacional do projeto de lei n.o 5.483, de autoria do Executivo, que alterava o artigo 618 da CLT18. O projeto permitia a negociação de todos os direitos trabalhistas, desde que não contrariasse a Constituição, a Legislação Tributária e Previdenciária, as leis do FGTS e do vale-transporte e programa de alimentação do trabalhador e as normas de segurança e saúde (Nogueira, 2000: 9). Pressionado pelo empresariado19e respaldado pela Força Sindical, o presidente Fernando Henrique Cardoso ter-se-ia empenhado pessoalmente na aprovação do referido projeto, o qual fora enviado ao Congresso em novembro de 200120.
O projeto suscitou acalorados debates dentro e fora do Parlamento, contrariando as expectativas do governo que havia pedido urgência na votação da matéria21. Nos meios sindicais, enquanto a Força Sindical mostrava-se favorável, a CUT apresentou forte rejeição ao projeto, mobilizando suas bases para pressionar os parlamentares a votar contra a "reforma da CLT" (Lobo, 2010). Na acepção da CUT, como vários preceitos constitucionais são regulamentados na CLT, garantir o mínimo constitucional e transferir para a esfera da negociação coletiva a definição de certos quesitos das relações de trabalho não asseguraria a fruição de direitos. Diante de uma sociedade cindida e um parlamento de certo modo reticente, a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas teve sua votação adiada no Senado Federal, mediante a retirada do pedido de urgência suscitada pela forte polêmica em torno do projeto. Em 2003, já no governo Lula, o presidente pediu a retirada de tramitação do projeto no Senado. Em 2006 o projeto foi finalmente arquivado.
Neste episódio, observa-se, em que pese a reiterada defesa do contrato coletivo de trabalho e a adoção de uma postura de certa forma flexível dos sindicatos cutistas na esfera da negociação coletiva, que a CUT não parecia disposta a permitir que os dispositivos que regem o contrato formal de trabalho escapassem da normatividade estatal22. Fato é que o registro do contrato de trabalho em carteira esteve tradicionalmente associado à percepção de certos benefícios como aposentadorias, pensões e outros serviços previdenciários, além daqueles atinentes ao próprio regime de trabalho. A Constituição de 1988, todavia, ao estabelecer o princípio da universalização da cidadania, esmaeceu estes vínculos. Para os trabalhadores de renda mais baixa, o acesso à aposentadoria deixou de estar vinculado à contribuição passada, dado o dispositivo que garante um salário mínimo de renda vitalícia para idosos que comprovem não dispor de outras fontes de renda.
Serviços previdenciários como aqueles relacionados à saúde deixaram de estar associados ao registro do contrato de trabalho em carteira. A percepção do FGTS e da indenização em decorrência de demissão, por outro lado, permanecem vinculados à presença do contrato de trabalho formal. Entre os empresários, a flexibilização destes dispositivos foi apresentada como expediente necessário à geração de empregos. A proposta de contrato temporário de FHC permitia certa flexibilização, mas exigia sua efetivação através de acordo ou convenção coletiva. Contudo, o sindicalismo cutista rejeitou a medida. Embora tradicionalmente a CUT se apresentasse como defensora da negociação coletiva e fizesse diversas objeções à CLT, tomou os dispositivos legais existentes de proteção do trabalho como direitos básicos que escapavam à contratação coletiva. Neste sentido, permaneceu apegada à regulação estatal do contrato de trabalho.
O forte apego sindical à legislação que estrutura as relações e a própria organização do trabalho, claro na década neoliberal, já havia se manifestado nos anos 1980, período marcado por grande efervescência sindical, expressa no surgimento mesmo da CUT. Como se sabe, a CUT é herdeira do Novo Sindicalismo, movimento que irrompe na cena nacional portando a bandeira da liberdade e autonomia sindical. A CUT nasce, pois, contrária à estrutura sindical oficial, a qual se sustentava, entre outros fundamentos, no imposto e na unicidade sindical, dois institutos responsáveis por reforçar o atrelamento dos sindicatos ao Estado e, portanto, seu caráter heterônomo. No entanto, num período em que várias conquistas foram alcançadas, diante da forte pressão exercida sobretudo pelos trabalhadores organizados em sindicatos cutistas, que participavam de manifestações dentro e fora do parlamento, a CUT, promotora de boa parte dessas manifestações, não revelou o mesmo empenho quanto à extinção, por exemplo, da unicidade sindical. Com efeito, por ocasião da elaboração da Constituição de 1988, no dia da votação do projeto que previa a extinção da unicidade, não havia mais do que 20 sindicalistas nas galerias do Congresso Nacional. Além disto, a aprovação da manutenção da unicidade não foi acompanhada de fortes protestos por parte dos sindicatos filiados à CUT23. Isso nos permite trabalhar com a hipótese de que os antigos expoentes do Novo Sindicalismo se acomodaram à estrutura erigida sob o Estado Novo. Esse, não obstante as conhecidas restrições impostas às liberdades civis, constituiu o cenário em meio ao qual se elaborou um dos projetos fundadores do sindicalismo brasileiro, ligados ao trabalhismo varguista (Gomes, 1988). O poder simbólico - e material, para diversos sindicatos - de que se revestem estes elementos tem um peso tal, que nem a CUT, oriunda que é do Novo Sindicalismo - que buscou constituir na crítica do trabalhismo varguista um outro projeto fundador -, conseguiu romper com a estrutura legada pelo Estado Novo.
É curioso notar que tal apego à estrutura que pretensamente combatia era reconhecido pela própria entidade, tal como se observa, por exemplo, nas resoluções do V Congresso Nacional da CUT (1994). Segundo o documento, os delegados avaliaram que a central, que nasceu e cresceu "contra e apesar da legislação [...] não conseguiu romper com muitos dos parâmetros oficiais de organização sindical" (CUT, 1994: 26). Essa percepção se reitera em diversos outros documentos da entidade, mas a prática da CUT revela que, a despeito do discurso que informa uma postura radicalmente contrária a diversos dispositivos que regulam as relações de trabalho e a organização dos trabalhadores, a central permanecia firmemente apegada à legislação reunida na CLT.
Em síntese, a central nasceu combatendo vários dispositivos da CLT, sobretudo em matéria de organização sindical; no cotidiano revelou forte apego a essa condição de certa forma confortável dos sindicatos proporcionada pela CLT; ao passo que, no miúdo, seus sindicatos foram levados, particularmente nos anos 1990, a negociar a flexibilização das relações de trabalho, abrindo mão de direitos inscritos em lei. Neste ponto, cumpre salientar que, nesse mesmo período, os empresários intensificavam a prática da burla, diante do afrouxamento da fiscalização pelo Ministério do Trabalho, flexibilizando a frio, para usar expressão cunhada por Adalberto Cardoso, o mercado de trabalho no país (Cardoso, 2003). Mas o que cumpre reter é que, ao cabo, a postura de certo modo contraditória da CUT, expressa no divórcio entre discurso e ação, num contexto em que a lei serve cada vez menos para inibir o comportamento predatório do trabalho por parte do empresariado, revela toda a força de uma tradição que atribui ao Estado uma participação precípua na estrutura organizacional e de direitos que se constitui em fonte fundamental de identidade dos trabalhadores brasileiros. Por outras palavras, não obstante o caráter renovador do sindicalismo cutista, também no caso brasileiro - tal como se observou na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos - se revela a força da tradição.
Considerações finais
Para concluir, um primeiro aspecto a destacar diz respeito às possibilidades analíticas decorrentes da incorporação da dimensão organizativa da identidade sindical no quadro de referências de Richard Locke e Kathlen Thelen (1998). Esses autores chamaram a atenção para as semelhanças existentes no horizonte do sindicalismo norte-americano e alemão por lidarem com os temas da inclusão e da exclusão. Há elementos de identidade e distinção também na estrutura organizativa, que podem elucidar o apego a políticas diversas. Nos Estados Unidos - tal como na Alemanha - existe um sistema que também pode ser considerado dual, no âmbito do qual organizações amplas coexistem com estruturas locais. Entretanto, como estas não alcançam o chão da fábrica, entre os norte-americanos o controle sobre o processo de trabalho exige a presença de normas rígidas, ao passo que na Alemanha os conselhos de fábrica podem interferir no processo de trabalho, tornando desnecessário o apego a normas.
As dificuldades de mudança compreensiva do sindicalismo brasileiro, por seu turno, num quadro em que sua representatividade se encontrava, de certa forma, ameaçada, diante da ampliação do mercado informal, podem estar associadas à natureza da organização sindical no país e aos recursos de que pode dispor, sem que haja exigência de mobilização dos trabalhadores. Na Alemanha, em 1990, cerca de 17 milhões de trabalhadores - em 20 milhões - encontravam-se inscritos em contratos coletivos, o que confere uma importância grande aos sindicatos, favorecendo o apego dos trabalhadores a essas entidades (Daübler, 1997: 52).
Certamente no Brasil os sindicatos não têm o mesmo alcance. Ainda assim subsistem como a principal forma de organização dos trabalhadores, mesmo com a extensão do mercado informal no país, tal como se verificou nos anos 1990, e da indiferença de boa parte dos trabalhadores em relação à vida sindical.
Em todos os casos analisados, evidenciou-se a força da tradição, em que o apego a determinadas políticas que conferem identidade ao movimento sindical e às estruturas organizativas que lhe dão sustentação operam de modo inercial, a dificultar os processos de mudança que as novas situações geradas pela reestruturação capitalista estavam a exigir. No caso brasileiro, evidenciou-se que mesmo entre as correntes sindicais que construíram sua identidade sobre a crítica à regulação estatal do mundo do trabalho e à forma organizativa a ela vinculada - o sindicato único por categoria profissional -, é significativo o peso da tradição, manifesto na permanente distância entre intenção e gesto. As reiteradas proclamações quanto à necessidade de mudança na organização sindical e de estabelecimento da contratação coletiva como melhor caminho para estruturação das relações de trabalho no país associavam-se ao apego prático às entidades sindicais tradicionais e ao complexo de dispositivos presentes na CLT, tomados como o patamar de onde as contratações coletivas deveriam começar.
A paralisia revelada na efetivação das mudanças pode estar vinculada a tal esquizofrenia, pois a manutenção de um discurso que remete à necessidade de constituição de uma nova estrutura sindical fundadora por parte do sindicalismo cutista obscurece a percepção das possibilidades incrementais de mudança, nas quais as alterações na natureza do sindicalismo não exigem o esboroamento de sua identidade e de suas organizações, mas, antes, sua adaptação progressiva às novas situações criadas.
A conclusão deste artigo deveria, pois, chamar a atenção para os problemas relacionados à mudança institucional. As formulações de Richard Locke e Kathlen Thelen (1998) das quais me vali como guia, ao enfatizarem os aspectos simbólicos e institucionais que conferem identidade ao sindicalismo dos países analisados, deram destaque àquilo que estou chamando de força da tradição. Por outro lado, conquanto vinculadas à fixação de padrões de comportamento, instituições revelam maior ou menor capacidade de adaptação às pressões do ambiente e também podem mudar. Seja por iniciativa de quem as compõe, seja por desuso (quando não cumprem determinados papéis diante de mudanças no ambiente), seja por força de eventos críticos que provocam mudanças compreensivas, as instituições nascem, transformam-se e podem desaparecer.
De certa forma, a raiz da resistência à mudança vincula-se não apenas ao papel fundador de determinadas políticas e formas organizativas, mas também ao fato de elas definirem mecanismos de inclusão e exclusão. Na Suécia, a inclusão é na nação. Na Alemanha, na região e no ramo de produção. Nos Estados Unidos, num sistema de normas definido no âmbito da empresa. No Brasil, num sistema de direitos vinculado à regulamentação estatal do trabalho. Se o espaço em que os direitos podem ser exercidos se altera, muda também a via de acesso e os mecanismos de inclusão e exclusão. A indiferença dos trabalhadores para com o sindicato, além de relacionados aos processos de reestruturação, pode, de alguma forma, estar vinculada às definições de 1988, que esmaeceram a lógica do "quem tem ofício tem benefício", própria à cidadania regulada, pelo princípio dos direitos sociais da cidadania. Se for assim, o aumento da representatividade e da força dos sindicatos brasileiros talvez não se relacione mais apenas à defesa dos trabalhadores que compõem sua base, mas à participação em processos mais amplos para a expansão da cidadania e para a efetivação de políticas sociais que atendam a um universo maior de brasileiros.
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1
Em 1995, a França foi palco de uma onda de greves no setor público, durante o governo do primeiro-ministro Alain Juppé, motivadas pelo projeto de reforma da Seguridade Social e de regionalização das estradas de ferro, compreendida como um atalho à privatização das ferrovias. A greve durou cerca de 20 dias e terminou vitoriosa, assegurando a manutenção do regime de aposentadorias e congelando o projeto de regionalização das ferrovias. Ver Andréia Galvão (2001).
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2
Em 1997, a central sindical coreana KCTU comandou uma grande greve contra o pacote do governo que aumentava a jornada semanal de trabalho, instituía o contrato temporário e negava a liberdade de organização sindical. O movimento, que durou cerca de três semanas, logrou revogar o pacote governamental. Ver Hagen Koo (2001).
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3
A greve da United Parcel Service (UPS), liderada pelo Teamster Union, ocorreu em agosto de 1997 para contrapor-se ao projeto da empresa que visava retirar o sindicato da gestão dos recursos destinados às aposentadorias dos trabalhadores, bem como em favor da igualdade de direitos entre os trabalhadores em tempo parcial e os trabalhadores em tempo integral. A paralisação resultou em acordo coletivo, com o compromisso de a empresa contratar progressivamente 10 mil trabalhadores em tempo integral, de aumentar o valor das aposentadorias e de manter o sindicato na gestão dos recursos das aposentadorias. Ver Ariovaldo de O. Santos (1999).
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4
Cumpre observar como o peso dos legados institucionais tem sido enfatizado por diversas formulações que reagiram à tese da convergência neoliberal. Merecem destaque as proposições de Peter Hall e David Soskice (2001), que enfatizam como as diferentes modalidades de governança corporativa das empresas e as formas distintas de relação que estabelecem com as outras firmas, com o universo das finanças e com o mundo do trabalho em três dimensões - qualificação, relações industriais e relações com os empregados - ocupam a posição de núcleo para as variedades de capitalismo distintas, que ensejam reações diversas das empresas aos desafios colocados pela globalização, de modo a preservar vantagens institucionais comparativas. Ignácio Delgado e sua equipe (Delgado et alii, 2010) desenvolveram esta abordagem adicionando ao modelo de Peter Hall e David Soskice (2001) duas outras dimensões - a relação do empresariado com o Estado e das economias nacionais com o mercado mundial - num esforço de comparação amplo que, além de incorporar o Brasil, fornece indicações valiosas para compreender como ao ambiente institucional afeta o comportamento dos empresários, para além das determinações de mercado. O mesmo vale para o movimento sindical, como analisamos neste artigo.
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Ângela Gomes (1998) lembra que tanto os aspectos materiais como os simbólicos foram essenciais para legitimar junto aos trabalhadores as leis e instituições erigidas no Estado Novo.
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Conforme Wolfgang Daübler (1997), em 1990 a jornada de trabalho média declinou das 40 horas semanais para fixar-se em torno de 37 horas, apesar das diferenças entre os distintos ramos.
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O modelo norte-americano, institucionalizado em 1936 na Junta Nacional de Relações Industriais, estabelece que os trabalhadores, no interior das firmas, ratificam através de votação, periodicamente, os sindicatos - e seus componentes locais - que irão representá-los nas negociações coletivas junto às empresas. Criado, inicialmente, para proteger os trabalhadores diante das empresas, o recurso à ratificação periódica acabou servindo, particularmente nas décadas de 1980 e 1990, aos interesses das empresas quando dispostas a afastar representantes sindicais indesejados. (Rodrigues, 1999: 212ss).
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A CUT e boa parte das centrais sindicais menores eram contrárias à desregulamentação. Já a Força Sindical estava dividida. Embora a direção nacional defendesse abertamente a flexibilização das relações de trabalho, algumas lideranças regionais eram contrárias e chegaram a denunciar a direção nacional que teria tomado posição sem consulta à base. Ver <http://www.sindicatomercosul.com.br/noticia02.asp?noticia=8630> (acessado em 20.06.2012); <http://www2.glb.com.br/manchetes/noticias.asp?110597> (acessado em 17.06.2012).
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Reitero que, embora reconheça a presença de situações sindicais particulares, e mesmo de uma disputa permanente no interior da CUT a respeito de diversos aspectos aqui abordados, foge ao escopo deste artigo analisar essas questões, privilegiando, outrossim, a posição majoritária da CUT, veiculada nas resoluções de seus congressos e em boletins da central.
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Tal dispositivo ficou conhecido como banco de horas. Acerca das disputas em torno da jornada de trabalho no Brasil, além das análises processadas por Sadi Dal Rosso (1998, 2008) em diversas de suas obras, ver também Ana Cláudia M. Cardodo (2009). Sobre a postura da CUT, nos anos 1980 e 1990, e da Força Sindical, nos anos 1990, ver Valéria M. Lobo (2010). Sobre os resultados das negociações coletivas em torno do tema, ver Dieese (1999; 2005).
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O recurso à hora extra sempre foi largamente utilizado pelas empresas brasileiras e foi ampliado a partir da redução da jornada ordinária pela Constituição de 1988. O uso abusivo da horas extras teria sido responsável por inibir a esperada geração de postos de trabalho, que decorreria da redução da jornada ordinária para 44 horas semanais, em 1988 (Dal Rosso, 1998; Lobo, 2010). A pesquisa do Dieese (2005) demonstra que o número de assalariados na indústria da grande São Paulo que trabalhou mais que a jornada legal oscilou entre 21% em 1988 e 42,2% em 1997. No comércio estes índices foram de 43,4% e 56% e no setor de serviços correspondem a 25,6% em 1988 e 37% em 1997. A pesquisa revela, ainda, que não obstante a insistência de diversas categorias em relação à proibição ou à redução de horas extras, apenas seis das 94 categorias pesquisadas conquistaram alguma contração, obtendo aumento da remuneração com ampliação da jornada de trabalho para além da jornada legal (Dieese, 1999).
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A tendência do empresariado brasileiro em burlar a legislação trabalhista foi analisada por John D. French (2001). As razões para a elevada frequência com que os empresários evadem-se da lei são discutidas por Adalberto Cardoso (2003).
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A participação nos lucros já constava da Constituição de 1946, foi reeditada em 1967 e em 1988. Sua regulamentação só se efetivou, todavia, em 1994, tornando obrigatória sua negociação (Alvares, 1999).
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Acerca da postura das principais centrais sindicais brasileiras em relação ao tema da educação, ver Marco Santana, Donaldo Souza e Neise Deluiz (1999).
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A referida convenção estabelece a "obrigatoriedade de justificativa por escrito, por parte das empresas, dos motivos de demissões, de forma que o trabalhador tenha o direito de recorrer judicialmente, bem como a necessidade de comunicação prévia ao sindicato (Dieese, 1999: 33). Mais detalhes sobre a Convenção 158, ver <http://www.oit.org.br/convention>.
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A Lei n.o 9.601/98 definia um prazo máximo de dois anos para o contrato temporário, mas o mesmo poderia ser prorrogado indefinidamente. Sua aplicação restringia-se a situações de acréscimo de trabalhadores contratados. A substituição dos empregados em contrato por tempo indeterminado não poderia ser efetivada via contrato temporário. A quantidade de trabalhadores que se permitia às empresas empregar no contrato por tempo determinado variava de 25% a 50% do número total de empregados. Com o contrato por tempo determinado, o empregador está obrigado ao pagamento de 50% das taxas percebidas pelo Sesi, Sesc, Senai, Sebrae, Incra. A dedução referente ao FGTS era reduzida de 8% para 2% do salário. A multa de 40% do FGTS em caso de demissão ficava suspensa. Ver Mauricio Delgado (1998).
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Ver Adalberto Cardoso (1999); Patrícia Tropia (2008).
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Mais detalhes sobre o projeto, que alterava o artigo 618 da CLT, o contexto e os fatores da mudança proposta, ver <www.camara.gov.br>. O Projeto de Lei n.o 5.843, de autoria do Executivo, foi aprovado na Câmara dos Deputados no final de 2001, por 264 votos a favor, 213 contrários e 2 abstenções.
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Em novembro de 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso teria assumido pessoalmente o comando da mobilização pela aprovação do projeto de reforma da CLT na Câmara dos Deputados. Segundo matéria na Folha de S. Paulo (29.11.2001: B1), "em conversas reservadas, FHC revelou o motivo de sua insistência na votação do projeto: não quer ser mais cobrado por empresários por não ter proposto mudanças na lei trabalhista. A partir de agora, a cobrança teria de ser feita ao Congresso".
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Folha de S. Paulo, 29.11.2001: B4.
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Na esfera da sociedade civil, o projeto provocou reações diversas. Além das forças associadas ao capital ou ao trabalho, diversas entidades se posicionaram sobre o tema, a exemplo da Ordem dos Advogado do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), intelectuais etc. Folha de S. Paulo (29.11.2001: B4). Ver, ainda, Arnaldo M. Nogueira (2000: 9).
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Sobre o posicionamento de diversas entidades, patronais e de trabalhadores, a propósito do contrato coletivo de trabalho, ver José Francisco Siqueira Neto e Marco Antonio de Oliveira (1996).
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Em Armando Boito Jr. (1991, cap. II), o autor analisou o que chama de omissão da CUT em meio ao processo de votação da unicidade sindical na Assembleia Constituinte.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Aug 2016
Histórico
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Recebido
03 Nov 2014 -
Aceito
18 Maio 2015