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Menopausa: marco biopsicossocial do envelhecimento feminino

Menopause: biopsychossocial landmark of female aging

Resumos

O presente estudo é derivado da pesquisa "Gênero, Corpo e Envelhecimento em Mulheres de Meia-Idade" e versa sobre a emersão da categoria menopausa como marco biopsicossocial do envelhecimento feminino, apontada através das entrevistas realizadas pelo estudo qualitativo exploratório em questão. Tal categoria deriva da utilização da Análise de Conteúdo como metodologia para o tratamento dos dados obtidos através de um painel amostral de 47 participantes de uma mesma realidade social e cadastradas na Unidade Básica de Saúde utilizada como referência. Foi constatado que 41 das 47 entrevistadas citaram a menopausa como marcador determinante do envelhecimento, sendo que 37 o fizeram diretamente. Dessa forma, o artigo proporciona uma discussão entre o que é proposto na literatura e marcador apontado pelas participantes da pesquisa.

mulher; menopausa; envelhecimento


The present study is derived from the research "Gender, Body and Aging in Women at Middle Age" and deals with the emergence of the category menopause as a biopsychossocial landmark of female aging, indicated through the interviews conducted by the qualitative exploratory study in question. This class comes from the use of content analysis as a methodology for processing data obtained from a panel sample of 47 participants from the same social reality and registered in the Basic Health Unit used as reference. It was noted that 41 of the 47 interviewed cited the menopause as determinant landmark of aging process, and 37 did it directly. Thus, the article provides a discussion between what is proposed by the literature and the landmark pointed by the participants of the research.

woman; menopause; aging


ARTIGOS

Menopausa: marco biopsicossocial do envelhecimento feminino

Menopause: biopsychossocial landmark of female aging

Vanessa Nolasco Ferreira; Renata Silva de Carvalho Chinelato; Marcela Rodrigues Castro; Maria Elisa Caputo Ferreira

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil

RESUMO

O presente estudo é derivado da pesquisa "Gênero, Corpo e Envelhecimento em Mulheres de Meia-Idade" e versa sobre a emersão da categoria menopausa como marco biopsicossocial do envelhecimento feminino, apontada através das entrevistas realizadas pelo estudo qualitativo exploratório em questão. Tal categoria deriva da utilização da Análise de Conteúdo como metodologia para o tratamento dos dados obtidos através de um painel amostral de 47 participantes de uma mesma realidade social e cadastradas na Unidade Básica de Saúde utilizada como referência. Foi constatado que 41 das 47 entrevistadas citaram a menopausa como marcador determinante do envelhecimento, sendo que 37 o fizeram diretamente. Dessa forma, o artigo proporciona uma discussão entre o que é proposto na literatura e marcador apontado pelas participantes da pesquisa.

Palavras-chave: mulher; menopausa; envelhecimento.

ABSTRACT

The present study is derived from the research "Gender, Body and Aging in Women at Middle Age" and deals with the emergence of the category menopause as a biopsychossocial landmark of female aging, indicated through the interviews conducted by the qualitative exploratory study in question. This class comes from the use of content analysis as a methodology for processing data obtained from a panel sample of 47 participants from the same social reality and registered in the Basic Health Unit used as reference. It was noted that 41 of the 47 interviewed cited the menopause as determinant landmark of aging process, and 37 did it directly. Thus, the article provides a discussion between what is proposed by the literature and the landmark pointed by the participants of the research.

Keywords: woman; menopause; aging.

Introdução

Como apontaram Trench e Santos (2005): "Na vida das mulheres existem marcos concretos e definitivos que sinalizam diferentes fases ou passagens de suas vidas" (p. 91). Tais marcos podem ser biológicos, como acontece com a menopausa na faixa etária dos 40 aos 60 anos, e ter significados diferentes em cada cultura. No Ocidente, nos séculos XX e XXI, a menopausa é vista, como apontam as autoras, como uma etapa da vida relacionada a afecções físicas e psíquicas. Além disso, há entendimento de que a menopausa e o envelhecimento não se apresentam de forma padronizada em todas as mulheres. Cumpre ressaltar que este artigo pretende abordar esse marcador na vida da mulher que envelhece. Pode-se afirmar que a chegada dessa fase da vida, ou a passagem pelos 40 anos, é imbuída de significantes biopsicossociais. Isso ocorre porque muitas são as transformações e transições pelas quais a mulher passa nesse período.

Dessa forma, é fato que, para o gênero feminino, é impossível pensar questões acerca do envelhecimento sem refletir sobre o corpo. E, nesse aspecto, um acontecimento biológico marcante para a mulher de meia-idade é o termo popularmente conhecido como "menopausa". Silva (2006) afirmou que "o climatério e a menopausa são alguns dos processos pelos quais todas as mulheres vão passar e precisam ser compreendidos em seus sinais e sintomas" (p. 19).

O climatério, como definiu Mucida (2006), "compreende o período de transição da fase procriativa para a não procriativa, podendo iniciar-se a partir dos 35 anos, variando, para alguns autores, dos 45 aos 60 anos e, para outros, entre 50 e 65 anos" (p. 162). Nesse contexto, Silva (2006) enriqueceu a discussão sobre esse termo esclarecendo que ele advém da língua grega (kli-makter-eros), "que denota um período de vida considerado crítico" (p. 19).

A perimenopausa, que dura de dois a cinco anos, configura o momento em que o corpo feminino sofre mudanças fisiológicas que resultarão na menopausa. Basicamente, o que ocorre nesse período e culmina na menopausa é a baixa de produção do hormônio estrogênio pelos ovários e as glândulas suprarrenais, tornando a menstruação irregular, com menor fluxo do que antes e um tempo mais longo entre os períodos menstruais (Papalia & Olds, 2000).

A menopausa - interrupção fisiológica dos ciclos menstruais devido ao fim da secreção hormonal dos ovários - é o termo mais conhecido da etapa de transição da vida da mulher. Esse período é definido como "quando uma mulher para de ovular e não pode mais procriar" (Papalia & Olds, 2000, p. 434) e tem, geralmente, apontado como marco a última menstruação. Sendo assim, esse período constitui uma marca biológica e será imbuído de significantes psicossociais, o que terá especial significado nas mulheres, como apontaram os autores: "Uma mudança fundamental da meia-idade - o declínio da capacidade reprodutiva - afeta homens e mulheres de maneira diferente. Em algum momento durante esse período, a capacidade das mulheres de ter filhos chega ao fim" (p. 434).

Para a Organização Mundial de Saúde (1996), tem-se a definição desse período da seguinte forma:

A menopausa é a fase da vida da mulher que cessa a capacidade reprodutiva. Os ovários deixam de funcionar e a produção de esteroides e peptídeo hormonal diminui e consequentemente se produzem no organismo diversas mudanças fisiológicas, algumas resultantes da função ovariana e de fenômenos menopáusicos a ela relacionados e outros devido ao processo de envelhecimento. Quando se aproxima da menopausa, muitas mulheres experimentam certos sintomas, em geral passageiros e inócuos, porém não menos desagradáveis e às vezes incapacitantes (p. 1).

Mucida (2006) ressaltou que foi Charles Pierre de Gardamme, em 1816, quem primeiro utilizou o vocábulo "menopausa" para descrever a cessação de atividade reprodutora a partir do término da ovulação. De acordo com a autora, "menopausa advém do grego como conjunção das palavras mês ou regras, mais parada" (p. 162). Além disso, elucidou que, até o século XX, esse período era tido como um mistério e um tabu, tendo sido desmistificado como tal a partir de 1980, ganhando, então, o estatuto de patologia pelos efeitos hormonais relativos à produção de estrogênio como: fogacho, secura da pele, secura vaginal, irritabilidade e distúrbios do sono.

No que concerne aos mitos que cercam a menopausa, Gallagher (1993) afirmou que muitas mulheres, nos Estados Unidos, percebem a menopausa como uma transição positiva, pois veem essa passagem como uma época de novas possibilidades para a segunda metade da vida adulta. Caso seja feita uma comparação com o que é descrito por Crowley (1994) como uma antiga tradição irlandesa de recolhimento das mulheres em suas casas até a morte, há um indicativo de mudança nos significados psicossociais da menopausa, já que na antiga Irlanda a utilidade de uma mulher terminava com sua capacidade de se reproduzir.

O artigo pretende discutir a percepção das participantes da pesquisa acerca da menopausa como acontecimento significativo no processo de envelhecimento que acontece nesse período da vida da mulher e dos impactos biopsicossocias enfrentados pelo gênero feminino a partir deste marcador que instaura o último ciclo de vida no desenvolvimento do ser humano para a referida população.

Materiais e métodos

O método utilizado foi um estudo qualitativo exploratório de acordo com o modelo de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999) e a Análise de Conteúdo na perspectiva de Bardin (2009) como metodologia para tratamento dos dados utilizando procedimentos sistemáticos e objetivos de descrições de conteúdos que permitam posterior inferência de conhecimentos relativos às condições de produção dessas mensagens.

Bardin (2009) descreveu esse método como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrições do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (p. 44)

Para a realização da pesquisa, foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada, criada especialmente para a realização do estudo, composta por perguntas fechadas e três perguntas abertas, que investigam sobre dados pessoais e a representação de corpo e envelhecimento da população pesquisada.

Com vistas a compreender as representações de mulheres sobre o envelhecimento e a investigação das representações das mesmas sobre a faixa etária descrita na literatura como início do envelhecimento (Papalia, Olds, & Feldman, 2006), destaca-se a realidade social como parte importante nessa representação. Por isso o estudo foi realizado em um Centro Comunitário da cidade de Juiz de Fora/MG, tomando como ponto de partida as usuárias cadastradas na Unidade Básica de Saúde e que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: estar cadastrada na unidade de saúde, ser do sexo feminino, ter entre 40 e 65 anos e ter motivação para fazer parte do estudo.

A partir da seleção de mulheres com essas características, foi realizado um procedimento de amostragem aleatória simples, sorteando-se 50 participantes. Posteriormente, elas foram convidadas a se encontrarem com a pesquisadora responsável, que lhes forneceu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e tirou as dúvidas que surgiram. A partir da concordância em participar da pesquisa e da assinatura do termo, tais mulheres foram então consideradas sujeitos do estudo, passando-se às entrevistas, que foram pré-analisadas com posterior criação de um perfil das participantes. Em seguida, fez-se a exploração do material, através de análise, tratamento e interpretação dos resultados obtidos.

Na pré-análise, foi feita uma organização do material por intermédio de uma leitura flutuante das entrevistas, ocorrendo a familiarização com o material. Após esse procedimento, passou-se à codificação, que correspondeu à transformação dos dados em sua forma bruta em texto. Essa foi feita através de recorte, agregação e enumeração, que levaram a uma representação do conteúdo, permitindo esclarecer os indícios ou categorias (Bardin, 2009).

Concluída a etapa da codificação, fez-se a categorização, que representou a classificação de elementos constitutivos do material presente na coleta de dados em um conjunto diferenciado que, posteriormente, foi agrupado. Nas categorias, foram reunidos grupos de elementos com características comuns. Neste estudo, as categorias foram definidas pela exploração do material e agrupamento das respostas em classes explicitadas a partir do conteúdo da pesquisa. A partir disso, construiu-se um corpus de análise, o que possibilitou a elaboração dos indicadores para a discussão final.

A inferência constituiu o último procedimento do qual foi lançado mão e refletiu uma comparação entre o que emergiu da população pesquisada e o que se encontra presente na literatura e nos meios de divulgação científicos.

Cumpre ressaltar que a pesquisa em questão foi registrada no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, protocolada sob o número 1903.247.2009 e aprovada conforme o parecer número 307/2009.

Resultados

O painel amostral da pesquisa foi composto por 47 participantes entre 40 e 65 anos, com média de 53,66 anos de idade, sendo todas elas residentes na comunidade pesquisada e cadastradas na Unidade Básica de Saúde utilizada como referência para o estudo.

Após a realização da Análise de Conteúdo nas Entrevistas emergiram três principais categorias: Mulher, Corpo e Envelhecimento, as quais se desdobraram em subcategorias. Devido ao objetivo desta publicação ser a discussão da percepção das participantes da pesquisa acerca da menopausa como acontecimento significativo no processo de envelhecimento, optou-se por explorar, a seguir, as subcategorias advindas do Envelhecimento.

A categoria "envelhecimento" começou a ser expressa já quando as participantes falavam sobre sua relação com o corpo. Entretanto, um dado interessante foram as particularidades que emergiram das subcategorias: forma como as mulheres encaram o envelhecimento (natural ou complexa), perdas que se apresentam com o envelhecer (da autonomia, da saúde, sociais e da vida) e a menopausa (como um marco negativo que reflete a perda de interesse do e pelo parceiro e também depressão e tristeza).

Ressaltou-se que, para as entrevistadas, o envelhecimento apareceu como uma decorrência do ciclo de vida ou então de uma forma bem complexa, revelando paradoxos e dificuldades para encará-lo. O relato da Participante 29, de 48 anos, exemplifica a percepção do envelhecimento como um ciclo natural, enquanto o que é afirmado pela entrevistada de número 24, de 61 anos, demonstra essa visão complexa e um tanto paradoxal do envelhecer:

Ah! Eu acho que é da idade, vem naturalmente entendeu? Assim do jeito que eu vivo agora, não mudou nada pra mim não, entendeu? O meu sistema, não mudou nada do que eu fazia antes, faço agora, então não tem diferença não, continua do mesmo jeito, só mudou mesmo a idade, porque tanto trabalhei, pra ter entendeu.... ter responsabilidade em casa, não mudou nada não, continua a mesma coisa, entendeu? (Participante 29, 48 anos)

Então eu acho que a coisa que me tem, que eu fico mais apreensiva é sobre isso, que eu tenho o maior medo de ficar em cima de uma cama e depender dos outros, me orgulho, mas depender de filhos, filho dar um banho sabe, dar um prato de comida na mão, eu tenho maior medo disso, é isso que mais me apavora a vida, sobreviver, o que mais me apavora é isso aí, o resto vai levando. (Participante 24, 61 anos)

Os depoimentos refletiram uma peculiaridade constante no universo das participantes: a caracterização do envelhecimento como algo complexo, mais prevalente em entrevistadas com idade acima dos 55 anos de idade, em detrimento de uma visão do envelhecer como uma característica natural da vida, mais constante nas mulheres com faixa etária entre 40 e 50 anos de idade.

Outro aspecto que surgiu com intensidade na pesquisa foi o envelhecimento significado como um processo de perdas, as quais englobavam uma ampla gama de variáveis sinalizadas desde perdas da saúde e medo de perda da autonomia até perdas no posicionamento social, medo da morte ou a morte de pessoas com estreita relação. Fato demonstrado nos relatos que se seguem:

Ah! Eu fico com pena, igual eu te falei, eu penso assim, a não se for pra eu ficar desse jeito aí, dependendo dos outros pra tudo, igual eu falo, prefiro morrer antes de ficar assim, eu fico com dó deles, porque os filhos não têm mais paciência. Tratam de qualquer jeito, igual essa falou que a filha dela xinga ela tadinha, mas deixa pra lá. (Participante 46, 41 anos)

Ué, vai caindo, as rugas vão aparecendo, então a gente vai sentindo que as forças do corpo não é igual antigamente, que você tinha força e fazia os serviços da casa, hoje eu não tenho mais essa força entendeu? Eu faço um pouquinho de coisa, tem que deitar, sentar, porque eu não aguento mais, então e eu estou envelhecendo, entendeu com 54 anos já está, o corpo já tão dolorido, é uma coisa que a gente sente assim. ... Então é isso aí, não poder trabalhar, você ficar em casa, por conta do médico, então você tem que, então, dar, por exemplo, eu trabalhava fora, aí eu não pude trabalhar mais por causa da pressão alta, então tudo que eu fazia, eu sentia tonteira, então como que é eu trabalho numa casa, fazer as coisas e não sentir bem, então você tem que, aí a gente vai procura o médico e não dá pra trabalhar mais não, entendeu, se pudesse trabalharia, mas não consigo mais trabalhar, porque não tem condições fisicamente entendeu, não adianta querer, você quer trabalhar, mas você não consegue, porque o corpo não ajuda, é por causa do envelhecimento ué, porque aí vem a artrose do joelho, então você não consegue trabalhar. (Participante 41, 54 anos)

Ah! Sim, problema envelhece muito a gente, problemas de saúde, quando eu perdi minha mãe, nossa eu me acabei, sequei, fiquei um palito, fiquei feia, acabada, muita coisa que acaba com a saúde da gente, por isso eu falo que não vale a pena fazer regime, porque se tiver um problema, você emagrece, você acaba, se você adoecer você acaba, então eu nem me ligo pra esse negócio de regime, porque todo mundo tem problema mesmo. Um dia a gente vai emagrecer de um jeito ou de outro, querendo ou não querendo, eu cheguei a 40 quilos quando a minha mãe adoeceu, então eu acho que não faço regime, tudo eu como, não estou nem aí, eu vou levando. (Participante 44, 40 anos)

A análise dos conteúdos produzidos a partir da percepção do envelhecimento pelas participantes fez com que a menopausa emergisse como uma categoria diretamente ligada ao envelhecimento, tendo sido apontada imediatamente por 37 participantes e citada por 41 - representando um marco da chegada da mulher nessa fase da vida. Foi notável que esse período, quando citado pela população amostrada, apresentou conotação negativa ligada à perda de interesse do e pelo parceiro e como um período encarado com tristeza. As falas a seguir exemplificam os achados:

Ah!... Eu acho que da minha menopausa pra cá apareceu os problemas, perdi um filho com 21 anos de acidente, fiquei muito abalada, isso aí é que foi o fim da picada, quase que eu tive que internar.... tem 4 anos, eu quase internei, o médico falou que se eu não controlasse o meu emocional, não comesse, não bebesse, eu ia internar, aí, foi daí pra cá, daí pra cá, acabou. Toda vez que eu venho no médico eu estou com alguma coisa, de uma coisa passa pra outra. (Participante 7, 56 anos).

Não, esse marco [a chegada da menopausa], que é dos 2 meses pra cá, que eu estou sentindo essas coisas, que antes eu não sentia e achava que não ia sentir. Eu achava que não ia acontecer, mas tem uns 2 meses, é um marco dos 44 mesmo, que marcou, que está encaminhando pra, agora eu não sei o que vai ser de mim, estou aqui pensando, o que que vai, será que vai passar, será que vai passar, que vai voltar eu sei que não vai mesmo, mas e daqui pra frente o que é que vai ser, ainda estou esperando o que é que vai ser. Ah! Eu fico esperando assim, fico pensando será como é que vai ser, o que é que vai mudar no meu relacionamento, o que vai mudar mais na minha vida conjugal, agente já não fica mais junto. Relacionamento, 22 anos de casada, já mudou isso, o que é que vai mudar, vai mudar alguma coisa, eu me preocupo, entendeu? (Participante 43, 44 anos)

A partir da imersão dessa categoria, verificou-se a significação do envelhecimento, tendo a menopausa como marco e marca paradoxal e complexa, levando os sujeitos da pesquisa a lidarem com uma nova realidade psíquica, social e corporal que se apresenta após a referida etapa da vida. Também tentam ressignificar perdas tanto em suas percepções pessoais quanto no meio ao seu redor, quando se deparam com alguma situação desastrosa.

Discussão

A realidade feminina modifica-se bastante com a chegada da menopausa e com os aspectos relacionados à saúde. Isso não é diferente ao passo que "o risco de doença cardíaca das mulheres aumenta após a menopausa, tornando-se igual ao dos homens em dez anos. Uma em cada oito mulheres de 45 anos ou mais já teve um enfarte ou derrame" (Papalia & Olds, 2000, p. 440). Fato que é agravado pela menor chance de a mulher sobreviver a um enfarte, de acordo com esses autores. Nas entrevistadas deste estudo, um fato de destaque é que 68,1% das participantes realizam algum tipo de acompanhamento médico sequencial ocasionado pelas mudanças decorrentes da passagem da mulher pelo período da menopausa.

Biologicamente, o que ocorre nesse período do ciclo de vida da mulher, conforme Silva (2006), é a parada de produção do estrogênio, principal hormônio feminino, pelos ovários. Com isso, há uma modificação de funcionamento de uma série de sistemas do corpo, gerando vários sintomas, como os citados por Oldenhave, Jaszman, Haspels e Everaerd (1993), como sensações repentinas de calor que passam pelo corpo devido à expansão dos vasos sanguíneos, fenômeno que ocorre em 85% das mulheres, mas com severidade em 30%. Há outros sintomas que afetam a minoria das mulheres: queimação e prurido vaginal; infecções urinárias e vaginais; disfunção urinária causada por estreitamento dos tecidos; lentidão na excitação sexual; dor durante a relação sexual devido ao adelgaçamento dos tecidos vaginais e lubrificação inadequada; dores articulares ou musculares; dores de cabeça; insônia e fadiga. No estudo, 27 participantes (57,45%) queixaram-se das ondas de calor, enquanto outras 13 se disseram incomodadas durante a relação sexual. O discurso da Participante 40, de 57 anos, ilustra o que foi achado na pesquisa:

Ah! Por exemplo, nas baladas da vida, eu já sinto que eu já não posso mais concorrer com uma pessoa jovem, é, eu já não posso mais assim, é fazer uma noitada boa assim sabe de ficar de madrugada, transar, já não dá pra mim entendeu, porque eu, eu ia a muitos shows, esse ano mesmo eu senti que o carnaval pra mim já chegou ao fim entendeu assim, eu sempre gostei de sexo e agora incomoda, não é a mesma coisa, eu não fico do mesmo jeito. Realmente você fica com medo, porque você já não consegue mais fazer o que queria, ah!, a noite toda, então já, já é um retrocesso, já é meu limite, já não está, já não estou aguentando mais como eu aguentava, só isso.

Outra mudança importante subsequente à menopausa, apontada pelos autores, é a osteoporose - uma a cada quatro mulheres com mais de 60 anos adquire a doença. O declínio da produção de estrógeno contribui para tal quadro. Vale lembrar que quatro de cada cinco casos de osteoporose ocorrem em mulheres.

Durante e após o período da perimenopausa e menopausa, muitas mulheres adquirem peso e cintura devido ao metabolismo mais lento e maior proporção de tecido gorduroso em relação a tecido magro. O aumento significativo de peso pode acrescer o risco de morte prematura por doença cardíaca, diabetes ou câncer (The New Weight Guideline, 1995). Estudos acerca da Middle-Age Spread (1995) sugerem que o fato de engordar após a meia-idade pode estar relacionado aos baixos níveis de estrógeno. Entretanto, Kritz-Silverstein e Barret-Connor (1996), em um estudo prospectivo realizado durante 15 anos com mulheres com mais de 65 anos, não constataram qualquer relação entre o uso de estrógeno e o ganho de peso ocorrido na meia-idade.

Quanto à questão do ganho de peso, 44,68% das entrevistadas relataram algum tipo de incômodo provocado por essa modificação subsequente ao período que se inicia no climatério e termina na pós-menopausa. A Participante 17, de 48 anos, por exemplo, relatou:

Ah! Eu faço avaliação todos os dias, inclusive quando eu saio do banho. Eu tenho mania de me olhar no espelho, pra ver se eu tenho algum problema, entendeu assim, aí eu começo ver que eu dano a engordar inclusive, eu fico abilolada. Esse é um dos motivos que eu me preocupo muito comigo mesmo, preocupo muito com meu corpo. Ah! Quando eu estou engordando, eu me sinto péssima, péssima mesmo, porque eu sempre fui muito vaidosa, eu começo a engordar, eu piro. Ah! Inclusive assim sabe, porque quando eu estou engordando, a discriminação na minha casa é muito grande, porque meu marido já mexe com bebida, vêm as ofensas, eu me sinto pra baixo mesmo, então eu me preocupo comigo por causa disso, mas por mim, não por ele, porque o que vem assim, realmente uma palavra negativa te põe pra baixo, mas se você também não tem aquele impulso seu, se vai acabando na depressão, que eu tenho até medo de estar entrando por causa disso entendeu? Porque se referiu ao meu corpo eu fico doida.

Já as Participantes 3, 7 e 43, respectivamente, exemplificaram outras consequências advindas desse período, representadas por perdas na funcionalidade, alterações no peso e no metabolismo, bem como uma baixa na vontade de realizar tarefas, como mostram os seguintes trechos:

Olha, eu e meu corpo, eu sinto ele assim, no começo [gaguejou], quando eu não tinha esses problemas, era mais assim, mais feliz, tinha mais vontade de [gaguejou], de viver, agora não... a diabetes faz a gente engordar, uma hora está gorda, outra hora está magra, uma hora você está bem, outra hora você está mal... e uma hora você está aguentando o serviço, outra hora você não aguenta, então, a gente já sente velha um pouquinho, o corpo cansado [gaguejou]... modifica bastante a cabeça, o corpo da gente... aí a gente vai na menopausa também, sente esse calorão, incomoda muito a gente de noite, de dia, tem aquela onda de calor que você quase morre, eu acho que essa idade assim não é muito bom não [risos]. (Participante 3, 48 anos).

Ah! Eu acho, eu estou com 56 anos, de 46, da menopausa pra cá, pareceu de tudo em mim, apareceu a diabetes, o colesterol muito alto, pressão sem controle, a pressão é controlada através de remédio, mas mesmo assim, tem remédio que não controla ela, é do tempo, é do pensamento, vem do dia a dia, é dos problemas, se eu tiver tranquila, ela está estabilizada, se qualquer probleminha acarretar, ela vai longe, mas só depois disso da menopausa que ficou assim. (Participante 7, 56 anos)

Bom, os anos vão passando e a gente não fica a mesma coisa, as células vão morrendo, a produção de hormônio diminui, a coisa da menopausa, vem tanto problema, tanta dor, tanta coisa, vai chegando, os anos vai, cada ano você cai, é uma fase que você vive, e ainda tem a precaução. Devia ter uma preparação, para a gente suportar mais, não para a gente não envelhecer, porque envelhecer, vai envelhecer sim, mas para gente ter uma boa saúde. (Participante 43, 44 anos)

Durante esse período, como já explicitado, muitas mudanças convergem para a direção do envelhecimento. Com isso, a questão da aparência passa a ser apontada como um duplo padrão de envelhecimento, mostrado inclusive nos depoimentos acima. Uma discussão colocada por Gallagher (1993) é a de que, em uma sociedade orientada para a juventude, as rugas e a flacidez são vistas como um sinal indesejável do envelhecimento e, muitas vezes, é mais aflitiva do que as mudanças reprodutivas citadas anteriormente:

Entretanto, as mulheres são especialmente prejudicadas. No homem, o cabelo grisalho, a pele mais áspera e os "pés-de-galinha" são com frequência vistos como indicadores de experiência e conhecimento profundo; nas mulheres, eles são sinônimo de ter "passado da curva". Essas mudanças numa esposa têm maior probabilidade de afetar a responsividade sexual do marido a ela do que vice-versa. Uma vez perdida a aparência de juventude, perdeu-se também (aos olhos de muitos homens) o valor como parceira sexual e romântica. (Papalia & Olds, 2000, p. 437)

Katchadouriam (1987) atribuiu, por meio da Psicologia Evolutiva, a explicação de que tal fato ocorra devido ao impulso universal de perpetuação da espécie. Assim, uma vez que a mulher perde sua capacidade reprodutiva antes do homem, a perda da aparência jovem pode funcionar como um indicativo ao homem de que ela não é mais uma companheira desejável. Contudo, em uma sociedade em que o valor dos relacionamentos não é mensurável apenas pelo mandato biológico de reprodução, depreende-se que:

a beleza como a preservação exclusiva da juventude... torna as mulheres vulneráveis ao medo de envelhecer... As pressões sociais implacáveis para manter uma aparência elegante e jovial tornam as mulheres autoconscientes a respeito de seus corpos... [e] podem ser prejudiciais para o desenvolvimento e o senso de valor próprio das mulheres de meia-idade (Lenz, 1993, pp. 26-28).

Sobre a questão da menopausa, Beauvoir (1949/2009) acrescenta um ponto interessante a essa discussão, ao afirmar que é como se as luzes interiores das mulheres se apagassem, sobrando diante do espelho o envelhecimento. Assim, o que sucede àquela que seria a fase áurea da vida da mulher - a juventude - é a depressão. Para a autora, esse ritmo é ditado pelo organismo, mas essas alterações serão comandadas, principalmente, pela situação psicológica, ao passo que "a agitação, as ilusões, o fervor são apenas uma defesa contra a fatalidade do que foi. Novamente a angústia sufoca quem já tem a vida consumida sem que a morte a acolha" (p. 764).

Esse assunto é discutido em pesquisas científicas que debatem se a menopausa gera depressão, que pode derivar do fato de que "as mulheres nessa época estão passando por mudanças nos papéis, relacionamentos e responsabilidades" (Papalia & Olds, 2000, p. 434). Todavia, as mudanças podem ser encaradas de modos diferentes por sujeitos diferentes. Por exemplo, um estudo de Mathews (1992) mostrou que a maioria das mulheres relatava menos estresse após a menopausa. E a pesquisa de Dan e Bernhard (1989) esclareceu que, em culturas que valorizam mulheres mais velhas, menos problemas parecem estar associados à menopausa. Para Papalia e Olds (2000), "há maior probabilidade de os problemas psicológicos na meia-idade serem causados pela atitude do que pela anatomia, e principalmente pela visão negativa do envelhecimento por parte da sociedade" (p. 434).

No que concerne a essa questão levantada por Beauvoir (1990) e discutida até hoje, vale destacar os achados nos depoimentos de 11 participantes na relação entre menopausa e depressão, conforme já foi explicitado pelo relato da Participante 7 e também é destacado no discurso a seguir:

Foi a depressão que eu tive na, como é que fala, quando eu fiz a menopausa, eu tive uma depressão, a depressão ela foi assim, deu vontade de comer um franguinho com quiabo, eu fiz, olha como a depressão entra sem você notar, aí sentei na mesa, meus filhos não estavam, falei vou deixar essa janta, quando eu pus o prato e comecei a dar uma garfada, eu comecei a chorar, chorei, chorei, chorei sem motivo nenhum, aí eles chegaram o que foi mãe, o que é que foi mãe, eu falei eu quero chorar, me deixa, me deixa, me deixa, que eu quero chorar, ai me deu aquela dor no peito, ... fui no médico, foi onde eu comecei a tomar esse Diazepan, o médico falou não, você deu tipo uma depressão na menopausa e você vai ter que tomar esse calmantezinho. Eu tomo à noite, ... Mas a depressão de vez em quando, ela fica querendo me pegar, tem dia que eu acho assim, esse mundo não vale mais nada, nada não vale nada, porque que eu estou aqui, mas eu tenho muita fé em Deus, ai no mesmo tempo eu penso em Deus, tento mudar meus pensamentos e aquilo some, mas volta, e é triste. (Participante 47, 62 anos)

Sendo assim, as dificuldades da menopausa acompanham as mulheres a partir de sua irrupção; entretanto, a mulher que não se conforma com o envelhecer "lutará com unhas e dentes para os conservar; lutará também ferozmente, se seus desejos sexuais continuarem vivos" (Beauvoir, 1949/2009, p. 764).

Conforme defendeu Delanoë (2001) e pôde se perceber na apresentação de dados da pesquisa, o período de início do envelhecimento feminino se apresenta para além da esfera natural, ao passo que esse período é carregado de significantes, com forte incidência sobre as mulheres. Assim, assinalou que a menopausa é um fato social construído de maneira histórica e recente, mesmo sendo um fenômeno fisiológico da natureza humana.

Trench e Santos (2005) corroboram a hipótese até então colocada e chamam atenção para o fato de a sintomatologia associada a esse período determinado pela OMS (1996) de menopausa poder ser relativizado, uma vez que essa se desenvolverá perante parâmetros sociais, econômicos, culturais e étnicos bastante distintos. Exemplificam, com dados desse órgão, que até as famigeradas ondas de calor podem ser um sintoma muito presente em um determinado grupo de mulheres e não ser um sintoma destacado em outro grupo. Citam que 85% das mulheres norte-americanas e europeias apresentam ondas de calor, enquanto apenas 5% das mulheres da tribo dos Maias da América Central relatam tal sintomatologia.

Para as autoras, essa identificação de sintomatologia distinta pode ser verificada em uma mesma cultura, levando-se em consideração as diferenças de classe social. Um estudo conduzido por Trench (2003) com mulheres de baixa renda do litoral norte de São Paulo que utilizavam um serviço de Saúde Pública mostrou que os sintomas geralmente referidos como sendo os da menopausa, como o calor e a pressão alta, parecem estar relacionados a outros eventos que não o fim da vida reprodutiva, de acordo com as participantes. A autora ainda concluiu que a relação entre menopausa e envelhecimento não se apresenta com a mesma relevância como nos depoimentos de mulheres de classes privilegiadas, tal como mostram os estudos de Ciornay (1999), Reis (1999) e Lemos (1994). Na pesquisa, foram observados dados que corroboram o exposto por esses autores, ao passo que as ondas de calor são ressaltadas apenas nos depoimentos destacados a seguir:

Continuo, foi o que eu falei pro médico, não, então se é pra mim perder o calor, tirar o ovário pra perder o calor e não ser mulher mais, então deixa ele aí, sinto calor mas sinto tudo também, sinto vontade de tudo, porque, se tirar o ovário, a mulher não sente mais nada, então eu continuo sendo mulher, velha mas [risos], estou disposta, não estou disposta pra muita coisa, mas pra isso eu estou bem disposta [risos]. (Participante 37, 64 anos)

Ah! Pelas mudanças, assim eu por mim, eu queria ter sempre meu corpo, sempre ser eu, mas assim, nesses últimos meses agora, vindo pra cá. Estou sentindo umas coisas estranhas, uns calor estranho, umas coisas que me deixam triste, não me deixa feliz não, me deixa assim pra baixo. (Participante 43, 44 anos)

Evidencia-se, o que se vê nos dia de hoje, e pode ser confirmado pelo relato da população pesquisada, é o medo de envelhecer. Envelhecimento que, nas mulheres, ocorre de forma nítida, sucessiva e irrefreável. Assim, é fato que não é possível descartar simplesmente os efeitos das alterações hormonais, mas, da mesma forma, vale ressaltar que essas alterações não se manifestam de maneira uniforme. Desse modo, a forma como as alterações hormonais ocorrem está intimamente atrelada ao modo como cada uma percebe esse período de sua vida, por isso qualquer prescrição médica deveria atentar para o fato de que sempre no corpo menopausado reside um sujeito: "A crise da menopausa corta em dois, brutalmente, a vida feminina; é essa descontinuidade que dá à mulher a ilusão de uma "vida nova"; é outro tempo que se abre diante dela" (Beauvoir, 1949/2009, p. 764).

Percebe-se que o período entre 40 e 65 anos apresenta-se como um novo tempo para a mulher, embora o mesmo não seja valorizado perante o discurso dominante, principalmente em uma cultura que cultua o novo, o belo, o jovem, o viril, a performance, dentre outros significantes. Desse modo, o envelhecimento passa a ser uma constante ameaça, sobretudo para a mulher. Isso ocorre porque a menopausa mostrará, sem nenhum véu, o fracasso em deter o que a cultura, muitas vezes representada pela ciência, procura mostrar como promessa milagrosa de juventude eterna por meio de uma infinidade de objetos de consumo:

Quando a ciência se detém a falar da menopausa, seu discurso não almeja outra coisa: controlá-la e silenciá-la. Não obstante a reposição hormonal, controlando muitos dos efeitos da menopausa, não pode anular a incidência desse significante sobre os sujeitos. (Mucida, 2006, p. 163)

Falando em discurso da ciência, Trench e Santos (2005) defenderam que, a partir do século XX - período em que as mulheres pesquisadas nasceram e passaram a maior parte de suas vidas, tendo, portanto, várias ligações culturais com esse século -, há a apropriação do tema "menopausa" pela medicina de duas maneiras. A primeira dá-se minimizando os problemas relacionados a essa fase ao compará-la a outras fases da mulher, como a gravidez e o parto, ou buscando intervir no corpo feminino, procurando estender o ciclo menstrual através de terapias de reposição hormonal, por exemplo. Já na segunda metade do século, há um predomínio da visão intervencionista sobre o assunto: é quando o término da ovulação passa a ser visto como uma forma de morte prematura da mulher e surge a terapia de reposição hormonal prometendo uma revolução biológica no organismo feminino e fazendo às mulheres uma proposta de juventude eterna.

Dessa forma, estabelece-se a ligação menopausa/patologia. Para frisar sua proposta de eterna juventude e feminilidade, Wilson (1966), o criador da terapia de reposição hormonal, compara a relação menopausa/estrogênio com a relação existente entre a diabetes e a insulina:

Usando uma analogia grosseira, você poderá comparar a menopausa a uma doença semelhante à diabetes. Ambas são causadas pela falta de certa substância química orgânica. Para curar a diabetes suprimimos a substância ausente com insulina. Uma lógica similar pode ser aplicada à menopausa: os hormônios que faltam podem ser substituídos. (p. 20)

Essa fase intervencionista dura até a década de 1980 quando, após vários manifestos do movimento feminista, que enxergavam tais práticas como a utilização do corpo da mulher para experimentos, iniciam-se as publicações que buscam valorizar o período da meia-idade, evidenciando o quanto essa fase pode ser rica e produtiva (Trench & Santos, 2005).

Assim, na década de 1990, surge o clássico de Germaine Greer (1994) "Mulher, maturidade e mudança", que polemizou a questão com livros de autoajuda dirigidos às mulheres de meia-idade ao afirmar que não são necessárias mudanças ou intervenções para que a mulher continue a ser como antes. Além disso, criticou a mulher severamente, afirmando que ela possa estar farta de ter sempre especialistas lhe dizendo o que deve ser feito.

Apesar da publicação, em 2002, no Journal of the American Medical Association (Lacey et al.), de que a terapia de reposição hormonal poderia trazer às mulheres uma série de consequências negativas, tal como maior risco do desenvolvimento do câncer de mama, observa-se a construção de sentidos da menopausa e sua medicalização com um interesse em comum: manterem-se jovens conforme reza a cultura (Trench & Rosa, 2008):

Tal construção não só nega a alteridade e a diferença, como parte do pressuposto de que as questões relacionadas à menopausa e ao envelhecimento se apresentam igualitariamente às mulheres, independentemente das suas singularidades e inserção socioeconômica e cultural. (p. 209)

Nos dados coletados, uma das Participantes relatou fazer uso da terapia de reposição hormonal, enquanto 12 entrevistadas, o correspondente a 27,7%, já fizeram, mas interromperam a administração do remédio em decorrência dos efeitos colaterais, motivo que 34 mulheres pesquisadas (72,3%) apontaram como preponderante para não aderirem ao uso de hormônios. Esse fato pode ser exemplificado pela fala da Participante 30, de 58 anos:

Tenho amigas que fazem [reposição hormonal], e ficaram horrorosas de tão gordas, engordaram muito mesmo, por isso eu não faço, eu já sou gordinha, se eu tomar então, como é que vai ficar, não tem jeito, por isso que eu não faço reposição hormonal, tomo às vezes, às vezes, eu não tenho nem tomado, eu tomo aquele é, é extrato de amora, porque é normal, é natural, eu tomo e não engorda, e aquilo me melhorou muito, aquela caloria de, de menopausa, melhorou muito.

Conforme apontaram Valença, Nascimento Filho e Germano (2010), no gênero feminino há marcos físicos que sinalizam as fases de vida e, no caso do envelhecimento, a menopausa representa o marco, que muitas vezes se limita à valorização da mulher em sua fase reprodutiva. Com isso, há uma ancoragem da menopausa ou climatério como signo da velhice, fazendo com que a mesma seja temida por estar atrelada ao horror de não mais ser amada ou reconhecida como um sujeito em sua totalidade. E nem mesmo a reposição hormonal - promessa de postergação da entrada nessa fase - é capaz de tamponar o marco biopsicossocial que constitui a menopausa.

Assim como acharam Trench e Rosa (2008), esse estudo também permitiu apontar que a pesquisa sobre menopausa forneceu contato com os variados significados apontados ao fim da vida reprodutiva, bem como os significantes singulares. Além disso, possibilitou a proximidade com os discursos culturais e o papel desempenhado pela estigmatização da mulher menopausada e a tentativa de mascarar essa época através do discurso médico, nem sempre eficaz, representado pela terapia de reposição hormonal.

Conclusão

A menopausa constitui para a realidade entrevistada um demarcador biopsicossocial do envelhecimento, na medida em que tanto as mulheres que já haviam passado por esse período quanto aquelas que atravessavam essa fase ou ainda não tinham convivido com essa experiência indicaram que, a partir do que é vivenciado em termos de mudanças corporais, traduzidas pelas entrevistadas como envelhecimento, significantes psicossociais como a depressão e a diferenciação do olhar da cultura emergem e trazem um turbilhão de novos sentidos que precisam ser ressignificados.

Sendo assim, a experiência da menopausa, vivida no início do envelhecimento feminino, apresentou-se como um marco na medida em que é a partir desse momento que as mulheres vão lidar com a questão da decrepitude do corpo e da finitude. Desse modo, quando o envelhecimento, fisicamente, instaura-se através das transformações corporais, impõe limitações às realizações pessoais até então possíveis. É justamente nesse ponto que a chegada do envelhecimento poderá ser constitutiva de uma marca que, instaurada nas esferas biopsicossociais, exigirá da mulher uma ressignificação que lhe permite manter a alteridade e sua independência, trazendo à tona a colocação em xeque da ideia do corpo feminino como moeda, segundo aponta Beauvoir (1949/2009), ou então como capital (Goldenberg, 2007).

A partir do que foi investigado e exposto nesta pesquisa, ficou evidenciado que, no tempo da Sociedade do Espetáculo, prefere-se a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência à essência do ser. A imagem, que é tratada como sagrada, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Isto é, à medida que a juvenilização se torna dominante nas imagens da sociedade (corpo forte, belo, potente e funcional), a ilusão de ver no espelho o que socialmente se deseja ver aumenta, e o sagrado cresce aos olhos das pessoas, de forma que o acúmulo de uma ilusão é também o cúmulo da sacralização dessas imagens. Com essa visão, decresce a verdade de um corpo cuja aparência e funcionalidade já não são mais as mesmas e que fazem parte do cotidiano de qualquer uma - as imagens fundem-se, então, em um curso comum de vida. Desse modo, o que era diretamente vivido se esvai na fumaça de uma representação, de uma ilusão. E um atributo fisiológico, a menopausa, aparece como marca do envelhecimento.

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Recebido em: 17/7/2011

Revisão em: 31/01/2013

Aceite em: 15/02/2013

Vanessa Nolasco Ferreira é Psicóloga. Doutoranda em Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, na linha de Pesquisa Processos Psicossociais em Saúde. Endereço: Praça Hilda, 03. Apartamento 101. Tijuca. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. CEP 20540-050. Email: vnolascoferreira@gmail.com

Renata Silva de CarvalhoChinelato é Psicóloga. Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Salgado de Oliveira. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora na linha de pesquisa Processos Psicossociais em Saúde. Email: resilvajf@gmail.com Marcela Rodrigues Castro é Professora de Educação Física. Doutoranda em Ciência da Motricidade Humana pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: marcelarodriguescastro@hotmail.com

Maria Elisa Caputo Ferreira é Professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-Doutora e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Líder do grupo de pesquisa Processos Psicossociais e Cultura do Corpo, cadastrado no CNPq. Email: caputoferreira@terra.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    2013

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2011
  • Aceito
    15 Fev 2013
  • Revisado
    31 Jan 2013
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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