Resumo
Este artigo resulta de uma pesquisa que objetivou investigar como profissionais de uma equipe de saúde da família da cidade de Parnaíba-PI posicionam-se frente à atenção à saúde dos públicos masculinos. Buscando interlocução, sobretudo, com referências pós-estruturalistas no trato das questões envolvendo gênero, masculinidade e saúde, o estudo teve natureza qualitativa e se operacionalizou mediante observações participantes em uma unidade básica de saúde de Parnaíba-PI e de entrevistas semiestruturadas com profissionais de uma equipe de saúde da família dessa unidade. Os resultados apontam que os profissionais são atravessados por sentidos que tomam os homens do território a partir de uma visão de masculinidade hegemônica, o que reverbera nas práticas cotidianas. Ademais, há fragilidades no que concerne ao conhecimento e à efetivação da PNAISH. Quanto à relação homens-serviço, foram recorrentes discursos de culpabilização dos homens diante dos frágeis vínculos com a ESF. Contudo, foram identificados movimentos de potencialização da equipe.
Palavras-chave:
atenção básica; estratégia de saúde da família; saúde do homem
Resumen
Este artículo es el resultado de una investigación que tuvo como objetivo investigar cómo los empleados de un equipo de atención de salud de la familia posición Parnaíba-PI a través de la atención de salud de las audiencias masculinas. Buscando el diálogo, especialmente con referencias postestructuralistas en tratar con asuntos relacionados con el género, la masculinidad y la salud, el estudio fue cualitativo y práctica mediante la observación participante en una unidad básica de salud Parnaíba-PI y entrevistas semi-estructuradas con profesionales de una El personal de salud de la familia que conducir. Los resultados muestran que los profesionales están llenas de significados que los hombres toman el territorio a partir de una visión de la masculinidad hegemónica, lo cual repercute en las prácticas cotidianas. Además, existen debilidades en materia de conocimiento y realización de PNAISH. En cuanto a la relación hombres-servicio, que recurrieron culpar a los discursos de los hombres antes de los vínculos débiles con el FSE. Sin embargo, se han identificado los movimientos del equipo de empoderamiento
Palabras clave:
atención primaria; estrategia salud de la familia; salud de los hombres
Abstract
This article results from a study that investigated how a team of family health professionals in Parnaíba-PI positions themselves regarding the male public health care. The study was qualitative in nature and operationalized through participant observations in a basic health unit in Parnaíba-PI and semi-structured interviews with a team of family health employees in that unit. The data were subjected to thematic content analysis and results indicate that professionals are surrounded by meanings that conceive men on that territory from a vision of hegemonic masculinity, which then reverberates in the everyday practices. In addition, there are weaknesses regarding knowledge and realization of PNAISH. As for the men-work relationship, many were the discourses blaming men for the fragile links with ESF. However, movements of staff's appreciation were identified
Keywords:
primary care; family health strategy; men's health
Introdução
Nas últimas décadas, um número cada vez maior de psicólogos tem buscado problematizar e investigar práticas de cuidado no campo da atenção primária à saúde, agenciando processos que objetivam o rompimento das práticas hegemônicas e estigmatizadoras voltadas ao controle de indivíduos e populações (Carvalho, Bosi, & Freire, 2009Carvalho, L. B., Bosi, M. L. M., & Freire, J. C. (2009). A prática do psicólogo em Saúde Coletiva: um estudo no município de Fortaleza (CE), Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(1), 60-73.; More, Leiva, & Tagliari, 2001More, C. O. O., Leiva, A. C. E, & Tagliari, L. V. A. (2001). Representação social do psicólogo e de sua prática no espaço público-comunitário. Paidéia, 11(21), 85-98.; Spink & Matta, 2007Spink, M. J. & Matta, G. C. (2007). A prática profissional PSI na saúde pública: configurações históricas e desafios contemporâneos. In M. J. Spink (Org.), A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica (pp. 25-51). São Paulo: Casa do Psicólogo.).
Nessa direção, as experiências docentes e discentes vivenciadas nos estágios profissionalizantes, ligados à ênfase de Psicologia e Saúde Coletiva, do curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), campus de Parnaíba-PI, têm propiciado importantes conexões entre universidade, serviços de saúde e comunidades, de modo que as questões atinentes ao cotidiano dos serviços e dos territórios passem a figurar no bojo das reflexões e intervenções acadêmicas, tensionando-as e deslocando-as.
Nos anos de 2012 e 2013, ao longo da vivência dos estágios em Psicologia ligados à ênfase supramencionada, que se direcionava a questões de saúde mental na atenção primária, um dos aspectos mais intrigantes referia-se a certa invisibilidade dos públicos masculinos na atenção primária e à dificuldade dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de desenvolverem ações junto a tais segmentos no território de abrangência. De acordo com os preceitos do SUS, a ESF se configura como uma maneira de organizar e efetivar as práticas de atenção primária à saúde, por meio da territorialização, responsabilidade sanitária e longitudinalidade do cuidado, tendo como foco a família e a comunidade, na integração com outras organizações sociais e outros espaços de construção de cidadania que atuam no território adscrito (Andrade & Simon, 2009Andrade, J. F. S. M. & Simon, C. P. (2009). Psicologia na atenção primária à saúde: reflexões e implicações práticas. Paideia, 1943), 167-175. ; Portaria nº 1.996, 2007Portaria GM/MS n. 1.996de 20 de agosto de 2007. (2007). Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Saúde.).
No ano de 2008, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), salientando sua finalidade principal de facilitar e ampliar o acesso da população masculina aos diversos serviços de saúde. Nesse sentido, a PNAISH, em conjunto com a Política Nacional de Atenção Básica, destina-se a homens com idade entre 25 e 59 anos, com ações mais humanizadas e articuladas. Com a referida política, o Ministério da Saúde objetiva estimular o autocuidado e o reconhecimento do direito social e da cidadania dos homens que compõem este grupo (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde. (2008). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Princípios e Diretrizes). Brasília, DF: Autor.).
Diante de tal panorama, o presente artigo busca relatar uma pesquisa cujo objetivo principal foi compreender como profissionais da ESF, no contexto de Parnaíba-PI, posicionam-se frente à atenção à saúde dos públicos masculinos. Como objetivos específicos, intentou-se: (a) conhecer como os profissionais percebem a PNAISH e que concepções produzem sobre saúde de populações masculinas; (b) compreender como os profissionais da ESF entendem a sua prática no que se refere aos públicos masculinos, bem como a relação desses públicos com o serviço de saúde; (c) problematizar desafios e potencialidades em seus cotidianos de trabalho frente aos públicos masculinos. Para tanto, o debate aqui proposto buscou interlocução com referências pós-estruturalistas e com a psicologia social no trato das questões envolvendo gênero, masculinidade e saúde.
Neste artigo, "saúde do homem" é abordada na sua posição de problema. Isso implica compreender diagramas de saber-poder, movimentos, tensões e linhas de força que colocam determinadas compreensões do homem e do masculino na constituição da atenção à saúde desenvolvida no âmbito da estratégia de saúde da família.
Dessa maneira, este texto traz consigo a intenção de contribuir com a identificação e problematização de práticas instituídas no campo da atenção primária à saúde, destacando entraves e potencialidades na relação serviço-profissionais-usuários, especialmente no tocante ao acolhimento das demandas masculinas e ao cuidado integral a esses usuários.
Gênero e o estudo sobre masculinidades: implicações para o campo da saúde
Segundo Pereira (2009Pereira, A. K. D. (2009). Saúde do homem: até onde a masculinidade interfere [Trabalho completo]. In Anais do II Seminário Nacional - Gênero e Práticas Culturais - Culturas, leituras e representações (pp. 1 -8). João Pessoa: UEPB.), a categoria gênero, que constrói propriedades culturais aos sexos a partir de uma perspectiva relacional, pela qual masculinidades e feminilidades produzem espaços simbólicos desencadeadores de subjetividades, está profundamente articulada com outros marcadores sociais, como cor/raça, classe, geração, etc. O entrecruzamento de diferentes marcadores é importante para a análise que leva em conta a pluralidade de experiências masculinas e suas articulações com a equidade de gênero no campo da saúde. Butler (2008Butler, J. (2008). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) frisa que o processo de generificação dos corpos se dá desde o início de sua existência social. No entender de Santos (2013Santos, H. B. (2013). Um homem para chamar de seu: uma perspectiva genealógica da emergência da Política Nacional de Ação Integral à Saúde do HomemDissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., p. 12), "isso aponta para a conclusão de que gênero não é algo que alguém é, é algo que alguém faz em ato ... um fazer em vez de um ser".
Schraiber, Gomes, e Couto (2005Schraiber, L. B., Gomes, R., & Couto, M. T. (2005). Homens e saúde na pauta da saúde coletiva. Ciência e Saúde Coletiva, 10(1), 7-17.) afirmam que gênero deve ser percebido como um fator de grande importância no padrão dos riscos de saúde nos homens. Mas, como formular políticas sem compartimentalizar processos de saúde-doença e sem limitar masculinidades e feminilidades a identidades fixas? De que modo desenvolver políticas públicas para os segmentos masculinos que não recaiam na oposição tradicional e binária entre "homem" e "mulher"? (Couto & Gomes, 2012Couto, M. T. & Gomes, R. (2012). Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2569-2578.)
De acordo com Machin et. al (2011Machin, R., Couto, M. T., Silva, G. S. N., Schraiber, L. B., Gomes, R., Figueiredo, W. S. et al. (2011). Concepções de gênero, masculinidade e cuidados em saúde: estudo com profissionais de saúde da atenção primária. Ciência & Saúde Coletiva, 16(11), 4503-4512.) e Knauth, Couto, e Figueiredo (2012Knauth, D. R., Couto, M. T., & Figueiredo, W. S. (2012). A visão dos profissionais sobre a presença e as demandas dos homens nos serviços de saúde: perspectivas para a análise da implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2617-2626. ), historicamente, as políticas de saúde no Brasil têm privilegiado ações materno-infantis. Todavia, esse direcionamento foi alvo de críticas pelo movimento feminista, que, no final da década de 1970, começou a demandar a ampliação das ações governamentais no que diz respeito à saúde da mulher, contrapondo-se ao modelo dominante, mediante, por exemplo, a discussão sobre as implicações dos padrões de gênero para a saúde.
A partir das lutas de grupos como movimentos feministas e movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), a questão da desigualdade em função do gênero ganhou realce na construção de políticas públicas no campo da saúde (Couto & Gomes, 2012Couto, M. T. & Gomes, R. (2012). Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2569-2578.). Assistimos, pois, a um aprofundamento de tal perspectiva de gênero da década de 1960 até os dias atuais. Efeito desse processo foi a mudança nas denominações de "estudos dos homens" para "estudos de masculinidades" (Schraiber et al., 2005Schraiber, L. B. (2005). Equidade de gênero e saúde: o cotidiano das práticas do Programa de Saúde da Família do Recife. In W. Villela & S. Monteiro (Org.). Gênero e saúde: Programa Saúde da Família em questão (pp. 30-61). Rio de Janeiro: Abrasco.). Eis um ponto central das discussões teóricas a que este trabalho se filia. Ao invés de um discurso metanarrativo sobre "o" homem, tem-se diferentes masculinidades, sendo possível falar em formas hegemônicas e subordinadas, já que são baseadas nas posições de poder e no desenvolvimento das diversas relações com outras masculinidades (Medrado, 1997Medrado, B. (1997) O masculino na mídia: repertórios sobre masculinidade na propaganda televisiva brasileira. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, SP. ).
Vigoram, não obstante, uma variedade de nomenclaturas para abordar os homens na saúde: "saúde masculina", "saúde do homem", "política de atenção integral em saúde para homens," "política de saúde do homem". Conforme Couto e Gomes (2012Couto, M. T. & Gomes, R. (2012). Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2569-2578.), isso traduz um cenário complexo que suscita uma gama de indagações: de que homem se está falando no campo da saúde? Que discursos são produzidos a partir do surgimento de uma política de saúde para homens e a partir das tentativas de efetivá-la no cotidiano dos serviços de saúde, especialmente no campo da atenção primária?
Como representou o Ministério da Saúde (2008), de cada três adultos que morrem no Brasil, dois são homens. Figueiredo (2005Figueiredo, W. S. (2005). Assistência à saúde dos homens: um desafio para os serviços da atenção primária. Ciência e Saúde Coletiva, 10(1), 7-17.) acrescenta que os maiores índices de mortes ocorrem neste grupo, principalmente por meio de doenças cardiovasculares e neoplasias malignas. Já Gomes e Nascimento (2006Gomes, R. & Nascimento, E. F. (2006). Produção do conhecimento sobre a relação homem-saúde. Caderno de Saúde Pública, 22(5), 901-991.) apresentam que os homens morrem em maior quantidade que as mulheres, atribuindo isso a duas questões: (a) os modelos de masculinidade hegemônica podem acarretar comprometimentos para a saúde; (b) os homens são os principais atores de violência, inclusive contra eles mesmos.
Por meio de uma perspectiva genealógica sobre a PNAISH, referenciada nos estudos foucaultianos, Santos (2013Santos, H. B. (2013). Um homem para chamar de seu: uma perspectiva genealógica da emergência da Política Nacional de Ação Integral à Saúde do HomemDissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.) lança a seguinte pergunta: quem é o homem que a Política Nacional de Atenção Integral à saúde do homem (PNAISH) chamará de seu? Além disso, sua pesquisa confere visibilidade à produção social das distintas figuras do masculino moralmente hierarquizadas na história da saúde brasileira, afirmando que masculinidades sujeitadas pelas ações eugênicas no país adquiriram estatuto social infame. O próprio trabalho de Santos (2013) exibe uma rica discussão acerca dos principais movimentos de produção de masculinidades no Brasil sob o jugo de práticas de medicalização dos corpos, ao mesmo tempo que mostra como a política em vigor atualiza algumas dessas estratégias, respaldando enunciados que, por vezes, culpabilizam sujeitos.
Decerto, os homens não passaram a ser alvo de estratégias biopolíticas somente com a emergência da PNAISH. Cumpre, então, contextualizar os jogos de força que atuam no processo de medicalização do corpo masculino. Ao discutir o biopoder como um de seus operadores conceituais, Foucault (2008Foucault, M. (2008). Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes.) elucida como o poder foi tomando como alvo a vida e a saúde, a partir do final do século XVIII e início do século XIX. A biopolítica implica transformações das tecnologias de poder com vistas a governar não somente indivíduos, mediante operações disciplinares, mas também a população de um modo geral, como foco de preocupação política, por meio de regras de higiene, sexualidade, alimentação, etc. Sob o aporte dos estudos foucaultianos, Rose (2013Rose, N. (2013). A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus. ) salienta que as tecnologias biomédicas na contemporaneidade, mais do que tão-somente tratar doenças, visam gerenciar processos vitais.
Percurso metodológico
Natureza e local do estudo
A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa e sua operacionalização empírica foi desenvolvida junto a uma ESF no município de Parnaíba-PI. Tal escolha se justificou, uma vez que foi nesses locais que se realizaram os Estágios Profissionalizantes na ênfase em Saúde Coletiva do curso de Psicologia, no ano de 2012 e 2013.
Participantes e procedimentos de produção e registro dos dados
Participaram da pesquisa os profissionais de uma das equipes da ESF- Módulo 08 da cidade de Parnaíba-PI, sendo eles: um (01) médico, uma (01) enfermeira, uma (01) técnica em enfermagem e duas (02) Agentes Comunitárias de Saúde (ACS). Quanto aos procedimentos de produção dos dados, foram realizadas, durante três (03) meses, observações participantes do cotidiano do serviço, além de entrevistas semiestruturadas com os profissionais.
Para tal, foi utilizado um roteiro de questões contemplando pontos como: percepções sobre saúde dos homens, a PNAISH e as diferenças na atenção ao homem e à mulher, avaliação da relação usuários-profissionais, demandas mais frequentes apresentadas pelos públicos masculinos, dificuldades/desafio no cotidiano e possibilidade para o cuidado aos públicos masculinos.
A pesquisa foi conduzida dentro de padrões éticos exigidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa / Conselho Nacional de Saúde / Ministério da Saúde (CONEP/CNS/MS) no que diz respeito à pesquisa empírica com seres humanos. Desse modo, os profissionais que participaram firmaram seu consentimento para a realização da pesquisa a partir de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPI.
Análise de dados
A Análise de Conteúdo Temática foi utilizada com base na proposta de Bardin (2004Bardin, L. (2004). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições Setenta.) dentro de cinco (05) etapas operacionais: constituição do corpus, leitura flutuante, composição das unidades de análise, codificação e recorrentes, categorização e descrição das categorias. Este processo é caracterizado por sistematizar e descrever as mensagens abrangendo tanto suas significações explícitas como as implícitas, apresentando uma interpretação de acordo com aspectos extradiscursivos, partindo de eixos temáticos dentro de um contexto totalizante. As respostas dos participantes foram organizadas em cinco (5) categorias, as quais serão analisadas e discutidas na próxima seção deste artigo.
Análise e discussão dos resultados
A tal "saúde do homem": práticas discursivas entre profissionais da saúde da família
Intrigávamos a delimitação da problemática "saúde do homem" como objeto de uma nova política pública específica. Acerca das concepções sobre a propalada "saúde do homem", emergente na PNAISH, o profissional 01 relata que "a saúde do homem é o completo bem-estar físico, mental e social do homem, então, pra ser saúde do homem, ele deveria estar bem fisicamente, socialmente e mentalmente. Mas são raros os homens que vivem assim". E o profissional 03 enfatiza que "saúde do homem é o cuidado do corpo, o cuidado da mente, é o homem procurar sempre se cuidar mais. Cuidar mais da saúde, tanto na questão física quanto na saúde de um modo geral ... cuidar mais da mente ... é ele procurar se cuidar".
Qual se vê, um primeiro ponto a ser analisado é que a noção de "saúde do homem" que atravessa tais práticas discursivas alude à noção de saúde da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1946World Health Organization - WHO. (1946). Constitution of the World Health Organization. BasicDocuments Genebra: Autor.), que percebe a saúde como um perfeito equilíbrio. De acordo com Caponi (2009Caponi, S. (2009). A saúde como abertura ao risco. In D. Czeresnia & C. M. Freitas (Orgs.), Promoção da Saúde - conceitos, reflexões e tendências (pp. 59-82). Rio de Janeiro: Fiocruz.), saúde não pode ser reduzida às noções de equilíbrio e completo bem-estar, já que implica a capacidade de instituir novas normas. Assim, a problematização que recai sobre essas noções de "saúde do homem" não difere das interpelações feitas ao conceito de saúde da OMS.
Entretanto, em contraponto à concepção que vincula "saúde do homem" ao equilíbrio biopsicossocial, o Profissional 04, por exemplo, relata que "saúde do homem é poder se movimentar, é poder se manter, é poder viver com dignidade". Desse modo, tais questões, como defende Couto (2009Couto, A. L. S. (2009). Ideologia neoliberal e política social: a construção da resistência do SUS. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade de Brasília, Brasília, DF.), ratificam que a saúde e a doença relativas aos públicos masculinos são signos polissêmicos.
Dentro das possibilidades de entender uma visão mais abrangente, Caponi (2009Caponi, S. (2009). A saúde como abertura ao risco. In D. Czeresnia & C. M. Freitas (Orgs.), Promoção da Saúde - conceitos, reflexões e tendências (pp. 59-82). Rio de Janeiro: Fiocruz.) defende que a saúde passa a estar atrelada eminentemente ao movimento de produção de vida, em sua potência de variação, e de possibilidades de ação. Nossa posição, portanto, é de que tal noção pode ser bastante produtiva em se tratando da atenção à saúde das populações masculinas no âmbito da atenção primária.
O segundo ponto a ser analisado é que determinadas práticas discursivas sobre uma suposta "saúde do homem" reportam-se a percepções compartilhadas por alguns profissionais da ESF acerca de possíveis diferenças entre homens e mulheres quanto à atenção à saúde. Isto é, há, por meio de alguns tratos dessa questão no cotidiano da atenção primária, a reprodução de uma marca cultural que posiciona, de maneira binária, "masculino" e "feminino", reforçando uma suposta essencialidade masculina (Borges, Canuto, Oliveira, & Vaz, 2013Borges, L. S., Canuto, A. A. A., Oliveira, D. P. & Vaz, R. P. (2013). Abordagens de gênero e sexualidade na Psicologia: revendo conceitos, repensando práticas. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), 730-745. ; Louro, 2010Louro, L. G. (2010). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes.). Na esteira dessa binarização, é comum a naturalização do discurso segundo o qual "o homem só procura o serviço com problemas graves ou quando estão impossibilitados de trabalhar" (Profissional 03).
Sobressaem-se, dessa forma, posicionamentos dos profissionais entrevistados segundo os quais as mulheres se cuidam mais, o que justificaria a predominância feminina nos serviços da atenção primária e a consequente centralidade da mulher nessas políticas. As concepções de feminino ligadas às práticas de cuidado à saúde e, por sua vez, de masculino referente ao "não-cuidado" estão constantemente presentes no serviço de saúde estudado. Assim, foi possível endossar estudos como o de Figueiredo (2008Figueiredo, W. S. (2008). Masculinidade e cuidado: diversidade e necessidades de saúde dos homens na atenção primária. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo.), conforme o qual existem estereótipos relacionados aos gêneros que se atualizam nas práticas profissionais no campo da atenção primária à saúde. Isso fica claro nas seguintes falas:
A maioria das mulheres toma medicamento direito, elas estão praticamente toda semana na Unidade de Saúde fazendo os exames regularmente, menos de três meses elas já estão fazendo exame com mais exame e procura um médico, procura outro, apareceu uma coisa aqui, vem logo mostrar. (Profissional 01)
O homem a gente tá dizendo pra ele o que tem que fazer e eles não fazem, tem uns que nem o remédio vêm pegar, a mulher é que vem pegar pra ele. Alguns vêm porque a mulher insiste pra fazer exames, check-up, vacina ,eles vêm quando acontece alguma coisa, ou se cortou ou se furou ou vai viajar e é obrigado a usar vacina, mas é mais pra consulta. (Profissional 02)
Diante da concepção de que os homens não se cuidam, bastante reiterada como algo natural nas entrevistas, propomos a seguinte provocação: de que maneira as políticas de saúde, na condição de produções culturais, também corroboram para a construção dessa identidade masculina associada ao "não cuidado"? Tais questões emergentes na estratégia de saúde da família evidenciam como o enunciado de que o homem não cuida de sua saúde é parte de uma gama de estratégias biopolíticas que marcam a produção social de masculinidades inscritas na história das práticas de saúde no Brasil (Santos, 2013Santos, H. B. (2013). Um homem para chamar de seu: uma perspectiva genealógica da emergência da Política Nacional de Ação Integral à Saúde do HomemDissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). No tocante a isso, Couto e Gomes (2012Couto, M. T. & Gomes, R. (2012). Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2569-2578.) ressaltam que o documento da PNAISH carrega a marca do uso retórico das informações de morbimortalidade que contribuíram para a criação de uma percepção vitimária dos homens, em que este sujeito necessita de privilégios ou atenção especial.
De acordo com o Ministério da Saúde (2008Ministério da Saúde. (2008). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Princípios e Diretrizes). Brasília, DF: Autor.), existe, na prática cotidiana de muitos serviços de atenção primária, uma segmentação da clientela, destacada a partir da efetivação de diversas atividades que envolvem o programa de saúde da mulher, em contraposição às poucas ou nulas atividades voltadas para a atenção aos homens, especialmente aos adultos jovens e em idade reprodutiva. Isso amplia a histórica segmentação dos programas mediante distinção da clientela, tais como idosos, hipertensos e/ou diabéticos, e agrava ainda mais a perspectiva da integralidade.
Schraiber (2005Schraiber, L. B. (2005). Equidade de gênero e saúde: o cotidiano das práticas do Programa de Saúde da Família do Recife. In W. Villela & S. Monteiro (Org.). Gênero e saúde: Programa Saúde da Família em questão (pp. 30-61). Rio de Janeiro: Abrasco., p. 53), em pesquisa realizada na atenção primária, observou que:
A baixa frequência de homens no serviço é atribuída à resistência por parte deles, não sendo reconhecida sua inclusão no atendimento e nas ações educativas ou comunitárias do programa como uma questão da estratégia e proposta assistencial. As ações preventivas são dirigidas quase exclusivamente às mulheres, restringindo-se a assistência aos homens à dimensão curativa da atenção.
Não obstante, alguns profissionais identificam a existência de homens, no território de abrangência das equipes de saúde da família, que exercem significativo autocuidado:
Eles estão procurando mais consulta médica, eles estão procurando mais atividade física, estão procurando se cuidar melhor, os homens antigamente nem andavam atrás de médico, fazer exames, estão fazendo mais exame da próstata. Digamos, o homem antigamente, puxando para o lado sexual, quando tinha um problema, ainda hoje é assim, mas eles estão com a mente mais aberta, quando tinha um problema sexual, ele procurava esconder. Hoje não, hoje ele vai mais ao médico, se precisar do acompanhamento de um psicólogo, ele vai atrás também.(Profissional 03)
Isso reitera a relevância de se pensar, nas práticas de saúde no campo da atenção à saúde, em uma multiplicidade de masculinidades possíveis, considerando o caráter histórico da produção de subjetividades.
Afinal, como os profissionais de saúde da família compreendem a PNAISH?
Como já assinalado, a Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem (PNAISH) tem como principal local de atuação a atenção primária mediante práticas que visem à promoção e prevenção de saúde por meio do acesso e do vínculo com os usuários. Tais práticas podem proporcionar um trabalho contínuo de sensibilização com vistas a uma maior percepção em relação às necessidades de saúde dos públicos masculinos, com atenção integral e trabalho interdisciplinar. Os homens com idade entre 25 e 59 anos, correspondendo a 41,3 % da população masculina brasileira, passaram a ser foco das políticas e ações em saúde a partir da PNAISH, que desenvolveu estratégias em conjunto com a Política de Humanização na Atenção Básica (PHAB) com o intuito de efetivar os princípios da equidade, igualdade, participação comunitária, humanização, redes de ações e outros (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde. (2008). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Princípios e Diretrizes). Brasília, DF: Autor.).
Contudo, no contexto da pesquisa de que resulta este artigo, alguns profissionais demonstram ainda pouco conhecimento sobre a política:
Ouvi falar na faculdade, tivemos uma área que deu uma noção e também aqui na Unidade a gente discute de vez em quando ... a gente está tão acostumada a ver só criança, mulher, criança, mulher, criança, mulher, que quando chega na parte do homem é complicado pra eles e chega a ser complicado também pra gente falar nessa política. (Profissional 04)
Alguns pesquisadores se posicionam criticamente sobre a PNAISH, dentre eles Couto e Gomes (2012Couto, M. T. & Gomes, R. (2012). Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2569-2578.). Esses autores afirmam que a discussão oficial sobre "saúde do homem" é atravessada por condições normalizadoras de cuidados e prevenções a partir de características pontuais como a negação do álcool, cigarro, sedentarismo e busca cada vez frequente por exames e consultas médicas, existindo assim uma padronização das condutas, das possibilidades e dos estilos de vida (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde. (2008). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Princípios e Diretrizes). Brasília, DF: Autor.).
Pode-se associar a demonstração de escassos conhecimentos sobre a política à pouca divulgação da PNAISH e à necessidade de Educação Permanente quanto a isso, como demonstrou o profissional 02:
Na época em que foi lançado, foi falado um pouco, mas eu não me aprofundei muito sobre a política de saúde do homem, mas sei que engloba, como vários programas do Ministério da Saúde, tudo que diz respeito ao homem, a saúde, o bem-estar, o acesso à política do SUS, a integralidade, a universalidade e a equidade. (Profissional 02)
Por outro lado, os entrevistados foram questionados acerca das possibilidades e limites de concretização da política, tendo em vista o contexto do trabalho da ESF. A esse respeito, é bastante ilustrativa a seguinte consideração:
A política é muito positiva, mas é aquela história, como todos os programas que existem no Ministério, é muito bonita, as diretrizes são ótimas, mas quando vai colocar na prática, nem sempre funciona como deve. Porque as coisas faltam, o que deve ter lá a gente não recebe, não tem um apoio. Então, a política, o programa, as diretrizes é perfeito, mas nem sempre é desenvolvido como deve. (Profissional 02)
Face ao exposto, lançamos a seguinte interrogação: será que a PNAISH, da maneira como está estruturada e vem sendo efetuada, tem condições, de acordo com os padrões de masculinidade em que se sustenta, de assistir os públicos masculinos em sua multiplicidade? (Medrado, Azevedo, & Lyra, 2008Medrado, B., Azevedo, M., & Lyra, J. L. C. (2008). Rompendo barreiras culturais, institucionais e individuais no cuidado infantil: Pai não é visita! Pelo direito de ser acompanhante [Trabalho completo]. In Anais do Seminário Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder (pp. 1-8). Florianópolis: UFSC/Editora Mulheres.).
Práticas de cuidado e relação da ESF com os públicos masculinos
Ao longo da pesquisa, podemos perceber que a ESF pesquisada tende a oferecer um atendimento predominantemente ambulatorial a esses públicos, como evidencia a seguinte fala:
O que a gente faz atualmente eu não posso dizer que é muita coisa não, porque o nosso atendimento aqui é ambulatorial e a gente não faz muita coisa, além disso, não. Tem até algumas coisas previstas pra gente fazer, com relação à promoção à saúde, mas em relação ao homem especificamente, não. ... Algo tem que ser feito! Difícil, viu? Não sei te dizer, como nosso atendimento se resume muito ao ambulatório, a gente trabalha muito por demanda espontânea. (Profissional 05)
Como a equipe parte do princípio de que os homens só procurarão o serviço quando estiverem com agravos consideráveis, os profissionais mantêm a prática ambulatorial, ao passo que não aprofundam os vínculos e os conhecimentos sobre os homens, mediante ações no território. Quando estas atividades existem, são pontuais, sendo raras as atividades de promoção e prevenção, como recomendam Knauth et al. (2012Knauth, D. R., Couto, M. T., & Figueiredo, W. S. (2012). A visão dos profissionais sobre a presença e as demandas dos homens nos serviços de saúde: perspectivas para a análise da implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2617-2626. ). Conforme mencionou o profissional 01:
Na minha prática, faço orientações sobre fatores de risco para doenças crônicas, importância do uso de medicação, aferição da pressão arterial, glicemia. Na equipe ainda não foi desenvolvida uma ação específica voltada para o público masculino. Às vezes é difícil a gente montar uma ação educativa, uma atividade programada porque a gente não tem apoio. Até as visitas domiciliares são mais para os homens acamados, que chegam a ser idosos, quanto aos outros que podem vir ao posto.
De acordo com as entrevistas e as observações participantes no contexto da pesquisa, não existem ações específicas para o cuidado dos homens. Há, no que tange a isso, uma questão controversa que permeou as entrevistas com a maioria dos respondentes membros da equipe: a proposta, já desenvolvida em outras unidades de saúde, de um dia específico para o atendimento às demandas masculinas. Alguns profissionais se colocaram contrários a tal proposta:
Existe em outras Unidades um dia específico para a saúde do homem, mas eu já fiz estágio nessas Unidades e é muito pouca a demanda. Era mais uma forma de incentivo pra eles irem pra Unidade, pra quando eles chegassem à Unidade, só tivesse homem. Mas homem, quando encontra outro homem, ficam ainda mais acanhados, com medo da pessoa saber o que ele tem, eles querem aguentar até o último momento. (Profissional 01)
No momento a gente não está fazendo nada, alguns postos de saúde fizeram o dia de saúde do homem, aqui a gente nunca fez, mas nem era mesmo pra fazer, porque acaba que gera uma confusão, "porque se eu sou homem e hoje eu venho no dia da gestante, então eu não sou atendido e não venho mais". Então pra não perder esse paciente a gente nunca botou dia, mas alguma demanda específica para o homem infelizmente não tem.(Profissional 02)
Sobre a possibilidade de estruturar o atendimento dividindo demandas por dias da semana, Couto et al. (2010Couto, M. T., Pinheiro, T. F., Valença, O., Machin, R., Silva, G. S. N., Gomes, R. et al. (2010). O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in) visibilidade a partir da perspectiva de gênero. Interface - Comunic., Saúde, Educ., 14(33), 257-270.) detectam que é constante a construção da concepção de gênero a partir da ausência do homem nos serviços de saúde, muitas vezes unicamente atribuída ao próprio descuido deste usuário e não à história dos serviços e das políticas. Sustentamos que, para além de normas predeterminadas de funcionamento, devem ser objeto de problematização constante as práticas de cuidado da equipe, as relações existentes entre a ESF e os públicos masculinos, refinando, por conseguinte, olhares sobre os agenciamentos coletivos produzidos no território e nas práticas de cuidado, com vistas à produção de processos de singularização a partir das práticas de saúde.
Couto et al. (2010Couto, M. T., Pinheiro, T. F., Valença, O., Machin, R., Silva, G. S. N., Gomes, R. et al. (2010). O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in) visibilidade a partir da perspectiva de gênero. Interface - Comunic., Saúde, Educ., 14(33), 257-270.) relembram que características supostamente intrínsecas ao "masculino", como sensação de invulnerabilidade e pouca adesão às praticas de saúde, principalmente de prevenção, fazem parte do cotidiano dos serviços pelos profissionais e pelos próprios usuários. Tal questão foi evidenciada ao longo das observações participantes, o que findava por cronificar as equipes e os espaços de cuidado, reiterando desigualdades sociais, invizibilizando as demandas de diversos homens e reforçando o estereótipo de que os serviços de atenção primária são espaços feminilizados.
Um ponto frequente tanto na literatura quanto nas dificuldades da ESF pesquisada diz respeito aos horários de atuação da equipe, sobretudo dos ACS, que muitas vezes coincidem com os horários de trabalho de muitos homens. O profissional 01 esclarece que "geralmente o horário que as ACS vão visitar é o horário que eles estão trabalhando, aí fica difícil, porque já não vem por conta própria". Em um tom de demonstrar a problemática que envolve este ponto, os profissionais apresentam:
É difícil aparecer porque estão no horário de trabalho, geralmente de 8 às 18 horas estão em seu trabalho e fica difícil deles participarem de qualquer outra atividade direcionada a eles. Como a unidade funciona de segunda a sexta no horário que estão trabalhando, é mais difícil, nós teríamos que fazer alguma atividade à noite ou fim de semana. Eles recebem visita domiciliar, mas geralmente não tem homem em casa no horário que nós visitamos. Os homens que estão em casa ou são adolescentes que estudam à tarde e não trabalham, ou são homens idosos que já não vêm à Unidade sozinhos. O índice de procura de uma população de 100% seria no máximo 10% de homens.(Profissional 04)
Demandas identificadas junto a públicos masculinos
Assim como percebemos nas observações em campo, Knauth et al. (2012Knauth, D. R., Couto, M. T., & Figueiredo, W. S. (2012). A visão dos profissionais sobre a presença e as demandas dos homens nos serviços de saúde: perspectivas para a análise da implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2617-2626. ) apresentaram que as principais queixas de saúde dos homens estão relacionadas a sintomas agudos identificados às doenças cardiovasculares, à hipertensão e a diabetes que inibem as atividades de trabalho, além de questões sexuais, buscando somente atividades rápidas e que atendam especificamente às demandas.
Para o homem existe o álcool, o fumo. Enfim, a maioria dos que a gente recebe de hipertensos e diabéticos, a maioria fuma, a maioria bebe e sabe, às vezes até sabe, tem consciência que o álcool e o fumo são prejudiciais à saúde. Além dos casos de agravos à saúde como acidentes automobilísticos e essas coisas. A maioria é com hipertensão arterial, diabetes e tuberculose, mas já houve casos de vítimas de acidente de trânsito. Hipertenso, diabéticos, a maioria dos casos é também tuberculose. Porque homem é boêmio, é álcool, é fumo, a noitada, às vezes trabalha à noite sem se alimentar direito. Tem um caso de um homem que morava sozinho e só comia besteira, qualquer coisa, se não for uma mulher pra fazer a comida pra ele. Então ele se alimentava só dessas besteiras, muito jovem, ai a gente via que não era coisa de vício nem nada, era questão da alimentação, fraqueza por alimentação deficiente e qualquer gripezinha abre porta de entrada para outras coisas. Teve um caso de hanseníase também, veio com uma história de coceira e tinha uma mancha e nisso já tava com hanseníase instalada, começou o tratamento de um ano. Então é um ano que você tem que está no pé mesmo. A maioria dos homens que fazem tratamento pra tuberculose quer abandonar o tratamento, fez um mês, dois, fez a bacilos cópia negativa, pronto, já acha que já tá curado, ai não quer ficar tomando o remédio, porque as dosagens são pesadas mesmo, qualquer coisinha que sente já está botando a culpa no remédio, e é essa coisa toda. (Profissional 01)
Sobre as demandas especificamente, verificamos, nas observações feitas durante a pesquisa, que a maioria dos usuários do sexo masculino era formada por idosos ou acompanhantes. Knauth et al. (2012Knauth, D. R., Couto, M. T., & Figueiredo, W. S. (2012). A visão dos profissionais sobre a presença e as demandas dos homens nos serviços de saúde: perspectivas para a análise da implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2617-2626. ) encontraram resultado semelhante, em uma pesquisa realizada em cinco municípios brasileiros, concluindo que os homens que frequentam os serviços foram divididos em duas categorias: "trabalhadores" e "idosos". Os primeiros formam um grupo minoritário, composto por homens entre 30 e 50 anos e se caracteriza por ter pouco tempo disponível para os serviços de saúde. Já o segundo contempla a maior parte dos homens que frequenta a unidade de saúde devido a alguma(s) doença(s) crônica(s), especialmente hipertensão ou diabetes, com o intuito de fazer consulta, buscar receita ou medicamento.
O profissional 04 acrescenta:
Geralmente é quando [o homem] tem problemas de coluna ou problemas de vista, mas é um caso mais raro, ou aconteceu de estarem acamados no período da dengue, que não tem como trabalhar realmente, ai um dia eles vêm e consultam, são medicados, mas no dia seguinte vão trabalhar porque não podem trabalhar. Quando a dor na coluna está insuportável e eles já não conseguem mais trabalhar, aí eles procuram o médico, geralmente eles já estão com uma hérnia de disco, muito pra pedir atestado médico pra fazerem cursos quando eles querem melhorar de vida. [Quando] sofrem acidentes de trabalho, primeiro eles procuram a urgência e emergência da cidade e depois vêm ao posto. A hipertensão e diabetes, na grande maioria dos homens, eles não procuram e a gente acaba descobrindo depois, ai eles vêm uma vez, consulta e família fica monitorando, geralmente a mulher e os filhos ficam monitorando, pegam a medicação, dão antes de ir para o trabalho.
Dificuldades, desafios, possibilidades e potencialidades identificadas
Quanto a essa categoria, o próprio profissional 04 faz um importante deslocamento da perspectiva de culpabilização e naturalização da figura do homem, a qual esse mesmo profissional fez menção em sua fala anterior, ao versar sobre as principais demandas que chegam ao serviço:
O que a gente observa muito é essa cultura machista que tem que ser mudada a partir de agora. O homem, desde que nasce, tem uma educação machista e o pai, quando o menino tá com treze, quatorze anos, o pai já leva o menino, usando o termo bem vulgar, para o "puteiro", pra zona, pras casas de prostituição, isso ainda existe, por mais que a gente ache isso um absurdo, o pai leva o menino pra conhecer mulheres, o pai não tem preocupação de proteger esse filho. Se o menino não quer ir, com 17 ou 18 anos ele ainda é virgem, então ele é homossexual, o pai, os amigos e os amigos do pai não entendem que esse menino tem o tempo dele, o pai pra afirmar que o filho é homem, isso eu tenho visto muito dentro do meu próprio trabalho, jovem morrem muito cedo porque os pais deram carro, os pais deram moto, não ensinaram a responsabilidade.
Porém, não somente em meio a entraves e dificuldades são desenvolvidas as práticas no contexto da pesquisa. A fim de discutir outras formas de trabalhar em saúde, a partir de tecnologias relacionais, foram propostas pelos profissionais novas possibilidades de atuação. O Profissional 02 destaca a necessidade de insistir em um tipo de ação coletiva:
a gente faz uma campanha, uma reunião, chamar os homens pra vir. Dificilmente eles vêm, a maioria porque trabalha. Uma vez eu fiz uma sobre o cigarro e eu pedi que as agentes de saúde chamassem principalmente os fumantes, veio dois homens, o resto era tudo mulher, um que fumava e outro que não fumava mais. O que não fumava mais deu o depoimento dele, que ele parou, que tava ótimo, e o outro desdisse tudo, disse que fumava mesmo, não sentia nada e era ótimo, tinha saúde e nem pressão alta ele tinha.
Considerando o trecho acima, aqui também vale problematizar o fato de mais homens fumantes que vivem no território adscrito pela ESF pesquisada não terem comparecido à atividade relatada, com exceção de um. O que pode ser interpretado como uma ausência de interesse dos homens em participar de grupos temáticos, traço de um suposto descuido com sua própria saúde, ou uma impossibilidade por conta do trabalho pode ser também uma pista da fragilização dos vínculos entre a equipe e esses públicos ou de um descompasso entre a configuração das atividades ofertadas e os sentidos que a própria população adscrita, dentre ela os público masculinos, produz sobre suas necessidades de saúde.
Acerca das possibilidades de relacionamento do serviço com os usuários, o profissional 03 relata algumas formas de manter vínculo com os homens:
Eu acho que deve ter visita, palestra orientando, formação de grupos de apoio a homens que estão passando por algum tipo de problema e também promover passeios educativos. Para o homem vir já é difícil, ai tem que aproveitar quando ele estiver ai pra fazer um acolhimento, quando eles estiverem sentados ai esperando pra consulta, fazer palestra, mostrar vídeos mostrando a importância. (Profissional 03)
Outra possibilidade enfatizada foi a busca ativa: "Seria o fato do agente de saúde está fazendo essa busca ativa dos homens, informando, pedindo que venham à Unidade, porque, querendo ou não, o agente de saúde é o que primeiro a conquistar a pessoa" (Profissional 01).
Outro caminho de cuidado ressaltado pelos entrevistados foi o atendimento noturno. Mesmo considerando os limites de implementação desse atendimento no contexto de uma cidade de médio porte, como Parnaíba-PI, dois dos entrevistados fizerem menção a tal alternativa. Segue a observação de um deles acerca disso:
Uma das pretensões da Atenção Básica é abrir ambulatórios à noite, existe o projeto, mas não se sabe quando vai ser feito, que é justamente pegar essa população que não pode vir ao posto porque alguns deles trabalham informalmente e o patrão não libera, não entende e já pensa que ficar saindo pra ir ao médico vai perder o emprego. Então, são muitos entraves e já não gostam de vir mesmo. Essa questão dos ambulatórios à noite eu acho ótimo, porque em relação à desculpa de atrapalhar o trabalho, de faltar, eles não vão ter porque vai ser à noite.(Profissional 02)
Além dos atendimentos noturnos, o profissional 04 mencionou também a possibilidade de montar mutirões para o atendimento aos homens:
Ter um dia, fazer mutirões, por exemplo, tem um dia no ano que existe a vacina canina, tem um sábado inteiro de vacina canina, tem um dia no ano que á vacina da gripe para os idosos, que é um sábado inteiro. Então eu acho que se fizesse, pelo menos, de três a quatro vezes no ano, mutirões de "sábado saúde do homem", eu acho que seria uma grande possibilidade, vamos pegar os médicos, enfermeiras, ACS, a equipe no geral e vamos trabalhar um sábado, o dia todo, como nós fazemos com outras atividades e nesse dia a gente vai atender somente homens.
Por fim, salientamos, a respeito das possibilidades de cuidado efetivo dessas populações, na atenção primária, especialmente pela ESF, que uma das formas importantes para fortalecer práticas profissionais e processos de trabalho mais efetivos junto aos usuários, especialmente quanto à ampliação das concepções de saúde e quanto à operacionalização de tecnologias relacionais, tange ao processo de Educação Permanente em Saúde. Tal perspectiva de maior qualificação dos profissionais aparece na fala do profissional 01:
Então, se o profissional foi bem qualificado, tiver uma educação em saúde permanente, que eu acho que a gestão deveria fazer isso com a gente. Querendo ou não, a gente sabe, mas tem que se reciclar, por exemplo, até minha capacitação de vacinação eles ainda não fizeram, eu entrei e eles não me capacitam pra vacinar. (Profissional 01)
Considerações finais
Buscamos, ao longo do trabalho, versar sobre a materialização das práticas discursivas em torno da relação entre gênero, masculinidade e saúde nas ações desenvolvidas no âmbito da atenção primária à saúde junto aos públicos masculinos. Os resultados da pesquisa apontam que diversos profissionais são atravessados por sentidos que, em diversas ocasiões, tomam os homens do território a partir de uma visão de masculinidade hegemônica, o que reverbera nas práticas cotidianas. Além disso, há significativas fragilidades concernentes ao conhecimento e à efetivação da PNAISH. De acordo com as práticas discursivas que circulam na estratégia de saúde da família, há uma tensão na produção da relação masculinidade e saúde, pois, no que se refere à relação entre homens e os serviços oferecidos, foram recorrentes, entre alguns profissionais, movimentos de culpabilização dos homens diante dos frágeis vínculos entre ESF e esses públicos. Por sua vez, também foram identificados movimentos de valorização das potencialidades da equipe de saúde da família e das possibilidades de atuação mais próxima com os usuários, ao invés da dedicação à efetivação dos procedimentos puramente técnicos.
Apesar de a proposição teórica que envolve a PNAISH aparentemente reconhecer a diversidade de experiências masculinas, os resultados mostram uma forte presença de práticas institucionais, no cotidiano da estratégia de saúde da família, que tomam o homem como categoria genérica. Não obstante, a efetividade da proposta de equidade de gênero em saúde requer trabalhar as especificidades masculinas, sem deixar de atentar para as possibilidades de inter-relação com a saúde das mulheres.
Percebemos, ao longo da pesquisa, que as concepções dos profissionais que atuam na atenção primária em torno dos atravessamentos entre masculinidade e saúde estavam, majoritariamente, sustentadas em uma perspectiva essencialista de gênero. Nessa perspectiva, parte-se do pressuposto de que há indicação de diferenças de caráter permanente e estável entre os sexos, sendo o gênero entendido ora como uma propriedade estável e polarizada de diferenciação entre homem e mulher, isto é, como um traço determinista, ora como o resultado da apreensão de forças sociais e culturais que fazem com que homens e mulheres, por meio da socialização, internalizem identidades específicas (Borges et. al., 2013Borges, L. S., Canuto, A. A. A., Oliveira, D. P. & Vaz, R. P. (2013). Abordagens de gênero e sexualidade na Psicologia: revendo conceitos, repensando práticas. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), 730-745. ). Como bem apontam Borges et. al (2013Borges, L. S., Canuto, A. A. A., Oliveira, D. P. & Vaz, R. P. (2013). Abordagens de gênero e sexualidade na Psicologia: revendo conceitos, repensando práticas. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), 730-745. ), um dos problemas dessa perspectiva, bastante presente ainda no campo da psicologia e na atenção primária, está no fato de que o gênero continua a ser definido interno, imutável e como diferença dicotômica entre os sexos.
Como decorrência disso, os homens do território adscrito pelas ações das equipes de saúde da família, em sua maioria, são identificados de forma negativa pelos profissionais entrevistados. Assim como é possível encontrar na própria PNAISH, de acordo com o que destaca Santos (2013Santos, H. B. (2013). Um homem para chamar de seu: uma perspectiva genealógica da emergência da Política Nacional de Ação Integral à Saúde do HomemDissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.), há, no cotidiano da estratégia de saúde da família, discursos que atribuem aos homens a condição de réu, tanto por serem tomados como incapazes de cuidarem da própria saúde, como por serem autores das situações de violência. Por um lado, o discurso da ausência masculina é recorrente no contexto pesquisado. Por outro, sua presença, em geral, como se observa nas falas de alguns profissionais, ainda é vista a partir do lugar do "homem-problema". Portanto, há que se questionar a atualização da produção social dessas masculinidades infames, que supostamente não cuidam da própria saúde, por meio dos discursos e práticas que têm lugar ainda hoje na atenção primária à saúde. O desenvolvimento da pesquisa de que resultou este artigo ratificou que determinados públicos masculinos ainda têm acesso restrito a serviços de atenção primária, o que indica que o cuidado integral a tais sujeitos não é devidamente concretizado, havendo, consequentemente, masculinidades destituídas de determinados direitos de acesso à saúde. Isso permite problematizar a formação discursiva, presente no contemporâneo, inclusive na PNAISH, que culpabiliza, sobretudo, "o homem" por não cuidar de sua saúde.
Como é possível denotar, as entrevistas e as observações dão conta de que as atividades existentes e direcionadas aos homens são pontuais, com pouca articulação com as diretrizes propostas na PNAISH e geralmente voltadas para ações clínico-assistenciais. A posição que os homens assumem quando estão presentes nos serviços é outro ponto que se sobressaiu nos resultados. Em muitos momentos das observações e a partir de alguns relatos dos profissionais, ao longo da pesquisa, ficou perceptível que a unidade de saúde não é um lugar usual para muitos homens. Em outras palavras, o posicionamento dos homens nestes ambientes evidencia certo receio, desconfiança, incômodo, fato que revela pouca familiaridade com o espaço da unidade básica de saúde e com a rotina da ESF, como apontados por Figueiredo (2008Figueiredo, W. S. (2008). Masculinidade e cuidado: diversidade e necessidades de saúde dos homens na atenção primária. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo.) e Schraiber (2005Schraiber, L. B. (2005). Equidade de gênero e saúde: o cotidiano das práticas do Programa de Saúde da Família do Recife. In W. Villela & S. Monteiro (Org.). Gênero e saúde: Programa Saúde da Família em questão (pp. 30-61). Rio de Janeiro: Abrasco.).
Os profissionais disseram, com frequência, que há características do comportamento masculino, como a pressa e a objetividade, que constituem os fatores principais para explicar a frágil relação dos homens com o serviço de saúde investigado. Porém, é pouco problematizada pelos profissionais entrevistados as dificuldades do próprio serviço em acolher esses públicos. Tal fragilidade nas relações entre ESF e os públicos masculinos, que produzem uma espécie de invisibilidade dos homens no serviço, em alguns momentos, pode ser um sinalizador da inadequação entre as necessidades e/ou expectativas de saúde dos homens e a estrutura e funcionamento dos serviços de saúde, particularmente dos serviços de atenção básica à saúde. Isso, todavia, não deve ter como consequência a responsabilização dos homens ou dos serviços de saúde, mas sim suscitar reflexões sobre a complexa relação que se estabelece entre ambos e sobre o próprio conceito de saúde que, por vezes, carece de maior problematização por parte dos profissionais do setor em seus cotidianos.
As principais queixas de saúde dos homens, segundo os profissionais, estão relacionadas a sintomas agudos e que dificultam as atividades de trabalho, tais como doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes e questões da ordem da sexualidade. Os profissionais de saúde entrevistados geralmente associam a adoção de práticas curativas aos homens e adoção de práticas preventivas às mulheres, o que confirma o que a literatura sobre gênero, masculinidade e saúde tão bem aponta (Couto & Gomes, 2012Couto, M. T. & Gomes, R. (2012). Homens, saúde e políticas públicas: a equidade de gênero em questão. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2569-2578.). Por conseguinte, a visão dos profissionais entrevistados a respeito das motivações e do tipo de assistência à saúde apresentada pelos usuários do sexo masculino reforça, em diversos momentos, oposições binárias entre "masculino" e "feminino".
O conceito de gênero é acionado pelos profissionais de saúde com o intuito de justificar a não adesão dos homens ao tratamento por vezes proposto. As demandas masculinas são de fato limitadas aos problemas agudos ou os profissionais e os serviços, em função da visão socialmente construída sobre homens e saúde, não conseguem ver outras demandas? Conforme Couto et al. (2010Couto, M. T., Pinheiro, T. F., Valença, O., Machin, R., Silva, G. S. N., Gomes, R. et al. (2010). O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in) visibilidade a partir da perspectiva de gênero. Interface - Comunic., Saúde, Educ., 14(33), 257-270.), há diferentes dimensões envolvidas na produção da relativa invisibilidade dos homens nos serviços de saúde. Dentre elas, estão: a dimensão das intervenções em saúde, onde, historicamente e até hoje, tem-se privilegiado as mulheres; a dificuldade dos profissionais da atenção básica, de uma maneira geral, de notarem a presença de alguns homens como usuários nos serviços ou a complexidade e singularidade das questões trazidas por eles; e a concepção de que os homens não se cuidam e não procuram os serviços de saúde.
Fortalecer a relação dos serviços com os homens, concretizando uma atenção integral aos usuários, com base nas particularidades desses segmentos, alude problematizar concepções de gênero entre os profissionais, articulando-as com as práticas de saúde. Ademais, requer a reinvenção de estratégias que modifiquem a organização dos processos de trabalho e as práticas de cuidado. Fomentar, portanto, outros entrelaçamentos entre gênero, masculinidades e saúde, a partir de uma perspectiva antiessencialista de gênero (Borges et al., 2013Borges, L. S., Canuto, A. A. A., Oliveira, D. P. & Vaz, R. P. (2013). Abordagens de gênero e sexualidade na Psicologia: revendo conceitos, repensando práticas. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), 730-745. ), figura como questão importante a ser considerada no campo da atenção básica. Acreditamos que a Psicologia tem potencial importante para contribuir sobremaneira com tal questão1 1 Mayara Carneiro Alves Pereira é psicóloga pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). 2 2 João Paulo Pereira Barros é professor do Departamento de Psicologia e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Psicólogo, mestre em Psicologia e doutor em Educação pela UFC. Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). .
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Mayara Carneiro Alves Pereira é psicóloga pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
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João Paulo Pereira Barros é professor do Departamento de Psicologia e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Psicólogo, mestre em Psicologia e doutor em Educação pela UFC. Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Dez 2015
Histórico
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Recebido
11 Dez 2013 -
Revisado
08 Jan 2015 -
Aceito
04 Mar 2015