Resumo
O aumento das patologias relacionadas ao trabalho tem despertado o interesse de profissionais de diferentes áreas para investigar as questões relacionadas à saúde mental dos trabalhadores. Neste sentido, o presente estudo teve como objetivo analisar a organização do trabalho na indústria metalmecânica e suas interfaces com a saúde mental dos trabalhadores. Orientada teoricamente pela Psicodinâmica do Trabalho, a pesquisa teve um delineamento exploratório-descritivo. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas. Participaram do estudo oito trabalhadores residentes na região de Caxias do Sul-RS. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo e os resultados apontaram que a organização do trabalho metalúrgico é caracterizada por rígidos controles, por intensa produtividade, por excelência na qualidade e pela busca exaustiva por resultados. Conclui-se que estes elementos afetam significativamente a saúde mental dos trabalhadores, aumentando os riscos e os danos à sua saúde.
Palavras-chave: Organização do Trabalho; Psicodinâmica do Trabalho; Saúde Mental; Metalúrgicos
Resumen
El aumento de las patologías relacionadas al trabajo ha despertado el interés de profesionales de diferentes áreas para investigar las cuestiones relacionadas a la salud mental de los trabajadores. En este sentido, el presente estudio tuvo por objetivo analizar la organización del trabajo en la industria metalmecánica y sus interfaces con la salud mental de los trabajadores. Orientada teóricamente por la Psicodinámica del Trabajo, la investigación tuvo un diseño exploratorio-descriptivo. La recolección de datos fue realizada a través de entrevistas semiestructuradas. Participaron del estudio ocho trabajadores que viven en la región de Caxias do Sul - RS. Los datos recolectados fueron sometidos al análisis de contenido y sus resultados mostraron que la organización del trabajo metalúrgico es caracterizada por rígidos controles, por intensa productividad, por excelencia en la calidad y por la búsqueda exhaustiva de resultados. Se concluye que estos elementos afectan de forma significativa la salud mental de los trabajadores, aumentando el riesgo y los daños a su salud.
Palabras clave: Organización del Trabajo; Psicodinámica del Trabajo; Salud Mental; Metalúrgicos
Abstract
The increase in the number of work related pathologies has awoken the interest of professionals from different area to investigate issues related to employees' mental health. Therefore, the present study aims to analyze the work organization of the metal-mechanics industry and its relations with the employees' mental health. Theoretically oriented by the Psychodynamics of Work, this research has an exploratory-descriptive outline. Data collection was conducted through semi-structured interviews. Eight employees who live in the region of Caxias do Sul, in the south of Brazil, participated in the study. The data have been submitted to content analysis and the results have shown that the metallurgic work organization is characterized by rigid controls, intense productivity, excellence in quality and exhaustive focus on results. The conclusion is that these elements significantly affect the employees' mental health, increasing the risks and the damages to the workers' health.
Keywords: work organization; Psychodynamics of Work; mental health; metallurgy workers
Introdução
O aumento das patologias relacionadas ao trabalho tem despertado o interesse de profissionais da saúde para investigações com foco no processo de saúde e adoecimento nesse contexto. A escolha pela temática deste estudo consistiu, portanto, em pensar o adoecimento no trabalho como um problema de saúde pública, que causa impactos econômicos e sociais. Destarte, conforme dados divulgados em 2013 pela Organização Internacional do Trabalho, de um total de 2,34 milhões de acidentes mortais de trabalho a cada ano, somente 321 mil se devem a acidentes. As 2,02 milhões de mortes restantes são causadas por diversos tipos de enfermidades relacionadas ao trabalho, o que equivale a uma média diária de mais de 5.500 mortes (OIT, 2013).
Além disso, o Brasil ocupa a quarta posição mundial em número de acidentes fatais e a 15ª em número de acidentes gerais. Em 2012, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social Brasileira, diariamente, quase 50 trabalhadores do mercado formal não retornaram mais ao trabalho, em razão de invalidez ou morte, enquanto mais de 1.600 tiveram que se afastar de suas atividades em razão de incapacidade temporária decorrente das precárias condições de trabalho (MTE, 2015). Em 2013 foram registrados 711.164 acidentes e doenças do trabalho (acréscimo de 0,55% em relação a 2012), entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social, deixando de fora dessas estatísticas trabalhadores autônomos, empregadas domésticas e trabalhadores do setor público e informal (OIT, 2013). Outra informação preocupante refere-se aos transtornos mentais. No Brasil, dos 166,4 mil auxíliosdoença concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cerca de 15,2 mil são por problemas mentais ou comportamentais. A depressão está no topo, com mais de 5,5 mil casos, entre episódios depressivos ou transtornos recorrentes (Ministério da Previdência Social, 2014).
Neste sentido, o Ministério da Previdência Social (2014) afirma que as causas de afastamentos do trabalho estão mudando drasticamente no Brasil. O último Boletim Informativo Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade apontou que as doenças motivadas por fatores de riscos ergonômicos e sobrecarga mental têm sido as principais causas de afastamento do trabalho. Nos últimos 12 anos, as doenças motivadas por tais fatores têm superado os fatores de risco traumáticos (Ministério da Previdência Social, 2014).
Dentre os diversos grupos de trabalhadores submetidos a diferentes modelos de gestão e de produção, este estudo terá como foco aqueles que atuam em indústrias metalmecânicas na região de Caxias do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul. Dados do Ministério do Trabalho indicam que, até julho de 2014, foram registrados 2.412.342 trabalhadores que atuam no ramo metalúrgico no Brasil, distribuídos da seguinte forma: 61,9% na região Sudeste; 25,4% na região Sul; 5,7% na região Noroeste, 4,6% na região Norte e 2,3% na região Centro-Oeste. No Rio Grande do Sul, 253.306 trabalhadores compõem o segmento (MTE, 2014a). De acordo com dados do IBGE, Caxias do Sul possui o segundo maior polo metalmecânico do país, um dos maiores da América Latina, respondendo por aproximadamente 5,83% do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul (IBGE, 2014).
O trabalho metalúrgico sempre apresentou riscos. Todas as atividades econômicas apresentam um grau de risco que serve para mensurar o risco de cada atividade, que pode variar de um a quatro, sendo classificados como riscos leves, médios ou graves. Essa medida é realizada a partir do ramo de atividade de cada empresa e se encontra disponível na NR4 (norma regulamentadora), que estabelece a regulamentação para os serviços especializados em engenharia de segurança e em medicina do trabalho. Segundo a classificação nacional de atividades econômicas e grau de risco de acidentes associados ao trabalho, a indústria metalúrgica apresenta graus de risco que variam entre dois e três. Isso significa que existem elementos que podem causar sérios danos à saúde do trabalhador.
Para garantir que os trabalhadores tenham condições de exercer suas atividades, existem normas que regulamentam e orientam as empresas sobre suas obrigações diante das condições de saúde e segurança no trabalho. Como exemplo, podem ser citadas a NR 4 (MTE, 2009), que regulamenta os serviços especializados de Engenharia e Medicina do Trabalho, a NR 5, que trata da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, a NR 6, Equipamentos de Proteção Individual, entre outras.
Merece destaque, neste estudo, a NR 9, que estabelece a obrigatoriedade da elaboração e implementação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) para todos os que admitem trabalhadores. Esse programa visa à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores através da antecipação, do reconhecimento, da avaliação e do controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou possíveis de existência no ambiente de trabalho. Os riscos ambientais são caracterizados por: agentes físicos, como ruídos, vibrações, temperaturas extremas, radiações; agentes químicos, como poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores; e agentes biológicos, como as bactérias, os fungos, os bacilos, os parasitas, os protozoários (MTE, 2014b).
O foco da legislação vigente e dos programas voltados à saúde do trabalhador tem sido os fatores de risco à saúde física do trabalhador, atrelando sua redução ou eliminação ao uso de equipamentos de proteção individual ou coletivos. No entanto, de acordo com Dejours (2011), as condições de trabalho possuem como alvo o corpo do trabalhador, enquanto a organização do trabalho, o psiquismo. Nesse sentido, entende-se que corpo protegido não é sinônimo, necessariamente, de mente saudável. Portanto, são necessários estudos que possam dar visibilidade à organização do trabalho nesse meio, especialmente considerando-se aspectos da reestruturação produtiva industrial que atingem a saúde física e mental de inúmeros trabalhadores. Novas perspectivas acerca das relações entre trabalho e processo de saúde/adoecimento podem contribuir com o campo das políticas públicas e da legislação trabalhista, problematizando tanto as condições quanto a organização do trabalho.
Corrobora essa perspectiva um estudo realizado em uma indústria metalúrgica do interior de São Paulo que analisou 336 acidentes ocorridos em um período de três anos e que concluiu que as causas dos acidentes estavam diretamente relacionadas às condições de trabalho precárias, à pressão inerente aos modos de gestão, à realização de horas extras e às características da organização do trabalho (Gonçalves & Dias, 2011). Outro estudo, publicado por Picoloto e Silveira (2008), investigou os sintomas osteomusculares apresentados por trabalhadores de uma indústria metalúrgica no sul do Brasil. Com uma amostra de 301 trabalhadores, os resultados encontrados mostram que 75,20% dos trabalhadores relataram algum tipo de sintoma osteomuscular nos últimos doze meses, 53,3% nos últimos sete dias e 38,5% já haviam se afastado devido a dores osteomusculares. A partir dos resultados exibidos na pesquisa, correlacionados às novas formas de organização do trabalho, torna-se possível observar a contribuição desta lógica de produção ao aumento de agravos à saúde dos trabalhadores.
Considerando-se os dados apresentados, observa-se que existem elevados índices de acidentes, incidentes, afastamentos e dores físicas relatados por trabalhadores que atuam na atividade metalmecânica. Além de analisar os riscos físicos aos quais os trabalhadores do referido segmento estão expostos, convém investigar também as consequências deste cenário para a saúde mental de tais profissionais. Nesse aspecto, Jacques e Jacques (2009) discorrem sobre as implicações psíquicas dos acidentes de trabalho e citam, em especial, os sintomas depressivos que surgem após os acidentes e que, normalmente, estão associados à culpabilização dos trabalhadores. Ademais, Dejours (2011) entende que as condições e a organização do trabalho são elementos fundamentais para a análise dos processos de saúde e adoecimento dos trabalhadores, atrelando-as diretamente aos acidentes de trabalho, à ocorrência de distúrbios osteomusculares e de patologias sociais do trabalho, como o caso do assédio moral, das diversas formas de violência profissional, do suicídio, da servidão voluntária. Esses são apenas alguns entre tantos outros elementos que podem refletir diretamente na constituição dos processos de saúde e doença dos sujeitos.
Concebe-se assim o trabalho enquanto elemento constituinte da subjetividade humana, que pode apresentar consequências diretas para a saúde dos trabalhadores. Martins e Mendes (2012), discorrendo a respeito das repercussões do trabalhado na saúde, assinalam que as constantes e aceleradas transformações no mundo do trabalho tornam mais complexas as investigações e os tratamentos do sofrimento, da dor e dos desconfortos físicos e psíquicos que estão presentes na relação entre trabalho e saúde. Conforme Jaques e Jaques (2009), o trabalho pode ser promotor de saúde mental, pois comporta valores culturais e simbólicos que são mediadores de integração e inserção social, porém, quando as condições e a organização do trabalho negam esse potencial de saúde, ele pode ser um fator determinante de sofrimento e adoecimento.
Na clínica do trabalho, uma abordagem possível para o entendimento das relações existentes entre trabalho e saúde/doença mental é a Psicodinâmica do Trabalho. Na perspectiva da abordagem, o trabalho comporta uma dimensão de sofrimento que, algumas vezes, resulta no adoecimento, mas, em outras, pode ser um importante agente de construção de saúde (Mendes, 2007). A transformação do sofrimento passa a ser possível a partir do reconhecimento, em que o trabalhador tem a possibilidade de atribuir sentido as suas atividades e ressignificá-las (Mendes, 2007). Atualmente, essa linha de estudo e intervenção busca compreender como os trabalhadores subjetivam as vivências, o sentido que elas assumem e as estratégias coletivas utilizadas para dar conta do que é ocasionado pela organização do trabalho (Mendes, 2007).
A organização do trabalho é definida pela divisão do trabalho e pela divisão dos homens (Dejours, 2011), espaços constituídos por uma relação social que traça compromissos entre os objetivos e as prescrições para a realização do trabalho e que está em constante transformação, pois as instalações podem mudar, o mercado pode mudar, o cliente pode mudar, as relações de trabalho podem mudar e transformar diretamente a qualidade do trabalho (Uchida, 2007). Sendo assim, a organização do trabalho é entendida como um elemento favorável para o adoecimento mental, visto que, de acordo com Dejours (1992), ela pode exercer sobre o homem uma ação específica, com impactos diretos no aparelho psíquico. Assim, quando a organização do trabalho ignora a singularidade do sujeito, potencializa o surgimento do sofrimento. São inúmeros os fatores que podem estar ligados ao adoecimento, tais como: os aspectos físicos; os fatores relacionados à própria organização do trabalho, como ritmo e cobranças excessivas; fatores psicossociais, como estresse, ansiedade, depressão; e, ainda, fatores associados às próprias características do sujeito, como vícios e doenças preexistentes (Martins, 2012).
Um contraponto é que, nessa mesma organização do trabalho, podem ser encontrados elementos de prazer, pois o trabalho, enquanto ato de produzir, permite o reconhecimento psicológico e social do sujeito e se torna um lugar de prazer e realização (Mendes & Marrone, 2010). Diante disso, o objetivo principal desta pesquisa foi analisar a organização do trabalho na indústria metalmecânica e suas interfaces com a saúde mental dos trabalhadores. Espera-se que os resultados da presente investigação possam colaborar com o desenvolvimento de estratégias coletivas que promovam a saúde mental dos trabalhadores em geral e, sobretudo, daqueles que atuam no contexto metalmecânico.
Metodologia
Este estudo possui um delineamento exploratório-descritivo, na medida em que objetiva ter uma ampla visão sobre o tema. Além disso, apoia-se em uma metodologia qualitativa, que considera a existência de uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito (Prodanov & Freitas, 2013). Participaram desta investigação oito trabalhadores do ramo metalúrgico da região de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Dentre eles, sete eram do sexo masculino e um do sexo feminino, com idades entre 20 e 54 anos (m: 39,3;dp: 13,20). Quanto à escolaridade, quatro participantes possuíam Ensino Médio completo, dois deles tinham Ensino Médio incompleto, um havia completado o Ensino Fundamental e um tinha o Ensino Superior em andamento. O tempo de empresa dos participantes variava entre dois e vinte e cinco anos (m: 11,62; dp: 8,73). A renda média apresentada foi de dois a três salários mínimos para quatro participantes e de cinco salários mínimos para os outros quatro participantes.
A seleção dos participantes da pesquisa deuse por meio da técnica de snow ball, processo pelo qual os primeiros participantes indicam os demais de forma sucessiva (Biernacki & Waldorf, 1981). A identificação dos trabalhadores, ao longo do texto, será feita por nomes fictícios, escolhidos pelos próprios participantes (Max, Mateus, João, Moacir, Cunha, Reinaldo, Vone e Dunga). Cabe destacar que os nomes de empresas referidos pelos entrevistados durante as entrevistas também foram preservados e, por isso, substituídos por empresa A, empresa B e empresa C. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados um questionário sociodemográfico e uma entrevista semiestruturada, composta por um roteiro pré-elaborado conforme sugestões de Mendes (2007).
Todos os trabalhadores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e concordaram com os itens do documento. Após o aceite e a confirmação da participação na pesquisa, as entrevistas foram iniciadas com o preenchimento do questionário sociodemográfico. As entrevistas foram realizadas individualmente e em locais escolhidos pelos próprios participantes, sendo todas gravadas em áudio para posterior transcrição e análise de dados. As entrevistas tiveram duração média de quarenta minutos e o pesquisador colocou-se à disposição dos entrevistados caso alguém quisesse fazer contato depois deste primeiro momento.
Salienta-se que o estudo seguiu as diretrizes da Resolução 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia (2012), bem como da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (2012). O material proveniente das entrevistas, gravado em áudio, foi transcrito na íntegra e analisado primeiramente pela pesquisadora e por sua orientadora. Após a transcrição, os dados foram analisados de acordo com Bardin (2011). A análise de dados empregada permitiu a extração de duas grandes categorias: (a) organização do trabalho na indústria metalmecânica e (b) efeitos da organização do trabalho na saúde. Buscando-se facilitar a análise e discussão dos dados, a categoria que trata da organização do trabalho foi subdivida em: organização do trabalho na indústria metalmecânica, processos de qualidade, metas e resultados, estratégias de controle subjetivo, relações de trabalho e trabalho prescrito versustrabalho real. Além disso, a categoria que trata dos efeitos da organização do trabalho foi subdivida em: os acidentes de trabalho e a captura da subjetividade. As informações coletadas por meio do questionário sociodemográfico foram analisadas de maneira descritiva.
Resultados e Discussão
1. Organização do trabalho na indústria metalmecânica
A organização do trabalho na indústria metalmecânica foi descrita pelos participantes a partir de diversos elementos que compõem o modelo de produção organizado pelo toyotismo. Segundo Merlo e Lápis (2007), o modelo taylorista/fordista foi substituído pelo toyotismo, que tem modificado o mundo do trabalho e repercutido diretamente na vida dos trabalhadores. Nesse sentido, os dados coletados evidenciaram que constantemente os trabalhadores precisam se submeter às normas da empresa. Ficou evidente que não existem críticas em relação à organização do trabalho, ao invés disso, o fato de estar submisso se torna naturalizado no discurso e aparece como sendo a única forma possível de trabalhar. Em contraponto a tal discurso naturalizado, observa-se que as consequências do trabalho repetitivo e degradante somente são sentidas quando o corpo apresenta sintomas.
Assim, as características principais da organização do trabalho nesse contexto estão atreladas às longas jornadas de trabalho, à rigidez e ao controle dos processos, ao estabelecimento de metas muitas vezes inatingíveis, à ausência de espaços coletivos de fala e de escuta, à impossibilidade de o trabalhador expor sua subjetividade no trabalho, à submissão dos trabalhadores à ideologia organizacional, à grande valorização e controle dos riscos físicos, como se a saúde do trabalhador pudesse ser totalmente preservada através da utilização de equipamentos de proteção individual e do controle de aspectos ambientais como a temperatura, a iluminação, os ruídos e os itens ergonômicos. Estes elementos demonstram claramente que ainda há uma lacuna entre os efeitos da organização do trabalho na saúde do trabalhador e no índice de acidentes de trabalho. Ademais, em todos os relatos os trabalhadores afirmam que as condições de trabalho estão adequadas e respeitam a legislação vigente. Com isso, a perspectiva predominante é de que as empresas disponibilizam todos os recursos necessários para diminuir os efeitos nocivos do trabalho, eliminando qualquer possibilidade de preocupação ou crítica por parte dos funcionários. Percebeu-se ainda que todos os entrevistados conhecem com precisão seu posto de trabalho, suas tarefas e responsabilidades, apresentando-se aptos a realizarem, inclusive, a atividade dos colegas, pois as tarefas tornaram-se simplificadas e de fácil aprendizado.
1.1. Processos de qualidade
O toyotismo apresentou ao mundo do trabalho o conceito de flexibilidade, que foi utilizado para evocar a ideia de liberdade, com a promessa de que os controles rígidos e o autoritarismo dos modelos tayloristas e fordistas deixassem de existir. Porém, observa-se que as novas técnicas gerenciais funcionam para incrementar o controle e a intensificação do trabalho (Silva, 2011). Os trabalhadores expressam sua obrigação em buscar melhores resultados em cada posto de trabalho.
O discurso das empresas sobre a "busca do defeito zero" deixa claro que a perfeição do processo deve ser alcançada e, com isso, entram em cena as ferramentas de gestão utilizadas para medir a qualidade e a produtividade da empresa. Tais ferramentas são citadas pelos trabalhadores que as utilizam diariamente em seus postos de trabalho. Na perspectiva dos entrevistados, elas, além de ajudar a empresa a medir sua produtividade, servem para protegê-los de cobranças dos supervisores nos momentos em que os equipamentos apresentam defeitos e eles não conseguem atingir a meta de produção.
Para Silva (2011), as novas organizações determinam a internalização da dominação, passando a fazer parte do sujeito e atingindo os sentimentos, os valores e os desejos dos trabalhadores. Dessa maneira, os desejos da empresa passam a ser confundidos com os desejos dos trabalhadores. Com isso, cada sujeito exigirá de si o máximo de produtividade. Nos discursos, não foram observadas críticas em relação aos processos de controle e de qualidade. A incessante busca pelo defeito zero causa efeitos na saúde dos trabalhadores, porque eles precisam estar em constante atenção, sob tensão muscular elevada e sem espaços para relaxar e refletir acerca do trabalho. Se a crítica é inexistente, o sofrimento torna-se invisível, anulando a possibilidade de transformação e, assim, o único caminho possível passa a ser o adoecimento.
1.2. Metas e resultados
O comprometimento dos trabalhadores para alcançar as metas e os resultados é obtido através da autonomia que eles passam a ter sobre suas tarefas (Heloani & Capitão, 2003). Nos relatos, nota-se que, em muitos momentos, são propostas metas quase insuperáveis, havendo promessas de recompensas financeiras se forem alcançadas. E, nessa busca incessante por resultados, os trabalhadores acabam submetendo-se a ritmos intensos de trabalho, negando até suas necessidades fisiológicas. Dejours (1992) observa que as condições de remuneração condicionadas às metas estão atreladas ao desenvolvimento de sentimentos como a ansiedade, o medo e a tensão diante da possibilidade de não alcançar os objetivos estipulados e de ser negativamente avaliado pelo baixo desempenho, o que pode torna-se determinante para o surgimento dos adoecimentos relacionados ao trabalho. Mateus comenta:
Mateus: mas aí, se tirar um determinado número de carros, como eles queriam, por mês... era quase impossível... no horário normal... aí tinha que vir no serão... de segunda a sexta... no sábado, às vezes passava o dia inteiro... pra conseguir alcançar a meta... é ruim passar o sábado inteiro na empresa... chega em casa... vai deitar... toma um banho, deita e dorme... daí, no outro dia..., é domingo já..., tá cansado ainda e tem que ir de novo.
Os trabalhadores passam a perceber a organização como sendo parte essencial em sua existência e, dessa forma, envolvem-se emocionalmente com ela, lutando para o sucesso dela como se representasse seu próprio sucesso (Siqueira, 2010). Em todos os relatos foi possível verificar que os entrevistados têm conhecimento dos indicadores financeiros da empresa, o que provoca, em cada profissional, o sentimento de responsabilidade individual para atingir os resultados. Logo, encontram-se profissionais submetidos a uma lógica que não lhes permite refletir sobre sua atividade, de modo que se colocam apenas como executores dos processos: "Eles determinam e nós produzimos" (Reinaldo). Essa falta de entendimento causa a perda do sentido do trabalho e pode provocar adoecimento.
O discurso das empresas está impregnado de intenções que não são muito claras aos trabalhadores, que os leva à falta de compreensão e à falta de crítica das práticas utilizadas pela organização. Reflexo disso é a interpretação, por parte dos sujeitos, de que esse modo de trabalhar seja normal.
1.3. Estratégias de controle subjetivo
Na lógica capitalista de acúmulo de capital, o controle da força de trabalho é necessário para ter-se o completo domínio do sujeito. Para que isso se torne efetivo, a subjetividade dos trabalhadores precisa ser capturada e controlada pelo capital, que orienta a sua conduta dentro e fora do trabalho. As práticas utilizadas pelo toyotismo mascaram um intenso processo de manipulação do trabalho vivo, atingindo todas as instâncias psíquicas e buscando influenciar o comportamento dos sujeitos (Alves, 2008).
Os relatos dos trabalhadores mostraram que essas novas formas de controle exercidas pela organização do trabalho são desenvolvidas inclusive através de programas de treinamento e desenvolvimento. Os momentos de encontro, que poderiam servir como espaços para a promoção da saúde, por meio da fala e da escuta dos trabalhadores e da reflexão sobre o trabalho, são compostos por capacitações prontas e fechadas, com o objetivo de adaptar o sujeito à organização do trabalho. Assim, controlar atitudes e comportamentos tornou-se a meta dos treinamentos empresariais. Para as empresas, essa é a maneira de estimular o comprometimento, a cooperação e o engajamento dos trabalhadores. O impacto nos trabalhadores é a alienação e a captura de sua subjetividade.
Alves (2008) enfatiza que, na medida em que o toyotismo preconiza comportamentos e atitudes mais proativas, a construção do novo trabalhador utiliza estratégias de subjetivação que implicam na manipulação incisiva da mente e do corpo por conteúdos totalmente ou parcialmente ocultos das instâncias intrapsíquicas. Observa-se que os trabalhadores presentificam a captura, mas não conseguem separar o que é deles e o que é do trabalho.
Moacir: característica minha que pode ser transformada? ah, do trabalho! É só a falta de peça, né... um controle... mais rigoroso antes da chegada na solda.
Os trabalhadores, limitados para utilizarem sua capacidade de criação e de transformação, ficam capturados. Siqueira (2010) refere que a servidão se torna realidade vivencial para o sujeito e o resultado dessa entrega é o risco de perder sua própria identidade.
1.4. As relações de trabalho
O trabalho não é apenas uma atividade, é também uma forma de relação social (Dejours, 2004b). A alienação no trabalho, promovida pelo funcionamento da organização do trabalho, inicia o processo de "coisificação" das relações humanas e de "personificação das coisas", valorizando o individualismo exacerbado, o consumismo e a desintegração (Silva, 2011). Partindo desse pressuposto, observa-se que as boas relações estão presentes apenas no trabalho prescrito e fazem parte das regras da empresa. Aos que não se enquadram nesse modelo, resta-lhes a demissão.
Conforme descrição dos trabalhadores entrevistados, as linhas de trabalho estão organizadas de forma que um operador compartilhe o espaço com um colega de outro turno, promovendo a vigilância e o controle entre os pares. O trabalhador passa a explorar o próprio trabalhador, contribuindo para a quebra do coletivo de trabalho.
Outra observação importante realizada é o sentimento de liberdade de expressão que os trabalhadores relataram ter. A facilidade de acesso aos gestores e os encontros promovidos com a diretoria desperta nos trabalhadores o sentimento de que eles podem expor suas opiniões, porém entende-se que o discurso mascara a verdadeira intenção da empresa, de continuar tendo seus profissionais sob controle. Amado e Enriquez (2011) pontuam que dar a palavra aos trabalhadores é permitir que eles possam nomear os sentimentos e as sensações vividas e, como consequência, permitir que se tornem sujeitos em ação. Permitir que o trabalhador se torne autor de sua ação coloca em risco a lógica capitalista e, dessa forma, a melhor estratégia é a manipulação de espaços de discussão que silenciam ainda mais os trabalhadores.
É possível verificar que, efetivamente, a fala não é permitida. Para que o trabalhador possa expor suas ideias ou opiniões, ele precisa aguardar a sua vez, o momento definido para tal. Mendes (2007) refere que o capital pode utilizar esse paradoxo para evitar as discussões a respeito da organização do trabalho. É interessante perceber que o trabalhador não esconde o desejo de participar desse momento, que parece ser um importante programa da empresa.
Reinaldo: ainda não... não chegou minha vez ainda... Eu quero! pra sabê como é que é, né? tem gente que diz que é legal, que é bom, né... E também assim... se você quiser falar com qualquer um da direção, sem problema, eles marcam uma hora, você vai lá, se quiser falar sozinho, em particular, pode falar.
Na organização do trabalho metalúrgico, não foram identificados elementos que auxiliem no desenvolvimento de relações de trabalho com potencial de apoio, confiança e troca. Os participantes não relatam a existência de espaços que promovam a construção de um coletivo de trabalho para a escuta do sofrimento ou para a reflexão do colega acerca da atividade profissional, o que evidencia a precariedade das relações representada pelo conflito.
1.5. Trabalho prescrito versus trabalho real
Trabalhar é preencher a lacuna entre o prescrito e o real (Dejours, 2004b). A organização do trabalho foi descrita pelos trabalhadores com procedimentos e regras bem definidos, que devem ser respeitados. De acordo com Dejours (2004a), mesmo com tanta clareza e com tantas definições, é impossível atingir as prescrições em sua totalidade, já que podem ocorrer inúmeras situações inesperadas, que formam a lacuna entre a realidade concreta da situação e o que é prescrito. No trabalho metalúrgico, constatase que os trabalhadores ficam submetidos ao que está determinado. A inteligência prática não encontra muitos espaços para emergir, pois as normas, os procedimentos e as instruções de trabalho definem todos os processos e se apresentam inflexíveis. Ao trabalhador resta a submissão e a subordinação a seu cumprimento.
2. Efeitos da organização do trabalho na saúde mental
A partir da análise da organização do trabalho, foi possível perceber inúmeros efeitos à saúde dos trabalhadores entrevistados. Dentre os principais, estão os acidentes de trabalho e a captura da subjetividade. Nota-se que os participantes identificam possíveis danos à sua saúde em decorrência da atividade profissional, mas a crítica acerca dos riscos é mínima. Dejours (2007) ressallta que a negação de riscos no trabalho pode ser entendida como uma estratégia de valor simbólico, que permite a iniciativa e o domínio dos trabalhadores sobre o perigo, e não o inverso. A respeito dessa afirmação, o discurso dos trabalhadores apresenta um sentido: o de se protegerem da precarização do trabalho.
Moacir: (pensativo)... que eu vou dizer... até agora, não senti nada... até agora, tá bem.. eu sei que ... assim... os estudos, o que os médicos dizem que, por exemplo..., o gás que é lançado aí pra soldar, ele é cancerígeno... que o raio de solda ultraviolenta é cancerígeno... que... pode afetar pulmão... pode afetar pele... olhos... qualquer coisa, né... até então, eu não senti nada de diferente.
2.1. Os acidentes de trabalho
No que concerne aos acidentes de trabalho, observa-se que a profissão metalúrgica apresenta riscos físicos, químicos e biológicos que são resultantes da organização do trabalho. A reestruturação produtiva, com todas as suas características de precarização do trabalho e das relações, corrobora o aumento e o agravamento das doenças ocupacionais e dos riscos de acidentes de trabalho, causando afastamentos e aposentadorias precoces (Heloani & Lancman, 2004).
Os acidentes de trabalho, após a descrição da organização do trabalho, podem ser caracterizados como sendo um dos efeitos desta organização. Durante as entrevistas, os trabalhadores relataram cenas de acidentes e incidentes que sofreram ou vivenciaram. Tal registro é contado de forma tão intensa que a sensação que desperta é a de que eles estão revivendo esse momento.
Reinaldo: Fiquei afastado três meses por causa de um acidente ... fiquei com a marca da empresa. É... houve uma falha... na máquina, no painel... da máquina, né... na época, foi questionado que, com a pancada da outra máquina..., né..., deve ter se mexido em alguma outra coisa... é fez com que... porque tava aí... fazendo uma regulagem, né... e eu passei com a mão e, quando que eu passei com a mão, a parte de cima desceu e me prensou... e aí começou a girar, né... e aí eu fui queimando, né ... E aí ficou a cicatriz... Aconteceu em 92.
Os acidentes, de maneira geral, podem ter repercussões psíquicas significativas e, atualmente, os danos psíquicos relacionados aos acidentes de trabalho não ocupam o espaço necessário nas políticas públicas do país (Silva, 2011). Vê-se que, na legislação e nas políticas de saúde, o acidente de trabalho ainda é fiscalizado e concebido apenas como resultado das condições físicas do trabalho, portanto, o foco está nos treinamentos, na conscientização do trabalhador quanto ao autocuidado e na utilização de EPIs. O participante Cunha relata, com riqueza de detalhes, um acidente de trabalho ocorrido com seu colega de profissão e complementa dizendo:
Cunha: Eu tava junto na máquina do lado ... desde os dois anos de empresa, eu sempre me cuidei a respeito destes aspectos de acidentes. É, eu acompanhei... é que lá, até hoje, tá marcado pra mim! um acidente horrível! não é perigoso! (risos)olha, trabalho há 28 anos e, graças a deus (bate na mesa), minhas mãos tão inteiras, tudo inteira!
Os acidentes de trabalho têm uma relação direta com as atuais práticas produtivas. Os ambientes de trabalho repletos de pressões, rivalidades e cobranças aumentam as possibilidades de acidentes. Os acidentes de trabalho, sendo concebidos apenas por condições físicas, colocam o trabalhador, inclusive, como responsável pelo acidente, desconsiderando todo o contexto no qual ele e seus colegas estão inseridos. Assim, diante dos dados apresentados por este estudo, evidencia-se que a organização do trabalho está diretamente relacionada ao estabelecimento e ao aumento dos riscos de acidentes.
2.2. A captura da subjetividade
Um dos aspectos mais marcantes, ao longo das entrevistas, foi a atuação da organização do trabalho no processo de submissão dos trabalhadores, inviabilizando a expressão da subjetividade no trabalho, incluindo as vivências de prazer e sofrimento. Na prática, a organização do trabalho atua no controle e na submissão dos corpos, através do modelo de produção, e na captura da subjetividade, através do discurso organizacional incutido nos programas de treinamento e desenvolvimento, nos programas de metas, na remuneração e nas políticas de recursos humanos de modo geral.
Dejours (2007) afirma que os trabalhadores submetidos a essa nova forma de dominação vivem constantemente ameaçados. O medo de perder o emprego faz com que as condutas, que vão desde a obediência até a submissão, sejam reforçadas. O autor ressalta ainda que a quebra da reciprocidade entre os trabalhadores desliga o sujeito do sofrimento do outro que se encontra em sofrimento na mesma situação. Corroborando essa discussão, Alves (2010) fala sobre a captura da subjetividade, que trata da captura da intersubjetividade e das relações sociais. Esse seria o movimento que poderia explicar a dissolução do coletivo de trabalho e o surgimento de equipes conhecidas como colaborativas, que incorporam os ideais da empresa como se fossem seus próprios ideais.
Os trabalhadores estão atravessados por controles e isso pode ser entendido, também, como uma forma de violência no trabalho. Outros modos de violência podem ser citados, como, por exemplo, o próprio discurso da empresa, que é paradoxal e enganador, as manifestações da servidão voluntária, formas de poder e de controle, a comunicação ambígua e difusa, além das manifestações de normopatia e de alienação (Calgaro, 2010). O trabalhador encontra-se tão atravessado pela sua profissão que as características que precisam ser transformadas são as suas, ou seja, ele precisa adaptar-se; nada pode ser transformado. Assim, mesmo com toda a rigidez da organização, os trabalhadores entendem que essa nova forma de trabalhar é uma evolução, que os auxilia na forma de realizar suas atividades.
Como nada além dos processos pode ser transformado, não é surpreendente observar que os trabalhadores não conseguem relatar nenhuma dificuldade.Calgaro (2010) menciona que, de maneira sutil, as empresas seduzem os trabalhadores e suas famílias a adotarem seus projetos como se fossem seus e esse movimento cria uma rede amorosa de compromissos e promessas imaginárias.
A submissão, ou a servidão voluntária, é considerada uma patologia que apresenta a radicalização dos modos de organização do trabalho, que se baseia nos princípios da racionalidade econômica e da flexibilização do capital. Quando tais elementos estão associados, pressupõem a submissão consentida e legitimada da naturalização e da banalização do sofrimento e das injustiças do mal como modo de garantir a produtividade. Surgem, então, os adoecimentos psicossomáticos, as fobias, a depressão e, até mesmo, o suicídio (Mendes, 2007). As informações coletadas apresentam o quanto essa organização do trabalho pode ser disciplinadora dos sujeitos e, a cada fala, tal percepção acaba sendo reforçada.
Reinaldo: é política da empresa, né, você entra na empresa e, é assim... primeiro lugar disciplina.
Essa organização do trabalho envolve os sujeitos de tal forma que o discurso do lucro, da produção e das metas faz com que cada trabalhador se apresente como se fosse o proprietário da empresa. O toyotismo faz com que o trabalhador se torne seu próprio explorador e, assim, a lógica de manipulação vai se construindo. O entrevistado Reinaldo comenta essa exigência, porém concorda que precisa ser dessa forma e internaliza o discurso da empresa. Assim, os fatores de sofrimento, que poderiam ser questionados e transformados coletivamente, acabam sendo explicados e esclarecidos.
Reinaldo: hoje, se tu vai ver, tu ganha o lucro em cima do custo, reduzindo custo, é que nem o cara da palestra falou... dá pra apertar mais um quarto de volta, né, (risos) todo mundo dá pra apertar mais um quarto de volta! Então, em casa é assim também ... começa a apertar um pouquinho, né, e vai cortando sempre uma coisinha, né! imagina uma empresa que lida com milhões, né! Qualquer migalhinha é um, né!
Esse elemento, porém, quando associado às outras características anteriormente citadas, contribui para o fenômeno da servidão voluntária (Mendes, 2007). É como se o sujeito se associasse a um discurso institucional, que o faz ignorar todas as suas vivências enquanto sujeito portador de um saber e de um sentir. Tais resultados apontam para o surgimento de uma nova categoria profissional, submetida, apática, colada com o discurso do lucro, da produtividade e, o mais preocupante, com pouco ou nenhum recurso de transformação e subversão dos modos de exploração.
Considerações finais
Este estudo teve o objetivo de analisar a organização do trabalho na indústria metalmecânica e suas interfaces com a saúde mental dos trabalhadores. Os resultados mostram que a organização do trabalho metalúrgico é caracterizada pelo extremo controle e rigidez, não dispondo de espaços para discussão e transformação de sua dinâmica, logo, os trabalhadores, sem qualquer possibilidade de reflexão, ignoram suas vivências assumindo o discurso organizacional. Esses processos, como apontado pela literatura, estão diretamente relacionados com a captura da subjetividade, com a banalização dos riscos e com a invisibilidade do sofrimento e das possibilidades de transformação do trabalho. Sendo assim, os resultados da presente investigação apontam para o processo de intenso sofrimento e risco de adoecimento dos trabalhadores entrevistados, evidenciando a necessidade de problematizar e repensar a organização do trabalho metalmecânico.
Sugere-se que novos estudos e, até mesmo, intervenções possam ser realizados a partir desta pesquisa. Afinal, problematizar as questões sobre a saúde mental no trabalho tem sua importância observada frente aos dados apresentados e discutidos neste trabalho. Espera-se que os resultados desta pesquisa colaborem com o desenvolvimento de estratégias coletivas que promovam a saúde mental de trabalhadores em geral e, em especial, daqueles que atuam no contexto metalmecânico. Cabe ainda ressaltar que se espera que esta pesquisa possa contribuir com estudantes, professores e pesquisadores e provocálos para que desenvolvam novas investigações sobre a saúde mental no trabalho, o que pode ter grandes repercussões na vida dos sujeitos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2016
Histórico
-
Recebido
03 Abr 2015 -
Revisado
19 Jun 2015 -
Aceito
13 Ago 2015