Open-access ENQUADRO E BANCO DOS RÉUS: RACISMO E SISTEMA DE JUSTIÇA

ARRESTO Y EL JUICIO: EL RACISMO Y EL SISTEMA DE JUSTICIA

STOP-AND-FRISK AND DOCK: RACISM AND JUSTICE SYSTEM

Resumo

A partir de reflexões que analisam o racismo como elemento estruturante do Brasil e de algumas teorias criminológicas, buscamos neste artigo analisar de que forma as questões raciais operam no sistema de justiça criminal. Seguimos os rastros de duas decisões jurídicas que, ao sinalizarem que um réu branco “não possui o estereótipo padrão de bandido” (Tribunal de Justiça de São Paulo [TJSP], 2016) e que um réu negro é “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça” (Tribunal de Justiça do Paraná [TJPR], 2020), apontaram explicitamente o componente racial como critério de diferenciação. A análise desse mecanismo revela um continuum de práticas e equipamentos, como em abordagens policiais e audiências de custódias, que fixam o sujeito negro no lugar de suspeição e perigo.

Palavras-chave: Racismo; Sistema de Justiça; Direito Penal; Abordagem policial; Audiência de custódia

Resumen

A partir de reflexiones que analizan el racismo como elemento estructurante en Brasil y de algunas teorías criminológicas, buscamos en este artículo analizar cómo operan las cuestiones raciales en el sistema de justicia penal. Seguimos el rastro de dos decisiones judiciales que, al señalar que un acusado blanco "no tiene el estereotipo estándar de un criminal" (Tribunal de Justiça de São Paulo [TJSP], 2016) y que un acusado negro es "seguramente miembro del grupo criminal, en razón de su raza” (Tribunal de Justiça do Paraná [TJPR], 2020), señalaron explícitamente el componente racial como criterio de diferenciación. El análisis de este mecanismo revela un continuo de prácticas y equipamientos, como en los acercamientos policiales y audiencias de custodia, que fijan al sujeto negro en el lugar de la sospecha y el peligro.

Palabras llave: Racismo; Sistema de justicia; Derecho penal; Abordaje policial; Audiencia de custodia

Abstract

Based on reflections that analyze racism as a structuring element in Brazil and on some criminological theories, we seek to analyze how racial issues operate in the criminal justice system. We followed the trail of two legal decisions that, by signaling that a white defendant “does not have the standard stereotype of a criminal” (Tribunal de Justiça de São Paulo [TJSP], 2016) and that a black defendant is “surely a member of the criminal group, because of his race” (Tribunal de Justiça do Paraná [TJPR], 2020) they explicitly pointed to the racial component as a criterion of differentiation. The analysis of this mechanism reveals a continuum of practices and equipment, as in police approaches and custody hearings, which fix the black subject in the place of suspicion and danger.

Keywords: Racism; Justice system; Criminal law; Police approach; Custody hearing

Introdução

Bomba a todo instante, num quadro ao léu Que é só enquadro e banco dos réu, sem flagrante (Emicida, 2019)

Em 2019 e em 2020 duas decisões judiciais foram amplamente publicizadas com o intuito de denunciar o racismo que escancararam, sinalizando a urgência de aprofundar os debates raciais nos estudos sobre o sistema de justiça. Recorrendo explicitamente a diferenciações raciais, essas decisões tomaram a raça como argumento relevante, como na decisão de 2020 do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça” (TJSP, 2020) e na decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, em 2016: “O réu não possui o estereótipo padrão de bandido possui pele, olhos e cabelo claro” (TJPR, 2016).

Muito tem se falado do racismo que atravessa de forma muito intensa o sistema de justiça. A própria disparidade racial, que é visível na composição da magistratura e do sistema carcerário, nos levaria a pensar que tomar a questão racial como um elemento decisório não seria uma exceção nos tribunais. Então, porque essas duas, entre tantas outras, ganharam atenção?

Neste artigo, o objetivo é analisar essas decisões e outros mecanismos jurídicos, abrindo caminhos para pensar a forma silenciosa (mas não menos devastadora) e, muitas vezes, mascarada pelo formalismo jurídico e pela suposta neutralidade que o racismo opera no sistema de justiça, sobretudo no campo penal. Embora o sistema de justiça seja visivelmente desigual, há ainda certa resistência em compreendê-lo como racista, seja porque aqueles/as que o compõem entendem como um ataque pessoal, individualizando uma questão que deveria ser tratada como estrutural e coletiva (Almeida, 2018), seja porque também é atravessado pelo mito da democracia racial que compreende o Brasil como racialmente harmônico.

Apresentaremos inicialmente alguns apontamentos sobre as marcas históricas da questão racial no Brasil e no pensamento criminológico, que nos possibilitam compreender sua permanência nas relações no sistema de justiça. Na sequência, abordamos reflexões metodológicas para sinalizar a análise de documentos jurídicos como pistas para pensar os mecanismos de manutenção das desigualdades raciais. Analisamos em seguida duas decisões, colocando em questão os filtros raciais de instrumentos complexos que extrapolam o espaço específico do tribunal.

Justiça em branco e preto: herança brasileira e criminológica

Analisar o sistema penal no estudo do racismo e das relações raciais, como afirma Ana Flauzina (2006), nos coloca em um campo peculiar. Por vezes, ignora-se o racismo e coloca-se a classe em primeiro plano como produtora de desigualdades. Entretanto, esse movimento se torna mais difícil no caso do sistema de justiça porque sua própria composição o denuncia.

Parece que foi mesmo impossível sufocar a voz e abalar os sentidos quando as massas encarceradas e os corpos caídos estampavam monotonamente o mesmo tom... Se a criminalidade afetou decisivamente a imagem do negro, o racismo acabou também por afetar a imagem do sistema ... À margem de toda uma arquitetura do implícito, o enunciado sugere que o alvo primeiro do sistema penal está centrado na cor dos indivíduos. (Flauzina, 2006, p. 40)

Nesse sentido, é possível denunciar uma justiça bicromática. De um lado, os corpos negros estão nos bancos dos réus, nos presídios, na suspeição policial e no alvo das políticas de segurança pública como corpos a serem combatidos, encarcerados e exterminados. Por outro lado, os corpos brancos ocupam os cargos de poder, de privilégios e de decisão, já que em todas as áreas do Direito a composição racial do Judiciário é majoritariamente branca, masculina, com alto poder aquisitivo e alta escolaridade (Conselho Nacional de Justiça [CNJ], 2018).

A composição das posições de poder no sistema de justiça não diz respeito a sujeitos/as abstratos/as, mas a corpos que carregam marcas de privilégio bastante concretas da estrutura social. Essas marcas se traduzem em condições de vida que possibilitam o investimento de tempo e recursos financeiros na preparação para o ingresso em carreiras jurídicas e também condições simbólicas, quando oriundos/as de famílias com tradição jurídica (Freitas, 2019). Além disso, a branquitude ultrapassa a discussão do perfil da magistratura e se apresenta também em algumas imagens valorizadas nos espaços jurídicos, especialmente as que se referem a ideais brancos de aparência, além de uma identidade de roupas, linguagem utilizada, ambientes ocupados e etiquetas de tratamento.

Por outro lado, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2019), aproximadamente 67% das pessoas em privação de liberdade em penitenciárias são pretas ou pardas. O sistema carcerário, no entanto, é a ponta do sistema que, antes de prender definitivamente, aborda, acusa, julga, vigia, prevê comportamentos e criminaliza determinados sujeitos. Quais continuidades históricas essa configuração nos indica? Essa estrutura desigual se mostra articulada com a história do país, alicerçado na hierarquização de pessoas pela cor da pele, pela precarização e vulnerabilização de uns/umas e pelo privilégio de outros/as. Falar sobre racismo na história do Brasil pode evocar o falacioso argumento de que a escravização ficou no passado. No entanto, não é porque o regime em si foi finalizado que sua lógica não tenha sofrido atualizações desde o Brasil colônia.

Ao contrário de outros países, no Brasil pós-abolição não houve uma política de Estado assumidamente segregacionista, sendo que “a democracia racial foi instrumentalizada para assegurar o institucional, num jogo que enclausurou a imagem do racismo no âmbito privado” (Flauzina, 2006, p. 39), escondendo o racismo na ideia de igualdade formal. Houve grande esforço das elites para garantirem o controle e a exclusão do contingente de pessoas negras que foram libertas, utilizando o sistema de justiça criminal para a manutenção das desigualdades.

Era preciso garantir a produção da desigualdade sem revelar a fonte. Para uma sociedade pintada de cor de rosa, um Estado “neutro” e justo em termos raciais. Estávamos mesmo a dois passos do paraíso ... Não houve método de controle mais eficiente que garantisse o paradoxo entre corpos subjugados e consciências tranquilas. (Flauzina, 2006, p. 39)

Na escravização legalizada, a elite branca possuía a propriedade dos escravizados e, portanto, tinha o direito de matar, agredir e torturar, uma relação semelhante àquela entre soberanos e súditos (Foucault, 2010, p. 202). A abolição representaria a virada da soberania para a biopolítica, caracterizada pelo direito de fazer viver ou deixar morrer. No entanto, a ênfase nos mecanismos de produção da vida, na biopolítica, não dá conta de contextos sociais provenientes da colonialidade, pois aqui “a vida (a bios) não foi o lugar historicamente onde as redes de poder encontraram territórios privilegiados, mas a morte e a possibilidade do matável constituiu o organizador das relações sociais” (Fátima, 2018, p. 22).

Outros mecanismos foram criados para que o poder da branquitude de punir permanecesse, sob argumentos que não utilizassem explicitamente a raça como critério de diferenciação do/a sujeito/a a ser combatido/a, mas que continuassem fortemente atrelados ao racismo. A vigilância e suas fundamentações passam a ser mais sutis, porém, com a finalidade de manterem intacta a lógica escravista: “Estão aí as bases da afirmação tão contemporânea e verdadeira de que, afinal, todo camburão tem um pouco de navio negreiro” (Flauzina, 2006, p. 72).

Assim, esses esforços ocorreram em dimensões mais difusas e com foco em determinadas práticas próprias do modo de viver dos ex-escravizados/as como, por exemplo, a perseguição aos cultos das religiões de matriz africana e às manifestações culturais da população negra como a capoeira e as rodas de samba, ambas compreendidas como perturbadoras da ordem. Além disso, a criminalização do que se nomeou “vadiagem”, embora não deixasse explícito que o alvo era a população negra, se direcionava a ela, pois, recém-liberta, não contou com projetos de integração à sociedade, emprego e moradia (Flauzina, 2006).

Nessa mesma lógica, políticas incentivaram a imigração de europeus para o Brasil, numa tentativa de branqueamento da população e extinção da população negra a longo prazo. A narrativa política estava ancorada no discurso criminológico e científico da época, que efetivamente fez uso de seu status de ciência para hierarquizar raças e vidas (Foucault, 2010). Assim, circulou na sociedade brasileira a associação entre negritude e inaptidão para o trabalho que sustentou o investimento na vinda de imigrantes (Flauzina, 2006).

Além disso, a narrativa do mito da democracia racial mergulhou o país em um mundo fantasioso de negação do racismo e dos inúmeros privilégios da branquitude. A negritude é colocada como a outra identidade, mas a branquitude não se coloca em análise enquanto identidade racializada, embora colha muitos frutos dela: “é a visão de quem tem tudo, menos cor, onde a cor importa demais” (Emicida, 2019). Assim, constitui-se a colonialidade à brasileira, composta pelo mito da democracia racial, a miscigenação como um mandato e a idealização do embranquecimento da população.

Há, portanto, reatualizações cotidianas de elementos da colonialidade “através da hierarquização, subjugação e possibilidade de desumanização de um conjunto de outras/os que não estão inseridas/os na hegemonia branca” (Lima, 2020, p. 83). Por essa razão, a cegueira racial que ronda os diversos âmbitos da sociedade não é apenas desconhecimento histórico ou desconsideração das origens raciais do Brasil, já que “este silêncio e cegueira permitem não prestar contas, não compensar, não indenizar os negros: no final das contas, são interesses econômicos em jogo” (Bento, 2002, p. 03).

Além das especificidades da história do Brasil, as questões raciais no sistema jurídico permanecem com marcas do racismo científico impregnado nos discursos criminológicos, que atribuíam características específicas conforme a raça. As formas de vigilância, controle e punição na sociedade disciplinar incidem sobre ações, mas também sobre certa virtualidade do/a sujeito/a, sobre aquilo que ele/a poderia fazer, no risco ou perigo que representa. Uma suposta natureza do/a criminoso/a determinando quem seriam os/as indivíduos/as intrinsecamente perigosos (Foucault, 2001).

Nesse contexto, a Criminologia, apoiada no positivismo científico, ocupa um importante espaço no pretenso conhecimento sobre a natureza do crime e do/a criminoso/a e, embora carregue um discurso contraditório e impreciso, leva para o Judiciário uma racionalidade supostamente científica e amplamente utilizada para mascarar sua função repressiva a partir de discursos de humanização e neutralidade (Rauter, 2003). Na criminologia clássica, Cesare Lombroso se tornou um dos mais famosos ao teorizar sobre o “criminoso nato”, que “seria marcado por características biológicas naturalmente degeneradas que o dotariam de uma periculosidade inata, uma propensão ao crime” (Bicalho, Kastrup, & Reishoffer, 2012, p. 58).

Ao final do século XIX, juntamente com os esforços para a construção de uma identidade nacional, as ideias lombrosianas desembarcam no Brasil, se encaixando nos objetivos de manutenção das hierarquias sociais e raciais, “produzindo efeitos concretos, que resultaram num reaparelhamento do Judiciário, ampliando seus dispositivos de controle e repressão” (Rauter, 2003, p. 24). É no casamento entre essa teoria e o desejo de deixar intactas as estruturas raciais em um país recém-saído da escravidão que a população negra se torna alvo principal do sistema penal. Nina Rodrigues foi um dos responsáveis por propagar, no Brasil, as ideias de que negros e indígenas seriam, por natureza, inferiores em termos de desenvolvimento psíquico e, por isso, propensos a cometerem determinados tipos de crimes, enquanto colocava o homem europeu no posto de estágio mais avançado de civilização (Rauter, 2003). Essas ideias foram reconfiguradas para caberem em um país que se autointitula como paraíso racial, mas não abre mão da arquitetura racista a partir da modernização de antigos instrumentos de controle e vigilância social (Goés, 2017).

Embora os termos e fundamentos explicitamente racistas das teorias criminológicas apresentadas tenham perdido espaço, a lógica que as sustentou parece permanecer nas práticas jurídicas de hoje. Certamente bastante disfarçadas com termos técnicos, legalismos e supostas neutralidades, mas que não precisam ser muito dissecadas para mostrarem que as teorias raciais não ficaram no passado tanto quanto gostaríamos.

Diante desse cenário mais amplo, propomos pensar como essas questões operam no sistema de justiça atualmente. De quais formas a população negra é colocada no centro da suspeição criminal, sendo recorrentemente exposta à violência estatal? Para direcionar essas questões, analisaremos duas decisões proferidas em 2016 e 2020 pelo TJSP e pelo TJPR, buscando pistas sobre os modos de funcionamento dos filtros raciais que extrapolam as decisões e são condições de possibilidade para o surgimento de algumas dessas aparições.

No rastro dos documentos: aspectos metodológicos para pensar raça e sistema de justiça

A pesquisa documental tem sido utilizada como estratégia metodológica em diversas áreas do conhecimento, tomando como documentos as decisões jurídicas de diferentes tribunais brasileiros. Entretanto, o intuito de debater as relações raciais nos impõe desafios metodológicos específicos. Como o objetivo era compreender o uso da questão racial na tomada de decisões, a busca por descritores não se mostrava produtiva porque o uso desse critério não costuma ser explicitado nos documentos.

Essa omissão pode estar relacionada com a realidade traumática da própria violência colonial, que retira o caráter humano do/a sujeito/a negro/a, refletindo “seu caráter indizível” (Lima, 2020, p. 89). Esse silenciamento tem pouca relação com o reconhecimento da violência, tendo em vista que o uso do critério racial, mesmo quando não explicitado, se faz presente na composição de corpos puníveis. Assim, não abordar a questão racial se transforma numa estratégia de manutenção das hierarquias.

O documento carrega pistas, tanto no que pode constar no seu registro quanto no que será excluído, sendo “uma montagem de práticas históricas, na época da sociedade que o produziu, de acordo com interesses em jogo e disputas que o alimentam, fazendo-se necessário interrogá-lo” (Lemos, Nogueira, Reis, & Arruda, 2020, p. 4). Nesse sentido, os documentos não são materiais que finalizam a análise, mas fazem proliferar outros enunciados e mecanismos que os tornaram possíveis.

Como estratégia metodológica, tomamos como materiais disparadores das análises duas decisões jurídicas que explicitam o argumento racial e que foram noticiadas em 2019 e 2020. Entendemos que, apesar de parecer um material reduzido e o processo de seleção ter acontecido devido à repercussão das decisões, esses documentos rompem a máscara de silenciamento e possibilitam a análise de como o argumento faz funcionar o enquadramento racial, permitindo também a análise de mecanismos anteriores ao momento do tribunal.

A decisão de trabalhar com duas decisões que foram noticiadas ao abordarem explicitamente a raça como um dos elementos para a decisão jurídica permite visualizar pelo menos dois elementos. De um lado, a raça enquanto elemento que compõe a decisão e rompe a barreira do que não poderia ser dito nos documentos. Por outro lado, há também a possibilidade de estranhamento e denúncia desse argumento, possibilitando analisar movimentos de resistência, que “emanam de uma pluralidade de sujeitos/as que não compactuam mais com a dimensão de alienação e de violência na qual as vidas negras têm sido colocadas” (Lima, 2020, p. 89).

A partir da possibilidade de romper o silêncio ruidoso das práticas racistas no judiciário, buscamos a análise dos documentos como ponto de partida para pensar o próprio sistema, inspiradas nas ferramentas foucaultianas. Essa perspectiva reconhece que a produção e circulação de discursos é resultado de “batalhas travadas nas redes de instituições em que alguns saberes são permitidos de serem usados e falados, enquanto outros são silenciados” (Lemos et al., 2020, p. 10).

Assim, a investigação inspirada genealogicamente empreende a análise do documento como um espaço em que práticas e sujeitos se constituem historicamente. Nesse sentido, as duas decisões nos apresentam pelo menos duas vidas diretamente impactadas pelos discursos jurídicos. “O que as arranca da noite em que elas teriam podido, e talvez sempre devido, permanecer é o encontro com o poder: sem esse choque, nenhuma palavra, sem dúvida, estaria mais ali para lembrar seu fugidio trajeto” (Foucault, 2006, pp. 207-208). Vidas infames que se fizeram visíveis e dizíveis nos jogos de poder da instância jurídica e que aqui colocamos em análise.

Raça dita (em) decisões?

Conforme apresentamos, trabalharemos aqui com duas decisões que utilizam explicitamente a questão racial como argumento relevante para os julgamentos. Cabe dizer que não é objetivo deste trabalho analisar se os desfechos das decisões são válidos do ponto de vista processual, mas refletir sobre como a raça dos/as envolvidos/as no julgamento foi utilizada para fins decisórios. Assim, não analisamos quem fala como unidade ou identidade, mas a posição que as enunciadoras ocupam (Lemos et al., 2020).

Na primeira decisão, proferida na 5ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a magistrada decidia sobre um caso de tentativa de roubo qualificado ocorrido em 2013. Durante a produção de provas, o réu foi reconhecido tanto pela vítima quanto pela testemunha. A magistrada, para reforçar a condenação e confirmar a assertividade do reconhecimento, afirmou: "Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelo claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido” (TJSP, 2016, p. 04).

Pela descrição dada na própria decisão, fica evidente o atravessamento do racismo na construção do “estereótipo padrão” de quem é visto/a como criminoso/a. Talvez, desacostumada a ter contatos com réus brancos, a magistrada compreende que a vítima e a testemunha não poderiam ter se confundido, já que um sujeito branco que comete um crime parece ser uma exceção no banco dos réus. Importante ressaltar que, nesse caso, a identificação racial do réu como branco não atua no sentido de conceder benefícios (absolvição ou redução da pena), já que a decisão foi no sentido de condená-lo, mas de validar o reconhecimento pela peculiaridade associada ao reconhecimento de um homem branco. O que está em jogo aqui é que há certo estranhamento por parte da magistrada por ter que condenar um réu branco.

Ela sentiu angústia com o fato de um branco ser capaz de praticar um crime. Um ato comum ao negro, pois seria da sua essência, da essência de sua raça, nesse tipo de mentalidade. Nesse instante, não importa se a ontologia é social ou metafísica. A aflição quando um branco pratica algo que seria comum ao negro foi revelada nesta fonte jurídica. (Cardoso, 2020, p. 89)

A partir dessa lógica, podemos pensar em como atua o filtro racial nas decisões. Se a magistrada entende que, em regra, criminosos/as não terão olhos e pele clara, será que em suas decisões para conceder a liberdade ou manter a prisão esse raciocínio faz com que ela atue de forma igualitária ao se deparar com um/a preso/a em flagrante negro/a e um/a branco/a? Qual deles/as representaria o perigo e, portanto, deveria ficar sob a tutela do Estado? O suposto formalismo jurídico é capaz de apagar séculos da ideia que associa a negritude à periculosidade? As reflexões aqui levantadas parecem apontar para uma resposta negativa a essa pergunta. Ainda nessa decisão a juíza argumenta no sentido de valorar a palavra dos policiais responsáveis pela abordagem e apreensão do réu. Segundo ela,

Não se pode desmerecer os depoimentos dos policiais militares. São eles agentes do Estado incumbidos de reprimir a criminalidade. Entender diversamente, invalidando a prova oral simplesmente por ter sido fornecida por policiais seria desprezar a atividade policial, com consequente aumento da impunidade, já que diversos crimes têm apenas policiais como testemunhas. Eventuais e pequenas contradições quanto a fatos secundários nos relatos policiais são irrelevantes e normais. (TJSP, 2016, p. 07)

A atuação da polícia vem sendo apontada exaustivamente como violenta, racista e seletiva, o que não parece ser levado em consideração pela magistrada. Mesmo com contradições nos depoimentos, a palavra dos policiais é tida como verdade e autoriza a punição. Podemos pensar se contradições, ainda que pequenas, por parte do réu, seriam também consideradas como irrelevantes e normais para absolvê-lo, tendo em vista que um dos princípios básicos do Direito Penal coloca que em caso de dúvida, a decisão deve ser no sentido de absolvição.

Já na segunda decisão, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, a magistrada julgava sete réus pelo crime de constituição de organização criminosa e furto qualificado. Na primeira fase da dosimetria da pena, momento no qual é feito o cálculo da pena-base, levando em consideração os aspectos previstos no art. 59 do Código Penal (Decreto-Lei n. 2848, 1940), algumas questões importantes aparecem quando a magistrada avalia a conduta social dos réus e das rés. Nesse caso, como há mais de um tipo penal em análise e mais de um réu em julgamento, a dosimetria da pena ocorre mais de uma vez, para cada um dos tipos penais e para cada um dos réus, sendo que em todas as argumentações a conduta social foi utilizada para aumentar as penas.

No presente caso, a conduta social é negativa, pois o réu era visto há mais de um ano perambulando pelo centro da cidade, fingindo estar inserido na sociedade, buscando com isso um disfarce melhor para o cometimento dos crimes, pelo que essa circunstância deve ser considerada em seu desfavor. (TJPR, 2020, p. 70, 76, 80, 84)

A conduta social é negativa, pois a acusada não contribuía para com a sociedade com o seu comportamento, andando de um lado para outro no centro desta cidade, onde também segundo ela própria, consumia “crack”. É certo que duas testemunhas compareceram ao processo para abonar sua conduta social, que ao que se viu, ao menos na pequena cidade de Nova Laranjeiras, diferia totalmente da vida comunitária que a ré tinha aqui em Curitiba. (TJPR, 2020, p. 92, 94, 96)

Nessa argumentação, percebemos a extrapolação da pena do ato para o criminoso, ficando nítido que modos de vida que de alguma forma escapem de um certo espectro de normalidade sejam valorados negativamente. Podemos pensar que, no limite, existiriam modos certos ou errados, sendo que aqueles/as sujeitos/as que vivem em determinados enquadramentos sociais (pobreza, ausência de moradia, desemprego e uso de drogas) são punidos por isso, revelando o propósito higienista das políticas de segurança pública. Além disso, o enquadramento transborda também a própria conduta, que passa a ser analisada a partir do pertencimento racial.

Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente. (TJPR, 2020, p. 107, 109, 110)

Assim, é possível perceber que nessa decisão o componente racial aparece de maneira escancarada, utilizando o determinismo biológico que associa negritude à criminalidade como fundamentação para afirmar a participação dos/as réus/rés nos crimes julgados. A ruptura do silêncio sobre a utilização da raça como critério na produção de decisões jurídicas é impactante e permite que outras vozes se tornem audíveis.

Ao virem a público, essas duas decisões acionaram discursos de denúncia e também de negação da violência. Nos dois casos, houve manifestação de pessoas e entidades denunciando o caráter racista e cobrando medidas institucionais. Salientamos a carta denúncia do Movimento Negro Unificado do Paraná, que explicita a colagem entre raça e crime que a juíza realiza e afirma o “argumento extremamente discriminatório contra a população negra do país, criado exclusivamente para manter uma suposta supremacia branca, oficializando o racismo como critério persecutório e punitivo” (Movimento Negro Unificado do Paraná [MNU/PR], 2020).

No sentido contrário, houve a tentativa de negação do aspecto racista, alegando que se tratava de uma questão de interpretação. No caso da juíza do Paraná, houve o pronunciamento através de uma carta de “esclarecimento”, alegando que a frase foi retirada de contexto e que “em nenhum momento a cor foi utilizada - e nem poderia - como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa” (Zarpelon, 2020).

Após a repercussão das decisões, o CNJ solicitou a apuração dos dois casos aos respectivos tribunais de justiça dos estados. Na mesma linha da argumentação da magistrada, nos dois casos os tribunais de justiça decidiram pelo arquivamento das investigações. No caso do Paraná, a decisão foi unânime entre os 25 desembargadores, alegando que a forma como foi feita a redação produziu uma conotação equivocada de racismo. No caso de São Paulo, não houve divulgação dos argumentos utilizados no arquivamento. Em ambos tribunais não foi possível acessar a decisão na íntegra.

Diante da desigualdade racial que se traduz nos espaços de decisão e de encarceramento, é necessária uma grande descontextualização histórica e simplificação do cenário para dizer que a questão seria apenas um problema de interpretação de texto. Além disso, ao colocar como um problema de compreensão da frase, há um deslocamento que isenta o sujeito que enuncia e o sistema que ele compõe de prestarem contas, responsabilizando o outro, tornando-o “uma tela de projeção daquilo que o sujeito branco teme reconhecer sobre si mesmo” (Kilomba, 2019).

A análise ampliada desses dois documentos jurídicos não se restringe aos seus desdobramentos de denúncia ou negação do aspecto racial que carregam. Interessa-nos pensar também como esses documentos se produzem em mecanismos externos ao próprio tribunal, na compreensão do sistema de justiça como sistema complexo de controle e criminalização que desemboca na decisão penal. Assim, a produção dessas argumentações se torna possível como a formalização de um continuum de procedimentos, instituições e sujeitos.

Filtros raciais: da farda à toga

80 tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo Quem disparou usava farda (mais uma vez) Quem te acusou nem lá num tava (Emicida, 2019)

Analisando as decisões de forma ampliada, colocamos em questão mecanismos associados ao tribunal, como, por exemplo, o olhar de suspeição que inicia na abordagem policial. No Brasil, o alvo da suspeição e policiamento ostensivo é, majoritariamente, homem, jovem e negro, e essa construção se torna extremamente útil à manutenção do controle desses corpos, uma vez que “sua criminalização e sua consequente demonização regulam práticas sociais e institucionais de criação de ‘zonas de morte’, marcadas pela exclusão e pela aniquilação dos sujeitos que o habitam” (Barros, Bicalho, & Benício, p. 38, 2019).

Em relação às práticas policiais, as abordagens constituem a primeira filtragem racial (Barros, 2008) do sistema de justiça criminal, uma vez que demandam um olhar seletivo para situações, territórios, formas de vestir, andar, falar e, consequentemente, a determinados corpos. Como questiona Felipe Freitas (2020, p. 87): “quem é o sujeito que aciona na polícia e no sujeito policial a violenta emoção e as percepções de medo, risco e perigo?”

Segundo policiais entrevistados/as na pesquisa realizada por Jacqueline Sinhoretto e cols. (2014), as abordagens são feitas a partir de “fundada suspeita”, que envolvem “tipos” específicos que atribuem características negativas a culturas e grupos majoritariamente negros, pobres e jovens. A vigilância policial, ao colocar em ação esses enquadramentos, opera de forma racializada apesar dos/as profissionais negarem a existência do racismo e do filtro racial na instituição (Sinhoretto et al., 2014). Além disso, a categoria de “fundada suspeita” não encontra elementos concretos nas normas de conduta policiais, sendo transmitida informalmente (Sinhoretto et al., 2014).

Silvia Ramos e Leonarda Musumeci (2004), ao pesquisarem com policiais militares e com integrantes do movimento negro no Rio de Janeiro, se depararam com narrativas opostas entre si. As falas dos/as policiais carregam um forte tom de combate ao inimigo, enquanto os relatos dos/as jovens apontam como a atuação policial os coloca em posições de intimidação e humilhação. Na fala de um policial, há um detalhamento do filtro utilizado, enunciado como recomendação: “Procurem melhorar sua apresentação pessoal e melhorar a dicção. Arrancar o boné da cabeça, pentear o cabelo, vestir uma roupinha melhor e saber falar... ter menos o biotipo do marginal, ter mais o biotipo de cidadão” (Ramos & Musumeci, 2004, p. 12). Há similaridade na presunção de criminalidade que gera uma “fundada suspeita”, na fala do policial e no estranhamento do crime associado à figura do homem branco na decisão analisada. Nesse sentido, o branco levado ao tribunal parece ter burlado o próprio filtro institucional que o preserva da suspeição.

Assim, é possível analisar alguns detalhes dos mecanismos institucionais que mantêm o componente racial como elemento estruturante das práticas, sendo a polícia a porta de entrada, um primeiro filtro, mas não o único. Após a abordagem policial, dependendo de seus desdobramentos, ocorre a prisão em flagrante e entra em cena o Poder Judiciário.

A partir do reconhecimento do problemático cenário do sistema carcerário no Brasil, após o debate contraditório da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu as audiências de custódia como forma de tentar reduzir o contexto de hiperencarceramento. Após 24h do flagrante, definido conforme artigo 302 do Código de Processo Penal, deve ocorrer a audiência de custódia, instrumento criado pelo CNJ em 2015 e previsto no Código de Processo Penal. Essa audiência tem como finalidade garantir ao preso o direito de questionar a legalidade da prisão, bem como relatar episódios de violência e abuso policial. Nessa audiência, o juiz decidirá sobre a manutenção da prisão e conversão em preventiva, sobre a concessão da liberdade provisória ou a aplicação de outras medidas cautelares (Decreto-Lei n. 3689, 1941).

Apesar do objetivo inicial de garantir direitos às pessoas em privação de liberdade, pesquisa realizada por Lívia Lages e Ludmila Ribeiro (2019) demonstrou que essas decisões ocorrem num ritmo de linha de montagem automatizada: numa média de 10 a 15 minutos a liberdade do indivíduo é decidida (negada em uma quantidade significativa dos casos), sem que o caso seja analisado detalhadamente. A conversão do flagrante em prisão preventiva, conforme situações previstas nos artigos 312 e 313 do CPP (Decreto-Lei n. 3689, 1941), deveria ser exceção, mas a privação de liberdade se torna regra.

Conforme as argumentações dos documentos analisados, os critérios das audiências de custódia podem estar contaminados por concepções que associam condutas a certos/as sujeitos/as “em razão de sua raça”. Aqui atua um segundo filtro racial: quais sujeitos serão colocados em liberdade e quais serão mantidos encarcerados? Novamente, há a predominância dos estereótipos do “elemento suspeito” (Ramos & Musumeci, 2004), uma vez que são, majoritariamente, homens jovens, negros e de baixa escolaridade que serão mantidos presos (Lages & Ribeiro, 2019).

Outra questão que chama atenção é em relação à natureza dos crimes. Uma parcela significativa dos casos em que as prisões são mantidas referem-se aos crimes de tráfico de drogas, furto e roubo (Instituto de Defesa do Direito de Defesa [IDDD], 2019), sendo que os testemunhos e documentos policiais são decisivos para a classificação dos indivíduos como perigosos (Lages & Ribeiro, 2019). No caso desses crimes, o que ocorre é que uma mesma conduta pode ser classificada de maneiras distintas, a depender dos critérios dos profissionais do direito e da segurança pública. Seria ingênuo afirmar que a cor da pele seria colocada explicitamente como critério para enquadrar alguém em uma das duas categorias previstas na legislação. No entanto, Salo de Carvalho (2015, p. 633) coloca que “na maioria das vezes, a cor do suspeito é encoberta ou mascarada por outros standards decisionais (atitude suspeita, presença em áreas de tráfico, antecedentes criminais).”

Em relação aos crimes contra o patrimônio privado, furto (menos grave) e roubo (mais grave), Freitas (2019) e Carvalho (2015) nos alertam que novamente a seletividade é colocada em jogo. Em relação aos crimes contra o patrimônio público é comum que ocorram manobras processuais para extinção da punibilidade pela reparação de danos. O mesmo esforço não é feito quando se tratam dos crimes contra o patrimônio privado, situações em que a reincidência é utilizada em desfavor do/a acusado/a. Para Carvalho (2015), um dos fatores que explicam o tratamento diferencial, nesses crimes, são os/as sujeitos/as que os praticam, possibilitando a manutenção da liberdade e dos privilégios dos primeiros e encarceramento e cerceamento de direitos dos segundos.

Assim, é possível compreender que a seletividade racial não está presente apenas numa instituição e permite questionar: “A justiça brasileira tem atuado mais como garantidora dos preceitos constitucionais ou como aliada dos processos de usurpação política e social que violam a população marginalizada do país?” (Flauzina & Pires, 2020, p. 1218). Apesar de ser mais fortemente visível na porta de entrada no sistema penal, personificada nos/as agentes de farda, as execuções e o encarceramento não são atividades exclusivas da polícia; o sistema de enquadramento racial só se consolida e produz o encarceramento seletivo através das instâncias jurídicas personificadas nos/as sujeitos/as de toga.

Considerações

Analisar a raça como um critério que se faz presente nos diferentes procedimentos e equipamentos do sistema de justiça criminal tem se mostrado um grande desafio. Os efeitos do racismo são evidentes na delimitação de corpos que julgam e de corpos que são puníveis, seja nas mortes resultantes de abordagens policiais, lidas como “autos de resistência”, seja no encarceramento massivo. Assim, o racismo se infiltra como uma espécie de “meta-regra interpretativa da seletividade, situação que permite afirmar o racismo estrutural, não meramente conjuntural, do sistema punitivo” (Carvalho, 2015, p. 649). Entretanto, a questão racial está envolta num pacto de silenciamento e mascarada por procedimentos que a colocam em prática sem nomeá-la.

Nosso objetivo neste artigo foi compreender como as questões raciais operam como elementos relevantes no sistema de justiça penal, tomando como disparadores duas decisões jurídicas que foram denunciadas por argumentar explicitamente a partir do componente racial. Essas decisões não são exceções no uso da questão racial. Na verdade, se diferenciaram do conjunto das jurisprudências e se tornaram públicas por deixarem ver, ou melhor, por enunciarem de maneira explícita o componente racial.

Assim, a análise buscou conectar esses documentos como pontos de emergência de discursos que são muito mais dispersos, estruturais e históricos. Nesse movimento, é necessário compreender como as relações raciais foram centrais na construção histórica do Brasil e se desdobram como herança nas relações sociais ainda hoje. Da mesma forma, é preciso levar em conta como, no desenvolvimento de certas noções científicas de análise criminológica, o determinismo racial se tornou relevante.

Nesse procedimento de racializar a análise do sistema jurídico, apostamos no reconhecimento e denúncia de um problema e também na possibilidade de nos responsabilizarmos pela construção de uma mudança. Nesse intuito, para que seja pensado um horizonte de mudança e para que “o amanhã não seja só um ontem, com um novo nome” (Emicida, 2019), é essencial que o problema seja reconhecido e nomeado. Esmiuçar as tramas cotidianas do racismo estrutural e institucional busca romper com o silenciamento que tem servido para a manutenção do racismo no sistema de justiça criminal.

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  • Financiamento: Projeto de pesquisa: “Justiça em preto e branco: modos de subjetivação, racismo e desigualdade” contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil, por meio da Chamada MCTIC/CNPq n. 28/2018 (Processo: n. 423434/2018-7) e do Edital PIBIC-UFMG/CNPq 05/2021.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2021
  • Revisado
    07 Dez 2021
  • Aceito
    08 Dez 2021
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