Open-access Seguimento a longo prazo de pacientes submetidos à revascularização do miocárdio com uso exclusivo de enxertos arteriais

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os resultados a longo prazo da cirurgia de revascularização do miocárdio com o uso exclusivo de enxertos arteriais em pacientes com doença coronariana triarterial. MÉTODOS: Avaliamos 136 pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio isolada, no período janeiro de 1995 e dezembro de 1997. Utilizaram-se 353 enxertos para revascularizar 449 artérias (média: 3,30 por paciente). Foram utilizadas a artéria torácica interna esquerda (99,2%), artéria torácica interna direita (56,6%), artéria radial (87,5%), artéria gastroepiplóica direita (20,5%) e uma artéria epigástrica inferior. Setenta e seis (55,8%) pacientes receberam enxertos compostos (em "Y") e 66 (48,5%) receberam anastomoses seqüenciais. RESULTADOS: A mortalidade hospitalar foi de 4,4%. No seguimento a longo prazo, (9,5 a 12,8 anos), 82,1% dos pacientes não apresentaram nenhum evento cardíaco. Vinte (17,9%) pacientes necessitaram de reinternação por eventos cardiovasculares; 15 com angina e cinco com infarto agudo do miocárdio, sendo que três apresentaram insuficiência cardíaca associada. Oito (7,1%) pacientes necessitaram de reintervenção por doença coronariana, sendo um reoperado e os demais submetidos a angioplastia com stent. A probabilidade estimada livre de eventos cardíacos foi de 98,2%, 95,4% e 84,2% em 1, 5 e 10 anos, respectivamente. Ocorreram 16 (14,2%) óbitos tardios, sendo quatro deles (3,6%) de causa cardíaca. Sobrevida actuarial em 12,8 anos por todas as causas foi de 85% neste grupo. CONCLUSÃO: Revascularização do miocárdio com o uso exclusivo de enxertos arteriais em pacientes com doença coronariana triarterial é um procedimento seguro, com bons resultados a longo prazo.

Revascularização miocárdica; Arteriosclerose; Artéria torácica interna; Artéria radial


OBJECTIVE: To evaluate the long-term results of the coronary artery bypass grafting with exclusive use of arterial grafts for patients with triple vessel disease. METHODS: We evaluated 136 patients who underwent isolated coronary artery bypass grafting between January 1995 and December 1997. 353 grafts were used for revascularization of 449 arteries (mean: 3.30 per patient). Grafts used were left internal thoracic artery (99.2%), right internal thoracic artery (56.6%), radial artery (87.5%), right gastroepiploic artery (20.5%) and one inferior epigastric artery. 76 (55.8%) patients received composite grafts ("Y" shape) and 66 (48.5%) patients received sequential anastomoses. RESULTS: Hospital mortality was 4.4%. In the long-term follow-up (9.5 to 12.8 years), 82.1% of the patients were free of cardiac events. 20 (17.9%) patients had hospital readmission due to cardiac events: 15 presented angina and five presented acute myocardial infarction, and three of them presented associated heart failure. Eigth (7.1%) patients needed coronary reintervention: one of them underwent coronary bypass reoperation and the others underwent coronary angioplasty with stent. Estimated probability of cardiac event-free was 98.2%, 95.4% e 84.2% at 1, 5 and 10 years follow-up respectively. There were 16 (14.2%) late deaths and four of them (3.6%) were cardiac-related. Actuarial 12.8-year-survival of all deaths was 85% in this group. CONCLUSION: Coronary artery bypass grafting with exclusive use of arterial grafts is a safe procedure for patients with triple vessel coronary disease with good long-term results.

Myocardial revascularization; Arteriosclerosis; Mammary arteries; Radial artery


ARTIGO ORIGINAL

Seguimento a longo prazo de pacientes submetidos à revascularização do miocárdio com uso exclusivo de enxertos arteriais

Ahmad Ali AbdouniI; Luiz Augusto Ferreira LisboaII; Luiz Boro PuigIII; Carlos Eduardo TossuniamIV; Luís Alberto Oliveira DallanV; Fabio Biscegli JateneVI; Sergio Almeida de OliveiraVII; Noedir Antonio Groppo StolfVIII

IEspecialista em Cirurgia Cardiovascular-SBCCV

IIDoutor em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela FMUSP; Cirurgião Cardiovascular da Divisão de Coronariopatias Cirúrgicas do Instituto do Coração-HC-FMUSP

IIIProfessor Associado da FMUSP; Cirurgião Cardiovascular da Divisão de Coronariopatias Cirúrgicas do Instituto do Coração-HC-FMUSP

IVEspecialista em Cirurgia Cardiovascular-SBCCV

VProfessor Livre-Docente da FMUSP; Diretor da Divisão de Coronariopatias Cirúrgicas do Instituto do Coração - HC - FMUSP

VIProfessor Titular de Cirurgia Torácica do Instituto do Coração HC - FMUSP; Cirurgião Torácico e Cardiovascular

VIIProfessor Emérito da FMUSP

VIIIProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular - FMUSP; Diretor da Divisão de Cirurgia do Instituto do Coração INCOR-HC-FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência : Ahmad Ali Abdouni Rua Artur Prado, 588 - apto. 151 - Bela Vista São Paulo - SP. CEP: 01322-000 E-mail: dr.ahmad@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os resultados a longo prazo da cirurgia de revascularização do miocárdio com o uso exclusivo de enxertos arteriais em pacientes com doença coronariana triarterial.

MÉTODOS: Avaliamos 136 pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio isolada, no período janeiro de 1995 e dezembro de 1997. Utilizaram-se 353 enxertos para revascularizar 449 artérias (média: 3,30 por paciente). Foram utilizadas a artéria torácica interna esquerda (99,2%), artéria torácica interna direita (56,6%), artéria radial (87,5%), artéria gastroepiplóica direita (20,5%) e uma artéria epigástrica inferior. Setenta e seis (55,8%) pacientes receberam enxertos compostos (em "Y") e 66 (48,5%) receberam anastomoses seqüenciais.

RESULTADOS: A mortalidade hospitalar foi de 4,4%. No seguimento a longo prazo, (9,5 a 12,8 anos), 82,1% dos pacientes não apresentaram nenhum evento cardíaco. Vinte (17,9%) pacientes necessitaram de reinternação por eventos cardiovasculares; 15 com angina e cinco com infarto agudo do miocárdio, sendo que três apresentaram insuficiência cardíaca associada. Oito (7,1%) pacientes necessitaram de reintervenção por doença coronariana, sendo um reoperado e os demais submetidos a angioplastia com stent. A probabilidade estimada livre de eventos cardíacos foi de 98,2%, 95,4% e 84,2% em 1, 5 e 10 anos, respectivamente. Ocorreram 16 (14,2%) óbitos tardios, sendo quatro deles (3,6%) de causa cardíaca. Sobrevida actuarial em 12,8 anos por todas as causas foi de 85% neste grupo.

CONCLUSÃO: Revascularização do miocárdio com o uso exclusivo de enxertos arteriais em pacientes com doença coronariana triarterial é um procedimento seguro, com bons resultados a longo prazo.

Descritores: Revascularização miocárdica. Arteriosclerose/cirurgia. Artéria torácica interna. Artéria radial.

INTRODUÇÃO

A cirurgia de revascularização das artérias coronárias conquistou importante posição desde seu início em meados da década de 60. A veia safena sempre foi o enxerto mais utilizado para a confecção do bypass coronário [1,2], mas no final da década de 70 o enxerto de artéria torácica interna esquerda (ATIE) teve seu uso ampliado [3]. Desde então, a cirurgia de revascularização do miocárdio utilizando-se a combinação da ATIE com pontes de veia safena tornou-se o procedimento padrão aceito para o tratamento da doença das artérias coronárias, conduta que persiste até hoje na maioria dos centros de cirurgia cardíaca.

Entretanto, no seguimento a longo prazo após a cirurgia, temos observado, em alguns casos, recidiva dos eventos cardiovasculares em decorrência da progressão da doença aterosclerótica coronariana e da deterioração dos enxertos utilizados para revascularização do miocárdio [4,5]. Comparada à ATIE, que tem excelentes índices de patência em 10 anos - superiores a 90% -, a patência dos enxertos de veia safena neste mesmo período está em torno de 50% a 70% [5,6]. Inúmeros trabalhos têm reportado melhora dos resultados com a utilização da ATIE [6]. Beneficio adicional com respeito à morbidade e à mortalidade também tem sido reportado com a revascularização dos ramos da artéria coronária esquerda com as duas artérias torácicas internas [7,8]. Existe, portanto, a expectativa de que a revascularização do miocárdio com o uso exclusivo de enxertos arteriais melhore ainda mais estes resultados, visão esta que tem o suporte de alguns poucos estudos [9-12].

O objetivo deste estudo é avaliar os resultados a longo prazo da revascularização do miocárdio em pacientes triarteriais com o uso exclusivo de enxertos arteriais.

MÉTODOS

Foram avaliados 136 pacientes que foram submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio isolada com uso exclusivo de enxertos arteriais, no período de janeiro de 1995 a dezembro de 1997, no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR-HC-FMUSP). O Projeto de Pesquisa foi aprovado pela Comissão Científica do Instituto do Coração do HCFMUSP, sob protocolo nº 2051/02/58.

Todos os procedimentos foram eletivos, e representavam primeira cirurgia de revascularização do miocárdio, sendo realizados pelos cirurgiões da Unidade de Cirurgia de Coronariopatias da instituição. Pacientes que se submeteram a cirurgia de emergência, com suporte mecânico ou com fração de ejeção menor que 35% no préoperatório, revascularização do miocárdio incompleta, reoperação ou com necessidade de procedimento cirúrgico combinado foram excluídos desta casuística. As características dos pacientes são descritas na Tabela 1. Os pacientes foram operados com o auxílio da circulação extracorpórea e a proteção miocárdica foi feita por meio de pinçamento intermitente da aorta, em 44,1% dos pacientes, e por meio de cardioplegia sanguínea anterógrada, em 55,9%. Foram utilizados no total 353 enxertos para a revascularização de 449 artérias (média de 3,3 anastomoses por paciente), sendo 135 (99,2%) artérias torácicas internas esquerda - ATIE, 77 (56,6%) artérias torácicas internas direita - ATID, 119 artérias radiais - AR (87,5% - 118 AR esquerda e uma AR direita), 28 (20,5%) artérias gastroepiplóica direita - AGED, e uma artéria epigástrica inferior. Um total de 76 (55,8%) pacientes recebeu ao menos um enxerto arterial composto (em forma de Y) e 66 (48,5%) receberam enxertos seqüenciais para duas ou três artérias.

Menos da metade dos pacientes era procedente da região da grande São Paulo (49,2%), sendo que os demais vieram de outras cidades, estados, inclusive uma paciente de outro país, o que dificultou a localização para seguimento. Os pacientes foram contatados por telefone ou avaliados ambulatorialmente. Foram obtidos, então, os dados da evolução a longo prazo, incluindo sobrevida total, ocorrência de óbito de causa cardíaca, e ocorrência de eventos cardíacos, incluindo angina, infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e necessidade de reintervenção (cirurgia ou angioplastia). O tempo médio de seguimento foi de 10,9 anos, e variou de 9,5 a 12,8 anos. Sobrevida global, sobrevida livre de eventos coronarianos e de reintervenções, assim como as probabilidades livres de eventos e reintervenções cardíacas, foram obtidas pelo método de Kaplan-Meier.

RESULTADOS

Dos 136 pacientes que se encaixaram nos critérios de inclusão, 111 (81,6%) evoluíram sem nenhuma complicação no período pós-operatório hospitalar. Vinte e cinco (18,4%) pacientes apresentaram algum tipo de complicação, sendo que seis destes foram a óbito (mortalidade hospitalar de 4,4%). As complicações mais freqüentes foram infecção pulmonar (oito casos), infecção de ferida operatória (oito casos - sendo uma mediastinite, uma ressutura de esterno e seis infecções superficiais - tratados clinicamente), arritmia (cinco casos, todos fibrilação atrial) e acidente vascular cerebral isquêmico em dois casos. O período de internação variou de 6 a 66 dias (média de 9,15 dias). Dos 130 pacientes que receberam alta hospitalar, obtivemos seguimento completo (9,5 a 12,8 anos) de 112, o que representa 86,2% do grupo.

No seguimento a longo prazo, 82,1% dos pacientes não apresentaram nenhum evento cardíaco em até 12,8 anos de seguimento. Vinte (17,9%) pacientes tiveram reinternação hospitalar secundária a problemas cardiológicos: 15 pacientes (13,4%) apresentaram recorrência da angina e cinco (4,5%) evoluíram com infarto agudo do miocárdio. Destes pacientes, três evoluíram com insuficiência cardíaca associada, de difícil controle, sendo que um deles morreu sete anos após a cirurgia. Todos estes pacientes foram reavaliados por meio de cineangiocoronariografia e oito (7,1%) pacientes necessitaram de reintervenção: um paciente precisou ser reoperado 8 meses após a cirurgia e os outros sete foram submetidos a angioplastia com stent. Destes, três foram submetidos a angioplastia em artérias não revascularizadas durante a cirurgia por não apresentarem lesão quando submetidos ao procedimento inicial. O período entre o procedimento inicial e o início dos sintomas variou de 6 a 147 meses (média: 84 meses ou 7 anos) e o período até a reintervenção variou de 8 a 150 meses (média de 92 meses ou 7,8 anos).

A probabilidade estimada livre de eventos cardíacos foi de 98,2%, 95,4% e 84,2%, em 1, 5 e 10 anos, e a probabilidade estimada livre de reintervenção coronariana foi de 99,1%, 99,1% e 92,8%, em 1, 5 e 10 anos, respectivamente. Ocorreram 16 (14,2%) óbitos tardios, sendo quatro (3,6%) deles de causa cardíaca. Sobrevida actuarial em 12,8 anos por todas as causas foi de 85% neste grupo (Tabela 2 e Figuras 1 a 5).


DISCUSSÃO

O sucesso da cirurgia de revascularização do miocárdio, o padrão-ouro para o tratamento da doença coronariana multiarterial, é limitado pela progressão da arterosclerose coronariana e pela degeneração dos enxertos utilizados para revascularização - principalmente quando se consideram os enxertos de veia safena a longo prazo [4,5]. As pontes de safena são o enxerto de escolha na maioria das instituições por motivos que incluem acessibilidade, facilidade de uso e os bons resultados no seguimento a curto prazo. Entretanto, à medida que se acumula certa experiência a respeito da patência dos enxertos no seguimento de 5 a 10 anos de pós-operatório, os enxertos de veia safena causam certa preocupação a respeito da sua durabilidade.

Três diferentes processos são interligados patofisiologicamente na evolução da doença dos enxertos de veia safena: trombose, hiperplasia intimal e arterosclerose. Apesar dos fatores que predispõem à deterioração destes enxertos serem os mesmos reconhecidos na doença das artérias coronárias, os efeitos patogênicos destes fatores de risco são amplificados pelas deficiências inerentes às veias como conduto, quando traspassadas para a circulação arterial coronariana [4]. Alguns estudos recentes têm demonstrado bons resultados para veias safenas sem válvulas - também chamadas de "veias boas" (88% de patência em 9 anos de seguimento) [13]. Entretanto, a maioria dos cirurgiões tem observado índices que variam de 50% a 70% de patência em 10 anos de seguimento, mesmo quando utilizadas para revascularização de grandes artérias, como a artéria descendente anterior, com resultante recorrência de angina e necessidade de reintervenção [4,5].

Em contraste, a ATIE tem demonstrado patência superior, com excelentes resultados clínicos [3,6]. Baseada na vantagem clínica do uso da ATIE houve, na última década, um ressurgimento no uso de outros enxertos arteriais como uma opção para melhorar os resultados a longo prazo da cirurgia [7,8,14-17]. Revascularização com uso exclusivo de enxertos arteriais (artéria torácica interna bilateral, artéria radial, gastroepiplóica e a epigástrica inferior) deve contemplar um prognóstico ideal. Este procedimento, entretanto, requer maior tempo operatório e pode ser tecnicamente mais difícil do que o procedimento previamente considerado padrão (ATIE combinada com enxertos de veia safena). Existe, portanto, a preocupação quanto ao aumento nos índices de complicações, o que tem resultado na restrição por muitos centros da utilização de múltiplos enxertos arteriais para pacientes jovens com menos comorbidades.

Desde o início da década de 70, quando inúmeras publicações [3,6] confirmaram os benefícios da utilização da artéria torácica interna (melhora da sobrevida, reduzida mortalidade operatória, menor índice de infartos perioperatórios e maiores índices de patência da ATIE), este enxerto tornou-se praticamente obrigatório em todas as cirurgias de revascularização do miocárdio. Em outra publicação da Cleveland Clinic, em 1994, fez-se o seguimento a longo prazo (18 a 20 anos) de pacientes que receberam ATIE para a artéria descendente anterior, comparando-se com pacientes que receberam enxerto de veia safena para a artéria descendente anterior, com ou sem enxertos adicionais para revascularização da artéria coronária direita ou ramos da artéria circunflexa. A sobrevida após 18 anos foi de 76% para os pacientes que receberam ATIE e 47% para aqueles que receberam ponte de veia safena, provando mais uma vez o benefício da utilização deste enxerto [6].

Seguiram-se, então, na década de 90, publicações que demonstraram melhora da sobrevida e menor necessidade de reintervenção para os pacientes tratados com o uso da artéria torácica interna bilateralmente, quando comparado ao uso unilateral deste enxerto [7,8]. A demonstração de que a realização de enxertos seqüenciais, em Y ou em T, é factível com a ATIE [18] e o uso do seio transverso como rota para a artéria torácica interna direita (ATID) para ganhar acesso ao lado esquerdo do coração [19] contribuíram para uma utilização mais ampla das artérias torácicas internas.

O enxerto de AR foi o segundo enxerto mais usado na nossa casuística, sendo empregada em 87,5% dos pacientes. Proposta para revascularização do miocárdio pela primeira vez por Carpentier et al., em 1971, foi abandonada dois anos depois devido à incidência de afilamento ou oclusão de 35% neste enxerto nas angiografias de controle. Vinte anos depois, o crescente interesse pela revascularização completa com uso exclusivo de enxertos arteriais, o melhor manuseio dos enxertos e os avanços dos agentes farmacológicos antiespasmo estimularam o renascimento dos enxertos de AR. Carpentier et al. obtiveram 100% de patência nas angiografias de controle realizadas precocemente e, aos 9,2 meses, 93,5% estavam patentes e livre de espasmo [14]. Desde então, muitos outros centros, principalmente na Europa, na Austrália, nos países orientais e no nosso meio, passaram a utilizar a AR como o segundo enxerto arterial de escolha, com bons resultados. Levantamento realizado no nosso meio comprovou patência de 84% a 92% da AR em 5 anos de seguimento [15].

Em 1987, trabalho pioneiro de Suma et al. [16] demonstrou a viabilidade do uso da AGED para cirurgia de revascularização do miocárdio, com bons resultados. Outros grupos também passaram a adotar rotineiramente este enxerto em grandes séries com bons resultados no seguimento clínico e angiográfico [20], e em associação com ambas as artérias torácicas internas [12,21]. No mesmo ano, Puig et al. [17] demonstraram a viabilidade da artéria epigástrica inferior como enxerto para revascularização do miocárdio, em mais um esforço para incrementar o uso de enxertos arteriais na revascularização do miocárdio. Os resultados com a sua utilização têm melhorado, à medida que cresce a experiência com a manipulação da artéria epigástrica inferior e esta artéria, antes utilizada somente como enxerto aorto-coronário, passou a ser utilizada na construção de enxertos compostos.

No início dos anos 90, alguns cirurgiões começaram a utilizar os enxertos compostos (anastomoses em Y ou T), objetivando uma mais ampla revascularização com enxertos arteriais. A utilização dos enxertos arteriais em "T", com a ATID livre anastomosada à ATIE in situ, passou a ter utilização mais ampla a partir de 1993, quando Tector et al. [18] apresentaram uma larga série utilizando esta técnica com bons resultados. Anastomosando a artéria torácica interna livre à ATIE in situ, o seu alcance aumenta em até 10 cm, podendo atingir qualquer ramo da artéria circunflexa ou artéria coronária direita. Esta técnica tornou possível a revascularização de quase todos os pacientes com doença coronariana triarterial somente com enxertos de artéria torácica interna, sem anastomoses na aorta ascendente, reduzindo a chance de embolização e eventos neurológicos.

Com todo este arsenal à disposição, diversos grupos passaram a adotar preferencialmente a utilização de enxertos arteriais. Taloulis et al. [9] obtiveram revascularização total do miocárdio com uso exclusivo de enxertos arteriais em 3220 pacientes em determinado período de 1998, utilizando exclusivamente as duas artérias torácicas internas e a AR esquerda, com mortalidade hospitalar de 0,75% e boa patência à avaliação angiográfica em 5 anos de seguimento; 97% para ATIE, 89% para a ATID e 91% para a AR. Bergsma et al. [12] realizaram cirurgias exclusivamente com enxertos arteriais utilizando as duas artérias torácicas internas e a AGED. Nestes pacientes, a probabilidade cumulativa livre de ocorrência de infarto agudo do miocárdio, reintervenção e angina aos 7 anos de seguimento foi de 97,3%, 95,4% e 85,4%, respectivamente. Em 1994, Tagusari et al. [10] demonstraram baixa mortalidade hospitalar (1,3%) e enxertos pérvios em 98% das avaliações precoces em 223 pacientes submetidos a revascularização somente com enxertos arteriais (média de anastomoses por paciente: 3,7), utilizando ambas artérias torácicas internas, a AR a AGED. Em outro estudo populacional com 53.727 pacientes de Ontário-Canadá (1991-2001), pacientes que receberam dois ou mais enxertos arteriais tiveram menos admissões hospitalares por causa cardíaca com maior sobrevida [11]. Em trabalhos com até 25 anos de seguimento, foi demonstrado que a ampliação do uso de enxertos arteriais na cirurgia de revascularização do miocárdio primária implica em incidência reduzida de reoperação coronariana [22].

Trata-se de procedimento muito difundido em outros países, porém com utilização ainda discreta em nosso meio, ainda que bons resultados a curto e médio prazo tenham sido previamente publicados no Brasil [23,24]. Kobayashi [25] concluiu num estudo populacional que a cirurgia de revascularização do miocárdio sem circulação extracorpórea (CEC) com uso exclusivo de enxertos arteriais tem se tornado o procedimento padrão no Japão, onde 60% de todos os procedimentos de revascularização do miocárdio são realizados sem CEC e 52% são realizados somente com enxertos arteriais, com mortalidade inferior a 1%, incluindo cirurgias de urgência.

Nossa pesquisa apresenta limitações, por se tratar de estudo retrospectivo, sendo difícil elucidar os critérios de indicação desta técnica cirúrgica e de escolha dos enxertos. Apesar do tempo transcorrido desde a cirurgia, todos os dados foram atualizados por meio de contato telefônico ou avaliação na instituição. Houve perda de seguimento de 13,8%, o que é considerado aceitável, considerando-se que ao longo deste seguimento todos os pacientes (100%) mudaram de telefone, 84% mudaram de endereço e 50,8% são provenientes de outras cidades ou estados (inclusive uma paciente de outro país - Chile), o que dificultou a localização destes pacientes.

Nosso estudo demonstrou que a cirurgia de revascularização do miocárdio com uso exclusivo de enxertos arteriais em pacientes triarteriais pode ser executada com bons resultados imediatos e no seguimento a longo prazo, equivalentes aos encontrados nos outros estudos. Entretanto, diferentemente do que vem acontecendo na maioria dos países, este procedimento não tem sido adotado como padrão, e tem sido indicado de forma muito restrita. O cirurgião deve tomar a decisão de escolher os melhores enxertos baseados nos dados préoperatórios e achados intra-operatórios, de modo a realizar a melhor cirurgia para cada paciente com melhores resultados a longo prazo. Estudos futuros deverão comparar estes resultados com os obtidos na cirurgia convencionalmente adotada (ATIE combinada com enxertos de veia safena) para definir mais claramente o papel dos enxertos arteriais na nossa população e a necessidade de ampliar e divulgar a ampla utilização destas técnicas.

Artigo recebido em 28 de março de 2008

Artigo aprovado em 15 de outubro de 2008

Trabalho realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

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  • Endereço para correspondência
    :
    Ahmad Ali Abdouni
    Rua Artur Prado, 588 - apto. 151 - Bela Vista
    São Paulo - SP. CEP: 01322-000
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      28 Mar 2008
    • Aceito
      15 Out 2008
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