Resumos
OBJETIVO: Determinar os fatores preditores independentes de ventilação mecânica prolongada em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica. MÉTODOS: Foram incluídos prospectivamente em um banco de dados eletrônico informações de pacientes submetidos ao procedimento de cirurgia de revascularização miocárdica no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, no período de julho de 2009 a julho de 2010. O total da amostra do estudo foi de 2952 pacientes, dos quais 77 permaneceram em ventilação mecânica por mais de 48 horas. Os pacientes foram divididos em dois grupos, baseados na duração da ventilação mecânica, o grupo com ventilação prolongada e o grupo sem ventilação prolongada. RESULTADOS: Após os ajustes dos fatores de confusão foi realizada análise multivariada, que identificou os seguintes fatores como preditores independentes de ventilação mecânica prolongada: idade (OR 1,06 IC 95% 1,03-1,09; P<0,001), insuficiência renal crônica (OR 3,52 IC 95% 1,84-6,74; P<0,001), doença pulmonar obstrutiva crônica (OR 2,65 IC 95% 1,38-5,09; P=0,004), cirurgia de revascularização miocárdica associada a outros procedimentos (OR 3,33 IC 95% 1,89-5,58; P<0,001) e tempo de pinçamento (OR 1,01 IC 95% 1,00-1,02; P=0,018). CONCLUSÃO: A identificação desses fatores possibilita o desenvolvimento de estratégias preventivas que diminuam o tempo de ventilação invasiva, uma vez que os pacientes em ventilação mecânica prolongada apresentam maior morbidade e mortalidade.
Revascularização miocárdica; Respiração artificial; Unidades de terapia intensiva
OBJECTIVE: To determine independent predictors of prolonged mechanical ventilation in patients undergoing coronary artery bypass graft surgery. METHODS: Data of patients undergoing coronary artery bypass graft surgery were included prospectively from July 2009 to July 2010. All data were input into an electronic database. The resulting cohort included a total of 2952 patients of which 77 remained more than 48 hours on mechanical ventilation. Patients were divided into two groups: 1) a prolonged ventilation group, needing mechanical ventilation for more than 48 hours and 2) not prolonged ventilation group, undergoing a successful extubation within 48 hours. RESULTS: After adjustment for confounding factors a multivariate analysis identified the following factors as independent predictors of prolonged mechanical ventilation: age (OR 1.06 95% CI 1.03 -1.09; P <0.001), chronic renal failure (OR 3.52 95% CI 1.84 - 6.74; P <0.001), chronic obstructive pulmonary disease (OR 2.65 95% CI 1.38 -5.09; P = 0.004), coronary artery bypass graft associated with other procedures (OR 3.33 95 % CI 1.89 - 5.58; P <0.001) and clamping time (OR 1.01 95% CI 1.00 -1.02; P = 0.018). CONCLUSION: The identification of these predictors allows the development of preventive strategies that could reduce invasive ventilation time, since patients on prolonged mechanical ventilation present greater morbidity and mortality rates.
Myocardial revascularization; Respiration, artificial; Intensive care units
ARTIGO ORIGINAL
Fatores preditores independentes de ventilação mecânica prolongada em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica
Raquel Ferrari PiottoI; Fabricio Beltrame FerreiraII; Flávia Cortez ColósimoIII; Gilmara Silveira da SilvaIV; Alexandre Gonçalves de SousaV; Domingo Marcolino BraileVI
IPós-Doutoranda - Supervisão Centro de Ensino e Pesquisa - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Autor Principal
IIDoutorado; Médico Assistente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil. Coautor
IIIDoutoranda; Enfermeira de Pesquisa - Centro de Ensino e Pesquisa - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Coautor
IVEspecialista; Enfermeira de Pesquisa- Centro de Ensino e Pesquisa - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Coautor
VEspecialista em Cardiologia; Médico Pesquisador - Centro de Ensino e Pesquisa - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Coautor
VIPró-reitor de Pós-Graduação da Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto, SP, Brasil. Editor-chefe da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. Coautor
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Raquel Ferrari Piotto Rua Maestro Cardim, 769 - Bela Vista São Paulo, SP, Brasil - CEP: 01323-900 E-mail: raquelfpiotto@yahoo.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Determinar os fatores preditores independentes de ventilação mecânica prolongada em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica.
MÉTODOS: Foram incluídos prospectivamente em um banco de dados eletrônico informações de pacientes submetidos ao procedimento de cirurgia de revascularização miocárdica no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, no período de julho de 2009 a julho de 2010. O total da amostra do estudo foi de 2952 pacientes, dos quais 77 permaneceram em ventilação mecânica por mais de 48 horas. Os pacientes foram divididos em dois grupos, baseados na duração da ventilação mecânica, o grupo com ventilação prolongada e o grupo sem ventilação prolongada.
RESULTADOS: Após os ajustes dos fatores de confusão foi realizada análise multivariada, que identificou os seguintes fatores como preditores independentes de ventilação mecânica prolongada: idade (OR 1,06 IC 95% 1,03-1,09; P<0,001), insuficiência renal crônica (OR 3,52 IC 95% 1,84-6,74; P<0,001), doença pulmonar obstrutiva crônica (OR 2,65 IC 95% 1,38-5,09; P=0,004), cirurgia de revascularização miocárdica associada a outros procedimentos (OR 3,33 IC 95% 1,89-5,58; P<0,001) e tempo de pinçamento (OR 1,01 IC 95% 1,00-1,02; P=0,018).
CONCLUSÃO: A identificação desses fatores possibilita o desenvolvimento de estratégias preventivas que diminuam o tempo de ventilação invasiva, uma vez que os pacientes em ventilação mecânica prolongada apresentam maior morbidade e mortalidade.
Descritores: Revascularização miocárdica. Respiração artificial. Unidades de terapia intensiva.
INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população é um fenômeno mundial. Estimativas apontam que o número de idosos no Brasil ultrapasse os 30 milhões de pessoas nos próximos 20 anos, o que representará quase 13% da população do país [1]. A doença arterial coronariana aumenta sua frequência com a idade e, nos dias de hoje, é uma condição de grande prevalência populacional em todo o mundo [2]. Segundo Beaglehole [3], a doença isquêmica do coração é a principal causa de morte nos países desenvolvidos, responsável por 30% dos óbitos por ano. O tratamento dessa condição por cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) tem aumentado significativamente a sobrevida [4]. Além disso, tem sido cada vez mais realizada em pacientes com idade avançada, os quais apresentam acometimento coronário mais extenso, artérias mais tortuosas, rígidas e calcificadas; entre outros fatores [5].
Desde a sua primeira descrição por Favaloro [6] e Garrett et al. [7], a CRM revolucionou o tratamento da doença coronariana e se tornou o procedimento cirúrgico de grande porte mais estudado e executado da história. O desenvolvimento de pesquisas nesse campo confere grande embasamento científico aos procedimentos de CRM, com a definição precisa de suas indicações, manejo intraoperatório e cuidados pós-operatórios, o que otimiza muito seus resultados [8].
O aperfeiçoamento contínuo e o avanço tecnológico, bem como a elevada prevalência da doença coronária no mundo, fizeram com que o procedimento tomasse propulsão. Atualmente, são realizadas, no Brasil, aproximadamente 350 cirurgias cardíacas por milhão de habitantes por ano, número que inclui também os implantes de marcapassos e desfibriladores. Esse índice é ainda menor que o dos Estados Unidos da América, com 2.000 cirurgias cardíacas por milhão de habitantes por ano, e do Reino Unido e Europa, com mais de 900 cirurgias cardíacas por milhão de habitantes por ano; o que sugere o potencial de crescimento futuro desses procedimentos no Brasil [8].
Apesar dos grandes avanços já alcançados nas CRMs, estudos ainda demonstram significativas taxas de complicações pós-operatórias, as quais aumentam o tempo de permanência hospitalar, elevam os custos e impactam em maior mortalidade [9]. A identificação dos fatores que possam influenciar a evolução clínica desses pacientes pode auxiliar na indicação cirúrgica, bem como prevenir complicações pós-operatórias. No Brasil, a taxa de mortalidade após cirurgia cardiovascular em hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) é de aproximadamente 8% [10]. Já nos Estados Unidos da América, encontra-se ao redor de 4%, segundo a Society for Thoracic Surgeons (STS) [11].
As complicações pulmonares são a principal causa de morbidade e mortalidade no pós-operatório de CRM. Fatores como procedimentos anestésicos, incisão cirúrgica, circulação extracorpórea (CEC), tempo de isquemia, técnica cirúrgica e drenos pleurais podem predispor o paciente à alteração da função pulmonar no pós-operatório. Além disso, a permanência em ventilação mecânica (VM) prolongada é um fator que contribui para essas complicações [12].
Pacientes submetidos à cirurgia cardíaca são geralmente capazes de retomar a ventilação espontânea logo que se recuperam da anestesia. No entanto, cerca de 2,6% a 22,7% dos pacientes necessitam de VM prolongada [13]. Aqueles que permanecem em VM no pós-operatório e com insucesso na remoção do suporte ventilatório apresentam mais complicações, como as infecções respiratórias, e maior mortalidade a curto e médio prazo; além do aumento do tempo de internação e elevação dos custos [14-16]. Logo, o conhecimento dos fatores preditores de VM prolongada nos pacientes submetidos a CRM é de fundamental importância para aperfeiçoar a condução desses casos.
O objetivo do presente estudo foi determinar os fatores preditores independentes de VM prolongada em pacientes submetidos à CRM.
MÉTODOS
Foram incluídos prospectivamente em um banco de dados eletrônico, informações de pacientes submetidos ao procedimento de CRM no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, com 18 anos idade ou mais, no período de julho de 2009 a julho de 2010. Esse banco contém dados de 3010 pacientes submetidos a CRM, o que contempla 69,6% do total de cirurgias realizadas no período. Esse percentual de perda de inclusão de pacientes no banco de dados ocorreu aleatoriamente, sem preferência por dia, horário, período, equipe, cirurgião ou condições dos pacientes.
A ficha de coleta de dados apresenta 243 variáveis com dados coletados de todas as catorze equipes de cirurgia cardíaca da Instituição. A equipe que mais contribuiu apresentou 81,4% dos seus pacientes incluídos, ao passo que a equipe que menos ofertou doentes teve 59,5% dos seus pacientes incluídos no banco. Todas as informações foram mantidas em caráter confidencial, assim como a identidade dos pacientes.
Para a proposta desse estudo, foi realizado um levantamento retrospectivo desse banco de dados. A VM prolongada foi definida como ventilação invasiva por mais de 48 horas. Os pacientes foram divididos em dois grupos, com base na duração da VM, o grupo com ventilação prolongada e o grupo sem ventilação prolongada. Foram excluídos 58 pacientes do total do banco, pois estes faleceram em um período inferior a 48 horas. Portanto, o total da amostra do estudo foi de 2952 pacientes, dos quais 77 permaneceram em VM por mais de 48 horas.
Neste estudo foram selecionadas as seguintes variáveis do banco de dados: sexo, idade, tempo de internação, índice de massa corporal (IMC), comorbidades prévias, indicação de cirurgia (eletiva ou urgência), tempo operatório, tempo de CEC, tempo de permanência na unidade de terapia intensiva (UTI), comorbidades adquiridas após a cirurgia e complicações operatórias e pós-operatórias.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, sob o parecer de número 657-10.
Considerações estatísticas
Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas descritivamente. Para as variáveis quantitativas, essa análise foi feita pela observação dos valores mínimos e máximos, e do cálculo de médias e desvios padrão. Para as variáveis qualitativas, calcularam-se frequências absolutas e relativas.
O teste t de Student foi utilizado para a comparação das médias entre dois grupos. Quando a suposição de normalidade dos dados foi rejeitada, foi utilizado o teste não-paramétrico de Mann-Whitney [17].
Para se testar a homogeneidade entre as proporções foi utilizado o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher (quando ocorreram frequências esperadas menores de 5) [17].
O modelo de regressão logística multivariado foi utilizado para a obtenção dos fatores prognósticos de VM prolongada [18].
O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%.
RESULTADOS
A idade média dos pacientes da amostra foi de 62,2 anos, sendo 69,9% dos pacientes do sexo masculino, 15,3% tabagistas, 82,8% hipertensos e 36,6% diabéticos.
As características clínicas pré-operatórias são descritas na Tabela 1. Os pacientes em VM prolongada, quando comparados aos demais, apresentaram idade mais avançada e maior prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), insuficiência cardíaca (IC), doença cerebrovascular e insuficiência renal crônica (IRC); além de maior tempo de internação pré-operatória.
A Tabela 2 apresenta as características intraoperatórias. Os pacientes no grupo de VM prolongada apresentaram proporção menor de casos com CRM isolada e maior tempo de pinçamento, quando comparados ao grupo dos extubados em menos de 48h (P<0,001).
A Tabela 3 apresenta uma análise univariada das variáveis pré-operatórias e intraoperatórias consideradas clinicamente relevantes como preditoras de VM prolongada. Foram considerados como fatores preditores de VM prolongada: idade, IC, doença cerebrovascular prévia, IRC, creatinina, DPOC, tempo de pinçamento, e CRM associada a outros procedimentos, inclusive valvulares.
Baseados nas Tabelas 1 e 2, tomamos as variáveis com P < 0,25 para compor o conjunto de variáveis candidatas a fatores preditores de VM > 48 horas. Utilizando-se o modelo de regressão logística com processo de seleção de variáveis "stepwise", observamos que: as variáveis idade, IRC, DPOC, CRM associada a outros procedimentos e tempo de pinçamento são preditoras independentes de VM 48> horas. A Tabela 4 apresenta esses resultados.
A Tabela 5 apresenta a distribuição das complicações pós-operatórias dos casos dispostos quanto a VM dividida em 48h. Observa-se que os pacientes em VM prolongada apresentaram proporção maior de complicações, quando comparados aos extubados em menos de 48h.
DISCUSSÃO
A realização da CRM necessita de suporte organizacional adequado [8]. Os resultados dependem das condições clínicas do paciente, experiência da equipe cirúrgica, cuidados de terapia intensiva e equipe multidisciplinar treinada; além de seguimento adequado no pós-operatório, a fim de se obter sucesso, com uma estadia curta e sem complicações [19].
Como reportado por Vincent A. Gaudiani: "O objetivo de um programa de cirurgia cardíaca é promover aos pacientes a mais segura e menos ameaçadora jornada pelo hospital" [20]. São essenciais para o sucesso desse procedimento, o tipo de doença cardíaca, seleção criteriosa de casos, o diagnóstico pré-operatório preciso, adequado preparo pré-operatório, equipe de anestesia especializada, cuidados intensivos pós-operatórios adequados, equipamentos específicos em bom estado de funcionamento, equipe multidisciplinar treinada, laboratórios rápidos e precisos, e banco de sangue capaz de atender demandas rápidas [8].
A VM prolongada após CRM ainda é comum nas UTIs, apesar dos grandes avanços conquistados nos últimos anos. No presente estudo, VM prolongada foi definida, de acordo com evidências científicas, como ventilação invasiva por mais de 48 horas [21-23]. Vários estudos demonstram que a incidência de VM prolongada nesses casos varia de 3,0 a 9,9% [24]. Dos 2952 pacientes incluídos neste estudo, apenas 77 (2,6%) permaneceram em VM por mais de 48 horas, taxa menor às encontradas na literatura.
A VM prolongada tem grande relevância clínica, pois está correlacionada com o aumento da morbidade e mortalidade; além de grande impacto econômico, devido ao aumento do tempo de internação e consequente elevação dos custos. O tempo de internação dos pacientes com VM prolongada pode ultrapassar 2 a 3 semanas e sua mortalidade hospitalar pode exceder em 40% à daqueles extubados mais precocemente [13]. Em um estudo realizado na Alemanha, o custo efetivo dos pacientes em VM por mais de 4 dias foi 18 vezes maior que o daqueles retirados da VM mais precocemente [25].
Logo, a identificação dos fatores preditores de VM prolongada é de extrema importância, pois permite a otimização daqueles pacientes com maior risco antes mesmo do início da cirurgia e auxilia o médico na gestão clínica pós-operatória, visando minimizar essa complicação [26].
Quanto às características pré-operatórias, os pacientes com VM prolongada apresentavam idade mais avançada. Esse grupo também teve maior tempo de internação pré-operatória, decorrente de sua condição clínica mais grave. Esses pacientes apresentaram maior prevalência de DPOC, IC, IRC e doença cerebrovascular, assim como observado em outros estudos (Tabela 1) [13,21,24,27-32].
A análise univariada demonstrou como fatores preditores de VM prolongada idade, IC, doença cerebrovascular prévia, IRC, creatinina > 2 mg/dL, DPOC, tempo de pinçamento e CRM associada a outros procedimentos, inclusive valvulares. Outros estudos também demonstraram esses fatores como preditores para VM prolongada (Tabela 3) [13, 24,27,29,30-32].
Pacientes com maior IMC apresentaram menor chance para VM prolongada (OR 0,94 IC 95% 0,88 - 1,00; P=0,035), o que é contrário aos dados de outros estudos. Jin et al. [33] observaram que a chance de VM prolongada aumenta significativamente com o aumento do IMC, e Wigfiel et al. [34] afirmaram que a obesidade é fator de risco para VM prolongada [21]. As médias de IMC dos pacientes da amostra estudada quando divididos em grupos quanto ao tempo de VM foram de 26 + 4,3 kg/m2 para o grupo com VM prolongada, e de 27 + 4,1 kg/m2 para o grupo com VM < 48h (P=0,036). Essa diferença, embora estatisticamente significante, não é clinicamente relevante, considerando-se a grande semelhança das médias de IMC dos dois grupos.
Após os ajustes dos fatores de confusão, foi realizada análise multivariada que identificou os seguintes fatores como preditores independentes de VM prolongada: idade, IRC, DPOC, CRM associada a outros procedimentos e tempo de pinçamento (Tabela 4).
O envelhecimento é um dos mais importantes fatores de mau prognóstico em CRM, geralmente associado a aumento de morbidade e mortalidade. Como demonstrado neste estudo, a idade é um fator preditor de VM prolongada, com odds ratio de 1,06. Esse resultado está de acordo com a maioria dos estudos publicados nessa área [21,27-30].
A IRC foi definida como creatinina sérica > 2,0 mg/dL, independente de os pacientes serem dependentes ou não de diálise. Sua incidência foi de 20,8% nos pacientes com VM prolongada, e de apenas 5,1% naqueles retirados da VM em menos de 48 horas. E foi o fator preditor mais forte encontrado neste estudo (OR 3,52 IC 95% 1,84 - 6,74; P<0,001). Outros estudos também demonstraram resultados semelhantes [26,27,29,32].
A DPOC é apontada na literatura como um forte preditor de VM prolongada [22,26,27,31] assim como em nosso estudo (OR 2,65 IC 95% 1,38 - 5,09; P=0,004). Estudos apontam que pacientes com DPOC têm taxa de mortalidade proporcionalmente maior [27]. Esses pacientes apresentam condição pró-trombótica, em decorrência do aumento da viscosidade sanguínea e da disfunção endotelial. Além disso, frequentemente compartilham comorbidades como aterosclerose, tabagismo e doença vascular sistêmica; e apresentam maior predisposição a complicações no pós-operatório [35-37]. Entretanto, alguns estudos não apontam a DPOC como preditor de VM prolongada [24,28-30,32].
A CRM associada a outros procedimento foi também um fator preditor de VM prolongada. Quanto à realização de procedimentos associados à CRM, o grupo de VM prolongada apresentou taxa de 33,8%, já o outro grupo, de 9,7% (P<0,001). Dentre esses procedimentos associados, as cirurgias valvulares foram as mais frequentes, correspondendo a 42,9% dos mesmos. Branca et al. [29] também constataram que a CRM associada a outros procedimentos aumenta o risco de VM prolongada. E Rajakaruna et al. [38] observaram aumento de 8,5 vezes no risco de VM prolongada em pacientes que realizaram cirurgia aórtica associada à CRM.
Os pacientes do grupo com VM prolongada apresentaram tempo de pinçamento significantemente maior, com média de 60,2 + 39,0 min, quando comparados aos do outro grupo, com 46,1 + 21,8 min (P<0,001). Esse também foi um fator preditor de VM prolongada (OR 1,01 IC 95% 1,00 - 1,02; P= 0,018). Diversos outros estudos confirmam essa associação [22, 24,29-32].
Como já demonstrado na literatura, os pacientes que permanecem em VM prolongada apresentam maior morbidade e mortalidade [22,24,26-32]. Neste estudo, esses pacientes apresentaram significativamente maior taxa de reoperação e maior incidência de complicações. Dentre estas, figuram como as mais relevantes, as complicações pulmonares, arritmias, infecciosas, gastrointestinais, neurológicas e renais. O tempo de permanência desses pacientes na UTI foi, em média, de 14,1 + 13,1 dias, enquanto os pacientes que foram retirados da VM em menos de 48 horas ficaram, em média, apenas 2,1 + 3,5 dias (P<0,001). Além disso, a mortalidade desses pacientes foi significativamente maior, com uma taxa de 58,44%, enquanto a mortalidade daqueles com VM menor de 48h foi de apenas 2,26% (P<0,001); o que representa uma chance de óbito 25,5 vezes maior nos pacientes com VM prolongada. Outros estudos também demonstram altas taxas de mortalidade nos pacientes com VM por mais de 48 horas, com valores de 18,5% [27], 22,3% [29] e 36,3% [32].
Diversas publicações anteriores avaliaram os fatores preditores de VM prolongada. Entretanto, em sua maioria, esses estudos são retrospectivos e com período de coleta de dados extenso (duração média de 4 a 5 anos), a fim de obter uma amostra significativa. Essas características podem levar ao acúmulo de vieses decorrentes de modificações no perfil dos pacientes durante o período de coleta, e variações de funcionamento do próprio serviço. O presente estudo, por sua vez, obteve uma amostra significativa, de 3010 pacientes, em apenas um ano de coleta, o que minimiza esses efeitos. Até onde seja do nosso conhecimento, não há nenhum estudo publicado com essas dimensões que tenha avaliado os fatores preditores de VM prolongada em pacientes submetidos à CRM em um período de avaliação tão curto (base de dados PubMed e LILACS).
A natureza retrospectiva do presente estudo pode conferir limitações inerentes ao seu desenho. Além de possíveis vieses de seleção, a interpretação dos resultados não permite determinar a causalidade das associações entre as variáveis. Embora o percentual de perda de inclusão de pacientes no banco de dados tenha ocorrido aleatoriamente, o mesmo também confere uma limitação do estudo, pois pode ter contribuído para um viés de seleção da amostra.
CONCLUSÃO
São fatores preditores independentes de ventilação mecânica prolongada: idade, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência renal crônica, tempo de pinçamento e cirurgia de revascularização do miocárdio associada a outros procedimentos. A identificação desses fatores possibilita o desenvolvimento de estratégias preventivas que diminuam o tempo de ventilação invasiva, uma vez que os pacientes em ventilação mecânica prolongada apresentam maior morbidade e mortalidade.
Artigo recebido em 31 de agosto de 2012
Artigo aprovado em 8 de novembro de 2012
Trabalho apresentado no 67º Congresso Brasileiro de Cardiologia - Recife, PE, Brasil, no período de 14 a 17 de setembro de 2012.
Trabalho realizado no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
- 1. Fundação IBGE. Informações estatísticas e geocientíficas. Disponível em: http://www.ibge.gov.br
- 2. Anderson AJPG, Barros Neto FXR, Costa MA, Dantas LD, Hueb AC, Prata MF. Preditores de mortalidade em pacientes acima de 70 anos na revascularização miocárdica ou troca valvar com circulação extracorpórea. Rev Bras Cir Cardiovasc 2011;26(1):69-75.
- 3. Beaglehole R. International trends in coronary heart disease mortality, morbidity, and risk factors. Epidemiol Rev. 1990;12:1-15.
- 4. Booth J, Clayton T, Pepper J, Nugara F, Flather M, Sigwart U, et al; SoS Investigators. Randomized, controlled trial of coronary artery bypass surgery versus percutaneous coronary intervention in patients with multivessel coronary artery disease: six-year follow-up from the Stent or Surgery Trial (SoS). Circulation. 2008;118(4):381-8.
- 5. Iglézias JCR, Oliveira Jr. JL, Dallan LAO, Lourenção Jr. A, Stolf NAG. Preditores de mortalidade hospitalar no paciente idoso portador de doença arterial coronária. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2001;16(2):94-104.
- 6. Favaloro RG. Saphenous vein autograft replacement of severe segmental coronary artery occlusion: operative technique. Ann Thorac Surg. 1968;5(4):334-9.
- 7. Garrett HE, Dennis EW, DeBakey ME. Aortocoronary bypass with saphenous vein graft. Seven-year follow-up. JAMA. 1973;223(7):792-4.
- 8. Gomes WJ, Mendonça JT, Braile DM. Resultados em cirurgia cardiovascular: Oportunidade para rediscutir o atendimento médico e cardiológico no sistema público de saúde do país. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(4):III-VI.
- 9. Laizo A, Delgado FEF, Rocha GM. Complicações que aumentam o tempo de permanência na unidade de terapia intensiva na cirurgia cardíaca. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(2):166-71.
- 10. Ribeiro AL, Gagliardi SP, Nogueira JL, Silveira LM, Colosimo EA, Lopes do Nascimento CA. Mortality related to cardiac surgery in Brazil, 2000-2003. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006;131(4):907-9.
- 11. Peterson ED, DeLong ER, Muhlbaier LH, Rosen AB, Buell HE, Kiefe CI, et al. Challenges in comparing risk-adjusted bypass surgery mortality results: results from the Cooperative Cardiovascular Project. J Am Coll Cardiol. 2000;36(7):2174-84.
- 12. Cohen AJ, Katz MG, Frenkel G, Medalion B, Geva D, Schachner A. Morbid results of prolonged intubation after coronary artery bypass surgery. Chest. 2000;118(6):1724-31.
- 13. Trouillet JL, Combes A, Vaissier E, Luyt CE, Ouattara A, Pavie A, et al. Prolonged mechanical ventilation after cardiac surgery: outcome and predictors. J Thorac Cardiovasc Surg. 2009;138(4):948-53.
- 14. Esteban A, Alía I, Tobin MJ, Gil A, Gordo F, Vallverdú I, et al. Effect of spontaneous breathing trial duration on outcome of attempts to discontinue mechanical ventilation. Spanish Lung Failure Collaborative Group. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(2):512-8.
- 15. Esteban A, Frutos F, Tobin MJ, Alía I, Solsona JF, Valverdú I, et al. A comparison of four methods of weaning patients from mechanical ventilation. Spanish Lung Failure Collaborative Group. N Engl J Med. 1995;332(6):345-50.
- 16. Ely EW, Evans GW, Haponik EF. Mechanical ventilation in a cohort of elderly patients admitted to an intensive care unit. Ann Intern Med. 1999;131(2):96-104.
- 17. Rosner B. Fundamentals of biostatistics. 2nd ed. Boston:PWS Publishers; 1986. 584p.
- 18. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. :New YorkJohn Wiley & Sons;1989. 307p.
- 19. Eagle KA, Guyton RA, Davidoff R, Edwards FH, Ewy GA, Gardner TJ,, et al. ACC/AHA 2004 guideline update for coronary artery bypass graft surgery: summary article. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Update the 1999 Guidelines for Coronary Artery Bypass Graft Surgery). J Am Coll Cardiol. 2004;44(5):e213-310.
- 20. Gaudiani VA. Comprehensive quality assurance for cardiac surgery. Disponível em: http://www.ctsnet.org/sections/newsandviews/inmyopinion/articles/article-5.html Acesso em: 2/9/2008
- 21. Prapas SN, Panagiotopoulos IA, Hamed A, Kotsis VN, Protogeros DA, Linardakis IN, et al. Predictors of prolonged mechanical ventilation following aorta no-touch off-pump coronary artery bypass surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2007;32(3):488-92.
- 22. Thompson MJ, Elton RA, Mankad PA, Campanella C, Walker WS, Sang CT, et al. Prediction of requirement for, and outcome of, prolonged mechanical ventilation following cardiac surgery. Cardiovasc Surg. 1997;5(4):376-81.
- 23. Kollef MH, Wragge T, Pasque C. Determinants of mortality and multiorgan dysfunction in cardiac surgery patients requiring prolonged mechanical ventilation. Chest. 1995;107(5):1395-401.
- 24. Cislaghi F, Condemi AM, Corona A. Predictors of prolonged mechanical ventilation in a cohort of 3,269 CABG patients. Minerva Anestesiol. 2007;73(12):615-21.
- 25. Kern H, Redlich U, Hotz H, von Heymann C, Grosse J, Konertz W, Kox WJ. Risk factors for prolonged ventilation after cardiac surgery using APACHE II, SAPS II, and TISS: comparison of three different models. Intensive Care Med. 2001;27(2):407-15.
- 26. Faritous ZS, Aghdaie N, Yazdanian F, Azarfarin R, Dabbagh A. Perioperative risk factors for prolonged mechanical ventilation and tracheostomy in women undergoing coronary artery bypass graft with cardiopulmonary bypass. Saudi J Anaesth. 2011;5(2):167-9.
- 27. Légaré JF, Hirsch GM, Buth KJ, MacDougall C, Sullivan JA. Preoperative prediction of prolonged mechanical ventilation following coronary artery bypass grafting. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;20(5):930-6.
- 28. Habib RH, Zacharias A, Engoren M. Determinants of prolonged mechanical ventilation after coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 1996;62(4):1164-71.
- 29. Branca P, McGaw P, Light R. Factors associated with prolonged mechanical ventilation following coronary artery bypass surgery. Chest. 2001;119(2):537-46.
- 30. Lei Q, Chen L, Zhang Y, Fang N, Cheng W, Li L. Predictors of prolonged mechanical ventilation after aortic arch surgery with deep hypothermic circulatory arrest plus antegrade selective cerebral perfusion. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2009;23(4):495-500.
- 31. Christian K, Engel AM, Smith JM. Predictors and outcomes of prolonged ventilation after coronary artery bypass graft surgery. Am Surg. 2011;77(7):942-7.
- 32. Natarajan K, Patil S, Lesley N, Ninan B. Predictors of prolonged mechanical ventilation after on-pump coronary artery bypass grafting. Ann Card Anaesth. 2006;9(1):31-6.
- 33. Jin R, Grunkemeier GL, Furnary AP, Handy JR Jr. Is obesity a risk factor for mortality in coronary artery bypass surgery? Circulation. 2005;111(25):3359-65.
- 34. Wigfield CH, Lindsey JD, Munõz A, Chopra PS, Edwards NM, Love RB. Is extreme obesity a risk factor for cardiac surgery? An analysis of patients with a BMI > or = 40. Eur J Cardiothorac Surg. 2006;29(4):434-40.
- 35. Gan WQ, Man SF, Senthilselvan A, Sin DD. Association between chronic obstructive pulmonary disease and systemic inflammation: a systematic review and a meta-analysis. Thorax. 2004;59(7):574-80.
- 36. Bucerius J, Gummert JF, Borger MA, Walther T, Doll N, Onnasch JF, et al. Stroke after cardiac surgery: a risk factor analysis of 16,184 consecutive adult patients. Ann Thorac Surg. 2003;75(2):472-8.
- 37. Guaragna JCVC, Bolsi DC, Jaeger CP, Melchior R, Petracco JB, Facchi LM, et al. Preditores de disfunção neurológica maior após cirurgia de revascularização miocárdica isolada. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(2):173-9.
- 38. Rajakaruna C, Rogers CA, Angelini GD, Ascione R. Risk factors for and economic implications of prolonged ventilation after cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2005;130(5):1270-7.
Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Mar 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012
Histórico
-
Recebido
31 Ago 2012 -
Aceito
08 Nov 2012