Open-access CONSUMO ENERGÉTICO PROVENIENTE DE ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS POR ADOLESCENTES

RESUMO

Objetivo:  Avaliar o consumo proveniente dos alimentos ultraprocessados e fatores relacionados em adolescentes.

Métodos:  Estudo transversal com 784 adolescentes (de ambos os sexos e entre 12 a 19 anos) de escolas públicas e privadas do município de Palmeira das Missões, Brasil. O consumo alimentar foi registrado pelo questionário semiquantitativo de frequência de consumo de alimentos e convertido em energia (Kcal/dia). Os alimentos foram classificados em: minimamente processados, grupo 1 (G1); alimentos processados, grupo 2 (G2); e alimentos ultraprocessados, grupo 3 (G3). As variáveis avaliadas foram: sexo, classe socioeconômica, cor, atividade física, índice de massa corpórea (IMC) e níveis pressóricos. Na comparação de variáveis quantitativas foi usado o teste de Mann-Whitney e o teste H de Kruskal-Wallis. Para ajustar as diferenças entre os grupos, considerando os efeitos de calorias totais, foi aplicado o teste de análise de covariância (ANCOVA).

Resultados:  A mediana do consumo energético total foi de 3.039,8 Kcal e a de ultraprocessados foi de 1.496,5 Kcal/dia (49,23%). O consumo calórico proveniente dos alimentos do G1, do G2 e do G3 não diferiu de acordo com a cor da pele dos adolescentes. Os adolescentes pertencentes às classes C e D são os maiores consumidores de calorias do G2 e do G3 (p<0,001). Os adolescentes insuficientemente ativos consomem menos calorias de alimentos minimamente processados. Os adolescentes eutróficos apresentam maior consumo do G3 (p<0,001), quando comparados aos que possuem excesso de peso.

Conclusões:  O consumo de alimentos ultraprocessados associou-se ao nível social, ao nível de atividade física e ao estado nutricional.

Palavras-chave: Adolescente; Alimentos industrializados; Estado nutricional

ASTRACT

Objective:  To evaluate the consumption of ultra-processed foods and related factors in adolescents.

Methods:  This is a cross-sectional study conducted with 784 adolescents (both sexes and aged between 12 and 19 years) from public and private schools in the municipality of Palmeira das Missões, Brazil. Food consumption was recorded by the semiquantitative questionnaire of frequency of food consumption and converted to energy (kcal/day). Foods were classified as minimally processed, group 1 (G1); processed foods, group 2 (G2); and ultra-processed foods, group 3 (G3). The variables evaluated were sex, socioeconomic class, color, physical activity, body mass index, and blood pressure levels. In the comparison of quantitative variables, the Mann-Whitney test and the Kruskal-Wallis H test were used. To adjust the differences between the groups, considering the effects of total calories, the covariance analysis test (ANCOVA) was applied.

Results:  The median of the total energy consumption was 3,039.8 kcal, and that of ultra-processed foods was 1,496.5 kcal/day (49.23%). The caloric intake from foods in G1, G2, and G3 did not differ according to the skin color of the adolescents. Those belonging to socioeconomic classes C and D are the most frequent consumers of calories from G2 and G3 (p<0.001). Underactive teens consume fewer calories from minimally processed foods. Eutrophic adolescents present higher consumption of G3 foods (p<0.001) when compared to those who are overweight.

Conclusions:  The consumption of ultra-processed foods was associated with socioeconomic level, physical activity level, and nutritional status.

Keywords: Adolescent; Industrialized food; Nutritional status

INTRODUÇÃO

Na América Latina, os padrões de dieta passaram por profundas mudanças nos últimos anos. No Brasil, por exemplo, entre 2002-2003 e 2008-2009, ocorreu aumento na disponibilidade de produtos prontos para o consumo (23 para 27,8% das calorias), em consequência da elevação do consumo de produtos ultraprocessados (20,8 para 25,4%) em todas as classes de renda. Nesse período, houve diminuição significativa do consumo de alimentos minimamente processados e de ingredientes culinários.1

A sensação de não ter tempo suficiente está relacionada com alterações nos padrões de consumo alimentar, tais como redução de tempo gasto no preparo de alimentos em casa, aumento do consumo de alimentos prontos e diminuição do consumo alimentar em família.2,3 Essas escolhas alimentares, em geral mais baratas do que os alimentos frescos, oferecem refeições altamente energéticas e palatáveis1 e estão associadas com dietas menos saudáveis, contribuindo para o aparecimento da obesidade e de problemas crônicos de saúde.3

Com o intuito de descrever padrões alimentares e identificar como eles podem afetar a saúde, Monteiro et al.4 propõem uma nova classificação que abrange três grupos, de acordo com a extensão e a finalidade do tratamento utilizado na sua produção: o grupo 1 é composto por alimentos não transformados e minimamente processados; o grupo 2, por alimentos processados ou alimentos que servem de ingredientes culinários; o grupo 3 envolve alimentos ultraprocessados, prontos para comer ou para aquecer com pouca ou nenhuma preparação. É importante ressaltar que uma dieta feita apenas com produtos do terceiro grupo é duas vezes mais densa em energia, quando comparada à dieta preparada com alimentos dos outros grupos.5

A mudança do perfil alimentar da população não ocorreu apenas nos adultos;6 no entanto, poucos estudos demonstram a relação de excesso de peso e alterações metabólicas5 com a alta ingestão de ultraprocessados.4,7 Esses alimentos são geralmente mais açucarados, salgados, gordurosos, com alta carga glicêmica e energia densa, quando comparados a alimentos preparados na hora, a refeições e pratos feitos com alimentos não transformados ou com ingredientes alimentares e culinários minimamente processados.5,8

Dessa forma, os objetivos deste estudo foram avaliar o consumo calórico proveniente dos alimentos ultraprocessados e verificar sua associação com fatores socioeconômicos, estado nutricional, nível de atividade física e níveis pressóricos.

MÉTODOS

Estudo transversal realizado no período de setembro de 2013 a outubro de 2014 em Palmeira das Missões (RS), uma cidade interiorana localizada no noroeste do estado do Rio Grande do Sul, com moradores pertencentes a várias etnias e população atual de 34.328 mil habitantes. O setor que movimenta a economia local é a agropecuária. Apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, de 0,737.9

A amostra foi tida como não probabilística (conveniência), com a participação de 784 adolescentes, de um total de 1.317 matriculados (representando aproximadamente 60% da população estudada), de todas as escolas (públicas e privadas) localizadas na região central do município. Ao realizar um cálculo amostral a posteriori, levando em conta a população de 1.317 alunos matriculados, um erro amostral estimado em 2,5%, nível de confiança de 95% e um perfil mais homogêneo de distribuição da população, obteve-se o tamanho amostral recomendado de 710 alunos.

O critério de inclusão das escolas foi a presença da 8.ª série e do ensino médio. Como critério de inclusão dos adolescentes, foram considerados aqueles que estivessem cursando da 8.ª série do ensino fundamental ao 3.º ano do ensino médio, incluindo estudantes e os pais/responsáveis que expressassem seu consentimento para que os alunos participassem da pesquisa. Foram consideradas perdas do estudo os estudantes que não estiveram presentes nos dias da coleta de dados e os que se recusaram a fazer parte da investigação. Foram excluídos gestantes, alunos com nanismo, intercambistas, alunos com fraturas ósseas e aqueles com problema auditivo.

Para determinar o consumo alimentar habitual dos adolescentes, utilizou-se um questionário semiquantitativo de frequência de consumo de alimentos (QFCA) elaborado para adolescentes da região metropolitana do Rio de Janeiro, com 90 itens.10 Com a aplicação do teste piloto, percebeu-se a necessidade de retirar alguns alimentos não tradicionais dessa população, como o croissant, e de mudar a terminologia de alguns alimentos, como hambúrguer (não tradicional no estado do Rio Grande do Sul). Ainda, conseguiu-se delinear a faixa etária que mais compreendia o QFCA, excluindo-se os alunos de anos escolares inferiores à 8.ª série. Os registros de frequência de consumo de alimentos no QFCA foram convertidos em energia (Kcal/dia) consumida, utilizando a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos.11 Para os alimentos que não foram encontrados na referida tabela, empregou-se a Tabela de Composição Nutricional dos Alimentos Consumidos no Brasil.12 Ainda, para os alimentos não encontrados (x-salada, sopa instantânea, suco industrializado de caixa/pacote/garrafa) em nenhuma das tabelas citadas, as informações nutricionais foram retiradas de rótulos pesquisados na internet.

Para a análise dos dados, foram excluídos 174 alunos para os quais a ocorrência do consumo energético foi superior a 6.000 Kcal ou inferior a 500 Kcal.13 As variáveis avaliadas foram: sexo, classe socioeconômica, cor da pele autorreferida, atividade física, índice de massa corpórea (IMC) e níveis pressóricos.

Os alimentos foram classificados em três grupos, de acordo com o nível de processamento.14 O grupo 1 (G1) foi representado por alimentos não processados ou minimamente processados, como carnes frescas, leite, cereais, frutas e hortaliças. O grupo 2 (G2) foi composto de alimentos processados utilizados como ingredientes de preparações culinárias, como óleos e gorduras, farinhas, massas, amido e açúcares. O grupo 3 (G3) constitui-se de alimentos ultraprocessados, tais quais pães, biscoitos, sorvetes, chocolates, balas/doces, salgados, batata frita, bebidas adoçadas como refrigerantes, além de produtos à base de carne, como nuggets, cachorro-quente, hambúrgueres e embutidos.

Foram coletadas informações autodeclaradas sobre gênero e cor (branca, parda e negra) por meio de questionário. Os alunos que se autodeclararam de origem asiática (0,4%) e indígena (1,6%) foram excluídos da análise estatística em razão de seu baixo percentual. Para fins estatísticos, nas comparações realizadas, negros e pardos foram analisados em conjunto.

A classificação socioeconômica seguiu o critério da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) e foi apresentada por meio de classes, denominadas de A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E, correspondendo, respectivamente, a uma pontuação determinada.15 Para a análise dos dados foram agrupadas as classes A1 e A2, B1 e B2, C1 e C2 e D.

O nível de atividade física foi avaliado mediante os critérios e o agrupamento em categorias proposto pelo Questionário Internacional de Atividade Física (Ipaq). Tal questionário foi reproduzido e validado para adolescentes brasileiros16 e classifica a amostra em três categorias: insuficientemente ativo, suficientemente ativo, e muito ativo.

Para avaliar o estado nutricional por meio do IMC, seguiu-se a recomendação da Organização Mundial de Saúde,17 e a aferição de todas as medidas antropométricas foi realizada em duplicata. Foram coletados: data de nascimento, peso (kg) e altura (cm). O cálculo do IMC foi feito com auxílio do ­software WHO AnthroPlus (versão 3.2.2)18 e a classificação do estado nutricional, pelos percentis do IMC para a idade e o sexo.19 Foram considerados adolescentes com sobrepeso/obesidade aqueles em que o percentil foi maior ou igual a 85, e adolescentes não obesos aqueles com percentil abaixo de 85. Foi encontrada prevalência de 2,9% de adolescentes com baixo peso. Para fins estatísticos, tais indivíduos foram agrupados com os adolescentes eutróficos.

Os níveis pressóricos foram aferidos com equipamento automático, devidamente calibrado, da marca Omron 705 CP-II, o qual se mostrou válido para a aferição de indivíduos jovens conforme estudo realizado com uma população brasileira.12 Foram registradas duas leituras consecutivas em intervalos de 2 ­minutos, utilizando-se a segunda para a classificação. Esta seguiu valores referentes aos percentis 90, 95 e 99 de níveis pressóricos para adolescentes, de acordo com idade, sexo e percentis de estatura do avaliado. Valores abaixo do percentil 90 foram considerados normais; valores entre o percentil 90 e 95, limítrofes; valores iguais ou acima ao percentil 95 foram definidos como aumentados.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob o número de protocolo 19984713.1.0000.

Os dados foram analisados por meio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0. Descreveram-se os dados quantitativos por média ± desvio padrão e os categóricos por percentuais. Na presença de assimetria, mediana e amplitude interquartil foram utilizadas. A assimetria das variáveis foi testada por intermédio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Na comparação de variáveis quantitativas, foi usado o teste de Mann-Whitney e teste H de Kruskal-Wallis. Para ajustar as diferenças entre os grupos, levando em conta os efeitos de calorias totais, foi empregado o teste de análise de covariância (ANCOVA). Foram considerados valores estatisticamente significativos quando p<0,05.

RESULTADOS

A amostra foi composta de 784 adolescentes com idade média de 15,25±1,26 anos. O sexo feminino constituiu 57,4% (n=450) da amostra. Alunos pertencentes à classe socioeconômica B1 e B2 representaram 60,1% (n=463) da amostra, e a cor branca foi autodeclarada por 62,4% (n=471). A maior parte da amostra foi considerada muito ativa fisicamente (57,4%, n=450), com níveis pressóricos normais (75%, n=560), e eutrófica (76,6%, n=573). A mediana do consumo energético total foi de 3.039,8 Kcal e a de ultraprocessados de 1.496,5 Kcal/dia, representando 49,2% (Tabela 1).

Tabela 1:
Características sociodemográficas, nível de atividade física, índice de massa corporal, níveis pressóricos e consumo alimentar dos adolescentes de Palmeira das Missões, RS, Brasil (2013-2014).

Os adolescentes que se autodeclararam pardos ou negros (analisados conjuntamente) consumiram mais calorias provenientes do G1 (p=0,021) e do G3 (p=0,045), quando comparados aos adolescentes brancos. No entanto, após ajuste para calorias totais, a diferença perdeu a significância (dados não demonstrados). Os adolescentes pertencentes às classes C e D consumiram mais produtos do G2 (p<0,001) e do G3 (p<0,001), em relação aos pertencentes às classes A e B (Tabela 2). Na comparação do consumo energético proveniente dos grupos (G1, G2 e G3) segundo o sexo dos adolescentes, não houve diferença estatística (dados não apresentados).

Tabela 2:
Consumo energético dos alimentos minimamente processados (G1), dos alimentos processados (G2) e dos alimentos ultraprocessados (G3) de acordo com a classificação socioeconômica dos adolescentes de Palmeira das Missões, RS, Brasil, período de 2013-2014.

A Tabela 3 mostra que os adolescentes insuficientemente ativos consumiram menos energia de alimentos minimamente processados em relação aos suficientemente ativos e muito ativos. Não foi observada diferença nos demais grupos (G2 e G3) no tocante à atividade física. Verificou-se ainda que os adolescentes eutróficos apresentaram maior consumo de alimentos ultraprocessados (p<0,001) quando comparados aos adolescentes que estavam com excesso de peso (Tabela 4). Não houve associação do consumo de alimentos tendo em vista o seu grau de processamento com níveis pressóricos (dados não apresentados).

Tabela 3:
Consumo energético dos alimentos processados minimamente (G1), dos alimentos processados (G2) e dos alimentos ultraprocessados (G3) de acordo com a atividade física de adolescentes, Palmeira das Missões, RS, Brasil, período de 2013-2014.
Tabela 4:
Consumo de Kcal provenientes dos alimentos processados minimamente (G1), dos alimentos processados (G2) e dos alimentos ultraprocessados (G3) de acordo com o índice de massa corporal de adolescentes, Palmeira das Missões, RS, Brasil, período de 2013-2014.

DISCUSSÃO

O presente estudo averiguou que adolescentes, mesmo de cidades de pequeno porte e do interior do país, apresentam alto consumo energético proveniente de alimentos ultraprocessados, e esse consumo associou-se à classe socioeconômica, ao nível de atividade física e ao estado nutricional.

O processamento de alimentos é assunto muito debatido atualmente. Os estudos, em sua maioria,20,21,22,23,24 utilizam a terminologia fast food para alimentos industrializados, porém Monteiro et al.4 criaram uma nova classificação dos alimentos em três grupos, em consonância com o nível de processamento, englobando o terceiro grupo alimentos que passaram por alto processamento, aqueles que necessitam de pouca ou nenhuma preparação. O novo Guia alimentar para a população brasileira25 propõe uma classificação semelhante à de Monteiro et al.,4 com a mesma terminologia, diferindo apenas na questão dos pães e produtos panificados. Monteiro et al.4 consideram pães como ultraprocessados, quando, além da farinha de trigo, leveduras, água e sal, seus ingredientes incluem substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos.

O consumo energético proveniente de alimentos ultraprocessados no presente estudo foi extremamente alto, visto que o guia alimentar25 estima que a média de 2.000 calorias atenda às pessoas mais jovens. Contudo, Andrade et al.,10 analisando adolescentes com idades entre 12 e 17,9 anos com e sem sobrepeso, apontaram também haver ingestão elevada de alimentos de alta densidade energética em adolescentes do Rio de Janeiro. Por outro lado, o estudo de Canella et al.26 verificou baixo consumo familiar desses alimentos ao usar como instrumento de pesquisa a análise da disponibilidade de alimentos. Em uma investigação realizada com crianças da Unidade Básica de Saúde de Porto Alegre, encontrou-se valor semelhante ao do presente trabalho, com 47% das calorias provenientes de ultraprocessados.27 O primeiro estudo desenvolvido com adultos e adolescentes,28 publicado recentemente, constatou que a amostra consumiu em torno de 30% de calorias provenientes dos ultraprocessados, porém a avaliação não aconteceu separadamente, de acordo com a faixa etária. Avaliando o consumo alimentar da dieta dos brasileiros por meio da Pesquisa de Orçamentos Familiares, alcançou-se valor pouco menor de calorias provenientes de ultraprocessados (21,5%).29

Os adolescentes pertencentes às classes socioeconômicas C e D do presente estudo foram os maiores consumidores de calorias provenientes de alimentos processados (G2) e ultraprocessados (G3). Corroborando com o presente estudo, em que os mais pobres consomem mais calorias de ultraprocessados, Miqueleiz et al.30 estudaram a associação entre a classe socioeconômica e o consumo das famílias espanholas e obtiveram gradiente inverso: crianças e adolescentes de famílias de alto e baixo estratos socioeconômicos, respectivamente, apresentaram a porcentagem mais baixa e mais elevada de consumo não saudável (fast food, bebidas açucaradas, petiscos, chips, biscoitos). Mas os resultados de Bielemann et al.31 opõem-se aos deste trabalho, pois os adultos que autodeclararam nunca ter sido pobres apresentaram maior consumo de alimentos ultraprocessados.

Frutas e vegetais, que se encontram no G1, contam com menor quantidade de energia e elevado teor de fibras, nutrientes essenciais e minerais. Assim, seu consumo pode beneficiar a saúde por meio da redução do conteúdo total de energia da dieta, melhorando a sua densidade de nutrientes.32

Galvez et al.33 perceberam que crianças moradoras de uma pequena região, com uma ou mais lojas de conveniência, eram mais propensas a ter maior IMC. Os adolescentes do presente estudo residem em uma cidade do interior do Sul do Brasil sem redes de fast food. O acesso limitado a esse tipo de alimento, bem como o fato de a amostra apresentar alta prevalência de atividade física, talvez seja a explicação para a associação inversa entre calorias de ultraprocessados e IMC.

Alguns estudos têm mostrado associação entre consumo de alimentos ultraprocessados e excesso de peso e obesidade em adultos,26 com a síndrome metabólica em adolescentes34 e obesidade geral e central em mulheres adultas.35 Ainda, verificou-se que, nos indivíduos adultos da Guatemala, o aumento de 10% da quota de alimentos altamente processados eleva em 4,25% o IMC, assim como a probabilidade de sobrepeso e obesidade.36 Nos estudantes de 12 a 20 anos, foram encontradas fortes associações positivas entre mudança de peso e consumo de amidos, grãos refinados e alimentos processados.37 É importante ressaltar que, das pesquisas citadas, muitas analisaram apenas alguns alimentos presentes na classificação de ultraprocessados.

No entanto, quando se observa a mesma situação em adolescentes, não se tem evidenciado a associação anteriormente descrita, como relatado no presente estudo. Conforme pesquisa envolvendo adolescentes iranianos, não houve associação significativa entre junk food (fast foods e salgados) com obesidade e hipertensão.38 Também, estudo de coorte realizado em Pelotas (RS) com adultos notou que indivíduos obesos ingerem menos calorias provenientes de alimentos ultraprocessados.31

Esta investigação pode não ter encontrado associação entre consumo de ultraprocessados e sobrepeso/obesidade na adolescência, mas é possível que tais desfechos apareçam na vida adulta, pois os eventos nutricionais da infância podem determinar alterações nos sistemas anabólico/catabólico e induzir a desfechos metabólicos em idades mais avançadas.39 Ainda, a estimativa da ingestão de energia diária não é bem aferida quando baseada em inquéritos alimentares.37 Além disso, por ser um estudo transversal, existe uma limitação temporal, pois a própria obesidade pode alterar os hábitos alimentares dos adolescentes.

É preciso também apontar a possibilidade de viés de aferição do QFCA, que pode ser menos preciso em adolescentes, pois esse público às vezes apresenta dificuldade para estimar o tamanho das porções e ingestão de alimentos.40 Apesar da possibilidade, o QFCA não faz distinção entre G1, G2 e G3 de alimentos, e os relatos de ingestão em vezes por dia, semana ou mês foram convertidos em calorias por dia para as análises de consumo. Desse modo, sugere-se a realização de um estudo de coorte para que seja possível ampliar a compreensão do impacto do consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes.

Conclui-se que adolescentes, mesmo de cidades de pequeno porte e do interior do país, apresentam alto consumo energético proveniente de alimentos ultraprocessados e que esse consumo tem relação com classe socioeconômica, nível de atividade física e estado nutricional.

Alimentos ultraprocessados contam com abundante mídia televisiva em programas direcionados para adolescentes, mas tais programas raramente mostram a consequência do consumo elevado desse tipo de alimento. Todavia, seria prudente para o governo adotar métodos relevantes quanto à legislação e regulamentação de propagandas e alimentos industrializados para modificar esse cenário.

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  • Financiamento Fundo de Incentivo à Pesquisa (Fipe) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2016
  • Aceito
    26 Jun 2016
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