RESUMO
Objetivo: Avaliar a prevalência e os fatores associados à anemia em lactentes assistidos por Unidades de Saúde de Vitória da Conquista, Bahia.
Métodos: Estudo transversal com uma amostra representativa de 366 crianças de 6 a 23 meses. Realizou-se aplicação de questionário ao cuidador, avaliação antropométrica e dosagem de hemoglobina das crianças. As associações foram identificadas por meio da regressão de Poisson com variâncias robustas com seleção hierárquica das variáveis independentes.
Resultados: A prevalência de anemia foi de 26,8%, e os fatores associados foram: renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo (RP: 1,50; IC95% 1,03-2,18), número de moradores no domicílio superior a cinco (RP: 1,50; IC95% 1,07-2,11), utilização de água não filtrada (RP: 1,68; IC95% 1,11 -2,56), número de filhos maior que três (RP: 1,64; IC95% 1,01-2,68), consumo de carne e/ou vísceras menor que uma vez por semana (RP: 1,78; IC95% 1,24-2,58) e idade de 6 a 11 meses (RP: 1,75; IC95% 1,20-2,55).
Conclusões: A anemia nos lactentes avaliados é um moderado problema de saúde pública, a qual está associada a fatores socioeconômicos, demográficos e dietéticos. Dessa forma, medidas são necessárias para sua prevenção.
Palavras-chave: Anemia; Lactente; Nível socioeconômico; Ferro na dieta; Fatores de risco
ABSTRACT
Objective: To evaluate the prevalence of anemia and the associated factors in infants assisted in health units of Vitória da Conquista, Bahia, Northeast Brazil.
Methods: Cross-sectional study with a representative sample of 366 children aged 6 to 23 months. A questionnaire was applied to the caregiver, and the children’s anthropometric measurements and hemoglobin levels were collected. The associations were identified by Poisson regression with robust variances based on a hierarchical analysis model.
Results: The prevalence of anemia was 26.8%, and the associated factors were: family income equal to or lower than one minimum wage (PR: 1.50; 95%CI 1.03-2.18), number of household members higher than five (PR: 1.50; 95%CI 1.07-2.11), use of unfiltered water (PR: 1.68; 95%CI 1.11-2.56), number of offspring higher than three (PR: 1.64; 95%CI 1.01-2.68), consumption of meat and/or viscera less than once/week (PR: 1.78; 95%CI 1.24-2.58) and age 6-11 months (PR: 1.75; 95%CI 1.20-2.55).
Conclusions: Anemia in the infants assessed is a moderate public health problem, which is associated with socioeconomic, demographic, and dietary factors; thus, measures are necessary for its prevention.
Keywords: Anemia; Infant; Social class; Iron, dietary; Risk factors
INTRODUÇÃO
A anemia pode ser definida como uma redução anormal na concentração de hemoglobina no sangue em consequência da carência de um ou mais nutrientes essenciais, sendo a deficiência de ferro uma das causas mais importantes, a qual contribui com aproximadamente 90% dos tipos de anemia existentes.1
Estima-se que um quarto da população mundial é afetado pela anemia, tornando-se, assim, um problema de saúde pública global.2 No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) encontraram prevalência de anemia de 20,9% em crianças menores de 5 anos. Resultado discrepante do encontrado em um estudo de revisão, no qual a prevalência de anemia em crianças atendidas em serviços de saúde variou de 55,1 a 89,1%, com média ponderada de 60,2%.3
Vários fatores contribuem para a diminuição da concentração de hemoglobina e o aumento da prevalência em menores de dois anos. Dentre esses fatores biológicos, socioeconômicos, ambientais, de saúde e nutrição, destacam-se: idade inferior a 12 meses, baixo peso ao nascer, baixo nível socioeconômico, desmame precoce, introdução precoce do leite de vaca, ingestão insuficiente de ferro, e, ainda, a presença de parasitas intestinais.4,5
Na infância, a anemia ferropriva está associada a prejuízos no desenvolvimento mental e psicomotor, na desaceleração do crescimento, além de aumentar o risco de morbimortalidade, diminuindo a resistência às infecções.6 Diante disso, intervenções para prevenção têm sido propostas em termos populacionais para abordagem do problema, com boas respostas na redução e no controle da anemia, usando diferentes formas.7,8,9 Entretanto, as taxas de prevalência de anemia em crianças brasileiras ainda continuam elevadas.10
Assim, considerando o grande impacto da anemia sobre a saúde infantil, o presente estudo teve como objetivo avaliar a prevalência e os fatores associados à anemia em lactentes assistidos por Unidades de Saúde de um município da região sudoeste da Bahia.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal, conduzido no período de maio de 2010 a junho de 2011, com uma amostra de crianças, com idade entre 6 e 23 meses, atendidas nas 21 Unidades de Saúde da zona urbana do município de Vitória da Conquista, situado na região sudoeste da Bahia.
Vitória da Conquistaé o terceiro maior município do Estado da Bahia, com economia direcionada principalmente para o setor de serviços. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, o município possuía um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,678 e uma população de 306.866 habitantes.11A rede de atenção básica é composta de 21 Unidades de Saúde, sendo 15 Unidades de Saúde da Família, 3 Policlínicas de Atenção Básica e 3 Centros de Saúde.
O cálculo amostral foi realizado com auxílio do programa StatCalc do software Epi-Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention. Atlanta, United States of America), considerando o número total de crianças, com idade entre 6 e 23 meses, atendidas em Unidades de Saúde Urbanas do município de Vitória da Conquista (n=6.764); uma prevalência de anemia estimada em 25,5%;12 precisão de 5%; nível de confiança de 95%; com acréscimo de 20% para possíveis perdas e 10% para a análise multivariável. Esse cálculo resultou em uma amostra mínima de 360 crianças.
O total de indivíduos avaliados em cada instituição de saúde foi determinado por meio de amostragem proporcional, considerando o peso de cada unidade de saúde em relação ao total de crianças, com idade entre 6 e 23 meses, atendidas nas 21 Unidades de Saúde da zona urbana de Vitória da Conquista. Posteriormente, as crianças avaliadas foram selecionadas por meio de amostragem aleatória simples, a partir de uma lista de crianças,com idade entre 6 e 23 meses, acompanhadas em cada unidade de saúde.
Os dados foram coletados por alunos do curso de Nutrição, previamente treinados para aplicação do questionário, coleta de sangue por punção digital e das medidas antropométricas. A coleta de dados ocorreu por meio do agendamento prévio nas instituições de saúde nos dias das consultas de crescimento e desenvolvimento (CD). Os pais ou responsáveis pelas crianças sorteadas, que estavam na sala de espera para a realização da consulta de CD, foram convidados a participar do estudo, sendo esclarecidos os objetivos da pesquisa e solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, caso concordassem com a participação da criança no estudo. A coleta de dados ocorreu de duas a três vezes em cada unidade para tentar captar as crianças sorteadas. Além disso, os agentes de saúde e os profissionais de enfermagem marcavam as consultas das crianças sorteadas e entregavam um papel informando o dia da consulta. Apesar disso, houve uma perda de 28 mães que não compareceram à unidade e 6 que não aceitaram participar da pesquisa. Para substituí-las, um novo sorteio foi realizado.
Como critérios de inclusão, foram adotados: idade maior que 6 e inferior a 24 meses e ausência de doenças crônicas ou alterações que pudessem interferir no estado de saúde da criança. Foram excluídas as crianças acompanhadas por responsáveis que não estavam capacitados para responder ao instrumento de coleta - como no caso de indivíduos que não conviviam diariamente com a criança e não sabiam informar precisamente sobre as questões do estudo -, bem como no caso em que o acompanhante da criança era menor de idade.
Para determinar a concentração sérica de hemoglobina, foi realizada coleta de sangue por punção capilar, com leitura em β-hemoglobinômetro portátil Hemocue Hb201® (Biodina, Rio de Janeiro, Brasil). Foram adotados os pontos de corte de 11,0 e 9,5 g/Dl para diagnóstico de anemia e anemia grave, respectivamente.13
A avaliação antropométrica foi realizada segundo as técnicas estabelecidas pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e preconizadas pelo Ministério da Saúde.14 O peso foi verificado em balança digital eletrônica portátil MarteLC200PP® (Marte Científica, São Paulo, Brasil), com capacidade de 200 kg e sensibilidade de 50 g, e prato tipo bandeja (em plástico ABS) acoplado para a disposição da criança. O comprimento foi aferido em antropômetro portátil Alturexata® (Alturexata, Belo Horizonte, Brasil), com extensão de 0,35 a 2,13 m e precisão de 1 mm. O estado nutricional das crianças foi avaliado de acordo com os valores críticos em escores Z dos índices antropométricos preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS),15 com o auxílio do software WHO Anthro Plus ® (World Health Organization, Geneva, Switzerland).
Informações sobre condições demográficas e socioeconômicas, bem como características maternas, de saúde, práticas de aleitamento materno, alimentação e suplementação da criança, foram obtidas por meio de um questionário estruturado aplicado na forma de entrevista aos pais ou responsáveis pela criança.
As variáveis independentes foram categorizadas com base em pontos de corte de artigos publicados:
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Socioeconômicas: escolaridade paterna (<8 anos de estudo/≥8 anos de estudo), escolaridade materna (<8 anos de estudo/≥8 anos de estudo), trabalho paterno (sim/não), trabalho materno (sim/não), renda familiar (≤1 salário mínimo/>1 salário mínimo), número de moradores no domicílio (≤5 moradores/>5 moradores), rede de esgoto (sim/não), instalação sanitária (sim/não), coleta de lixo (sim/não), água filtrada (sim/não).
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Maternas: idade materna (<20 anos/≥20 anos), número de filhos (≤3 filhos/>3 filhos), número de filhos menores de 5 anos (<2 filhos ≥2 filhos), tipo de parto (normal/cesáreo).
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Relativas às práticas de aleitamento materno, alimentação e suplementação com ferro: aleitamento materno (sim/não), aleitamento materno exclusivo (sim/não); tempo de aleitamento materno exclusivo (6 meses/<6 meses ou >6 meses), consumo de carnes e/ou vísceras (<1 vez por semana/≥1 vez por semana), consumo de feijão (diário/não diário), consumo de vegetais folhosos verdes-escuros (diário/não diário), uso de suplemento de ferro (sim/não).
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Relativas à criança: sexo (feminino/masculino), idade (6 a 11 meses/12 a 23 meses), cor da pele (branca/não branca), idade gestacional ao nascer (<37 semanas/≥37 semanas), peso ao nascer (<2500 g/≥2500 g), hospitalização anterior (sim/não), índice peso/idade (≥-2 escore Z/<-2 escore Z), índice estatura/idade (≥-2 escore Z/<-2 escore Z), índice peso/estatura (≥-2 escore Z/<-2 escore Z).
As análises estatísticas foram realizadas no programa Stata versão 12 (StataCorp, College Station, Texas, United States of America). A normalidade da distribuição das variáveis contínuas foi avaliada por meio de histogramas e do teste Shapiro-Wilk. Para caracterizar a população de estudo, as variáveis categóricas foram descritas por meio de frequências absolutas e relativas, e as quantitativas por meio de medidas de tendência central e de dispersão. Para verificar os fatores associados à anemia nas crianças, inicialmente, realizou-se análise bivariada com estimativas de razões de prevalência brutas e respectivos intervalos de confiança. Em seguida, foi empregada a regressão de Poisson com variâncias robustas, sendo selecionadas as variáveis que apresentaram significância estatística a um nível de 20% (p<0,20) para serem inseridas no modelo multivariado. Na análise multivariada, adotou-se a entrada hierárquica das variáveis em blocos, na seguinte ordem:
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Bloco 1: variáveis socioeconômicas.
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Bloco 2: variáveis maternas e práticas de aleitamento materno, alimentação e suplementação com ferro.
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Bloco 3: variáveis individuais da criança, segundo um modelo conceitual para determinação da anemia na infância (Figura 1), adaptado do modelo proposto por Silva, Giugliani e Aerts.4
Modelo conceitual hierárquico dos determinantes da anemia na infância, adaptado de Silva, Giugliani e Aerts21.
As variáveis dos blocos mais distais permaneceram como fatores de ajuste para as dos blocos hierarquicamente inferiores. A associação estatisticamente significativa (p<0,05) entre um determinado fator em estudo e a anemia, após ajustes para os potenciais fatores do mesmo bloco e dos blocos hierárquicos superiores, indica a existência de um efeito independente do referido fator. A qualidade do ajuste do modelo de regressão foi avaliada pelo critério de Akaike (AIC), comparando-se os valores obtidos em cada modelo para selecionar o melhor modelo, caracterizado como aquele em que se obteve a menor pontuação nesse critério.
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (CEP/UESB), protocolo nº 048/2010, e o estudo foi conduzido de acordo com os padrões éticos estabelecidos na Declaração de Helsinki de 1964 e suas alterações posteriores. As crianças diagnosticadas com anemia foram encaminhadas aos serviços de saúde do município para tratamento com sais de ferro e acompanhamento pelos profissionais de saúde.
RESULTADOS
Das 366 crianças avaliadas, 26,8% apresentaram anemia, das quais 20,4% estavam com anemia grave. Metade da população estudada era do sexo masculino, e 45,6% tinham idade entre 6 e 11 meses, com média de 13,9 (desvio padrão 5,2) meses de idade. A renda mensal de 82,6% das famílias era igual ou inferior a um salário mínimo, vigente na época do estudo, sendo a mediana de renda igual a R$ 510,00 (Tabela 1).
Observou-se que 7,7% das crianças nunca foram amamentadas e 15,2% nunca receberam aleitamento materno exclusivo, sendo a mediana de tempo de aleitamento materno de 270 dias. A maioria das mães relatou o consumo semanal de carnes e/ou vísceras pelas crianças, contudo, 39,4% referiram que as crianças não consumiam feijão diariamente. Também foi verificado que mais da metade das crianças (58,9%) nunca tomou algum suplemento de ferro (Tabela 2).
A frequência de baixo peso ao nascer e prematuridade foi de 10,2 e 7,1%, respectivamente. Na avaliação do estado nutricional, 4,4% das crianças apresentaram baixo peso para idade, 5,6% magreza e 13,6% baixa estatura (Tabela 3).
Na análise bivariada, dentre as variáveis do Bloco 1, a renda familiar, a escolaridade paterna, a escolaridade materna, o trabalho paterno, o número de moradores no domicílio e a presença de água filtrada foram associadas com a anemia (p<0,05). Foram verificadas maiores prevalências do desfecho entre as crianças: com renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo, com escolaridade do pai e da mãe inferior a oito anos de estudo, com pais que não trabalhavam, que residiam em domicílios com um número de moradores superior a cinco e que não dispunham de água filtrada (Tabela 1).
Dentre as variáveis do Bloco 2, número de filhos, número de filhos menores de cinco anos, consumo de carnes e/ou vísceras, consumo de feijão e uso de suplemento de ferro também apresentaram associação significativa com a anemia (p<0,05). Foram observadas maiores prevalências de anemia nas crianças filhas de mães com mais de três filhos, com número de filhos menores de cinco anos maior ou igual a dois, bem como nas crianças que consumiam carne e/ou vísceras menos de uma vez por semana, que não ingeriam feijão diariamente e que nunca utilizaram suplemento de ferro (Tabela 2).
No tocante às características individuais (Bloco 3), apenas a variável idade foi incluída no modelo de regressão múltipla, a qual se mostrou significativamente associada com a anemia, sendo observada maior prevalência do desfecho nas crianças na faixa etária de 6 a 11 meses (Tabela 3).
Considerando um p-valor<0,20 na análise bivariada, as variáveis de cada bloco supracitadas foram então inseridas no modelo multivariado e realizados os ajustes conforme o modelo conceitual hierárquico. Na análise multivariada hierárquica, observa-se que algumas variáveis significativamente associadas à anemia na análise bivariada perderam significância e não se mantiveram nos modelos (Tabela 4).
No bloco distal (Bloco 1), observou-se associação da anemia com as variáveis renda familiar, número de moradores no domicílio e água filtrada. A prevalência de anemia foi 50% maior entre as crianças com renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo e que residiam em domicílios com mais de cinco moradores, em relação àquelas com renda familiar superior a um salário mínimo e residentes em domicílios com cinco ou menos moradores, respectivamente. Além disso, a prevalência de anemia foi 68% maior entre as crianças que não dispunham de água filtrada, quando comparadas as que tinham acesso à água filtrada (Tabela 4 - Modelo 1).
No Bloco 2, após o ajuste para as variáveis do mesmo bloco e do Bloco 1, apenas as variáveis número de filhos e consumo de carnes e/ou vísceras mantiveram-se associadas ao desfecho. A prevalência de anemia foi 64% maior nas crianças filhas de mães com mais de três filhos, em relação àquelas cujas mães tinham até três filhos, e 78% maior nas crianças que consumiam carne e/ou vísceras menos de uma vez por semana, quando comparadas as que consumiam pelo menos uma vez por semana (Tabela 4 - Modelo 2).
No bloco mais proximal (Bloco 3), a variável idade manteve-se associada com a anemia, sendo sua prevalência 75% maior entre as crianças de 6 a 11 meses, quando comparadas às crianças na faixa etária de 12 a 23 meses (Tabela 4 - Modelo 3). Para todos os modelos a estimativa do AIC diminuiu com o ajuste dos blocos de variáveis.
DISCUSSÃO
Segundo a OMS,6 a prevalência de anemia nas crianças avaliadas no presente estudo (26,8%) é caracterizada como um problema de saúde pública moderado, sendo ainda mais acentuada na faixa etária de 6 a 11 meses (36,5%). Resultado semelhante foi verificado no estudo de Silveira et al.,16 em que se observou uma prevalência de 28,8% de anemia nas crianças avaliadas. No entanto, outras pesquisas realizadas no país observaram prevalências superiores.4,5 É o caso de uma revisão sistemática com metanálise da prevalência de anemia em crianças brasileiras, segundo diferentes cenários epidemiológicos, que concluiu que a anemia atinge níveis superiores a 40% em crianças do país, sendo que, em crianças atendidas em serviços de saúde,a prevalência variou de 55,1 a 89,1%, com média ponderada de 60,2%.3Políticas públicas com o objetivo de reduzir a prevalência de anemia têm sido implementadas no Brasil, contudo, ainda são observadas dificuldades na prevenção e no controle da deficiência de ferro, especialmente nas crianças.10
Em relação às características socioeconômicas, estudos têm referido a renda como um importante fator determinante da anemia.4,5 As condições sociais e econômicas das classes de renda mais baixa favorecem o desenvolvimento da anemia, seja por uma alimentação quantitativa e qualitativamente inadequada, seja pela precariedade de saneamento ambiental ou por outros indicadores que direta ou indiretamente poderiam estar contribuindo para a sua elevada prevalência.17
No presente estudo, observou-se que as crianças residentes em domicílios com mais de cinco pessoas apresentaram maior prevalência de anemia, sendo esse achado semelhante ao verificado em outros trabalhos.5,18.Segundo Leal et al.,19o maior risco de anemia nas crianças com procedência de condições de moradia desfavoráveis, como um número elevado de moradores no domicílio, poderia ser explicado pela redução na acessibilidade econômica dessas famílias, levando a uma redução per capita de alimentos e, consequentemente, à redução na ingestão de alimentos fontes de ferro. Além disso, Neuman et al.5 discutem a possibilidade de algum fator relacionado com o aumento de infecções - mais frequentes com a aglomeração familiar -, apesar de, assim como neste estudo, a variável internação hospitalar não ter sido significativa.
A associação entre a utilização de água não filtrada e a maior prevalência de anemia observada neste estudo poderia estar relacionada ao fato de esta poder ser um importante veículo para a infecção por parasitas intestinais.20 As enteroparasitoses espoliantes representam um fator importante na etiologia das anemias carenciais e da desnutrição proteico-calórica, uma vez que um estado nutricional adequado depende não apenas da ingestão dos alimentos, mas também de sua utilização biológica eficiente, a qual pode estar comprometida em casos de infestação por esse tipo de enteroparasitas.21
Na análise bivariada, as variáveis socioeconômicas (escolaridade materna, paterna e trabalho paterno) apresentaram associação significante com a anemia. Porém, quando analisadas em conjunto com as outras variáveis socioeconômicas, elas perderam a significância e, por isso, não permaneceram na análise multivariada. A escolaridade materna e paterna tem sido associada com a anemia, uma vez que o maior conhecimento das doenças repercute em cuidados preventivos e busca dos serviços de saúde; além disso, o melhor nível de escolaridade favorece a inserção do indivíduo no mercado de trabalho e o aumento de renda.22
Quanto às variáveis maternas, o número de filhos também tem sido relacionado ao desenvolvimento da anemia em outros estudos.4,19 Numa família constituída por um grande número de crianças há o aumento da demanda por alimentos, que nem sempre estão disponíveis em qualidade e quantidades adequadas para todos os membros, bem como a diminuição dos cuidados de saúde e da alimentação fornecidos às crianças.17
No tocante às práticas alimentares, estas exercem papel fundamental no desenvolvimento e na prevenção da anemia ferropriva, sendo que, neste estudo, foi verificada uma associação entre baixa frequência de consumo de carnes e/ou vísceras e maior prevalência de anemia. Segundo a recomendação do Ministério da Saúde,23 os alimentos fonte de proteína de origem animal, como as carnes e as vísceras, possuem ferro de alta biodisponibilidade, de forma que, a partir dos seis meses, esses alimentos devem estar presentes no mínimo uma vez por semana nas papas salgadas oferecidas às crianças, garantindo um aporte adequado desse micronutriente, prevenindo a anemia.
Na análise bivariada, observou-se que as crianças que não consumiram feijão diariamente e que não usaram suplemento de ferro apresentaram maior chance de terem anemia. Porém, quando associada a outras variáveis maternas, das práticas de aleitamento materno e do consumo de alimentos fonte de ferro, essas variáveis perderam a significância estatística. Sabe-se que a suplementação profilática com ferro é uma estratégia de grande importância para a prevenção da anemia e recomendada pelo Ministério da Saúde.24 Ao contrário do presente estudo, uma pesquisa realizada em Viçosa, Minas Gerais, com lactentes encontraram maior chance de anemia (Odds Ratio - OR 2,39, intervalo de confiança de 95% - IC95% 1,17-4,90) nas crianças que não ingeriam suplementação com ferro, quando comparadas àquelas que faziam uso do suplemento de ferro. Em relação à ingestão desse suplemento, o consumo pelos lactentes em Viçosa foi ainda menor (21,5%) do que em Vitória da Conquista (41,1%).25 Não foi objetivo da presente pesquisa conhecer os fatores associados ao baixo consumo de suplemento de ferro, porém, pressupõe-se que possa estar associado à distribuição inadequada do medicamento no município, à ausência de prescrição pelos profissionais de saúde da atenção básica ou à não administração do suplemento pelos pais ou responsáveis pelas crianças. Assim, mais estudos são necessários para conhecer os fatores associados ao baixo consumo de ferro profilático pelos lactentes no município.
Em relação à idade, foi verificada maior prevalência do desfecho nas crianças com idade de 6 a 11 meses, sendo que essa faixa etária mais precoce também tem sido relatada na literatura como de maior risco para anemia,26,27 devido ao acelerado crescimento e desenvolvimento da criança, levando ao aumento das necessidades de ferro nesse período.28
O delineamento do presente estudo é do tipo transversal, que apresenta como limitação o estabelecimento de uma relação temporal entre algumas variáveis de exposição com o desfecho. Porém, este estudo traz à discussão a importância de estratégias de análises de dados apropriadas para avaliar os determinantes das condições de saúde. O presente estudo utilizou o modelo conceitual hierarquizado na condução da análise multivariada, considerando as relações hierárquicas entre as variáveis, o que permite a interpretação dos resultados à luz dos conhecimentos social e biológico.29
Como limitação, ainda, o diagnóstico da anemia foi realizado pelo Hemocue, que avalia apenas o nível de hemoglobina e pode resultar em diagnóstico falso-negativo. Porém, o uso desse método é validado para pesquisas de campo e tem sido amplamente utilizado em pesquisas epidemiológicas; além disso, apresenta especificidade e sensibilidade suficientes para detectar níveis alterados de hemoglobina.30
Os resultados da presente pesquisa mostram que a anemia nos lactentes assistidos em Unidades de Saúde da zona urbana do município de Vitória da Conquista é um moderado problema de saúde pública, principalmente nas crianças com idade entre 6 e 11 meses, além de estar associada a fatores socioeconômicos, maternos e alimentares. Ressalta-se que os estudos sobre a anemia e seus determinantes são de grande relevância, uma vez que seus resultados podem direcionar a implantação de medidas visando à redução e à prevenção dessa carência nutricional. Nesse contexto, é de suma importância o monitoramento permanente das estratégias utilizadas no controle dessa doença para que sua efetividade seja alcançada.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2018
Histórico
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Recebido
03 Maio 2017 -
Aceito
12 Jun 2017 -
Publicado
12 Set 2018