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O tratamento da pornografia de vingança pelo ordenamento jurídico brasileiro

RESUMO

Este artigo aborda o tratamento jurídico dado pelo ordenamento brasileiro à pornografia de vingança, observando tratar-se de fenômeno que tem aumentado estatisticamente a partir dos avanços tecnológicos e das transformações nos relacionamentos sociais nos últimos tempos. A temática tem sua origem nas diferenças culturalmente fincadas acerca dos gêneros diante da estrutura social patriarcal. No âmbito do direito civil, abordam-se os danos sofridos pelas vítimas e as formas de indenização previstas. Em especial, analisa-se a pertinência no reconhecimento ao denominado dano existencial ou dano ao projeto de vida, tendo em vista a gravidade das consequências que, em regra, acometem as vítimas. No âmbito do direito penal, enfatizam-se alterações legislativas recentes que introduziram tipos penais específicos nos quais se insere a vingança pornográfica. Não se perde de vista, contudo, que o direito é insuficiente para a solução ou para a melhoria da problemática abordada, na medida em que se faz necessária a adoção de políticas públicas preventivas, bem como que permitam a inserção da mulher na sociedade, em condição de efetiva paridade, para desconstruir a cultura patriarcal, a partir da educação de gênero, e de outras medidas, de viés interdisciplinar, com outros ramos do conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE
Literatura erótica; Delitos sexuais; Identidade de gênero; Sexualidade

ABSTRACT

This article addresses the legal treatment given by the Brazilian legal system to revenge pornography, observing that it is a phenomenon that has increased statistically due to the technological advances and transformations in social relationships in recent times. The theme has its origin in the culturally entrenched differences about gender, in view of the patriarchal social structure. In the field of civil law, the damage suffered by the victims and the forms of compensation provided for are addressed. In particular, the pertinence in the recognition to the denominated existential damage or damage to the life project is analyzed, considering the seriousness of the consequences that, as a rule, affect the victims. In criminal law, recent legislative changes have been emphasized that have introduced specific criminal types into which pornographic revenge falls. However, one should not lose sight of the fact that Law is insufficient to solve or improve the problem addressed, as it is necessary to adopt preventive public policies, as well as allowing the insertion of women in society, under the condition of effective parity, in order to deconstruct the patriarchal culture, based on gender education, and other measures of interdisciplinary bias, with other branches of knowledge.

KEYWORDS
Erotica; Sex offenses; Gender; Sexuality

Noções introdutórias

Fomentado pelo avanço tecnológico e por laços sociais cada vez mais enfraquecidos, diariamente, aumenta o número de nudes, sexting e pornografia de revanche. O nude é a troca de imagens contendo nudez. O sexting ocorre diante da permuta de mensagens textuais ou de imagem ou áudios de conteúdos eróticos entre parceiros íntimos. A pornografia de vingança é espécie do gênero exposição pornográfica não consentida, devendo investigar-se, para sua configuração, a motivação que leva à divulgação não autorizada11 Sydow ST, Castro ALC. Exposição pornográfica não consentida na internet: da pornografia de vingança ao lucro. Belo Horizonte: D'Plácido; 2017..

Haverá o contexto de revanche ou vingança se a intenção na disseminação do material, sem o consentimento do parceiro, for a exposição da vítima, sujeitando-a a linchamento moral, causando-lhe reveses sociais e emocionais, por meio da rápida viralização do conteúdo22 Buzzi VM. Mulheres na rede: a pornografia de vingança como instrumento de violência de gênero. In: Gostinski A, Bispo A, organizadoras. Estudos feministas: por um direito menos machista. Florianópolis: Empório do Direito; 2016..

Em regra, as consequências daí advindas são graves, não somente para as mulheres, mas também para seu círculo de afetos. Geram sofrimento emocional, diminuição da autoestima, prejuízo ao pleno desenvolvimento, angústia, medo, tristeza, raiva, ansiedade, estresse, dores de cabeça e de estômago, distúrbios do sono e do apetite, humilhação e culpa. Ademais, quando não impele suas vítimas a mudanças acentuadas em sua rotina, pode chegar às raias do suicídio33 Silva AS, Pinheiro RB. Exposição que fere, percepção que mata: a urgência de uma abordagem psicosociojurídica da pornografia de vingança à luz da Lei Maria da Penha. Rev Fac Direito UFPR. 2017; 62(3):243-265..

O conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde, muito embora tenha sofrido severas críticas ao longo do tempo, adequa-se aos fins do presente trabalho: “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não, simplesmente, a ausência de doenças ou enfermidades”44 Batistella C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: Fonseca AF, D'andrea Corbo AM. O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007.(57).

Nesse sentido, a pornografia de vingança, mais do que ofender a intimidade, honra e vida privada das mulheres, afronta a própria saúde, considerada na esfera biopsicossocial individual55 Heilborn ML. Gênero, sexualidade e saúde. In: Silva DM, organizador. Saúde, sexualidade e reprodução: compartilhando responsabilidades. Rio de Janeiro: UERJ; 1997., com intensa afronta aos direitos humanos da vítima.

Pesquisa do Cyber Civil Rights Initiative do Department of Psychology da Florida International University, que administra o site EndRevengePorn.org (https://www.cybercivilrights.org), em 2017, com 3.044 participantes nos Estados Unidos, revela que, entre as pessoas que sofreram divulgação ou ameaça de divulgação de material íntimo, é maior o número de mulheres (15,8%) do que de homens (9,3%).

A Organização Não Governamental (ONG) Safernet (https://helpline.org.br/indicadores/), que auxilia vítimas e monitora violações dos direitos humanos na internet, juntamente com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal, aponta que, em 2018, a maior quantidade de pedidos de ajuda se relacionou à exposição não consentida de imagens íntimas (n=669).

Desse total (n=669), 440 eram de mulheres, enquanto 229 eram de homens; no ano de 2017, o total de atendimentos acerca do tema foi de 289, sendo 204 provenientes de mulheres e 85 oriundos de homens. Em 2016, do total de solicitações (n=300), 202 eram de mulheres, sendo 98 de homens.

Essas estatísticas sugerem que a exposição não consentida de material íntimo e, em consequência, a pornografia de revanche se conectam intimamente com as diferenças de gênero presentes na sociedade.

Gênero é conceito das ciências sociais e se vincula à construção social do masculino e do feminino: enquanto a palavra sexo designa a anatomia e a fisiologia dos seres e da atividade sexual, a concepção de gênero relaciona-se com o aspecto social66 Foucault M. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2017..

As complexidades do gênero ligam-se intimamente às da sexualidade, que, segundo Foucault66 Foucault M. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2017., é instrumento elaborado social e historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre sexo, que se refletem nos corpos, comportamentos, relações sociais, e não relações de poder.

A sexualidade, e em especial a da mulher, vem sendo utilizada como forma de controle social ao longo de todo o curso da história.

A noção de controle social está associada aos conceitos de poder e de dominação política, constituída por mecanismos que disciplinam uma sociedade e que submetem seus indivíduos a padrões e a princípios. Pode ser formal, exercido pelo Estado, ou informal, realizado pelos grupos sociais77 Sabadell AL. Manual de sociologia jurídica: Introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2017., sendo este último o eminentemente dirigido às mulheres, e muito em função de sua sexualidade, no âmbito familiar e educacional88 Baratta A. O paradigma do gênero. In: Campos CH, organizadora. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina; 1999..

O patriarcado, por outro lado, é um sistema de dominação masculina, expressão de poder político, que incorpora as dimensões da sexualidade, da reprodução e da relação entre homens e mulheres, e perpassa todas as estruturas sociais. Tem como um de seus pilares o controle da sexualidade feminina88 Baratta A. O paradigma do gênero. In: Campos CH, organizadora. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina; 1999..

A constituição e a manutenção do patriarcado têm relação com as várias formas de violência, interpretada pelo senso comum como a ruptura de qualquer forma de integridade do outro: física, psíquica, sexual ou moral88 Baratta A. O paradigma do gênero. In: Campos CH, organizadora. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina; 1999.. Vale dizer: o patriarcado se utiliza da violência, sendo esta inerente àquele.

Por considerar que o mesmo fato pode ser compreendido por uma mulher como violento, mas avaliado como normal por outra, Saffioti99 Saffioti H. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Expressão Popular: Fundação Perseu Abramo; 2015. propõe utilizar o conceito de direitos humanos para apurar a existência da violência contra a mulher.

Violência simbólica, por seu turno, é conceito que aborda uma forma de vis exercida pelo corpo sem coação física, com fundamento na fabricação contínua de crenças no processo de socialização, que induzem o indivíduo a se posicionar segundo o discurso dominante, legitimando-o.

Para Bourdieu1010 Bourdieu P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2014., dominação masculina equivale à violência simbólica na construção social dos gêneros e legitima a suposta superioridade masculina em detrimento da inferioridade feminina.

Nesse cenário, quando a mulher se insurge contra o sistema patriarcal, por conduta que desatenda aos comportamentos que dela se esperam, inclusive o de romper um relacionamento afetivo ou exercer sua sexualidade livremente, o ambiente social admite uma forma de puni-la pelo suposto desvio, mediante o uso da violência. Na pornografia de revanche, tal violência consiste na publicação de material íntimo com ausência de consentimento.

O controle social da sexualidade da mulher, que durante longos anos foi realizado sob o prisma religioso e médico-higienista1111 Pedrinha RD. Sexualidade, controle social e práticas punitivas: do signo sacro religioso ao modelo científico médico higienista. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2009., a partir da revolução sexual do século XX e diante do avanço da tecnologia na contemporaneidade, é hodiernamente realizado por mecanismos mais sutis e tecnológicos, próprios da sociedade de controle proposta por Deleuze1212 Deleuze G. Conversações. São Paulo: Editora 34; 1992..

Na era do consumo, as relações sociais tornam-se impessoais e superficiais, com a banalização do sexo; as parcerias são trocadas como se fossem bens de consumo1313 Bauman Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004., mediadas pela exposição de identidades e espetacularização das intimidades próprias da sociedade do espetáculo1414 Debord G. A sociedade do espetáculo. [S. l.]: eBookLibris; 2003..

Vive-se na sociedade de risco, expressão que descreve a maneira como o grupo social procura responder aos riscos decorrentes dos avanços tecnológicos e industriais dos últimos anos e que atingem os campos político, social, econômico e individual, sem que haja certeza acerca dos resultados que poderão daí advir1515 Beck U, Giddens A, Lash S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Oeiras: Celta; 2000..

Entre as contradições que defluem da sociedade de risco, está a dificuldade de as instituições acompanharem as novidades em face da rapidez com que ocorrem.

A pornografia de vingança se vincula muito intimamente com as modernidades tecnológicas, relacionando-se profundamente com aqueles riscos, especialmente diante da dificuldade de as instituições políticas, sociais e jurídicas acompanharem as mudanças, e darem as respostas satisfatórias que demandam.

O ambiente social, portanto, favorece o crescimento da prática de vingança pornográfica, ao mesmo tempo que as instituições têm dificuldade de responder aos problemas provocados por ela.

A pornografia de vingança perante o ordenamento jurídico brasileiro

O tratamento da vingança pornográfica pelo ordenamento jurídico brasileiro deve ser contextualizado a partir do reconhecimento dos direitos humanos pelo direito internacional, que tem início com a Carta das Nações de 19451616 Brasil. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945 [internet]. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945. Diário Oficial da União. 23 Out 1945. [acesso em 2018 mar 9]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm.
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e com a Declaração Universal de 19481717 Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 [internet]. [acesso em 2018 mar 9]. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000139423.
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Os tratados internacionais sobre direitos humanos são incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro mediante aprovação em cada casa legislativa em dois turnos, com quórum qualificado, a partir do que serão equivalentes a emendas constitucionais (parágrafo 3º do art. 5º da Constituição da República1818 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2018 set 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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).

São duas as Convenções Internacionais de maior relevo para as mulheres no Brasil: a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher ou Convenção da Mulher (Cedaw)1919 Brasil. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002 [internet]. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto nº 89.460, de 20 de março de 1984. Diário Oficial da União. 14 Set 2002. [acesso em 2018 mar 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm.
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, aprovada na Organização das Nações Unidas (ONU) em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984, e a Convenção de Belém do Pará ou Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, aprovada pela Organização dos Estados Membros em 1994 e ingressando no ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 1.973/19962020 Brasil. Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996 [internet]. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Diário Oficial da União: 2 Ago 1996. [acesso em mar 8 2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1973.htm.
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Esta última aduz, no art. 1º, que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens. Estabelece como violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher.

A Declaração dos Direitos Sexuais de 19972121 World Association for Sexual Health. Declaração dos direitos sexuais [internet]. [S. l.]: [S. n.], 2013. [acesso em 2019 nov 27]. Disponível em: https://worldsexualhealth.net/wp-content/uploads/2013/08/declaration_of_sexual_rights_sep03_2014.pdf.
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, estabelecida em Valência – III Congresso Mundial de Sexologia –, reconheceu os direitos sexuais como direitos humanos, e declarou a possibilidade de ter experiências sexuais prazerosas e seguras, livres de coerção, discriminação ou violência e que todos têm o direito de controlar e de decidir sobre questões relativas à sua sexualidade e aos seus corpos. Destaca o direito à privacidade relacionada com a sexualidade, vida sexual e escolhas, vedando interferências arbitrárias; e reconhece o direito de controlar a divulgação de informação relacionada com a sexualidade.

Em âmbito interno, a Constituição da República do Brasil1818 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2018 set 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e prevê a igualdade entre homens e mulheres (arts. 1º, III; art. 5º, I). Repudia a violência doméstica (parágrafo 8º do art. 226), prevendo a criação de mecanismos para reprimir a violência no âmbito das relações da família, a qual materializou-se, principalmente, com a Lei Maria da Penha2222 Brasil. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 [internet]. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Ago 2006. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm.
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O art. 5º da Lei Maria da Penha2222 Brasil. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 [internet]. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Ago 2006. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm.
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prevê como violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, inserida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente de coabitação.

A relação íntima de afeto é entendida como casamento, convivência, namoro ou qualquer relação casual, eventual ou passageira, consoante o Enunciado 21-003/2015 da Copevid do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais: “A Lei Maria da Penha se aplica a quaisquer relações íntimas de afeto, ainda que eventuais e/ou efêmeras”2323 Mello AR. Feminicídio: uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico; 2017.(109).

Acerca da vingança pornográfica, sobressaem as violências psicológica e moral. A violência psicológica é qualquer conduta que induza dano emocional e diminuição da autoestima ou que perturbe o pleno desenvolvimento ou vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância, perseguição, insulto, chantagem, violação de intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que provoque prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. A violência moral é compreendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, agredindo a honra e a respeitabilidade da pessoa.

A violação da intimidade da mulher passou a constar expressamente do inciso II do art. 7º como uma espécie de violência psicológica, após o advento da Lei nº 13.772/20182424 Brasil. Lei nº 13.772, de 19 de dezembro de 2018 [internet]. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm.
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A Constituição da República garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, bem como o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, inaugurando a tutela geral dos direitos da personalidade e o princípio da reparação integral dos danos.

Silva2525 Silva JA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores; 1996. Revisada. aponta que o direito à privacidade deve ser compreendido de forma ampla, abarcando todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade, abrangendo o conjunto de informações que o indivíduo pode preferir manter exclusivamente sob seu controle, ou, se desejar comunicá-lo, poderá decidir em que condições fazê-lo.

Honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade pessoal, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação.

A inviolabilidade da imagem consiste na tutela do aspecto visível por outrem acerca de um indivíduo, seja quanto ao aspecto físico, seja quanto à personalidade.

A reparação integral dos prejuízos prevista constitucionalmente abrange todas as formas de danos: materiais e extrapatrimoniais. Danos materiais atingem o patrimônio, abarcando o que efetivamente se perdeu, bem como o que razoavelmente se deixou de lucrar. Quanto aos danos extrapatrimoniais, prevalece o entendimento de que estão presentes sempre em que há lesão a direito da personalidade2525 Silva JA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores; 1996. Revisada..

Existem algumas espécies do gênero danos imateriais, tais como: dano moral puro, dano à identidade, à vida privada, à intimidade, à imagem, ao prestígio, à reputação, dano estético, dano psíquico e o dano existencial.

O dano existencial ou dano ao projeto de vida passou a ser classificado como uma categoria autônoma da responsabilidade civil a partir da década de 1990, na Itália. Decorre de episódio que provoca modificação prejudicial, total ou parcial, permanente ou temporária, a uma atividade ou conjunto de atividades que a vítima tinha como incorporado ao seu cotidiano. Igualmente, pode alcançar uma potencialidade, para abranger atividades que a pessoa, pela lógica do razoável ou segundo as regras de experiência, poderia desenvolver no curso normal de sua vida2626 Tartuce F. Manual de Direito Civil: volume único. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; 2015. Revisada Atualizada e Ampliada..

O indivíduo realiza projetos de vida para dar sentido à própria existência, e, ao suceder um infortúnio do qual não tem controle, o curso da existência pode modificar-se inteiramente, provocando até um vazio existencial ou a perda do sentido da vida.

Esses aspectos atingem, em maior ou menor grau, quem sofre a pornografia de vingança, visto que muitas das vítimas necessitam mudar inteiramente os rumos da sua existência, ou modificar suas atividades, e outras ainda se veem tão fulminadas pelo acontecimento que perdem inteiramente a vontade de viver, a ponto de se suicidarem.

Por ora, o dano existencial ou dano ao projeto de vida ainda não vem associado à pornografia de vingança. No entanto, Sydow e Castro11 Sydow ST, Castro ALC. Exposição pornográfica não consentida na internet: da pornografia de vingança ao lucro. Belo Horizonte: D'Plácido; 2017. defendem sua autonomia e a possibilidade de sua cumulação com o dano moral puro, diante da intensidade com que se atinge a vida das vítimas.

De outro giro, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, trazendo os direitos humanos como um de seus fundamentos (art. 2º, II); e como princípios basilares, a proteção da privacidade e a responsabilização dos agentes segundo sua atuação (art. 3º, II e VI)2727 Soares FR. Dano existencial: uma leitura da responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais sob a ótica da proteção humana [dissertação]. 2007. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2007. 223 p..

Significativamente, a Lei do Marco Civil estabelece, em seu art. 21, uma exceção à regra geral da reserva de jurisdição em casos de divulgação não consentida de material íntimo, ao determinar que o provedor de internet retire do ar, a partir de notificação realizada pelo próprio interessado, e independentemente de determinação judicial, o material de caráter privado, tornando mais ágil o procedimento de exclusão do conteúdo privado da rede mundial de computadores.

Na esfera criminal, o Código Penal brasileiro2828 Brasil. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 [internet]. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União. 24 Abr 2014. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm.
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, norma da década de 40 do século passado, vem sofrendo reformas pontuais e recentes alterações em relação aos crimes sexuais que se concentram em torno do valor constitucional da dignidade humana, em busca de proteger o sexo livre e desimpedido2929 Brasil. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 [internet]. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União. 24 Abr 2014. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm.
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Em geral, a tipificação dos delitos sexuais zela pelo bem jurídico da liberdade sexual, vertente da dignidade humana, garantindo a autodeterminação individual nesse âmbito, abrangendo a capacidade de dispor livremente do próprio corpo e manter comportamento sexual segundo os desejos individuais3030 Prado LR. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2013..

O ano de 2018 trouxe importante alterações normativas acerca do tema em debate:

A Lei nº 13.718/20183131 Brasil. Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018 [internet]. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Diário Oficial da União. 25 Set 2018. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm.
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criou o tipo penal do art. 218-C do Código Penal, que estabelece ser crime oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia, fixando a pena de reclusão de um a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O novo tipo penal prevê como causa de aumento de pena o fato de o agente manter ou haver mantido relação íntima de afeto com a vítima ou quando há finalidade de vingança ou humilhação. É exatamente a hipótese da vingança pornográfica.

O ilícito penal existirá ainda que o conteúdo tenha sido gravado ou colhido com a anuência da vítima, ou mesmo que esta o tenha transmitido para destinatário(s) específico(s). Nesse caso, repreende-se a deslealdade daquele que, em confiança, recebe o material íntimo encaminhado pela vítima, mas lhe dá publicidade sem consentimento.

Em se tratando de vítima menor de 18 anos, a hipótese pode se amoldar aos arts. 241 e 241-A a E do Estatuto da Criança e do Adolescente3232 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 [internet]. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990. [acesso em 2019 mar 3]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm.
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Contudo, agiu o legislador com falta de técnica na redação daquele dispositivo legal, posto que previu a exposição pública de cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima após capitular uma série de outras condutas relacionadas com a exposição de cena de estupro.

Tal tipo penal veio inserido no Capítulo II – Dos crimes sexuais contra vulnerável, sob o Título VI – Dos crimes contra a dignidade sexual.

Essa posição topográfica no Código Penal e a redação do dispositivo podem ensejar, erroneamente, a interpretação de que a prática punível se refere, tão somente, à exposição pornográfica relacionada com o estupro.

Não foi essa, contudo, a intenção do legislador, o que pode ser apurado pelo exame do trâmite legislativo que culminou com a promulgação da norma, a ser adiante abordado.

Já a Lei nº 13.772/20182424 Brasil. Lei nº 13.772, de 19 de dezembro de 2018 [internet]. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm.
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passou a prever o tipo penal do art. 216-B do Código Penal, introduzindo o Capítulo I-A, sob a rubrica Da exposição da intimidade sexual. Tal dispositivo vem topograficamente localizado sob o Título VI, que protege a dignidade sexual, punindo-se as condutas de produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado, sem autorização dos participantes.

Punível, igualmente, a conduta de realizar montagem, a fim de inserir a vítima no material audiovisual de conteúdo sexual.

Vários projetos de lei redundaram na criação dos dois novos tipos penais:

O projeto de Lei nº 6.630/20133333 Brasil. Projeto de Lei nº 6.630 de 23 de outubro de 2013 [internet]. [acesso em 2019 mar 2]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=598038.
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, do deputado federal Romário, juntamente com outros projetos correlatos, pretendia punir a divulgação de cenas de sexo sem consentimento da vítima.

Não obstante, em desacordo com o projeto de lei inicial, a redação final do art. 216-B deixou de fora as ações relacionadas com a divulgação de tais conteúdos, para somente punir aquelas em se realiza a captação dos momentos de intimidade sem a autorização da vítima.

Por outro lado, o Projeto de Lei nº 5.452/20163434 Brasil. Projeto de Lei nº 5.452 de 2016 [internet]. [acesso em 2019 mar 2]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2086414.
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, da senadora Vanessa Grazziotin, tinha por finalidade a instituição do crime de estupro coletivo, ao mesmo tempo que o Projeto de Lei da Câmara nº 18/20173535 Brasil. Projeto de Lei da Câmara nº 18, de 2017 [internet]. [acesso em 2019 mar 2]. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5068988&ts=1550060365849&disposition=inline.
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pretendia promover alteração do Código Penal para incluir mais um delito contra a honra, e não contra a liberdade sexual, tomando essa concepção por ocasião do seu parecer final, quando a conduta foi capitulada como exposição pública da intimidade sexual independentemente de anuência da vítima.

Depreende-se, pois, que, quando veio a lume a lei que previu o crime de violação da intimidade sexual pelo art. 216-B, o delito ficou bem aquém da intenção legislativa inicial, haja vista que o novo dispositivo somente previu como punível a conduta de registrar a intimidade sexual, mas não a de divulgar.

Por sua vez, a conduta de expor as cenas de nudez, sexo e pornografia acabou por ser inserida, açodadamente, sob a capitulação do art. 218-C, juntamente com condutas relacionadas com a divulgação de cenas de estupro e de estupro de vulnerável, no tópico dos crimes sexuais contra vulnerável.

Em uma interpretação sistemática, teleológica e, portanto, segundo a intenção do legislador extraída dos projetos de lei e suas respectivas tramitações, é possível concluir que as novas leis vieram no sentido de criminalizar tanto as condutas de registrar o conteúdo íntimo quanto a sua divulgação, independentemente de que houvesse um estupro. Isto é, mesmo no sexo consentido.

Sob outro prisma, verifica-se que as penalidades estabelecidas nos novos tipos penais trazem penas restritivas de liberdade bastante amplas, uma vez que, em relação ao crime do registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B), a pena é de detenção de seis meses a um ano, e, quanto ao delito de divulgação não autorizada de cena de sexo, nudez ou pornografia (art. 218-C), a pena é de reclusão de um a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave. Há previsão, no parágrafo 1º, de causa de aumento de pena de um terço a dois terços se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Comparando as penas previstas na legislação, vê-se que se encontram em patamar bastante superior às de delitos cujos resultados, em tese, podem ser mais graves do que os decorrentes da pornografia de revanche, a exemplo do crime de lesão corporal simples, cuja pena de detenção é de três meses a um ano. Na lesão corporal grave (que provoca incapacidade por mais de 30 dias ou debilidade permanente de membro, sentido ou função e aceleração de parto), a penalidade cominada é exatamente a mesma do delito tipificado no art. 218-C (divulgação não autorizada de cena de sexo, nudez ou pornografia), isto é, reclusão de um a cinco anos. Se a lesão corporal simples ocorrer na seara da violência doméstica, a previsão legal é de pena de detenção de três meses a três anos.

O princípio da proporcionalidade das penas exige um juízo de ponderação entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que alguém pode vir a ser privado, in casu, a liberdade do acusado3636 Greco R. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus; 2004..

Ao estabelecer os patamares de penas dos novos crimes, em especial, o do art. 218-C, o legislador parecer ter agido em desacordo com a proporcionalidade e razoabilidade cabíveis.

Por outro lado, a partir da Lei nº 13.718/20183131 Brasil. Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018 [internet]. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Diário Oficial da União. 25 Set 2018. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm.
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, todas as infrações constantes do Capítulo I (Dos crimes contra a liberdade sexual e Capítulo I-A - Da exposição da intimidade sexual) e do Capítulo II (Dos crimes sexuais contra vulnerável) do Título VI (Dos crimes contra a dignidade sexual) são de ação penal pública incondicionada, isto é, a persecução penal se desenrola por iniciativa do Ministério Público, independentemente de manifestação do ofendido.

Antes da entrada em vigor das Leis nº 13.7183131 Brasil. Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018 [internet]. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Diário Oficial da União. 25 Set 2018. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm.
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e nº 13.7722424 Brasil. Lei nº 13.772, de 19 de dezembro de 2018 [internet]. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm.
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de 2018, as práticas que caracterizam a pornografia de revanche eram abarcadas pelos tipos penais da difamação ou injúria, crimes contra a honra. Se o fato ocorresse mediante a utilização de meio que facilitasse a divulgação ou em presença de várias pessoas, o agente respondia com causa de aumento de pena.

Sob outra vertente, a Lei Maria da Penha2222 Brasil. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 [internet]. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Ago 2006. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm.
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(art. 17) proibiu a aplicação de pena pecuniária e multa substitutiva aos crimes com violência doméstica ou familiar contra a mulher e, no art. 41, vedou a aplicação dos institutos despenalizadores – transação penal e suspensão condicional do processo – da Lei de Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/1995)3737 Brasil. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 [internet]. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União. 27 Set 1995. [acesso em 2019 mar 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm.
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.

O afastamento da possibilidade da aplicação das medidas despenalizadoras é questionado, por vários segmentos da doutrina, mormente diante das Teorias Minimalistas, por exprimir uma demanda por sofrimento penal psíquico, em detrimento de uma sanção moral ou patrimonial3838 Batista N. "Só Carolina não viu": violência doméstica e políticas criminais no Brasil. In: Mello AR, organizadora. Comentários à lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2009.. Tais reflexões originam-se a partir de intensas críticas ao sistema penal, as quais denunciam a seletividade com que opera, e por promover a inversão das suas próprias promessas de ressocialização, demonstrando-se a falsidade de seu discurso de igualdade, humanidade e legalidade3939 Campos CH. Criminologia feminista: teoria feminista e crítica às criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2017..

Tais teorias, muitas vezes, conflitam com os posicionamentos do Movimento Feminista. Nessa seara, Smaus4040 Smaus G. Abolicionismo: el punto de vista feminista. No Hay Derecho, n. 7, 1992 [internet]. [acesso em 2019 fev 28]. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/117173969/Abolicionismo-el-punto-de-vista-feminista-Por-Gerlinda-Smaus.
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refuta as Teorias Minimalistas e defende que o direito penal, na tipificação de delitos contra a mulher, consubstancia um instrumento na luta para a mudança da estrutura social patriarcal e que a capitulação penal dessas condutas é necessária, na medida em que a criminalização de comportamentos violentos dos homens contra as mulheres, juntamente com outras conquistas dos Movimentos Feministas, ajuda a tornar públicos problemas que ocorriam na esfera privada e nela se mantinham velados.

Nesse sentido, assenhoramo-nos dos dizeres de Gustav Radbrunch4141 Radbruch G. Rechtsphilosophie. 2. ed. Heidelberg: C.F. Mueller; 2003., citados por Baratta4242 Baratta A. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Revan; 2011. Tradução: Juarez Cirino dos Santos.(207): “a melhor reforma do direito penal seria substituí-lo, não por um direito penal melhor, mas por qualquer coisa melhor que o direito penal”. Como ainda não é possível prescindir do direito penal, que ele funcione como baliza jurídica de contenção dos excessos do poder punitivo e limitador da violência atinente ao gênero.

Nesse passo, o Supremo Tribunal Federal, em decisão vinculante (Ação de Constitucionalidade 19)4343 Brasil. Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 Distrito Federal [internet]. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal; 2001. [acesso em 2019 fev 28]. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=217154893&ext=.pdf.
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, entendeu pela constitucionalidade dos dispositivos da Lei Maria da Penha2222 Brasil. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 [internet]. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Ago 2006. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm.
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que vedam a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/953737 Brasil. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 [internet]. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União. 27 Set 1995. [acesso em 2019 mar 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm.
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em crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

A Lei Maria da Penha2222 Brasil. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 [internet]. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Ago 2006. [acesso em 2019 fev 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm.
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prevê a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência, adequadas ao caso concreto, para a mulher em situação de violência doméstica e familiar (art. 22, parágrafo 1º), cujo descumprimento configura o crime previsto no art. 24-A, com pena de detenção de três meses a dois anos.

Todas as questões relacionadas com o direito e com a prática jurídica aqui debatidas são insuficientes para alcançar a almejada igualdade substancial entre mulheres e homens, diante dos múltiplos aspectos do problema, com raízes sociais e históricas sedimentadamente constituídas.

Para que se caminhe na direção da igualdade efetiva, muito mais do que aprofundar-se nas consequências jurídicas das diferenças de gênero, faz-se mister a adoção de políticas públicas dirigidas à conscientização da sociedade, em geral acerca das desigualdades ainda reinantes, o que deverá ocorrer no amplo campo do debate político, possibilitando levar-se a efeito a educação de gênero, bem como ações afirmativas em favor da mulher, por meio de políticas públicas de gênero para melhor inseri-la no mercado de trabalho e no âmbito político, com cotas.

O poder público precisa atentar para o desenvolvimento de agendas em prol da mulher, propiciando atividades de capacitação profissional, maior número de ofertas de vagas em estabelecimentos públicos de ensino para seus filhos, inclusive e especialmente creches, acesso à saúde e educação sexual, reprodutiva e de gênero, entre outros.

Logo, na busca por uma sociedade melhor, com arranjos mais pacificadores e mais igualitários, entre mulheres e homens, não é possível se prescindir do direito, posto que sua utilização deve dar-se tendo como finalidade última a maior reflexão, conscientização e educação da sociedade acerca das desigualdades de gênero.

Considerações finais

No presente artigo, após contextualização do cenário social que permeia o aumento do número de casos de vingança pornográfica, almejou-se apresentar breve panorama acerca do tratamento da pornografia de vingança pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Após rápida incursão pelo direito internacional, viu-se o tratamento do tema no Brasil. Em destaque, a proteção dada à dignidade humana das vítimas de pornografia de vingança, cujos direitos da personalidade sofrem prejuízos.

Na seara civil, é garantido o direito à indenização pelo dano material ou imaterial decorrente da exposição não consentida de conteúdo íntimo.

Entre as várias espécies de prejuízos extrapatrimoniais, ressaltou-se o dano existencial ou dano ao projeto ou plano de vida, cuja autonomia se defende em razão da intensidade dos efeitos advindos às vítimas.

Observou-se que o Marco Civil da Internet permite maior agilidade na retirada do material nocivo da rede, mediante notificação pela vítima ao provedor acerca do conteúdo não autorizado.

Em âmbito penal, no ano de 2018, foram realizadas alterações normativas acerca da pornografia de vingança, com as Leis nº 13.718/18 e nº 13.772/18, que criaram tipos penais específicos a alcançarem a vingança pornográfica, os quais foram examinados.

Considerando, todavia, que as concepções de gênero foram histórica e socialmente construídas ao longo do tempo e são arraigadas no corpo social, apenas alterações legislativas para criar tipos penais que resguardem direitos das mulheres ou o aprofundamento dos operadores do direito nos estudos de gênero são insuficientes para o advento de um novo paradigma que se almeja.

O tema impõe a adoção de políticas públicas amplas e dirigidas a toda a sociedade, mediante ações afirmativas em prol da mulher, incremento da educação de gênero, desenvolvimento de atividades de capacitação profissional, maior número de ofertas de vagas em estabelecimentos públicos de ensino para seus filhos, garantia de acesso à saúde e educação sexual e reprodutiva, tudo, enfim, para a efetivação da igualdade substancial entre homens e mulheres, em um novo pacto para a superação da lógica binária dos gênero, e que permita um novo olhar para as diferenças.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2019
  • Aceito
    03 Nov 2019
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