Exposição ao cádmio e Síndromes Hipertensivas da Gestação: uma revisão sistemática

Cadmium exposure and Hypertensive Disorders of Pregnancy: a systematic review

RESUMO

As Síndromes Hipertensivas da Gestação (SHG) são uma das principais causas de morbimortalidade materna. Evidências crescentes indicam a associação entre a exposição ao cádmio e a hipertensão arterial na população em geral, mas não as SHG. Afim de investigar esse tema, realizou-se uma revisão sistemática seguindo as diretrizes PRISMA, nas bases de dados BVS/Lilacs, PubMed/Medline e SciELO e no repositório da Universidade de São Paulo (USP) até agosto de 2021. A qualidade metodológica foi avaliada pelo checklist Downs and Black. Selecionaram-se dezenove artigos, sendo treze caso-controle, quatro coortes e dois seccionais. No total, 11.451 participantes foram avaliadas, sendo 1.445 (12,6%) com SHG e, destas, 1.071 (74,1%) com pré-eclâmpsia. Observou-se o ajuste inadequado para confundimento em onze estudos. Dos sete estudos considerados de boa qualidade metodológica, quatro relataram associação positiva e três não a observaram, enquanto somente um estudo observou diferença de média, que foi maior nas gestantes com SHG. Atribuiu-se a divergência dos resultados às diferenças metodológicas e ao ajuste inadequado para os fatores de confusão. Como o cádmio é um metal tóxico que pode levar ao aumento do estresse oxidativo, que desempenha papel importante na fisiopatologia das SHG, estudos adicionais são necessários para elucidar esta associação.

PALAVRAS-CHAVE
Cádmio; Hipertensão induzida pela gravidez; Pré-eclâmpsia. Eclampsia

ABSTRACT

Hypertensive Disorders of Pregnancy (HDP) are one of the main causes of maternal morbimortality. Strong evidence point to an association between cadmium and hypertension in the general population, but not HDP. A systematic review was carried out to investigate this potential relationship, following PRISMA guidelines, in the BVS/LILACS, PubMed/MEDLINE, and SciELO databases and a repository (University of São Paulo – USP) until August 2021. The methodological quality was assessed using the Downs and Black checklist. Nineteen articles were selected, thirteen of which were case-control, four were cohorts, and two were cross-sectional. A total of 11.451 participants were evaluated, 1.445 (12.6%) with HDP, and of these 1.071 (74.1%) with preeclampsia. The inadequate adjustment for confounding was observed in eleven studies. Out of the seven studies considered good methodological quality, four reported a positive association, and three did not observe it. In contrast, only one observed a mean difference, which was higher in HDP. The inconsistency of the results was attributed to the methodological differences and inadequate adjustment for confounding. As cadmium is a toxic metal that can induce an increase in oxidative stress, which plays an essential role in the pathophysiology of HDP, additional studies are needed to elucidate this association.

KEYWORDS
Cadmium; Hypertension, pregnancy-induced; Pre-eclampsia; Eclampsia

Introdução

A gestação é um estado fisiológico associado com aumento do metabolismo e demanda de oxigênio. Ela pode ser marcada por complicações, como as Síndromes Hipertensivas da Gestação (SHG), cuja incidência situa-se entre 7,3 a 15,3%¹. Por representarem uma das principais causas mundiais de morbimortalidade materna e perinatal, as SHG são consideradas um importante problema de saúde pública², ³. Elas são classificadas como Hipertensão Crônica (HC), Hipertensão Gestacional (HG), Pré-Eclâmpsia (PE) e pré-eclâmpsia superposta à hipertensão crônica (quadro 1)³.

Quadro 1
Critérios para classificação das Síndromes Hipertensivas da Gestação

Classificação	Critérios
Hipertensão crônica	Surgimento de hipertensão até a 20ª semana de gestação.
Hipertensão gestacional	Surgimento de hipertensão após a 20ª semana de gestação, podendo ir até as primeiras 12 semanas de puerpério.
Pré-eclâmpsia	Surgimento de hipertensão após a 20ª semana de gestação acompanhado de: proteinúria ou comprometimento de órgão materno incluindo insuficiência renal, alteração da função hepática, complicação neurológica, complicação neurológica, disfunção uteroplacentária.
Pré-eclâmpsia superposta à hipertensão crônica	Elevação aguda da pressão arterial, podendo surgir trombocitopenia ou anormalidades da função hepática em gestantes portadoras de hipertensão arterial sistêmica crônica, após a 20ª semana de gestação.

• Fonte: adaptado pelos autores de Garovic VD, Dechend R, Easterling T, et al.³.

As gestantes diagnosticadas com SHG apresentam maior risco de complicações antes, durante e após o parto. Tanto a saúde do feto como da mãe pode ser afetada, seja pela restrição do crescimento fetal, parto prematuro e baixo peso ao nascer seja pelo descolamento prematuro da placenta, necessidade de parto cesáreo e aumento do risco materno de desenvolver HC, doença do coração ou acidente vascular cerebral¹, ³.

Dentre os fatores de risco relacionados às SHG estão os tradicionais para hipertensão arterial sistêmica, como sedentarismo, sobrepeso, obesidade, além de outros fatores específicos da gestação, como primiparidade, gestação gemelar, métodos de reprodução assistida e idade materna maior que 35 anos⁴. Se substâncias tóxicas amplamente distribuídas no meio ambiente, como o cádmio, podem também aumentar o risco de SHG, é uma questão emergente na literatura científica².

Os mecanismos pelos quais o cádmio pode induzir à hipertensão não estão totalmente esclarecidos. Entretanto, o efeito deletério desse metal sobre a função placentária, relacionado ao seu poder de desregulação da homeostase redox com o aumento do estresse oxidativo e à inibição da migração das células trofoblásticas, parece ser uma explicação biologicamente plausível², ⁵, ⁶.

As principais fontes de exposição ao cádmio são a dieta, i.e. vegetais folhosos, batata, grãos, e o tabagismo, além de certas atividades tais como a mineração de metais não ferrosos, a produção de baterias recarregáveis de níquel-cádmio, além da queima de combustíveis fósseis⁷. As gestantes expostas ao cádmio apresentam maior vulnerabilidade aos efeitos tóxicos desse metal devido às alterações fisiológicas próprias desse período associadas às deficiências nutricionais de cálcio, ferro e zinco, que levam ao aumento da absorção gastrointestinal, dos níveis de cádmio e de seu acúmulo nos tecidos⁸.

A primeira descrição da relação entre a exposição ao cádmio e hipertensão na população geral ocorreu em 1955⁵ e, desde então, vários estudos vêm investigando a associação com SHG e apresentando resultados conflitantes⁹. Entretanto, até o momento, nenhum estudo de revisão sistemática examinou especificamente se a exposição materna ao cádmio está associada a essas síndromes. Diante do exposto, este estudo objetiva avaliar e sintetizar as evidências científicas relativas à associação entre exposição materna ao cádmio e as SHG.

Material e métodos

Esta revisão sistemática seguiu as diretrizes atualizadas Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), objetivando avaliar e sintetizar as evidências científicas relativas à pergunta: ‘A exposição materna ao cádmio está associada com as SHG?’¹⁰.

Desenvolveu-se uma busca sistemática nas bases de dados eletrônicas BVS/Lilacs, PubMed/Medline e SciELO, em uma biblioteca digital de dissertação e em tese da Universidade de São Paulo em 31 de agosto de 2021. A composição da sintaxe final foi feita com o uso dos operadores booleanos AND e OR para diversas combinações dos descritores com palavras de texto da seguinte forma: “cadmium” [MeSH Terms] OR “cadmium” [Text Word] AND “hypertension, pregnancy-induced” [MeSH Terms] OR “pregnancy induced hypertension” [Text Word] OR “pre-eclampsia” [MeSH Terms] OR “PREECLAMPSIA” [Text Word] OR “eclampsia” [MeSH Terms] OR “ECLAMPSIA” [Text Word] OR “gestational hypertension” [Text Word].

Os artigos foram considerados para inclusão segundo a estratégia PICOS: Participantes eram gestantes ou puérperas; Intervenção incluiu a avaliação da exposição ao cádmio por meio de sua medição em alguma matriz biológica; Comparação com gestantes ou puérperas normotensas que apresentassem a medição de cádmio documentada em alguma matriz biológica; Desfecho (Outcome) compreendeu as SHG com seus critérios relatados pelos autores; Estudo (Study) incluiu os analíticos observacionais escritos em espanhol, inglês ou português, publicados até o dia da pesquisa, 31 de agosto de 2021. Realizou-se a exclusão de todos aqueles que não relataram a avaliação da exposição ao cádmio em pelo menos uma matriz biológica, assim como os que não descreveram os critérios utilizados para classificação das SHG. Os editoriais, opinião de autor e livro, estudos experimentais in vitro e de revisão também foram excluídos. O PubMed foi usado como referência para a duplicata de artigos.

Os revisores LG e TV analisaram de forma independente todo o processo de seleção. As divergências foram resolvidas por meio de consenso e mediadas por um terceiro pesquisador (ASV). O fluxograma incluiu a análise dos títulos, resumo e texto completo. Procedeu-se à consulta manual das referências dos artigos selecionados na etapa do texto completo, com o objetivo de identificar estudos relevantes não detectados.

Utilizou-se um formulário para extração dos dados, que incluiu: 1. Identificação com nome do primeiro autor, ano da publicação e país do estudo; 2. Características do estudo com tipo do desenho epidemiológico e tamanho da amostra; 3. Características das participantes, incluindo idade, etnia e se era tabagista; 4. Avaliação da exposição ao cádmio incluindo local de exposição e matriz biológica avaliada com a técnica laboratorial empregada; 5. Discriminação da SHG avaliada; 6. Análise estatística empregada incluindo diferença de média e medidas de associação: razão de prevalência, odds ratio, risco relativo, hazard ratio e seus respectivos intervalos de confiança 95%; e 7. Fatores de confusão avaliados.

A qualidade metodológica dos artigos foi avaliada segundo o checklist Downs and Black¹¹. Ele contém 27 itens, sendo dez para avaliar relato, três para validade externa, treze para validade interna e um para avaliar poder. A pontuação de 26 itens é sim = 1, não = 0 ou incapaz de determinar = 0. O item 5, que avalia a distribuição das variáveis confundidoras principais, apresenta diferença no critério de pontuação: sim = 2; parcialmente = 1 e não = 2. Foi adotada a categorização da qualidade dos estudos proposta por Hooper et al.¹²: excelente (26-28), boa (20-25), satisfatória (15-19) ou ruim (≤14).

Originalmente, planejamos realizar metanálise, entretanto consideramos inadequada a sua execução devido às limitações metodológicas dos artigos selecionados e a alta heterogeneidade na avaliação da exposição, com diferentes biomarcadores e pontos distintos de corte para classificação de grau de exposição dos grupos. Dessa forma, relatamos os achados como uma síntese narrativa mostrando as medidas de associação e diferenças de média para os estudos individuais.

A análise da qualidade da evidência foi realizada por meio do emprego do método GRADE¹³. Em virtude do delineamento observacional dos estudos selecionados, a qualidade geral começa baixa nesse método, podendo ocorrer sua redução ou o aumento desta de acordo com a análise de algumas características. O risco de viés decorrente de limitações individuais do estudo, a consistência, o direcionamento, ou evidência indireta, e a precisão dos resultados foram analisados para redução da qualidade. Enquanto a magnitude do efeito, o gradiente de resposta à exposição ou dose-resposta e a probabilidade de confusão residual foram considerados para o aumento da qualidade.

Resultados

Encontraram-se 76 artigos, sendo 44 na base de dados PubMed, 32 na BVS/Lilacs e nenhum na SciELO entre 1969 a 2021. Retiraram-se 18 duplicatas. Após a análise do título e do resumo, num total de 46 exclusões, doze artigos foram elegíveis para leitura do texto completo, sem exclusão nessa fase. A consulta manual das referências adicionou sete artigos. Ao final, 19 artigos compuseram esta revisão. Os motivos para exclusão foram não se ater à temática (n=27), sendo cinco sem cádmio, sete sem SHG e 15 sem ambos; não humano (n=7); tipo de estudo (n=5); e idioma (n=7) (figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos artigos, adaptado das diretrizes PRISMA

Dos 19 estudos, treze eram caso-controle, quatro coortes e dois seccionais, todos escritos em inglês. O local de condução das pesquisas foi: EUA (seis), China (três), África do Sul, Irã e Sérvia (dois cada), Bulgária, França, República do Congo e Turquia (um cada). A maioria das participantes se expuseram em meio não ocupacional (11.442 = 99%) e nove casos ocorreram no trabalho.

Das 11.451 participantes, 9.985 eram controles (9,089 gestantes, 408 puérperas e 488 não gestantes) e 1.445 (12,6%) foram diagnosticadas com SHG, sendo 23 HC (1,6%), 351 HG (24,3%) e 1.071 PE (74,1%). Trinta casos eram referentes a outras complicações, como anemia e ameaça de aborto. A PE foi a SHG mais investigada (15 artigos)⁶, ⁸, ¹⁴, ¹⁵, ¹⁶, ¹⁷, ¹⁸, ¹⁹, ²⁰, ²¹, ²², ²³, ²⁴, ²⁵, ²⁶.

As características das participantes foram: 11.235 (98,1%) tinham idade entre 15 e 49 anos e em 216 (1,9%) casos não havia relato. Observou-se uma grande lacuna quanto à etnia, com 10.635 (92,9%) casos sem essa variável. Somente 825 (7,2%) participantes tinham essa informação, sendo 621 (75,3%) brancas, 120 (14,5%) pretas, 51 (6,2%) orientais e 33 (4%) classificadas como outras. Os autores de dois artigos, um originário da China (5.429 indivíduos) e outro da República do Congo (176 pessoas), não descreveram a etnia, apesar de poder se presumir maioria étnica⁹, ²¹.

O hábito de fumar foi avaliado em 14 estudos⁶, ⁸, ⁹, ¹⁴, ¹⁵, ¹⁷, ²⁰, ²¹, ²³, ²⁴, ²⁵, ²⁷, ²⁸, ²⁹, sendo 7.824 (68,3%) não tabagistas, 2.550 (22,3%) tabagistas, 246 (2,1%) ex-tabagistas e não houve relato em 748 (6,5%) casos. Das não tabagistas, 6.396 (81,7%) eram mulheres normotensas, 958 (12,3%) tinham alguma SHG (750 com PE) e não houve classificação em 441 casos. Já entre as tabagistas, 2.240 (87,8%) eram normotensas, 266 (10,4%) tinham alguma SHG (104 com PE) e 43 casos não foram classificados. Finalmente, 118 ex-tabagistas eram normotensas, 25 tinham PE e em 103 casos não houve relato. Em relação aos níveis de cádmio, de acordo com hábito de fumar, sete estudos fizeram essa comparação. Cinco estudos¹⁴, ¹⁵, ¹⁹, ²⁷, ²⁸ relataram maiores níveis de cádmio nas gestantes tabagistas em relação às não tabagistas, independente do diagnóstico de SHG, e dois estudos não encontraram diferença estatisticamente significativa⁸, ²⁰.

Em relação aos nutrientes cálcio, ferro e zinco, quatro estudos os incluíram nas análises como fatores confundidores⁸, ⁹, ²⁴, ²⁵. Observaram-se níveis menores de cálcio entre as gestantes com SHG em três estudos¹⁶, ²², ²³ e sem diferença em seis⁸, ⁹, ²⁰, ²⁴, ²⁶, ²⁹. Quanto ao ferro, foi observado maior nível nas gestantes com SHG em um estudo¹⁸ e sete não relataram diferença⁹, ¹⁶, ²⁰, ²², ²⁴, ²⁶, ²⁹. Finalmente, foram encontrados níveis menores de zinco nas gestantes com SHG em quatro estudos⁸, ¹⁴, ¹⁶, ¹⁸, sem diferença em outros quatro estudos¹⁷, ²⁰, ²⁶, ²⁸ e em dois estudos os níveis foram maiores em gestantes com SHG²¹, ²².

Dezoito estudos dosaram o cádmio uma única vez e somente um estudo o dosou em três momentos: 18, 26 e 35 semanas de gestação²⁴. Utilizaram-se sete matrizes biológicas diferentes – cabelo, líquido amniótico, placenta, sangue cordão umbilical, sangue materno, unha e urina –, sendo o sangue materno o mais usado para avaliação (11 artigos). Em cinco estudos (740 participantes), foi colhido material em mais de uma matriz¹⁴, ¹⁷, ²², ²³, ²⁷. Níveis médios de cádmio >1,0 g/l no sangue materno das gestantes não tabagistas foram relatados em cinco artigos⁶, ¹⁴, ²³, ²⁷, ²⁸. Em dois artigos, observou-se que os níveis medidos na placenta eram pelo menos quatro vezes maior no sangue materno¹⁴, ²³. Por outro lado, os níveis de cádmio no sangue do cordão umbilical foram inferiores aos do sangue materno¹⁷, ²³, ²⁷. As técnicas usadas para detectar os níveis de cádmio foram a espectrometria com plasma, em onze estudos⁶, ⁸, ⁹, ¹⁷, ²⁰, ²¹, ²², ²³, ²⁴, ²⁵, ²⁶, e a espectrometria de absorção atômica, em oito estudos¹⁴, ¹⁵, ¹⁶, ¹⁸, ¹⁹, ²⁷, ²⁸, ²⁹.

As análises estatísticas compreenderam cálculo de diferença de média em 16 artigos; modelo de regressão em sete artigos; correlação, Razão de Prevalência (RP) e comparação de prevalências (um artigo cada). Em sete dos oito estudos⁹, ¹⁶, ¹⁸, ²¹, ²³, ²⁶, ²⁷, ²⁸ que encontraram diferença de média, os níveis de cádmio foram maiores nas gestantes com SHG⁹, ¹⁶, ¹⁸, ²¹, ²³, ²⁷, ²⁸. Quanto à comparação de prevalências, ela foi maior no grupo classificado como de alta exposição [Cádmioplacenta >10 ×g/l], com prevalência de 21,4%, contra 11,5% no grupo de moderada exposição [Cádmioplacenta= 1-10 ×g/l] e 9,8% no grupo de baixa exposição [Cádmioplacenta <1 ×g/l], p < 0,05¹⁹. Em relação às medidas de associação, foram encontrados quatro estudos com associação positiva (OR Cádmioplacenta= 1,5 IC95%= 1,1-2,2; OR Cádmiourina ≥ 0,53×g/g= 2,24 IC95%=1,47-3,41; OR Cádmiosangue ≥ 1,36×g/L = 7,83 IC95%= 1,64-37,26; RP= 1,15 IC95%= 0,98-1,36, p = 0,009)⁹, ²⁰, ²³, ²⁵, três sem associação (RR= 0,88 IC95%= 0,12-6,7; HRunimetal= 0,94 IC95%= 0,54-1,83, p= 0,83; HRmultimetal= 1,63 IC95%: 0,74-3,61, p= 0,22)⁸, ²⁴, ²⁹ e um com associação inversa no modelo unimetal e níveis de Cádmiosangue ≥ 3,83 ×g/l (OR= 0,64 IC95%=0,45-0,91, p= 0,019), não confirmada no modelo multimetal (OR= 0,53 IC95%= 0,27-1,05)⁶. A tabela 1 resume as características dos estudos selecionados.

Tabela 1
Caracteríticas dos estudos selecionados

Autor et al., Ano, País	Estudo (desenho; número)	Características das participantes		Avaliação da exposição ao Cádmio		Desfecho	Diferença de média / Medida de associação
		Idade (Média: anos)	Etnia	Local da exposição (fonte)	Matriz biológica (técnica laboratorial) #
Lazebnik, 1989, EUA	Caso controle n = 86	NI	NI	Não Ocupacional	Sangue materno e placenta (FAAS)	HC PE	Diferença de média: não
Tabacova, 1994, Bulgária	Seccional n = 66	17 a 36	NI	Não Ocupacional e Ocupacional	Sangue materno (AAS)	PE	Diferença de média: não
Dawson, 1999, EUA	Seccional n = 130	NI	NI	Não Ocupacional	Líquido amniótico (GFAAS)	PE	Diferença de média: sim (PE >)
Kosanovic et al., 2002	Seccional N = 60	29 ± 6	NI	Não Ocupacional	Sangue materno, sangue do cordão umbilical e líquido amniótico (AAS)	HG	Diferença de média: sim (sangue materno; HG >)
Vigeh, 2006, Irã	Caso controle n = 396	27	NI	Não Ocupacional	Sangue materno e sangue do cordão umbilical (ICP-MS)	PE	Diferença de média: não
Kosanovic, 2007, Sérvia	Seccional n = 60	26 a 31	NI	Não Ocupacional	Sangue materno (AAS)	HG	Diferença de média: sim (HG >)
Kolusari, 2008, Turquia	Seccional n = 145	26 a 28	NI	Não Ocupacional	Soro materno (AAS)	PE	Diferença de média: sim (PE >)
Yazbeck, 2009, França	Coorte n = 971	29,3 ± 4,3	NI	Ambiental	Sangue materno (AAS)	HG	Diferença de média: não /OR sem associação
Ebrahim, 2015, Irã	Coorte n = 341	33,6 ± 5,1	NI	Não Ocupacional	Líquido amniótico (AAS)	PE	Comparação de prevalência: Baixa exposição (<1ug/l): não; Moderada exposição (1 a 10 ug/l): sim; Alta exposição (>10ug/l): sim
Laine, 2015, EUA	Caso controle n = 172	25	106 pretas e 66 brancas	Não Ocupacional	Placenta (ICP-MS)	PE	Diferença de média: não / OR = 1,5 (1,1–2,2)
Moyene, 2016, República do Congo	Caso controlen = 176	26,7 ± 5,9 (controle), 27,1 ± 6,1 (PE)	NI	Não Ocupacional	Urina materna (ICP-MS)	PE	Diferença de média: sim (PE >)
Osorio-Yañez, 2016, EUA	Coorte n = 653	32,9 ± 4,4	14 pretas 555 brancas 51 orientais 33 outras	Não Ocupacional	Urina materna (ICP-MS)	PE	Diferença de média: não RR = 0,88 (0,12-6,7)
Maduray, 2017, África do sul	Caso controle n = 66	24 ± 5 (controle), 25 ± 5 (PE)	NI	Não Ocupacional	Cabelo e sangue materno (ICP-OES)	PE	Diferença de média: não / Correlação - Cabelo (pré-eclâmpsia): PAD= r= 0,07; PAS= r= −0,03 (p>0,05) (normotensa): PAD = r = 0,015; PAS = 0,22 (p>0,05)/Soro (pré-eclâmpsia): PAD= r =0,18; PAS= r= 0,25 (p>0,05) (normotensa): PAD = −0,08; PAS = 0,12 (p>0,05)
Liu, 2018, China	Seccional n = 5.429	28,5 ± 3,7	NI	Não Ocupacional	Urina materna (ICP-MS)	HG	Diferença de média: sim (HG >) /OR= 1,75 (1,45 - 2,11)
Wang, 2018, China	Caso controle n = 102	26,97 ± 2,94 (controle), 26,97 ± 2,94 (PE)	NI	Não Ocupacional	Sangue materno, sangue do cordão umbilical e placenta (ICP-MS)	PE	Diferença de média: sim (sangue materno e placenta; PE >) / OR = 7,83 (1,64 - 37,26)
Soobramoney, 2019, África do Sul	Caso controle n = 66	26,97 ± 2,94 (controle), 26.33 ± 3.96 (PE)	NI	Não Ocupacional	Unha (ICP-OES)	PE	Diferença de média: sim (Normotensa >)
Liu, 2019, EUA	Coorte n = 1.274	27,99 ± 6,31 (controle), 29,12 ± 6,17 (PE)	NI	Não Ocupacional	Sangue materno (ICP-MS)	PE	Diferença de média: não / RP = 1,15 (0,98 - 1,36) para cada aumento 0,69
Bommarito, 2019, EUA	Caso controle n = 383	32,7	NI	Não Ocupacional	Urina materna (ICP-MS)	PE	HRunimetal = 0,94 (0,54 - 1,64) HRmultimetal = 1,63 (0,74 - 3,61)
Wang, 2020, China	Caso controle n = 854	25 a 30	NI	Não Ocupacional	Sangue materno (ICP-MS)	PE	OR (Cd =3,83) = 0,64 (0,45 - 0,91)

• Fonte: elaboração própria.
• NI: Não informado; # CVAAS: espectrometria de absorção atômica a vapor frio; FAAS: Espectroscopia de absorção atômica com chama; GFAAS: Espectroscopia de absorção atômica do forno de grafite; ICP-MS: Espectrometria de massa por plasma acoplado indutivamente; ICP-OES: Espectrometria de emissão ótica com plasma indutivamente acoplado; HC: Hipertensão Crônica; PE: Pré-Eclâmpsia; HG: Hipertensão Gestacional; Cd: Cádmio; Mn: Manganês; Pb: Chumbo.

A avaliação da qualidade metodológica dos artigos (tabela 2) mostrou que nove (47,4%) foram considerados satisfatórios⁶, ¹⁴, ¹⁷, ¹⁸, ²¹, ²², ²³, ²⁶, ²⁸, sete (36,8%) bons⁸, ⁹, ¹⁹, ²⁰, ²⁴, ²⁵, ²⁹ e três (15,8%) regulares¹⁵, ¹⁶, ²⁷. A pontuação média foi de 17,9 ± 3,2, variando entre 12 e 23. A representatividade das amostras e o ajuste para fatores de confusão foram os itens que mais frequentemente não estavam descritos. Em onze dos 19 artigos, não foi feito nenhum ajuste.

Tabela 2
Análise da qualidade metodológica dos estudos selecionados

Autor et al., ano	Relato (11 pontos)	Validade externa (3 pontos)	Validade Interna: Viés (7 pontos)	Validade Interna: Confundidor (6 pontos)	Poder (1 ponto)	Total (28 pontos)	Qualidade do estudo*
Lazebnik, 1989	5	2	5	2	1	15	Satisfatória
Tabacova, 1994	7	0	5	1	1	14	Regular
Dawson, 1999	5	0	5	1	1	12	Regular
Kosanovic, 2002	5	1	5	2	1	14	Regular
Vigeh, 2006	6	2	5	2	1	16	Satisfatória
Kosanovic, 2007	6	2	5	2	1	16	Satisfatória
Kolusari, 2008	6	1	5	2	1	15	Satisfatória
Yazbeck, 2009	8	3	5	3	1	20	Boa
Ebrahim, 2015	8	3	5	3	1	20	Boa
Laine, 2015	9	3	5	3	1	21	Boa
Moyenne, 2016	6	3	5	2	1	17	Satisfatória
Osorio-Yañez, 2016	10	3	5	4	1	23	Boa
Maduray, 2017	7	3	5	2	1	18	Satisfatória
Liu, 2018	9	3	5	3	1	21	Boa
Wang, 2018	8	2	5	2	1	18	Satisfatória
Bommarito, 2019	9	3	5	3	1	21	Boa
Liu, 2019	10	3	5	4	1	23	Boa
Soobramoney, 2019	6	3	5	2	1	17	Satisfatória
Wang, 2020	8	3	5	2	1	19	Satisfatória

• Fonte: Downs SH, Black N11; Hooper P, Jutai JW, Strong G, et al.¹².
• Nota: Checklist Downs and Black, 1998.
• ^*
  Qualidade do estudo segundo a categorização proposta por Hooper P, Jutai JW, Strong G, et al.¹².

Usando o método GRADE, classificamos a qualidade da evidência como baixa. Esse julgamento foi baseado em uma limitação séria tanto para risco de viés como para inconsistência dos resultados. A presença do gradiente dose-resposta em três estudos⁶, ⁹, ²³ aumentou a qualidade da evidência em um nível. Por outro lado, a observação de grande magnitude de efeito em somente um estudo²³ (OR > 2,0) não foi suficiente para também aumentar outro nível (tabela 3).

Tabela 3
Análise da qualidade da evidência pelo método GRADE

Pergunta: A exposição materna ao cádmio está associada às Síndromes Hipertensivas da Gestação?
Número de estudos	Desenho	Risco de viésa	Inconsistênciab	Evidência indiretac	Imprecisãod	Outros fatorese	Qualidade
Desfecho: Síndromes Hipertensivas da Gestação
19	Observacionais	Grave	Grave	Sem evidência indireta	Sem imprecisão	Gradiente dose- resposta	⊕⊕◯◯Baixa

• Fonte: Adaptado pelos autores de Guyatt G, Oxman AD, Akl EA, et al.¹³.
• ^a
  Risco de viés: avaliado pelo checklist Downs and Black e observou-se que 11 estudos não fizeram nenhum controle para fatores de confusão.
• ^b
  Inconsistência: observada variabilidade nas medidas de associação, possivelmente relacionadas com a diferença na população estudada, os biomarcadores usados, a classificação heterogênea de nível de exposição ao cádmio e papel da mistura de substâncias químicas.
• ^c
  Evidência indireta: Foram avaliadas a população de interesse (gestantes) e os critérios para definição do desfecho estudado (Síndromes Hipertensivas da Gestação) foram claramente descritos.
• ^d
  Imprecisão: Número mínimo de eventos atingido com intervalo de confiança das medidas sem ampla variação.
• ^e
  Outros fatores: A presença do gradiente dose-resposta em três estudos⁶, ⁹, ²³ aumentou a qualidade da evidência. Por outro lado, a presença de grande magnitude de efeito em um estudo²³ (OR > 2,0) não foi suficiente para também aumentar a qualidade da evidência.

Discussão

O cádmio é um metal pesado amplamente encontrado no meio ambiente, podendo induzir a desregulação da homeostase redox com o aumento do estresse oxidativo e levar à inibição da migração das células trofoblásticas. Esses mecanismos desempenham papel importante na fisiopatologia das SHG devido ao efeito deletério sobre a placenta², ⁵, ⁶. Ademais, evidências vêm demonstrando o aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares relacionados ao cádmio, e a associação deste com hipertensão arterial em adultos², ³⁰. Portanto, é biologicamente plausível supor que a exposição materna a esse metal possa influenciar o desenvolvimento e a função da placenta, de forma a predispor as gestantes às SHG².

Objetivando investigar a associação da exposição materna ao cádmio e às SHG, esta revisão avaliou 19 estudos observacionais, encontrando resultados conflitantes com qualidade de evidência considerada baixa. Anteriormente, quatro revisões sistemáticas haviam analisado a associação entre cádmio e hipertensão, englobando 58 artigos⁵, ³⁰, ³², ³². Destes, somente oito avaliaram SHG, mais especificamente PE, considerada a forma mais grave. Os resultados de dois desses estudos concluíram pela forte evidência de possível associação positiva após a avaliação de seis estudos, todos eles incluídos em nossa revisão³⁰, ³¹. Entretanto, há que se ter cautela na interpretação desse resultado, pois, diferentemente do nosso estudo, os autores não realizaram a análise da qualidade da evidência.

Dos sete estudos considerados como de boa qualidade metodológica, somente um encontrou diferença de média, sendo maior nas gestantes com SHG⁹. Todavia, há que se interpretar esse resultado com atenção, porque níveis maiores significam maior exposição e não necessariamente refletem efeito adverso à saúde³³. Quanto às medidas de associação, esses estudos relataram maior prevalência no grupo classificado como de maior exposição¹⁹; associação positiva⁹, ²⁰, ²⁵, sendo que dois dos estudos também estão no grupo classificado como de maior exposição⁹, ²⁵; associação inversa no modelo unimetal⁶; e sem associação⁸, ²⁴, ²⁹.

As divergências encontradas nos resultados dessa revisão podem estar relacionadas com diferenças na metodologia do estudo, como tamanho da amostra, características gerais das populações polimorfismo genético da proteína metalotioneína, diferentes níveis de exposição com pontos de corte distintos, uso de diferentes biomarcadores, papel da mistura de substâncias ou o ajuste inadequado ou ausente para os fatores de confusão, como tabagismo e deficiências nutricionais de cálcio, ferro e zinco⁹, ³³, ³⁴.

As metalotioneínas são proteínas de baixo peso molecular que atuam na homeostase de elementos essenciais, no transporte e detoxificação de metais pesados e na eliminação de radicais livres de oxigênio. Sua síntese ocorre principalmente no fígado e nos rins, podendo ser induzida pelo cádmio, com o qual apresenta uma forte ligação. As células que produzem metalotioneínas são resistentes aos efeitos tóxicos do cádmio, enquanto aquelas que não a sintetizam são mais sensíveis³⁵. O papel do polimorfismo genético das metalotioneínas na susceptibilidade individual dos efeitos tóxicos do cádmio vem sendo estudado, revelando correlação direta entre expressão da metalotioneína IA e elevados níveis sanguíneos de cádmio³⁶. Entretanto, não foi observada associação entre polimorfismo genético das metalotioneínas e hipertensão até o momento³⁷. Nenhum dos artigos selecionados nesta revisão abordou o tema.

O uso de biomarcadores para avaliar a exposição ao cádmio tem se mostrado útil após os avanços na tecnologia laboratorial na década de 1990³². Os artigos selecionados nesta revisão o avaliaram em sete matrizes biológicas distintas: cabelo, líquido amniótico, placenta, sangue do cordão umbilical, sangue materno, unha e urina. Algumas são coletadas de forma não invasiva, como cabelo, placenta, sangue do cordão umbilical, unha e urina, sendo esta última geralmente a escolhida, tanto pela maior certeza da qualidade das técnicas analíticas como por apresentar níveis de referência estabelecidos⁷, ³¹, ³². Ademais, as matrizes refletem informações diferentes em relação ao tempo de exposição: a dosagem no sangue materno indica exposição recente e a urina expressa a exposição cumulativa e a carga corporal³⁸. Por outro lado, a dosagem no cabelo ou na unha, embora reflita a exposição cumulativa, é suscetível à contaminação externa, fato que dificulta sua interpretação⁷, ³¹, ³⁸. Por fim, a dosagem no líquido amniótico, na placenta ou no sangue do cordão umbilical expressa a exposição ocorrida durante a gestação e apresenta utilidade também para a saúde fetal¹⁴, ¹⁶, ¹⁹, ²⁰, ³¹, ³⁸.

Outro ponto digno de nota diz respeito ao fato de somente o sangue materno e a urina apresentarem níveis de referência estabelecidos⁷. Nesta revisão, as análises em cinco dos onze artigos que usaram o sangue materno para avaliar a exposição ao cádmio, mostraram valores médios nas gestantes não tabagistas acima do nível recomendado (>1.0 g/l)⁷, ³⁸. Ademais, embora os níveis no sangue do cordão umbilical tenham sido menores do que os do sangue materno, o mesmo não se observou para os níveis placentários, que foram, pelo menos, quatro vezes maiores que os do sangue materno. Tal resultado traz grande preocupação, pois a disfunção placentária vem sendo relacionada com as SHG². Por outro lado, a disponibilidade restrita da placenta até o parto limita sua utilidade para monitorização biológica em comparação com o sangue materno³¹.

É desafiador comparar níveis médios de cádmio entre biomarcadores devido à sua toxicocinética peculiar, que inclui sua forte ligação com metalotioneínas; uma baixa taxa de excreção renal relacionada à quase completa reabsorção nos túbulos renais do complexo metalotioneína-cádmio presente no plasma; seu acúmulo em vários tecidos como fígado e rins; e uma meia vida estimada do cádmio no sangue de três a quatro meses e do cádmio na urina de 14 a 23 anos. Como a excreção é lenta, o acúmulo de cádmio, principalmente no fígado e nos rins, pode ser significativo³³, ³⁸. Nessa revisão, a interpretação comparativa dos resultados encontrados foi limitada tanto pela diversidade de biomarcadores usados para avaliar a exposição ao cádmio como pela única medição desses biomarcadores (18 dos 19 estudos). Em relação a este último dado, a falta de conhecimento da sequência temporal entre a exposição ao cádmio e as SHG não nos permitiu entender o significado de um único valor mensurado deste metal.

A exposição a múltiplos metais é reconhecida como o cenário diário habitual do ser humano, podendo ocorrer mudanças na toxicocinética e na toxicodinâmica de um metal devido a efeito sinérgico ou antagônico³⁴, ³⁹. Entretanto, a maioria dos estudos que avaliaram a associação com hipertensão, incluindo as SHG, o fizeram com um único metal³⁹. Essa revisão corroborou esse padrão de investigação, havendo somente dois estudos dos 19 selecionados que analisaram a associação em modelos unimetal e multimetal⁶, ²⁴. Contudo, não foi observada a associação no modelo multimetal. Uma possível explicação poderia estar relacionada à avaliação dos efeitos de misturas em um único ponto do tempo³⁴.

O tabagismo é considerado um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, levando também a um aumento agudo da pressão arterial. Estudos têm defendido que o cádmio, que é um componente da fumaça do cigarro – um cigarro contém 1 ×g cádmio –, poderia explicar em parte esse risco, devido ao efeito tóxico direto sobre o endotélio vascular³⁸, ⁴⁰, ⁴¹. Ademais, o tabagismo é o fator mais fortemente relacionado com o aumento dos níveis de cádmio, sendo a duração em anos do hábito de fumar mais correlacionada entre os níveis urinários e o número de cigarros por dia com os níveis no sangue³⁸. Conforme exposto, o tabagismo é um fator de risco para doenças cardiovasculares e uma fonte de exposição cádmio, convertendo-se numa variável confundidora nos estudos epidemiológicos cujos desfechos de saúde estejam relacionados a ele. Por esse motivo, é recomendável o ajuste do modelo estatístico para a variável, seja pelo auto relato seja pela dosagem de cotina.

Nesta revisão, observamos sete estudos⁹, ¹⁴, ¹⁵, ¹⁹, ²⁰, ²⁷, ²⁸ que avaliaram a diferença de média dos níveis de cádmio de acordo com o hábito de fumar e seis estudos⁸, ⁹, ²⁰, ²⁴, ²⁵, ²⁹ que fizeram o ajuste do modelo estatístico incluindo tabagismo como variável confundidora. Em relação ao primeiro, cinco estudos encontraram diferenças estatisticamente significativas, sendo maiores nas gestantes tabagistas quando comparadas às não tabagistas, independentemente do diagnóstico de SHG, corroborando os resultados da literatura³⁸, ⁴².

Durante a gestação, há um aumento do metabolismo e, consequentemente, da necessidade de nutrientes para atender às demandas relativas ao desenvolvimento do feto e à preparação da mãe para a lactação⁴³. Cálcio, ferro e zinco são três exemplos de elementos traço essenciais, cujas deficiências vêm sendo relacionadas tanto com níveis maiores de cádmio, devido à maior absorção intestinal, como no desenvolvimento de SHG⁴, ²², ²⁸, ⁴⁴, ⁴⁵. O cálcio tem um papel vital na regulação da pressão arterial²³. A redução dos seus níveis estimula a liberação do hormônio da paratireoide e de renina, resultando num aumento do cálcio intracelular e da resistência vascular⁴³. Sua suplementação durante a gestação vem sendo recomendada a partir da 20ª semana pela Organização Mundial da Saúde como medida para reduzir a pressão arterial e as SHG²², ⁴⁵. Nossa revisão observou que dos nove estudos que avaliaram esse elemento, somente três relataram níveis menores nas gestantes com SHG, diferentemente do descrito na literatura⁴³.

O ferro é um elemento essencial para a eritropoiese e a produção de hemoglobina, participando também de vários processos bioquímicos, como a regulação do estresse oxidativo⁴. Nas gestantes, sua deficiência é reconhecida como a principal causa de anemia com significativo impacto na morbimortalidade materna e fetal⁴⁶, ⁴⁷, ⁴⁸. Dentre essas consequências, está o baixo peso ao nascer, havendo questionamento sobre as SHG⁴, ⁴⁶. Duas meta-análises investigaram a associação entre anemia e SHG, relatando o aumento da chance de desenvolvimento dessas síndromes⁴⁷, ⁴⁸. Uma delas revelou que a deficiência de ferro era a principal causa de anemia e que tanto maior seria o impacto na saúde materno-fetal quanto mais grave e duradoura ela fosse⁴⁷.

Por outro lado, tanto a deficiência de ferro como sua reposição no início da gestação têm sido associadas com maior risco de SHG, possivelmente relacionadas à desregulação do status de ferro⁴⁶. Esse desequilíbrio pode induzir o aumento do estresse oxidativo, o qual desempenha papel importante na fisiopatologia dessas síndromes⁴⁶. Na nossa revisão, oito estudos avaliaram os níveis de ferro e em nenhum revelou níveis menores nas gestantes com SHG⁹, ¹⁶, ¹⁸, ²⁰, ²², ²⁴, ²⁶, ²⁹.

Por fim, o zinco é um dos componentes essenciais da enzima superóxido dismutase que é responsável pela remoção de radicais livres²⁶. Assim como os demais elementos traço descritos, sua deficiência vem sendo associada à SHG, particularmente à PE¹⁴, ¹⁶, ²², ²⁸, ⁴³. No presente estudo, dez estudos o dosaram, com resultados conflitantes: quatro estudos com níveis menores, quatro sem diferença e dois com níveis maiores nas gestantes com SHG. Tais achados já haviam sido relatados anteriormente²², embora, classicamente, sejam esperados níveis menores de zinco⁴³.

Esta revisão foi a primeira a enfocar na associação entre a exposição materna ao cádmio e as SHG. Ela adicionou mais nove artigos às revisões sistemáticas prévias, sendo três publicações recentes. Abordar este tema é de extrema importância para a saúde pública devido à ampla presença do cádmio no meio ambiente, ao reconhecido potencial tóxico desse metal e pelo fato de as gestantes serem mais vulneráveis aos efeitos tóxicos do cádmio devido às alterações fisiológicas próprias associadas às deficiências nutricionais de cálcio, ferro ou zinco⁸. Dessa forma, seguimos métodos pré-especificados para sintetizar as evidências de forma sistemática de acordo com as diretrizes PRISMA atualizadas, incluindo uma busca estruturada e processos independente da seleção dos artigos, da extração dos dados e da análise da qualidade metodológica. Ademais, o protocolo do estudo foi submetido na plataforma PROSPERO e seu registro obtido.

No entanto, devemos ressaltar algumas limitações, a começar pelo fato de sete potenciais artigos escritos em outro idioma, que não o espanhol, inglês ou português, não terem sido selecionados para avaliação. Em segundo lugar, embora tenhamos escolhido como critério de inclusão somente aceitar os estudos que avaliaram a exposição ao cádmio por meio de sua medição em alguma matriz biológica, não devemos desconsiderar as variações interindividuais na toxicocinética do cádmio³³. Ademais, o fato de haver sete biomarcadores diferentes, i.e., cabelo, líquido amniótico, placenta, sangue materno, sangue do cordão umbilical, unha e urina, pode trazer incertezas quanto à avaliação da exposição a esse metal devido à longa meia vida e à baixa taxa de excreção³². Em terceiro lugar, foi observada uma heterogeneidade significativa com relação à classificação do nível de exposição dos grupos, fato que não permitiu comparar os resultados dos estudos e estabelecer qual concentração de cádmio pode estar associada com SHG. Outro fator de relevante importância diz respeito ao ajuste inadequado para os fatores de confusão.

Dos 19 estudos selecionados, onze não fizeram nenhum ajuste e somente três incluíram o status de ferro e tabagismo no modelo. Tal ausência ou inadequação do ajuste pode ter interferido nos resultados observados. Finalmente, chama a atenção a ausência de estudos nos países da América Latina e Caribe, onde as SHG são responsáveis por aproximadamente 22% das mortes maternas⁴⁹. Num continente com acentuadas desigualdades, onde mais da metade das mulheres em idade reprodutiva são de baixo nível socioeconômico e, consequentemente, apresentam maior risco de exposição a uma série de ameaças ambientais que incluem os metais pesados, essa lacuna de informação traz prejuízo do real impacto dessa exposição nas SHG, embora seja uma das complicações cardiovasculares mais comuns em gestantes⁹, ⁵⁰.

Conclusões

Esta revisão avaliou 19 estudos que investigaram a associação entre a exposição materna ao cádmio e as SHG, encontrando resultados conflitantes com qualidade de evidência classificada como baixa pelo método GRADE. O risco de viés e a inconsistência foram os fatores que contribuíram para essa classificação. Pela importância do tema, a realização de estudos adicionais para elucidar essa associação é necessária. Recomendamos que, no delineamento desses estudos, especial atenção deve ser dada tanto ao controle dos fatores de confusão para redução do risco de viés como aos métodos de avaliação de exposição, os biomarcadores, e à padronização dos pontos de corte para classificação de grau de exposição ao cádmio, de forma a permitir a adequada comparação entre os estudos. Dessa forma, será possível obter resultados mais confiáveis para orientar a elaboração e implantação de novas estratégias de prevenção das SHG que envolvam a exposição ao cádmio.

O protocolo do estudo foi submetido na plataforma PROSPERO e aprovado com o número CRD42021286234.

• Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Abr 2023
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2023

Histórico

• Recebido
  05 Jul 2022
• Aceito
  20 Dez 2022