Open-access Conjugalidade, parentalidade e coparentalidade: associações com sintomas externalizantes e internalizantes em crianças e adolescentes

Marital relations, parenting, and coparenting: Associations with externalizing and internalizing symptoms in children and adolescents

Resumo

A literatura sustenta que os subsistemas conjugal, parental e coparental impactam no desenvolvimento dos filhos. Entretanto, investigações acerca da articulação entre esses subsistemas são escassas no contexto nacional. Objetivou-se avaliar as associações da conjugalidade, parentalidade e coparentalidade com sintomas internalizantes e externalizantes dos filhos. Foi realizado um estudo explicativo, quantitativo e transversal com 200 indivíduos (100 homens e 100 mulheres), que coabitassem com seus filhos de quatro a 18 anos. Foi utilizado questionário composto por seis escalas. Os resultados evidenciam congruência na percepção de pais e mães acerca da presença de sintomas nos filhos. Adaptabilidade conjugal e aprovação coparental foram preditoras dos sintomas internalizantes e competição coparental, exposição do filho ao conflito coparental prática parental de intrusividade, aprovação coparental e prática parental de supervisão do comportamento foram preditoras dos sintomas externalizantes. Esses resultados sustentam a interdependência dessas variáveis e reforçam a premissa de que intervenções familiares devem atentar para todo o sistema familiar.

Palavras-chave: Adolescente; Criança; Relações familiares; Sinais e sintomas

Abstract

Literature supports that marital, parental, and coparental subsystems impact the development of children. However, investigations into the correlation between these subsystems are still scarce in the national context. The objective was to evaluate the associations of marital, parenting, and coparenting with internalizing and externalizing symptoms in children. An explanatory, quantitative, and cross-sectional study was carried out with 200 participants (100 men and 100 women) who lived with their 4-18-year old children. A questionnaire comprised of six scales was used. The results show congruence between parents’ perception regarding the presence of symptoms in children. Marital adaptability and coparental approval were predictive of internalizing symptoms; coparental competition, children’s exposure to coparental conflict, parental intrusiveness, coparental approval, and parental supervisory behaviors were predictive of externalizing symptoms. These findings indicate the interdependence between these variables and reinforce the premise that family interventions should focus on the entire family system.

Keywords: Adolescent; Child; Family relations; Signs and symptoms

Os estudos sobre os transtornos emocionais e de comportamento de crianças e adolescentes têm se multiplicado devido às possíveis consequências no desenvolvimento, que reverberam em diferentes áreas de suas vidas, como a individual, a familiar e a social (Bolsoni-Silva & Leme, 2010; Moura, Silva, Sampaio, & Grossi, 2010). Os problemas emocionais e comportamentais, nessa etapa do desenvolvimento, são divididos, teoricamente, em dois grupos de sintomas: os externalizantes, como irritabilidade ou agressividade, e os internalizantes, comportamentos introspectivos, como ansiedade, depressão, tristeza e baixa autoestima (Achenbach & Rescorla, 2001; Massola & Silvares, 2005).

Em pesquisas nacionais, dados epidemiológicos apontam prevalência de sintomas emocionais em 22,4% das crianças e adolescentes no Estado de São Paulo (Cruvinel & Boruchovitch, 2004) e 12,9% no Rio Grande do Sul (Borsa, Souza, & Bandeira, 2011). Uma revisão de estudos epidemiológicos acerca de problemas de saúde mental na infância e adolescência no Brasil apresenta prevalência de 13,2% a 24,6% de casos clínicos em suas amostras (Assis, Avanci, Pesce, & Ximenes, 2009).

Identificam-se tanto estudos que apontam os sintomas externalizantes (Anselmi et al., 2010; Cia & Barham, 2009; Ferdinand, Ende, & Verhulst, 2007; Moura, Marinho-Casanova, Meurer, & Campana, 2008) com maior prevalência na infância e adolescência quanto os que indicam os internalizantes (Borsa et al., 2011). Ainda há pesquisas que apontam os meninos apresentando mais problemas externalizantes (Massola & Silvares, 2005; Navarro-Pardo, Moral, Galán, & Beitia, 2012) do que as meninas, enquanto outros (Schroeder, Hood, & Huges, 2010), não identificam diferenças estatísticas significativas quanto ao gênero.

A percepção dos pais sobre os sintomas dos seus filhos também tem sido foco de investigação, porém, ainda não existe consenso na literatura com relação a isso. Uma pesquisa com 146 casais, com filhos de seis a 10 anos, demonstrou que os pais não concordavam entre eles com relação à presença de problemas de comportamento nos filhos de forma geral e apresentavam concordância moderada especificamente com relação aos sintomas internalizantes e externalizantes (Borsa & Nunes, 2008). Esse resultado vai ao encontro de pesquisa que contou com 96 pais e mães e não encontrou diferença estatística significativa em suas avaliações relativas à percepção de sintomas em seus filhos (Souza & Mosmann, 2013). Esses estudos indicam que o fenômeno deve ser mais explorado, especialmente no contexto brasileiro, e que é preciso analisar possíveis fatores ou variáveis os quais estejam interferindo na heterogeneidade desses resultados.

Nesse sentido, é consenso entre os pesquisadores que o conflito conjugal pode se expressar em problemas no desenvolvimento saudável dos filhos (Gerard, Krishnakumar, & Buheler, 2006; Margolin, Gordis, & Oliver, 2004). Igualmente, estudos têm documentado as associações entre a qualidade do relacionamento conjugal e a relação parental (Mosmann, Zordan, & Wagner, 2011) e, apesar de as variáveis da conjugalidade e da parentalidade atuarem de forma interdependente, aquelas do subsistema conjugal são preditoras de consequências no subsistema parental. Entre as variáveis preditoras, alguns autores destacam a adaptabilidade e a coesão (Davies, Cummings, & Winter, 2004a; Olson, 2000) e a satisfação conjugal (Mosmann et al., 2011).

Uma pesquisa realizada em 2008, com 149 casais com filhos adolescentes, traçou um perfil discriminante entre variáveis da relação conjugal e os estilos educativos parentais. Os resultados obtidos comprovaram que os casais com maiores níveis de coesão, adaptabilidade e satisfação conjugal caracterizam o estilo educativo parental autorizante, altamente responsivo e exigente, e o estilo indulgente, em que existe proximidade afetiva, porém, não se consegue monitorar e estabelecer limites aos filhos (Mosmann, Wagner, & Sarriera, 2008). Esses resultados evidenciam que o equilíbrio entre coesão e adaptabilidade conjugal e a resolução satisfatória dos conflitos conjugais podem estar associadas ao estilo educativo autorizante. Nesse sentido, o estudo corrobora o que a literatura tem apontado sobre as características da interação entre o casal de cônjuges perpassar a relação entre pais e filhos (Gerard et al., 2006; Margolin et al., 2004).

Ademais, o comportamento dos filhos sofre reverberações positivas e negativas não somente da relação pais-filhos e de aspectos da conjugalidade, mas, também, da coparentalidade. Esse subsistema vem sendo alvo de pesquisas no meio científico na tentativa de desvelar a sua relação com as dimensões da conjugalidade e da parentalidade, bem como com o desenvolvimento dos filhos (Kolak & Venon-Feagans, 2008; McHale & Rotman, 2007). Na literatura nacional existem estudos que exploram a compreensão da coparentalidade apenas no contexto do divórcio (Grzybowski & Wagner, 2010; Lamela, Figueiredo, & Bastos, 2010), porém, a coparentalidade em famílias nucleares ainda têm sido pouco investigada, apesar de já se ter comprovado que a coparentalidade, especialmente nessas famílias, é dinamicamente interligada com outros subsistemas familiares (Lamela, Nunes-Costa, & Figueiredo, 2010).

Destaca-se, também, que algumas pesquisas (Feinberg, Kan, & Hetherington, 2007; Schmidt, 2008; Schoppe-Sullivan, Frosch, Mangelsdorf, & McHale, 2004) comprovaram que a qualidade da relação coparental tem maior poder explicativo para desfechos no desenvolvimento das crianças e adolescentes, assim como, impacto significativo nas relações familiares. Por isso, a percepção do fenômeno, sob a perspectiva sistêmica, possibilita uma compreensão mais ampla da qualidade conjugal e parental do que sua análise independente. Além disso, a coparentalidade é apontada como um fator relevante no desenvolvimento dos filhos desde a infância até a adolescência (Teubert & Pinquart, 2010).

No presente estudo, compreende-se a dimensão da coparentalidade a partir do modelo proposto por Feinberg (2003), que a define como a relação entre os genitores na partilha de deveres e cuidados com os filhos. Essa relação coparental está associada ao manejo e suporte em relação aos cuidados do filho que os genitores têm entre si na díade coparental, sem envolver dimensões da conjugalidade e da parentalidade.

Avanços, em termos de pesquisa sobre a coparentalidade, apontam para a necessidade de avaliar se a referida dimensão atuaria como mediadora, a longo prazo, de aspectos negativos da relação conjugal, como baixos níveis de coesão e ajustamento, altos níveis de conflito e dificuldade de resolução dos mesmos e problemas no desenvolvimento infantil. Afinal, evidências empíricas longitudinais indicam que a coparentalidade e o funcionamento familiar se associam ao desenvolvimento dos filhos em diferentes faixas etárias (McHale, Kuersten-Hogan, & Rao, 2004; Teubert & Pinquart, 2010). De forma geral, há indicativos de que o comportamento dos filhos é afetado não somente pelas relações pais-filhos, mas também de forma contundente pela coparentalidade, quando os cônjuges falham no suporte um ao outro, expressam aos filhos práticas educativas contraditórias ou desaprovam o papel do outro enquanto pai ou cônjuge.

Nesse processo interativo, a família surge como variável potencial, podendo atuar como fonte protetora ou promover situações de risco ao desenvolvimento dos filhos. Portanto, é necessário investigar quais os impactos que os subsistemas familiares, especificamente a conjugalidade, a parentalidade e a coparentalidade têm sobre o desenvolvimento da prole.

Apesar de se ter avançado, em termos de pesquisa, na compreensão da natureza e magnitude das relações entre esses subsistemas, bem como nas suas inter-relações e reverberações no desenvolvimento de crianças e adolescentes, essas conexões ainda não foram suficientemente explicadas. Os resultados empíricos são, ainda, heterogêneos e atribuem poder explicativo preponderante sobre os sintomas dos filhos, ora às variáveis da conjugalidade, ora às da parentalidade (Davies, Sturge-Apple, & Cummings, 2004b; Gerard et al., 2006) e apontam, também, a necessidade de se atentar ao papel da coparentalidade (McHale et al., 2004; Morril, Hines, Mahmood, & Cordova, 2010). Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi avaliar as associações das variáveis da conjugalidade, da parentalidade e da coparentalidade com sintomas internalizantes e externalizantes dos filhos.

Método

Foi realizado um estudo explicativo de caráter quantitativo e transversal. Participaram da pesquisa 200 indivíduos (100 homens e 100 mulheres), residentes no estado do Rio Grande do Sul, selecionados pelo critério de conveniência. Os critérios de inclusão foram: ter filhos com idade de quatro a 18 anos, estar em um relacionamento estável e coabitar com os filhos.

A idade média dos participantes foi de 41,81 anos (DP = 7,82), sendo a idade mínima de 22 anos e a máxima, 66; os participantes eram residentes na região metropolitana e interior do estado do Rio Grande do Sul. Os 200 participantes estavam casados ou em um relacionamento estável, embora não constituindo uma amostra pareada, ou seja, relacionando-se entre eles. Da amostra total, 81,5% dos respondentes eram casados oficialmente e 18,0% estavam em união estável, vivendo juntos há pelo menos seis meses. Dentre estes, 91,0% estavam em primeira união e 8,0% eram recasados. O tempo mínimo de união foi de quatro anos, e o máximo, 36, com tempo médio de 18,26 anos (DP = 6,68).

Em relação à escolaridade, 22,4% tinham ensino fundamental completo/incompleto, 31,6%, ensino médio completo/incompleto, 6,6%, ensino técnico, 28,1%, ensino superior completo/incompleto e 11,2%, pós-graduação. De todos os respondentes, 88% afirmaram exercer atividade remunerada, sendo sua renda pessoal categorizada em seis grupos: até dois salários mínimos (21,6%), de dois a quatro salários mínimos (28,6%), de quatro a seis salários mínimos (15,6%), de seis a oito salários mínimos (8,5%), de oito a 10 salários mínimos (6,0%) e acima de 10 salários mínimos (6,0%). Dos participantes, 91,5% possuem entre um e dois filhos. O filho sobre o qual responderam os questionários tem idade média de 11,3 anos (DP = 4,25), sendo 59,5% do sexo masculino e 40,5% do feminino.

Instrumentos

Dados Sociodemográficos: composto por treze perguntas fechadas para o levantamento dos dados sociodemográficos dos participantes da pesquisa. Essas se referiam à situação conjugal, tempo de união, escolaridade, renda, número e sexo dos filhos.

Escala de Avaliação da Coesão e Adaptabilidade Conjugal - Faces III (Olson, 2000) validado por Falceto (1997): escala com vinte itens pontuados em uma escala Likert de cinco pontos (quase nunca, alguma vez, às vezes, com frequência, quase sempre). O procedimento de pontuação realiza-se, para a subescala de coesão, através da soma dos itens ímpares e, na subescala adaptabilidade, pela soma de todos os itens pares. O coeficiente alpha de Cronbach para a dimensão coesão neste estudo foi de 0,68 e, para adaptabilidade, 0,83.

Escala de Conflito Conjugal (Buehler & Gerard, 2002), adaptada por Mosmann et al. (2008): a primeira subescala, denominada “conflito-desentendimentos”, possui seis itens avaliados em uma escala Likert de seis pontos (nunca, uma vez ao mês ou menos, diversas vezes ao mês, aproximadamente uma vez por semana, diversas vezes por semana, quase todos os dias) que se referem à frequência com que os sujeitos experimentaram desentendimentos com seus parceiros no último ano, relativos a tarefas domésticas, dinheiro, tempo para ficarem juntos, sexo, filhos e questões legais. A outra subescala, denominada “conflito-agressão”, possui três itens pontuados em uma escala Likert de cinco pontos (nunca, raramente, algumas vezes, frequentemente, sempre). O item 2 mede a frequência com que o sujeito lida de forma calma com os conflitos (codificado invertido) e os itens 1 e 3 medem a frequência de discussões e agressões. Nessa escala, os escores maiores representam altos níveis de conflito (Buehler & Gerard, 2002). Encontrou-se Alpha de Cronbach de 0,78 para a escala neste estudo.

Escala de Práticas Parentais: composto por uma escala de práticas parentais desenvolvida por Teixeira, Oliveira e Wottrich (2006). Esta é composta de 27 itens e seis dimensões: apoio emocional, controle punitivo, incentivo à autonomia, intrusividade, supervisão do comportamento e cobrança de responsabilidade, as quais são medidas em uma escala Likert de cinco pontos variando de “quase nunca ou bem pouco” a “geralmente ou bastante”. Os Alpha de Cronbach foram 0,89 (apoio emocional), 0,74 (controle punitivo), 0,65 (incentivo à autonomia), 0,63 (intrusividade), 0,77 (supervisão do comportamento) e 0,61 (cobrança de responsabilidade).

Escala de Relação Coparental (ERC) (Feinberg, Brown, & Kan, 2012) - traduzida e adaptada para o presente estudo: composta de 35 itens que são apresentados em duas subescalas separadas e mensuram sete dimensões da coparentalidade: acordo coparental, proximidade coparental, exposição ao conflito coparental, suporte coparental, competição coparental, aprovação da parentalidade do outro e divisão do trabalho coparental. Os itens são medidos em uma escala do tipo Likert de seis pontos variando, na primeira subescala, de “não é verdadeiro sobre nós” até “muito verdadeiro sobre nós” e, na segunda, entre “nunca” e “muito frequente”. Os índices de consistência interna encontrados foram Alpha de Cronbach 0,68 (acordo coparental), 0,47 (proximidade coparental), 0,78 (exposição ao conflito), 0,81 (suporte coparental), 0,85 (competição coparental) e 0,63 (aprovação da parentalidade do outro). Como a dimensão divisão do trabalho possui apenas dois itens, não pode ser mensurado o coeficiente de consistência interna. Considerando a baixa consistência interna da dimensão proximidade coparental essa foi excluída deste estudo.

Child Behavior Checklist (CBCL) (Achenbach & Rescorla, 2001) traduzido e adaptado por Santos e Silvares (2006): escala que avalia os problemas emocionais e de comportamento dos filhos, composta de 138 itens, destinados aos pais/mães ou cuidadores. Os itens do questionário listam uma série de comportamentos desejáveis e disruptivos em uma escala Likert de três pontos: 0, quando não é verdadeiro; 1, se é um pouco verdadeiro ou às vezes verdadeiro; e 2, se é muito verdadeiro ou frequentemente verdadeiro. Os índices de consistência interna encontrados foram: ansiedade/depressão (0,77), retraimento (0,71), queixas somáticas (0,67) problemas sociais (0,72) comportamento delinquente (0,73), problemas no pensamento (0,66), comportamento agressivo (0,82), problemas de atenção (0,82) e outros problemas (0,61).

Procedimentos

Os participantes foram indicados por pessoas conhecidas dos assistentes de pesquisa por critério de conveniência. Foi realizado contato telefônico a fim de realizar o convite para participar do estudo. Diante do aceite, agendou-se dia e hora em que os assistentes iriam à casa dos participantes. Os instrumentos foram respondidos individualmente na presença de assistentes de pesquisa. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos sob protocolo nº 11/016 e seguiu todas as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

Inicialmente, foram realizados testes de comparação de médias (t de Student e Anova) entre o grupo que apresentou sintomas internalizantes e o que apresentou sintomas externalizantes, para verificar se existia diferença significativa entre ambos em relação à percepção dos pais da presença dos sintomas em seus filhos, ao sexo das crianças e adolescentes que compõem os grupos, bem como à idade dos mesmos. A prevalência dos sintomas foi calculada através da classificação fornecida pelo Sistema Achenbach de Avaliação Empiricamente Baseada (ASEBA) (Achenbach & Rescorla, 2001). Os resultados indicam que 10% das crianças e adolescentes da nossa amostra são considerados casos clínicos. Destes, identificou-se que 95% apresentam sintomas externalizantes e 15% sintomas internalizantes, sendo que alguns pais referem que os filhos apresentam tanto sintomas internalizantes quanto externalizantes, com destaque expressivo deste último.

Na análise da percepção do pai e da mãe sobre a presença de sintomas nos filhos, não houve diferença estatística significativa tanto no grupo dos sintomas internalizantes (t (-159) = 198; p = 0,874) quanto no de sintomas externalizantes (t (-358) = 198; p = 0,720). Em relação ao sexo das crianças e adolescentes, não houve diferença significativa entre os grupos com sintomas internalizantes (t (-187) = 198; p = 0,852) e externalizantes (t (1,487) = 198; p = 0,139). Esses resultados podem ser identificados na Tabela 1.

Tabela 1
Comparação entre variáveis e sintomas

Os grupos foram comparados também em relação às idades e não houve diferença significativa com o grupo dos sintomas internalizantes (F (2,155) = 3; p = 0,095). Já entre os que apresentaram sintomas externalizantes, houve diferença significativa (F (2,744) = 3; p = 0,043) em relação à idade. Esses sintomas apresentaram a média maior em crianças com até sete anos (M = 7,28; DP = 7,02) e, em crianças com idade entre sete e 11 anos, a média foi a menor (M = 4,16; DP = 3,68). As médias de crianças com idade entre 11 e 15 anos foi de M = 6,64 (DP = 6,02) e para idade superior a 15 anos foi de M = 5,71 (DP = 5,27).

Os dados também foram submetidos à análise de regressão múltipla, com o objetivo de determinar se as variáveis das dimensões da conjugalidade, da parentalidade e da coparentalidade seriam preditoras de sintomas internalizantes e externalizantes nos filhos. A análise apontou como preditoras dos sintomas internalizantes apenas duas variáveis, a adaptabilidade conjugal (β = -0,253; p = 0,001) e a aprovação coparental (β = -0,216; p = 0,003), fornecendo um coeficiente de variância explicada () de 0,134, determinando que as variáveis preditoras explicam 13,4% dos sintomas internalizantes, conforme Tabela 2. Nessa análise, as variáveis da dimensão da parentalidade não foram preditoras de sintomas internalizantes.

Tabela 2
Variáveis preditoras dos sintomas

Com relação aos sintomas externalizantes, as variáveis preditoras foram competição coparental (β = 0,216; p = 0,005), prática parental de intrusividade (β = 0,200; p = 0,004), aprovação coparental (β = -0,150; p = 0,035), prática parental de supervisão do comportamento (β = 0,172; p = 0,008) e exposição do filho ao conflito coparental (β = 0,175; p = 0,020). O coeficiente de variância explicada () foi de 0,299, determinando que as variáveis preditoras explicam 29,9% dos sintomas externalizantes, conforme Tabela 2. Observa-se que nos sintomas externalizantes aparecem variáveis das dimensões da conjugalidade, da parentalidade e da coparentalidade como preditoras e que a variável aprovação coparental apresenta sinal negativo.

Discussão

Os resultados das análises de comparação do estudo indicaram que não houve diferença na percepção do pai e da mãe quanto à presença de sintomas internalizantes e externalizantes no comportamento dos seus filhos. Esse dado pressupõe que exista congruência na forma como os genitores deste estudo percebem os sintomas dos filhos e que estão atentos, em certa medida, aos problemas emocionais e comportamentais da prole. Na literatura, os estudos mostram que não há consenso entre os pesquisadores sobre a percepção dos pais em relação aos sintomas dos filhos.

O resultado desta pesquisa corrobora a de Souza e Mosmann (2013) sobre a percepção mais homogênea dos pais na avaliação dos sintomas emocionais e comportamentos na prole. Além disso, é preciso considerar, frente aos resultados deste e de outros estudos, que os pais tendem, muitas vezes, a não avaliar sintomas internalizantes como sintomas e, em outros casos, percebem características do desenvolvimento como sintomas. Essas situações podem interferir na direção e na interpretação que se faz dos resultados e, portanto, precisam ser analisados e considerados com certa cautela e em conjunto com outras variáveis.

Na comparação entre o sexo das crianças e adolescentes e os sintomas internalizantes e externalizantes, não houve diferença estatística significativa entre os grupos, demonstrando que ser menino ou menina não interfere, nesta amostra, nos problemas emocionais e comportamentais. Esse resultado difere da literatura (Navarro-Pardo et al., 2012), a qual sugere que os meninos estariam mais sujeitos a apresentar problemas externalizantes relacionados ao descumprimento de regras e normas e comportamento agressivo e as meninas, a serem acometidas por problemas internalizantes, como ansiedade, depressão, isolamento e queixas somáticas. Porém, corrobora outros estudos que não apontam diferenças significativas entre crianças e adolescentes do sexo masculino e feminino em relação aos sintomas (Schroeder et al., 2010; Souza & Mosmann, 2013).

Na comparação entre os sintomas e os grupos de idades das crianças e adolescentes, evidenciou-se diferença estatística significativa somente entre as idades e os problemas externalizantes, sendo que a maior média desses sintomas foi apresentada pelo grupo de crianças com até sete anos e pelo grupo de adolescentes entre 11 e 15 anos. Uma possível compreensão para esse resultado é de que, até os sete anos, a criança está iniciando o processo de inserção escolar, o que pode acarretar dificuldades de adaptação em relação às regras de comportamento da escola e evidenciar os sintomas externalizantes. Além disso, é possível que nessa fase a avaliação dos pais sobre os sintomas dos filhos seja mais criteriosa, uma vez que são menores e exigem mais atenção e cuidados paternos.

Quanto ao segundo grupo com maior média, o resultado pode estar associado ao fato de que os adolescentes entre 11 e 15 anos vivenciam crises de identidade, necessidade de afirmação perante o grupo de iguais, de desafiar e questionar as figuras de autoridade, entre outros fatores. Portanto, a existência de um ambiente gerador de sintomas somada às questões próprias da fase de desenvolvimento em que os adolescentes se encontram farão com que os problemas de comportamento externalizantes emerjam ainda com mais força. Além disso, os pais podem avaliar esses comportamentos característicos da fase da adolescência como sintomas externalizantes nos filhos.

Através das análises de regressão, foi possível identificar, no escopo deste estudo, quais variáveis das dimensões da conjugalidade, da parentalidade e da coparentalidade foram preditoras dos sintomas internalizantes e externalizantes das crianças e adolescentes. As variáveis adaptabilidade conjugal e aprovação coparental foram preditoras negativas dos sintomas internalizantes, sendo que a primeira foi fortemente preditora desses sintomas nos filhos. Esse resultado pode ser uma evidência do quanto as dificuldades dos casais em flexibilizar os papéis que desempenham, o poder e as regras diante das mudanças do ciclo vital conjugal reverberam na saúde mental dos filhos e, ainda, do quanto a prole é sensível às questões do casal enquanto marido e mulher, confirmando resultados encontrados em outras pesquisas (Davies et al., 2004a; Gerard et al., 2006; Margolin et al., 2004; Olson, 2000).

Além disso, adaptabilidade conjugal e aprovação coparental, variáveis independentes preditoras dos sintomas internalizantes, emergiram inter-relacionadas para explicar os sintomas nas crianças e adolescentes e apresentaram sinal negativo, indicando que quanto menos adaptabilidade conjugal e aprovação coparental, mais sintomas nos filhos. Esse resultado pode indicar que, apesar de as variáveis comporem dimensões distintas, conjugalidade e coparentalidade refletem uma mesma dificuldade da dupla enquanto casal e enquanto pais. Essa dificuldade pode estar relacionada a um funcionamento rígido dentro da relação marital, que se expressa também em baixa aprovação do parceiro enquanto genitor, reverberando em sintomas internalizantes nos filhos. Essa evidência vai na direção da literatura sobre a disfuncionalidade conjugal e coparental se refletir em todo sistema familiar (Feinberg et al., 2007; Schmidt, 2008; Schoppe-Sullivan et al., 2004).

Esse resultado também pode indicar associação entre as variáveis preditoras e os sintomas internalizantes quanto à forma como emergem no contexto familiar. Estima-se que a rigidez no subsistema conjugal se expresse de forma mais implícita e não proporcione uma desaprovação coparental ostensiva de modo que as dificuldades não são evidentes, mas interferem de forma velada no clima familiar. Do mesmo modo, os sintomas internalizantes são, predominantemente, “para dentro”, pois se referem aos problemas emocionais das crianças e adolescentes, como ansiedade, depressão e isolamento. Portanto, podem indicar que as variáveis preditoras e os sintomas internalizantes se expressam na família de forma mais subjacente e, por isso, estão associados.

Os problemas de comportamentos externalizantes foram preditos pelas variáveis competição coparental, prática parental de intrusividade, aprovação coparental, prática parental de supervisão do comportamento e exposição do filho ao conflito coparental. A competição quanto ao exercício da parentalidade e a prática parental de intrusividade predisseram mais fortemente os problemas externalizantes, o que pode indicar que a disputa coparental prejudica o desempenho dos genitores nessa função, resultando em práticas parentais intrusivas e reverberando negativamente nos filhos. Estes, impactados por um contexto hostil e competitivo, devolvem ao ambiente o que absorveram através de comportamento agressivo e problemas de conduta. Essa evidência confirma os pressupostos de McHale et al. (2004) e reflete mais uma vez que as variáveis e os sintomas vão na mesma direção, já que as duas variáveis com maior poder preditivo e os problemas de comportamento dos filhos são os mais facilmente observáveis.

Identifica-se que a variável aprovação coparental foi preditora tanto dos sintomas internalizantes quanto dos externalizantes e teve sinal negativo, indicando que, quanto menos aprovação coparental, mais sintomas emocionais e de comportamento nos filhos. Essa variável refere-se ao reconhecimento positivo de um parceiro em relação à paternidade do outro e o quanto há de aprovação entre os cônjuges quando estão exercendo a função de pais (Feinberg et al., 2012). Uma possível explicação para a predição dos sintomas pela aprovação coparental é que, diante da sua ausência ou de baixos níveis, os parceiros valorizem e reforcem mais os erros na parentalidade do outro. Essa desaprovação entre a díade coparental provocará certa tensão a qual poderá ser mais implícita, manifestando-se através de olhares de censura, ou explícita, através de exposição verbal de desacordo. Isso pode explicar o fato de a variável aprovação coparental ser preditora tanto de sintomas internalizantes quanto externalizantes nos filhos, pois se manifesta na dinâmica coparental de forma, respectivamente, mais velada ou observável.

Ademais, a prática parental de supervisão do comportamento e a exposição do filho ao conflito coparental também foram preditoras dos sintomas externalizantes. Percebe-se que, apesar de a supervisão das questões relacionadas à prole ser considerada um comportamento protetivo e esperado nos pais, neste estudo, a prática mostrou estar relacionada aos sintomas nos filhos. Esse resultado, associado à pratica parental de intrusividade e à competição coparental, pode indicar que a supervisão dos filhos esteja sendo exercida de forma rígida e autoritária e/ou esteja sendo eficaz para proteger os filhos de estressores externos em um primeiro momento, mas esteja falhando quanto ao cuidado com fatores do próprio contexto familiar, como, por exemplo, a exposição ao conflito coparental, variável preditora dos comportamentos externalizantes.

Ressalta-se que a predição de problemas externalizantes pela variável supervisão do comportamento é um resultado teoricamente contrário ao que se espera que a atenção dos pais exerça sobre a vida dos filhos. Essa evidência é diferente também do que foi encontrado por Teixeira et al. (2006) na validação da escala que avalia as dimensões de práticas parentais em relação aos adolescentes, apontando correlações positivas entre supervisão do comportamento e apoio emocional. No estudo de Teixeira, a supervisão parental foi percebida pelos adolescentes como um aspecto positivo, não intrusivo, enquanto neste estudo as respostas dos pais sobre a supervisão foi preditora de problemas externalizantes, o que pode estar associado à compreensão destes sobre as características da supervisão parental.

Além disso, chama a atenção, entre os resultados desta pesquisa, o forte poder preditivo das variáveis da coparentalidade sobre os sintomas internalizantes e externalizantes dos filhos, preponderante às dimensões da conjugalidade e da parentalidade e corroborando a literatura internacional (Feinberg, 2003; McHale & Rotman, 2007; Teubert & Pinquart, 2010). Evidenciou-se, nesse sentido, que a avaliação feita pelos genitores da parentalidade um do outro, por exemplo, emergiu como preditora de ambos os sintomas. Isso pode indicar que os filhos possuem uma percepção bastante sensível quanto às questões da coparentalidade e que perceber a desaprovação de um genitor quanto à parentalidade do outro impacta negativamente no desenvolvimento da prole. Esse prejuízo pode estar associado aos sentimentos de insegurança e medo, característicos dos sintomas internalizantes, e à falta de referência, de normas e de disciplina relacionada aos problemas externalizantes. Os filhos sentem a incongruência e a reprovação entre os genitores, o que termina por se expressar em sintomas.

Finalmente, identificou-se que as variáveis da parentalidade foram preditoras somente dos sintomas externalizantes e que as da conjugalidade foram preditoras somente de sintomas internalizantes. Esses resultados permitem associar as variáveis do subsistema parental aos problemas de comportamentos dos filhos, pois se referem ao contato dos pais diretamente com a prole, e as variáveis do subsistema conjugal aos problemas emocionais dos filhos, pois reverberam negativamente no ambiente familiar e se refletem em sintomas internalizantes (Davies et al., 2004a; Olson, 2000).

Embora se tenha avançado em termos de pesquisa acerca do impacto dos problemas emocionais e de comportamento na vida de crianças e adolescentes, devido às influências de fatores disfuncionais presentes na conjugalidade, na parentalidade e na coparentalidade, a investigação deste tema não restou de todo explorada, especialmente no contexto nacional. Dessa forma, o presente estudo contribui com a literatura da área ao avaliar conjuntamente as associações variáveis da conjugalidade, da parentalidade e da coparentalidade com os sintomas internalizantes e externalizantes dos filhos.

A partir dos resultados, depreende-se que a prole é suscetível tanto às questões que envolvem os pais quanto às que envolvem o casal e a parceria estabelecida para exercer a coparentalidade. Nesse sentido, é possível ponderar que as limitações conjugais, ao administrar diferenças, conflitos, disputas, afetos, (falta de) comunicação e as dificuldades coparentais, em que o compartilhamento de responsabilidades também possibilita aprovar ou desaprovar a parentalidade do outro progenitor, se materializam em questões parentais e desentendimentos conjugais intensos, frequentes e sem resolução construtiva. Essas questões refletem negativamente nos filhos, que reagem conforme o entorno em que estão inseridos, manifestando problemas comportamentais e emocionais.

Com relação às dificuldades desta pesquisa, merece destaque a limitação do estudo quanto à avaliação das dimensões da conjugalidade, da parentalidade e da coparentalidade na percepção dos filhos, medida que poderia ser comparada aos resultados ora encontrados, corroborando-os ou apontado outra perspectiva de investigação. Dessa forma, outras pesquisas são necessárias para ampliar a compressão acerca desses processos, tendo em vista que inserir as variáveis da coparentalidade viabilizou, neste estudo, resultados importantes à compreensão dos sintomas internalizantes e externalizantes nos filhos, além de refletir a necessidade de se continuar analisando especificidades desse subsistema.

Por fim, estima-se que os resultados do presente estudo sejam importantes subsídios ao desenvolvimento de intervenções para o tratamento de núcleos familiares disfuncionais, uma vez que indica os focos mais sensíveis a serem trabalhados relativos às especificidades dos sintomas. Além disso, a interdependência das variáveis reforça a premissa de que as intervenções familiares, tanto com relação à prevenção quanto ao tratamento, devam atentar para todo o sistema familiar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2014
  • Revisado
    17 Nov 2017
  • Aceito
    03 Dez 2015
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