Resumos
Resumo O comércio internacional é capaz de afetar negativamente a fruticultura brasileira, em razão do risco à sanidade vegetal, que é a combinação da probabilidade de ocorrência da praga e seu perigo potencial. O modelo de rede socioeconômica possui potencial de representar esse risco e ser usado pelo órgão fiscalizador. Os objetivos são analisar a aplicabilidade do modelo para a avaliação de risco de entrada de pragas via importação, e converter os resultados em propostas de estratégias de inspeção para determinadas frutas. A probabilidade foi representada pela frequência de importação caracterizada pelo tamanho do nó e a espessura do arco, enquanto o perigo potencial foi expresso pela cor do nó, de acordo com as pragas interceptadas de 2018 a 2020. O método se mostrou útil como meio visual para analisar as regiões de risco, mas não como método preditivo. Como resultado, as maçãs e peras importadas da Argentina, Uruguai, Chile e Espanha, principalmente pela região Sul; frutas do gênero Prunnus do Chile, especialmente pelo Rio Grande do Sul; frutas da Nomenclatura Comum do Mercosul 0810, do Chile, México e EUA; citros do Uruguai e Argentina, em particular, por São Paulo; uva da Argentina, em especial, importadas via região Sul, Pernambuco e São Paulo precisam de inspeção mais rigorosa.
Palavras-chave: comércio internacional; inspeção fitossanitária; modelo de redes; espécie exótica; mapeamento de risco
Abstract International trade can negatively affect Brazilian fruit growing due to the risk to plant health, which is the combination of the probability of occurrence of the pest and its potential danger. The socio-economic network model has the potential to represent this risk and be used by the supervisory agency. The aims are to analyze the applicability of the model for assessing the risk of pests entering via imports and to convert the results into proposals for inspection strategies for certain fruits. The probability was represented by the import frequency characterized by the size of the node and the thickness of the arc, while the potential danger was represented by the color of the node according to the pests intercepted between 2018 and 2020. The method proved useful as a visual tool for analyzing risk regions, but not as a predictive method. Apples and pears imported from Argentina, Uruguay, Chile and Spain, mainly through the southern region; Prunnus genus from Chile, especially in Rio Grande do Sul; Mercosur Common Nomenclature 0810 fruits from Chile, Mexico and the USA; citrus from Uruguay and Argentina, mainly in São Paulo; grapes from Argentina, mainly in the southern region, in Pernambuco and São Paulo need stricter inspection.
Keywords: international trade; phytosanitary inspection; network model; alien species; risk mapping
Introdução
Nas últimas décadas, o comércio internacional, como ocorre também com a movimentação de pessoas, foi intensificado como resultado da globalização. Apesar, entretanto, dos possíveis ganhos de eficiência e do favorecimento da competitividade entre os países (Appleyard & Field 2013), ele aumenta os riscos econômicos, em razão do maior potencial da entrada de espécies passíveis de causar perdas econômicas, sociais e ambientais. Isto porque o comércio possibilita o transporte de pragas exóticas de alto risco, com potencial de danificar as cadeias produtivas de origem agrícola e pecuária do país importador (Westphal et al., 2008), incluindo a fruticultura, objeto desta investigação.
Apesar de o Brasil importar grande volume de frutas, em geral temperadas, a fruticultura nacional também é importante para a economia nacional. As 39,4 milhões de toneladas de frutas colhidas em 2,4 milhões de hectares ensejaram 54 bilhões de reais em valor de produção no ano de 2021, considerando a soma de todas as frutíferas levantadas pelo IBGE na Pesquisa Agrícola Municipal (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). O Brasil também exporta algumas frutas para diversos países, o que gerou US$ 970 milhões de entrada de divisas no ano de 2022, segundo quadro elaborado pela Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados, com base nos dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados, 2022).
Para exemplificar o dano de pragas exóticas na fruticultura deste País, a introdução da bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus, causadora da doença Huanglongbing (HLB), em 2004, na mais importante região produtora de citros do Brasil (Coletta-Filho et al., 2004) fez com que os citricultores passassem a adotar manejos mais rigorosos para o controle dessa que se constituiu a principal ameaça para a citricultura mundial (Bové, 2006; Bassanezi et al., 2020). Pela ausência de cura por via do poder destrutivo, o controle dessa doença é muito complexo e envolve técnicas como a eliminação de plantas, tanto nas propriedades quanto em áreas externas, intenso controle do inseto vetor, antecipação de colheita e até mesmo migração de área de cultivo (Bassanezi et al., 2020).
Embora casos como o do HLB sejam suscetíveis de acontecer, a invasão biológica é algo bastante complexo. Ela inicia-se com o transporte do organismo por meio de atividade humana - intencional ou acidental – ocorrente por meio de variadas vias de introdução: importação de produtos, chegada de um vetor ou avanço natural do organismo de uma região vizinha. Uma vez introduzido, o destino desse organismo no novo habitat dependerá de sua adaptação para conseguir se estabelecer e se disseminar (Richardson et al., 2011). Quando da invasão, é preferível evitar ou prevenir a entrada dos organismos invasores, já que, uma vez introduzida, a praga exótica é capaz de se tornar grande ameaça às lavouras.
A análise de risco de praga (ARP) é dividida em três etapas. A inicial consiste em determinar se o organismo é assim considerado e identificar a área em risco. Na segunda, ocorrem a categorização, a avaliação de introdução e disseminação, a estimação de impactos econômicos e o resumo dessa mensuração de perigo. Na terceira fase, tem vez a sugestão de manejo dessa praga agrícola, identificando as medidas fitossanitárias necessárias para seu controle (Food and Agriculture Organization, 2021a). O sistema de mitigação de risco insere-se nesse âmbito, como a integração de meios que atuam independente e cumulativamente a favor da defesa vegetal, do que é exemplo o uso de tecnologia e recursos humanos empenhados na análise de dados (Food and Agriculture Organization, 2018a; Monteferrante et al., 2018). Tendo em vista sua importância, o então Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento aderiu à gestão de risco como um princípio na fiscalização (Brasil, 2017).
A fim de reduzir o inconveniente da introdução de pragas, a Convenção Internacional de Proteção de Plantas (IPPC) das Nações Unidas criou padrões para serem adotados no comércio entre seus membros, atualmente 184 países (Food and Agriculture Organization, 2021b), conhecidos como Normas Internacionais para Medidas Fitossanitárias - as ISPMs. Dentre estas, a ISPM nº 6 reporta-se à vigilância e preconiza que o Sistema Nacional de Vigilância deve se apoiar, entre outros aspectos, em priorização, planejamento e sistemas da gestão da informação (Food and Agriculture Organization, 2018b). A colaboração multidisciplinar e a cooperação internacional integrada são muito importantes, com vistas a se evitar novas invasões biológicas e mitigar os choques das espécies exóticas (Pyšek et al., 2020).
Diversos estudos cuidam de maneiras da gestão de informação, com o intuito de aprimorar a avaliação de risco e minimizar a chance de entrada de pragas via comércio internacional. Há investigações que compreendem uma análise descritiva das interceptações (Eyre et al., 2018; Work et al., 2005; McCullough et al., 2006); outras são dedicadas à identificação da relação entre volume importado e taxa de chegada de pragas, visando a criar modelos de riscos associados à importação (Mwebaze et al., 2010); ou, ainda, à sazonalidade do risco da introdução de praga específica via passageiros de avião (Szyniszewska et al., 2016); e há investigações que propõem o uso de regressão logística para estimar a probabilidade de uma carga com material vegetal receber notificação do órgão fiscalizador (Surkov et al., 2008; Lichtenberg & Olson, 2018).
Outro modelo com potencial de contribuir para discutir a gestão do risco de cargas importadas vem da Sociologia - o modelo de redes socioeconômicas constitui relevante meio visual para os pesquisadores, porque qualquer pessoa é capaz de entender o diagrama formado, somente ao observá-lo, sem a necessidade de muitas explicações (De Nooy et al., 2005). As redes socioeconômicas são usadas em distintas searas de exame, incluindo a determinação de como uma doença se dissemina, ou seja, nos ensaios epidemiológicos, e no estudo do comércio de algum bem ou serviço (Jackson, 2008). Este modelo é instrumento complementar à Estatística e seu principal objetivo é detectar e interpretar padrões de relações sociais entre os participantes (De Nooy et al., 2005). No caso da investigação ora relatada, impende detectar e interpretar padrões entre países exportadores e postos de fronteira brasileiros.
Os objetivos deste artigo, portanto, são analisar a aplicabilidade do modelo de redes socioeconômicas, com o propósito de avaliar a possibilidade da entrada de pragas exóticas para o caso de frutas importadas pelo Brasil, bem assim, identificar elementos que contribuam para o planejamento de estratégias, na intenção de prever essa admissão pela via de postos de fronteira.
Fundamentação Teórica
O modelo de redes enseja a elaboração de um diagrama, expresso no conjunto de vértices (nós) e na conjunção de linhas entre dois vértices, cuja elaboração, formato e interpretação restam explicados por De Nooy et al. (2005). O vértice representa um agente da rede que, neste caso, indica países exportadores ou postos de fronteira brasileiros, e a linha significa a relação social entre os vértices. Com efeito, é uma linha direta chamada de arco, indicativa de que a mercadoria sai de um país exportador e vai para um posto de fronteira no país importador, com base n (De Nooy et al., 2005). Os autores ainda expressam o fato de que a rede consiste num diagrama e informações adicionais nos vértices (tamanho e cor) e nas linhas (espessura e comprimento).
O número de ligações que envolve um nó recebe o nome de grau, ou degree (Jackson 2008). A centralidade de um nó é medida por meio de quatro parâmetros: o grau (degree) que mede o quanto o nó está conectado; a proximidade, que mensura a facilidade de um nó alcançar outro nó; a intermediação, que expressa a importância do nó para conectar outros nós; e as características dos nós vizinhos, que evidencia como os vizinhos influenciam outros nós (Jackson, 2008). A centralidade é passível de ser útil, por exemplo, quando se trabalha com transmissão de infecções, poder de barganha (Jackson, 2008) e para moldar programas de vigilância e estratégias de controle (Christley et al., 2005).
Martínez-López et al. (2009), ao aplicarem o modelo em epidemiologia veterinária, afirmam que este método também serve para manejo de risco no comércio internacional a fim de se prevenir possível surto de alguma doença. Os autores corroboram a ideia de que o modelo de redes beneficia a avaliação das condições epidemiológicas relacionadas ao risco da disseminação de doenças animais, bem como é um instrumento que contribui com as autoridades sanitárias na prevenção e no controle da disseminação de doenças.
Na área fitossanitária, estudos anteriores debatem acerca de que o uso do modelo de redes é promissor e concorre para antecipar e prevenir emergências de pragas (Pautasso & Jeger, 2014). Essas investigações discutem o modo como os conceitos de redes são aplicáveis à fitopatologia, uma vez que as conexões possuem papel indescartável a respeito de como uma epidemia se espalha (Moslonka-Lefebvre et al., 2011). Ainda são poucos, entretanto, os trabalhos aplicados de redes socioeconômicas a essa matéria.
Metodologia
Dados e Conceitos Gerais
Esta investigação abrange o exame do registro de interceptações fitossanitárias para todos os postos de fronteira brasileiros, durante o período de janeiro de 2018 a dezembro de 2020. Para tanto, foram selecionadas as frutas que respondem pela maior parte das interceptações e pelo alto risco de introdução de pragas e de dano econômico, conforme listadas na Tabela 1. Os dados foram obtidos junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)1 e site do Ministério da Economia2, conforme explicado a seguir.
Principais frutas com registros de pragas interceptadas em postos de fronteira brasileiros de 2018 a 2020 e seus respectivos NCMs
A planilha de dados sobre as interceptações de pragas em produtos de origem vegetal, nos postos de fronteira brasileiros, foi cedida pela Coordenação Geral de Fiscalização e Certificação Internacional do Departamento de Sanidade Vegetal e de Insumos Agrícolas, da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do, então, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Expressos indicadores resultam das inspeções realizadas pelos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (AFFA) do Serviço de Vigilância Agropecuária - Vigiagro/MAPA, em cargas de produtos de origem vegetal importadas nos postos de fronteira. Os dados de interceptações contêm a espécie interceptada (ou as espécies interceptadas), o país exportador, o posto de fronteira nacional de ocorrência das interceptações e a data da fiscalização de cada carga. Informações semelhantes também foram empregadas nos estudos de Haack (2006) e McCullough et al. (2006).
É oportuno ressaltar os conceitos de praga e de interceptação. Praga é considerada “qualquer espécie, raça ou biótipo de planta, animal ou agente patogênico, nocivos a plantas ou produtos vegetais”, segundo Food and Agriculture Organization (2018a). Engloba insetos, ácaros, vírus, bactérias, fungos, plantas daninhas e outros. A interceptação de praga, a seu turno, ocorre quando há a detecção de praga nas cargas inspecionadas nos postos de fronteira do País. Impende salientar o fato de que são suscetíveis de ocorrer pragas de espécies diferentes em apenas uma carga de produto, e este experimento leva em conta o número de interceptações e não o quantitativo de espécies encontradas, significando que, embora mais de uma praga seja encontrada em uma mesma carga, conta-se apenas uma interceptação.
Outra fonte de dados foi o COMEXSTAT (Brasil, 2022), instrumento aberto do Ministério da Economia, que disponibiliza informações a respeito das importações e exportações realizadas pelo Brasil. Estas estatísticas de comércio foram usadas para calcular a participação relativa de cada país exportador e de todo posto de fronteira como entrada de produtos importados no País. Nessa base, obtêm-se os dados sobre o produto importado, a quantidade, o país exportador e a unidade fronteiriça por onde a carga foi importada.
O COMEXSTAT adota a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM3) para classificar os produtos comercializados, e, na Tabela 1 são encontrados os códigos NCM dos principais produtos de interesse, selecionados aqui para análise. Embora esse detalhamento por NCM, para as análises, os produtos foram estudados de maneira agrupada, de acordo com os quatro primeiros dígitos da NCM, como pera e maçã (0808), frutas cítricas (laranja e tangerina – 0806) e assim por diante, como evidenciado na amostragem dos resultados.
Modelo de Rede Socioeconômica
O risco em sanidade vegetal é entendido como a combinação entre a probabilidade de ocorrência de uma praga e o grau de severidade de suas consequências ou potencial de danos. Por exemplo, uma praga com alto potencial de impacto, mas com baixa probabilidade de introdução, é havida como de risco médio. Somente espécies com elevado potencial de causar danos e com alta probabilidade de introdução consideram-se pragas de risco alto (Stancioli & Sugayama, 2015). Para ilustrar o risco – que envolve tanto a probabilidade quanto a consequência ou severidade do dano – recorreu-se ao modelo de redes socioeconômicas, com o software Pajek na versão 5.14. Essa ferramenta é importante por ser capaz de construir diagramas de fácil entendimento, representativos de relações sociais – nestas circunstâncias, vinculações de comércio.
A probabilidade está representada pela frequência de ocorrências evidenciada por duas características no diagrama de redes: i) o tamanho do nó, que mostra o número de remessas que um país envia ou um posto de fronteira recebe, e, logo, quanto maior o nó, maior é o número de remessas; e ii) a espessura do arco, representativo do volume exportado ou importado, de sorte que quanto mais espesso é o arco, maior é o volume.
A consequência (ou perigo potencial) está representada pela tonalidade do nó da origem das cargas, ou seja, dos países exportadores, de acordo com a classificação das pragas registradas nas ocorrências em cargas enviadas por esses países. Todos os postos de fronteira brasileiros foram representados pelo mesmo tom (preto), porque até mesmo postos que não interceptaram pragas recebem cargas de países que as enviaram, e, logo, também estariam sujeitos a receber organismos nocivos.
Para classificar por potencial de dano, ou periculosidade, foram consideradas a lista de pragas quarentenárias ausentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), estabelecida pela legislação brasileira (Brasil, 2018, 2019, 2020), e a listagem das 20 mais importantes que o Brasil deve priorizar para evitar sua introdução, segundo a recomendação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA (Laranjeira et al., 2017). A Tabela 2 mostra a divisão das tonalidades adotadas nos gráficos de Resultados dos Modelos de Redes.
Tom do nó, de acordo com a periculosidade da praga recebida ou enviada pelos países de origem das cargas com ocorrências
Nos diagramas gerados pelo Pajek4 para as redes socioeconômicas, triângulos representam países exportadores, enquanto círculos significam postos de fronteira nacionais. As setas, chamadas de arcos, revelam que a remessa sai de um país exportador e chega em um posto de fronteira do Brasil.
Resultados e Discussão
No modelo de redes socioeconômicas para pera e maçã, observam-se os fatores que envolvem o risco fitossanitário: frequência e consequência ou potencial de danos (Figura 1). A consequência ou potencial de danos vincula-se ao status da praga notificada, originada de cada país.
Modelo de redes socioeconômicas para importações de pera e maçã, representativo de importações brasileiras (triângulos representam países exportadores e círculos são postos de fronteira nacionais), 2018-2020.
O aspecto do risco relacionado à frequência de ocorrência está representado pelo tamanho dos nós da rede, configurados por países exportadores em formato de triângulo e por postos de fronteira importadores com a conformação de círculo. Quanto maior o tamanho do nó, maior é o número de remessas exportadas ou importadas; e, pela espessura da seta, também chamada de arco, a qual mostra que a carga sai do país exportador e chega ao posto de fronteira, quanto mais espesso é esse arco, maior o volume da carga. Dessa maneira, é observável também o grau do nó, expresso pelo número de ligações, de modo que postos de fronteira que recebem cargas de diversos países possuem grau maior.
Relativamente ao aspecto do risco relacionado à consequência, dada pela gravidade ou severidade do dano causado pela eventual introdução da praga, este está configurado no tom do nó. Esse tom varia com a periculosidade das pragas notificadas, por origem, consoante descrito na metodologia, baseada na lista de pragas quarentenárias ausentes do MAPA (Brasil, 2018, 2019, 2020) e na lista da EMBRAPA, com as pragas indicadas como prioritárias na prevenção de sua introdução no Brasil (Laranjeira et al., 2017).
A Argentina se destaca como o parceiro cuja importação tem maior risco, pelo fato de responder por grande número (frequência) e considerável volume de importações de maçãs e peras, e em razão da maior probabilidade de registro da ocorrência de pragas, bem como pela periculosidade (consequência) das pragas registradas em suas exportações dessas frutas para o Brasil. Com base, portanto, no alteado quantitativo de remessas recebidas em diversos postos de fronteira brasileiros, grande volume das cargas importadas dessa origem e diversas ocorrências de Cydia pomonella, que consta nas duas listas de pragas relevantes para a defesa fitossanitária, as importações de pera e maçã da Argentina exigem especial cuidado na inspeção.
Também as remessas do Chile, da Espanha e do Uruguai requerem fiscalização rigorosa. Chile e Espanha possuem expressiva participação no mercado e já tiveram registro de cargas das frutas comercializadas para o Brasil com C. pomenella; o Uruguai, com pequena participação no mercado, tem registro de carga com C. pomenella, mas é origem de exportação via postos de fronteira brasileiros localizados na principal região produtora de maçã do Brasil, na região Sul.
Portugal, conquanto seja o segundo maior exportador de pera e maçã para o Brasil, não teve ocorrência de pragas nas cargas comercializadas de 2018 a 2020, fato possivelmente indicativo de que o País europeu possui risco menor do que os citados há pouco. Conforme os critérios adotados nesta discussão sobre risco e considerado o período analisado, os demais países envolvidos na comercialização dessas frutas para o Brasil denotam risco ainda menor, pelo inexpressivo volume exportado e a não ocorrência de pragas interceptadas.
Outro ponto importante é que até mesmo postos que não interceptaram organismos nocivos também recebem cargas de pera e maçã de países que enviaram pragas para outros postos de fronteira. Por exemplo, São Francisco do Sul, em Santa Catarina não interceptou praga, mas importou peras e maçãs do Chile e Argentina, o que representaria um risco alto, já que o Estado é intenso produtor dessas culturas. Eventualmente, em trabalho futuro, seria interessante ter informações das empresas que exportam para cada estado, o que indicaria, decerto, fornecedores com distintas características em termos de comportamento perante a qualidade fitossanitária e/ou comprometimento com as normas de conformidade fitossanitária das frutas.
Analisando o risco com uma visão regional, também sob a perspectiva de oferta, além de uma significativa e permanente importação de pera e maçã, o Brasil cultiva as duas frutas e, ainda, exporta maçã, principalmente a produzida nos estados do Sul, o que contribui para geração de renda e empregos nessa cadeia produtiva e região. Em 2022, o Rio Grande do Sul (RS) produziu 435.312 toneladas de maçã e 8.385 toneladas de pera; Santa Catarina (SC) entregou ao mercado 572.372 t de maçã e 5.952 t de pera; e Paraná (PR) originou 29.005 t de maçã e 1.687 t de pera (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). Esses três estados representaram 99% e 91%, respectivamente, da produção nacional de maçã e de pera, em atividades particularmente importantes para a agricultura familiar. É notório que a cadeia produtiva de pera no Brasil não é tão robusta quanto a da maçã, mas, mesmo assim, é importante fiscalizar remessas de pera porque, como visto, também é hospedeira de C. pomonella. Do ponto de vista econômico, ainda, a maçã exportada pelo Brasil representou nesse ano 4% (US$ 24.49 milhões) das receitas cambiais do capítulo 8 do NCM, de frutas (Brasil, 2022).
Nesse sentido, é preocupante que 29 das 31 interceptações tenham ocorrido em postos de fronteira da região Sul do País: São Borja - RS (14 ocorrências), Dionísio Cerqueira- SC (12), Foz do Iguaçu- PR (1), Santana do Livramento– RS (1) e Uruguaiana- RS (1), enquanto as duas interceptações fora da região Sul sucederam em Santos, no Estado de São Paulo (SP). Compreende-se, por conseguinte, a relevância estratégica de se evitar que pragas exóticas sejam introduzidas na cadeia produtiva da maçã e da pera, sob risco de significativos prejuízos sociais e econômicos para esse setor. Tais pragas, e, em especial, aquelas constantes da lista de quarentenárias e das prioritárias, são passíveis de causar influxos negativos, que englobam dano à produção, aumento do custo de produção, imposição de barreiras comerciais para exportação das frutas brasileiras em caso de introdução de C. pomonella e, até, redução da renda no setor, em consequência da perda de empregos.
As frutas do gênero Prunus não têm uma relevância econômica na produção e exportação nacional, como no caso da maçã, contudo, a diversidade da fruticultura nacional e o potencial de pragas que atacam várias espécies requerem atenção na fiscalização de suas importações. Dentre as espécies do gênero Prunus, só há estatísticas oficiais de produção para o pêssego - Prunus persica. Quatro estados representaram 95% da produção dessa fruta em 2022: Rio Grande do Sul (RS), São Paulo (SP), Santa Catarina (SC) e Minas Gerais (MG), com, respectivamente, 137.553, 33.075, 17.194 e 11.372 toneladas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). Nesse mesmo ano, o Brasil gerou US$ 118.978 com a exportação de pêssegos (Brasil, 2022), e R$ 480.802.000 de valor bruto de produção em pêssegos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022).
A Figura 2 mostra a aplicação do modelo de redes para visualizar a interação de comércio dos países exportadores e os postos de fronteira brasileiros que recebem remessas de frutas in natura do gênero Prunus, de 2018 a 2020. Conforme é notório pelo tamanho do nó, pelos vários arcos e pelo tom, Chile, Espanha e Argentina são, de fato, os países com maior risco para esses produtos. Espanha e Argentina aparecem com o azul por terem enviado pragas que não constam na lista do MAPA. De toda maneira, registra-se a ocorrência fitossanitária para esses países, de modo que, aqui, é considerado que a importação de cargas dessa posição do NCM também necessita de inspeção rigorosa.
Modelo de redes socioeconômicas para ameixa, pêssego, nectarina, cereja e damasco, representativo de importações brasileiras (triângulos representam países exportadores, enquanto círculos são postos de fronteira brasileiros), 2018-2020.
Estados Unidos e Portugal, também, são importantes parceiros comerciais, e estes não enviaram pragas em suas remessas, possuindo risco menor do que os demais, do ponto de vista fitossanitário, para importação dessas frutas. Outro destaque na Figura 2 é o Chile, cujas importações brasileiras dessas frutas representam o maior risco, já que, além de ser o país com maior número de registros de pragas nas suas cargas, as espécies notificadas constam da lista das mais perigosas, conforme priorização por Laranjeira et al. (2017) – Brevipalpus chilensis (Acari: Tenuipalpidae), Cydia pomonella e Plum Pox Virus. Adicionalmente, o Chile enviou frutas do gênero Prunus para a maioria dos postos de fronteira brasileiros que recebem este tipo de produto, incluindo os postos nas principais regiões produtoras de pêssego.
O aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, apesar do baixo volume importado de frutas do gênero Prunus, foi o posto que mais interceptou pragas nesses produtos, de 2018 a 2020, com 12 ocorrências, seguido de São Borja- RS (8), Dionísio Cerqueira- SC (5), Foz do Iguaçu- PR (5) e Santos-SP (1). É importante notar que todos os postos de fronteira que interceptaram pragas nessas frutas ficam próximos a regiões produtoras de pêssego, o que dá ensejo ao alerta de que as pragas prejudicam a economia regional.
Portanto, os fatores de risco de entrada de pragas, via importação, identificados para produtos do gênero Prunus, são país de origem, posto de fronteira e sazonalidade. Remessas de Prunus originadas do Chile, mormente as que ingressam via postos de fronteira do Rio Grande do Sul nos últimos meses do ano, merecem atenção, relativamente a um maior rigor da fiscalização, quando se leva em conta o risco de entrada de pragas. Importações da Argentina e da Espanha, também, tiveram notificações fitossanitárias, e, igualmente, devem merecer o máximo cuidado.
No caso das frutas do NCM 0810 (amora, framboesa, caqui, kiwi e romã), o Brasil não tem tradição de produção nacional. Dos produtos com pragas interceptadas, o caqui é o único que possui estatísticas oficiais de produção no Brasil. São Paulo e Rio Grande do Sul são os principais produtores, com 77.531 e 43.638 toneladas, respectivamente, e, juntos, alcançaram pouco mais de R$ 285 milhões em valor bruto de produção (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). A produção nacional de caquis concentra-se em São Paulo, com 47%, e, no Rio Grande do Sul, com 27% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022).
No modelo de redes exibido na Figura 3, a Nova Zelândia aparece como importante exportadora desses produtos para o Brasil, mas não houve ocorrência de envio de pragas durante o período analisado. Por isto, considerando frequência e dano, entende-se que seja um país relevante no mercado, mas com bom status fitossanitário. Assim como a Nova Zelândia, a Argentina também recebeu a cor verde, mas é pouco representativa na rede, visto que o nó é pequeno e há apenas três arcos, de modo que exprime bom status fitossanitário para esses produtos.
Modelo de redes socioeconômicas para kiwi, framboesa, amora, caqui e romã, representativo de importações brasileiras, (triângulos representam países exportadores, enquanto círculos são postos de fronteira brasileiros), 2018-2020.
O Chile, por sua vez, que foi a origem das interceptações de Brevipalpus chilensis, envia esse tipo de fruta para 40% dos postos de fronteira brasileiros, e as remessas são de grandes volumes, refletindo-se na espessura dos arcos. Estes elementos, conjuntamente, grandes volumes comercializados, ingresso por vários postos de fronteira, e com ocorrências de envio das frutas com praga nas duas listas consideradas, levam a se considerar que esta origem é a de maior risco fitossanitário na importação dessa categoria de frutas.
Os Estados Unidos foram a origem da praga Ectomyelois ceratoniae (Pyralidae: Phycitinae) e o México, de Platynota stultana (Lepidoptera: Tortricidae), logo aparecem com o tom amarelo na Figura 3, porquanto ambas as espécies constam na lista do MAPA. Essa constatação sugere que cargas dessas frutas originadas desses dois países também precisam ser inspecionadas com alto rigor. De acordo com os dados para estes três anos, os Estados Unidos e o México só exportaram via aeroporto de Guarulhos, no Estado de São Paulo.
Portugal, Espanha e Itália enviaram pragas que não constam na lista do MAPA, e destinaram suas cargas para diversos postos de fronteira nacionais; Espanha e Itália mostram-se representativos na rede. Desse modo, conquanto as pragas notificadas não constem da lista de prioridades, cabe grande cuidado na inspeção das espécies dali importadas.
Como se verifica na rede socioeconômica, São Paulo é o estado cujos postos receberam o maior número de remessas e o único que acolheu envios de México e Estados Unidos – países que enviaram pragas quarentenárias listadas pelo MAPA. De outra parte, os postos de entrada de São Paulo não receberam cargas desses produtos procedentes do Chile, cabendo ressaltar o fato de que, apesar de ser considerado o país de maior risco neste caso, não exportou essas frutas para o Brasil via Estado de São Paulo. Já o Rio Grande do Sul importou relativamente pouco, mas recebeu remessas do Chile e da Itália.
O aeroporto de Guarulhos - SP e a fronteira de Foz do Iguaçu - PR foram os postos que interceptaram pragas nas frutas dos produtos da NCM 0810, com sete e seis ocorrências, respectivamente. As pragas interceptadas, caso fossem introduzidas, poderiam ter prejudicado a economia local e ainda causar barreiras não tarifárias (fitossanitárias e técnicas) ao comércio brasileiro de frutas. O caqui não está entre os principais produtos exportados pelo Brasil, mesmo quando se analisam as frutas exportadas, mas o País exportou 766 toneladas no ano de 2022, cujo valor foi US$ 1.463.930 (Brasil, 2022).
Portanto, para importações de caqui, em particular, a origem se mostrou como fator de risco quanto à entrada de pragas, sendo o Chile com o maior risco, seguido de Estados Unidos e México, com pragas da lista do MAPA, e Portugal, Espanha e Itália, cujas remessas registraram pragas não constantes na lista do MAPA.
Outro caso analisado é o das importações de laranja e tangerina (NCM 0805). O Brasil é o principal produtor mundial de laranja, tanto de mesa quanto para suco, além de ser o maior exportador mundial de suco de laranja (United States Department of Agriculture, 2023). Em 2022, o País produziu 16.929.631 toneladas da fruta em 568.132 hectares de área colhida (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). Malgrado sua relevância, a laranja denota uma das menores áreas plantadas, dentre as principais culturas do País. Todavia tem um dos maiores rendimentos médios de produção por hectare (29 t/ha), o que contribui para o Brasil ser o principal produtor da fruta e gerar mais de 14 bilhões de reais em valor bruto de produção em apenas um ano (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022), o que faz a citricultura ocupar o sexto lugar no ranque das lavouras com maior valor bruto de produção (Brasil, 2023).
O Estado de São Paulo é responsável por 77% da produção de laranja do Brasil com rendimento médio por hectare superior à média nacional (36t/ha), o que ensejou, aproximadamente, dez bilhões de reais em valor de produção em 2022 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). Apesar do destaque na produção, o Brasil também importa essas frutas, sendo que, em volume, em 2022, totalizou 26.356.840 quilos (Brasil, 2022). As importações de laranja e tangerina de 2018 a 2020 foram provenientes, principalmente, da Espanha (66%), do Uruguai (26%) e da Argentina (5%) (Brasil, 2022).
Dentre as pragas interceptadas, a Amyelois transitella (Lepidoptera: Pyralidae) está na lista do MAPA como praga quarentenária ausente no Brasil (Brasil, 2018) e foi notificada em carga originada da Argentina. Importações do Uruguai tiveram registro de espécies de Xanthomonas que já existem no Brasil e, portanto, aparece em azul na rede (Figura 4). A Figura 4 exibe o modelo de redes socioeconômicas para a importação de laranja e tangerina via postos de fronteira brasileiros de 2018 e 2020. Espanha e Uruguai são os maiores nós da rede, em consequência do grande número de remessas enviadas, e possuem muitos arcos espessos, o que demonstra também o grande volume exportado. Enquanto não houve registro de pragas em cargas vindas da Espanha no período analisado, as importações dessas frutas do Uruguai e Argentina exprimem o maior risco, pela proximidade geográfica e por já terem enviado pragas.
Modelo de redes socioeconômicas para laranja e tangerina, representativo de importações brasileiras (triângulos representam países exportadores, enquanto círculos são postos de fronteira brasileiros), 2018-2020.
Não houve interceptações de pragas no porto de Santos, localizado em SP, a principal região produtora de citros, mas esse posto recebe cargas provenientes do Uruguai. Já a Argentina não enviou cargas dessas frutas para Santos, mas remeteu para Foz do Iguaçu-PR, que é próxima da região citrícola brasileira, e A. transitella foi interceptada no posto de São Borja-RS, onde ocorreram oito interceptações de diferentes pragas no período, ao passo que em Santana do Livramento - RS ocorreram duas.
A citricultura brasileira já enfrenta diversos desafios fitossanitários, entre eles, o Huanglongbing (HLB), causado pela bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus e transmitida pelo vetor Diaphorina citri (Hemiptera: Lividae). O primeiro relato da patologia no Território Brasileiro foi no Município de Araraquara, no Estado de São Paulo, a principal região produtora de citros do Brasil em 2004 (Coletta-Filho et al., 2004; Teixeira et al., 2005). Até os dias atuais, não há cura para essa doença, e ela reduz a produção, disseminando-se rapidamente por meio da eficiência de seu inseto vetor, e sendo complexa de se prevenir (Bové, 2006). No cinturão citrícola de SP e MG, na safra de 2023/24, a queda prematura de frutos em razão do HLB foi equivalente a 31,86 milhões de caixas (Fundo de Defesa da Citricultura, 2024), o que representa R$ 2,2 bilhões de perda, considerando a cotação de 70 reais a caixa de laranja (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, 2024). Em complemento, a doença impacta o custo de produção, sendo passível de alcançar 30% dos custos de manejo (Ribeiro et al., 2023).
A introdução da bactéria causadora do HLB no Território Nacional é um importante exemplo dos danos causados pela introdução de uma praga exótica; e, dada a importância da cultura para o Brasil, a prevenção da entrada de novas pragas de citros deve ser uma prioridade na fruticultura. Portanto, ter o conhecimento de quais foram as pragas interceptadas em postos de fronteira nacionais, com certeza, vai colaborar com ações para auxiliar na prevenção da entrada das pragas e até mesmo em planos de controle e erradicação em caso de invasão. Postos de fronteira do Estado de São Paulo e Paraná são pontos de risco para a introdução de pragas em citros, assim como cargas que se originam da Argentina e Uruguai.
A uva é umas das principais frutas produzidas e exportadas pelo Brasil, com relevante papel socioeconômico em vários estados, particularmente, no Rio Grande do Sul, onde a agricultura familiar se destaca na produção de uva de mesa e de vinho, e no Vale do Rio São Francisco, em Pernambuco e Bahia, região importante como exportadora dessa fruta (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022; Brasil, 2022). Estes três estados responderam por 80% da produção nacional em 2022 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022) e nesse mesmo ano, a uva foi a terceira fruta em colocação dentre aquelas exportadas pelo Brasil, em valor FOB, com aproximadamente US$ 114 milhões e pouco mais de 52,56 mil toneladas (Brasil, 2022). O Brasil produz uva em 19 estados e a cultura ensejou cerca de R$ 4,5 bilhões em valor bruto de produção no ano de 2022 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). No mesmo ano, o País exportou pouco mais de 52,56 mil toneladas da fruta, o que gerou aproximadamente US$ 114 milhões em entrada de divisas (Brasil, 2022).
A Figura 5 mostra, com a espessura e direção dos arcos, que a Argentina enviou cargas da fruta em maior quantidade para São Borja-RS, seguido de Dionísio Cerqueira-SC e Foz do Iguaçu-PR, em quantidades semelhantes, e para Uruguaiana-RS, em menor quantidade. A Argentina foi a origem das pragas registradas em cargas de uvas importadas, Brevipalpus chilensis, que consta na lista de Laranjeira et al. (2017), eBrevipalpus lewisi (Acari: Tenuipalpidae), que consta como praga quarentenária ausente do Brasil pela lista do MAPA (Brasil, 2018).
Modelo de redes socioeconômicas para uva, representativo de importações brasileiras (triângulos representam países exportadores, enquanto círculos são postos de fronteira brasileiros), 2018-2020.
Consideradas as pragas enviadas e a representatividade no mercado, a Argentina é havida como origem de cargas importadas de uva com o maior risco. O Chile, embora seja o principal exportador dessa fruta para o Brasil, é considerado como de menor risco, por não ter registro de notificação de pragas nas cargas inspecionadas.
Os postos de fronteira brasileiros que interceptaram pragas em uva no período analisado foram São Borja-RS (6), Dionísio Cerqueira-SC (2) e Foz do Iguaçu-PR (1). São Borja-RS, que faz fronteira com a Argentina, está justamente no principal estado produtor de uva do Brasil, com 734.982 toneladas produzidas em 2022 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). A viticultura no Rio Grande do Sul é caracterizada por pequenas propriedades, com pouca mecanização e com predomínio da mão de obra familiar (Porro & Stefanini, 2016).
O segundo estado mais relevante para produção de uva é Pernambuco, com 338.206 toneladas produzidas em 2022 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022), onde está localizado o porto de Suape que recebeu número considerável de remessas da fruta, mas provenientes de países cujas cargas não tiveram ocorrências de pragas. Situação semelhante aconteceu com o Estado de São Paulo, terceiro maior produtor de uva, com 164.131 toneladas em 2022 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022): seus postos de fronteira apenas receberam remessas de uva de países que não enviaram pragas, conforme indicado na Figura 5.
De efeito, evidencia-se a importância de se barrar cargas com pragas que prejudicariam a viticultura brasileira e, consequentemente, a renda de várias famílias que dependem da atividade. A fiscalização é habilitada a intensificar as inspeções de uvas importadas da Argentina, mormente em postos de fronteira da região Sul, em Pernambuco e em São Paulo.
Conclusões
O método de redes socioeconômicas mostra-se útil como meio visual para analisar o comércio de produtos sujeitos a pragas exóticas e as regiões de risco, mas, por si, não serve como modelo preditivo para a gestão do risco. A rede é passível de ser aperfeiçoada, identificando a origem de produção da carga importada (não apenas o porto de embarque no país exportador), e o município para onde é destinada (e não somente o posto aduaneiro de seu ingresso no Brasil), ou seja, avançando na rastreabilidade da carga. De tal modo, o modelo captaria os nós centrais na rede e regiões produtoras onde uma determinada praga de interesse ocorre, o que incluiria na avaliação, também, os aspectos de época do ano e de status das pragas nos países/regiões envolvidas no comércio.
De todo modo, os resultados obtidos com o modelo de redes socioeconômicas associados a aspectos de ordem econômica ensejam a elaboração de recomendações sobre os postos de entrada fiscalizados pelo Vigiagro e sobre as principais origens de frutas importadas pelo Brasil que merecem especial atenção e rigor na inspeção de suas cargas. Tal sucede com as maçãs e peras importadas da Argentina, Uruguai, Chile e Espanha, principalmente em postos de fronteira da Região Sul; com as frutas do gênero Prunnus, provenientes do Chile, especialmente em postos de fronteira do Rio Grande do Sul; com as frutas da NCM 0810 (caqui, framboesa, kiwi, romã e amora), originadas do Chile, México e Estados Unidos; com a laranja e tangerina, do Uruguai e da Argentina, principalmente em postos de fronteira do Estado de São Paulo; e as uvas da Argentina, particularmente nas cargas que ingressam pela região Sul, em Pernambuco e em São Paulo.
É importante salientar que o resultado expresso não tem a função de recomendar que se deixe de fiscalizar outras cargas, mas a otimizar a fiscalização por meio da diminuição do tempo e da amostragem de alguns materiais, ao passo que aumenta o tempo e a amostragem de outros, cuja análise de risco indique maior chance de ocorrência de não conformidades. O resultado foi obtido com os dados acessados, mas um permanente monitoramento desses indicativos e a análise do modelo de redes sistematizando este tipo de avaliação ensejam oportunidade para aperfeiçoar as medidas de fiscalização.
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1
Atualmente, Ministério da Agricultura e Pecuária.
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2
Atualmente, Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
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3
O NCM é uma nomenclatura baseada no Sistema Harmonizado, composto por dois dígitos adicionais aos 6 daquele Sistema.
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4
O software Pajek não reconhece “ç” e acentos, de modo que os nomes de postos de fronteira e de países nos diagramas não possuem esses caracteres.
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Como citar:
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JEL Classification: F1, F6
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Out 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
09 Nov 2023 -
Aceito
16 Jul 2024