Acessibilidade / Reportar erro

O perfilamento racial nos processos de tráfico de drogas Um estudo de caso em Belo Horizonte

Racial profiling in drug trafficking processes: a case study in Belo Horizonte

Resumo

Neste artigo, analisamos como se dá o perfilamento racial ao longo do fluxo de processamento por tráfico de drogas no sistema de justiça criminal belo-horizontino. Para tanto, nós nos valemos de dados quantitativos (oriundos de processos penais arquivados entre 2007 e 2017) e qualitativos (produzidos por meio de entrevistas semiestruturadas com promotores, juízes e defensores que atuavam nas varas de tóxicos em 2018). Os resultados apontam para os subterfúgios mobilizados pelos operadores do direito para garantir discriminais raciais, ainda que a palavra raça nem sempre esteja presente nesta operação.

Palavras-chave:
Tráfico de drogas; Raça; Discursos; Sistema de justiça criminal; Desigualdades raciais

Abstract

In this article, we analyze how racial profiling happen throughout the processing flow for drug trafficking in the Belo Horizonte criminal justice system. For that, we used quantitative data (derived from criminal cases filed between 2007 and 2017) and qualitative data (produced through semi-structured interviews with prosecutors, judges and defenders who worked in drug courts in 2018). The indicates the subterfuges mobilized by legal operators to guarantee racial discrimination, even though the word race is not always present in this operation.

Keywords:
Drug trafficking; Race; Speeches; Criminal justice system; Racial inequalities

Introdução

O Brasil vivencia um processo de intensificação do encarceramento como a principal forma de punição e exercício do controle penal. Em consequência disso, o país conta com a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 850 mil presos, o que equivale a 384 pessoas privadas de liberdade para cada grupo de 100 mil habitantes (FBSP, 2022). Os delitos relacionados com as drogas despontam entre as principais razões para o encarceramento, correspondendo a mais de 232 mil indivíduos presos, conforme dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional - Sisdepen referentes ao período de janeiro a julho de 2020.

A entrada em vigor da chamada Nova Lei de Drogas é apontada como uma das principais razões para crescimento agudo da população prisional (Campos e Alvarez, 2017CAMPOS, Marcelo da Silveira & ALVAREZ, Marcos César. (2017), “Pela metade: Implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo”. Tempo Social, 29 (2): 45-74.), uma vez que, a partir de 2006, a quantidade de pessoas aprisionadas aumentou exponencialmente e continua crescendo até os dias atuais (Borges, 2018BORGES, Juliana. (2018), O que é: Encarceramento em massa? Belo Horizonte, Letramento.; Igarapé, 2015). Marcelo da Silveira Campos (2015) sustenta que o acirramento do encarceramento no Brasil após a Nova Lei de Drogas tem relação com a tentativa de introdução de um dispositivo “médico-criminal”, que vislumbrava o fim da prisão para usuários de drogas (vistos como doentes); enquanto que para o traficante se destinaram o recrudescimento e o discurso da repressão criminal, tendo em vista tratar-se de um inimigo perigoso. Porém, conforme elabora Campos (2015), tal dispositivo médico-criminal se configurou pela metade, tendo prevalência a tônica punitiva, diante da imprecisa delimitação dos elementos que configurariam determinada situação como tráfico e/ou como uso. Tal como disposto na própria lei 11.343/2006, cabe aos operadores considerarem as circunstâncias em que o sujeito foi detido, bem como o seu passado criminal.

No entender de Campos (2015CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.), esse dispositivo não se perfez também em decorrência da ausência de entendimento sobre os propósitos da nova lei. Desde a sua aprovação, houve grande resistência em deslocar o usuário de drogas para outro sistema que não o criminal (o de saúde e assistência social, por exemplo), ao mesmo tempo que houve uma ampliação da criminalização por tráfico, produzindo uma nova maneira de controle penal de usuários e também de traficantes (Grillo, Policarpo e Verissimo, 2011GRILLO, Carolina Christoph; POLICARPO, Frederico & VERISSIMO, Marcos. (2011), “A ‘dura’ e o ‘desenrolo’: efeitos práticos da nova lei de drogas no Rio de Janeiro”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 135-148. https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000300010.
https://doi.org/10.1590/S0104-4478201100...
). A política de matriz proibicionista e punitivista que decretou “guerra às drogas”, a partir de 2006, apresenta o traficante como inimigo público que precisa ser combatido e retirado de circulação, cabendo-lhe apenas o controle pelas agências penais.

Ainda colocando em contexto o cenário de encarceramento no Brasil, outro dado relevante diz respeito à composição racial das pessoas presas. Conforme dados do anuário de segurança pública (FBSP, 2022), a maior parte das pessoas encarceradas no país é identificada como negra; isto é, o número de pretos e pardos no sistema prisional em 2021 corresponde a mais de 68% da população prisional, um percentual superior aos 58% de 2001, quando essa informação começou a ser coletada. Por sua vez, os dados do último censo demográfico (2010) apontam que 43,4% da população brasileira são considerados pardos e 7,5% pretos, o que demonstra a nítida sobrerrepresentação de negros (pretos e pardos) entre a população brasileira encarcerada e o aumento do encarceramento desse grupo em comparação aos demais de raça/cor.

O acentuado índice de encarceramento e a focalização em determinado grupo caracterizam o fenômeno denominado de encarceramento em massa (Borges, 2018BORGES, Juliana. (2018), O que é: Encarceramento em massa? Belo Horizonte, Letramento.). Trata-se de um crescimento, de forma acelerada, massificada da população prisional que possui também um direcionamento, um perfil bastante específico daqueles que são selecionados pelo sistema de justiça criminal. Para David Garland (2008GARLAND, David. (2008), “A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea”. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia Revan. Coleção Pensamento Criminológico, 16.), o encarceramento em massa é uma estratégia “concebida para tornar delinquentes inócuos em um número muito expressivo, por períodos também expressivos” (Garland, 2008, p. 71).

O caráter racialmente seletivo do sistema de justiça criminal pode ser evidenciado tanto pela maior presença de negros encarcerados (FBSP, 2022), mas também por estudos que evidenciaram que pessoas negras são os alvos preferenciais das ações policiais (Sinhoretto et al., 2020SINHORETTO, Jacqueline et al. (2020), “Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime”. Relatório de Pesquisa do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, p. 379.) e das prisões em flagrante (Sinhoretto e Morais, 2018). Os negros são também os mais suscetíveis à prisão preventiva no início do processo (Lages e Ribeiro, 2019RIBEIRO, Djamila. (2019), Lugar de fala. São Paulo, Jandaíra.) e às condenações ao final dele (Adorno, 1995ADORNO, Sérgio. (1995), “Discriminação racial e justiça”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 43: 45-63, jul.). Essas evidências reforçam o apontamento feito pelo Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial da ONU, que, em visita ao Brasil apurou “uma cultura de perfilamento e discriminação racial em todos os níveis do sistema de justiça” (ONU, 2020, p. 3). Isso significa dizer que as agências de aplicação da lei brasileiras associam sistematicamente práticas criminosas a um conjunto de características raciais que, por sua vez, servem de base para abordagens, revistas minuciosas e outras decisões tomadas no interior do sistema de justiça criminal.

Nesse sentido, o sistema de justiça criminal tem profunda conexão com o racismo (Borges, 2018BORGES, Juliana. (2018), O que é: Encarceramento em massa? Belo Horizonte, Letramento.; Moreira, 2019MOREIRA, Adilson. (2019), Racismo recreativo. São Paulo, Pólen.) não só porque consiste em uma racionalidade que estrutura a nossa sociedade, da qual as instituições e atores que compõem o sistema de justiça não estão isentos (Almeida, 2018ALMEIDA, Sílvio. (2018), O que é racismo estrutural. Belo Horizonte, Letramento.), mas também porque existem mecanismos que sustentam a lógica de funcionamento da justiça e colocam negros(as) em posição de desvantagens e, portanto, mantêm as hierarquias raciais. Cabe-nos, portanto, perguntar como o racismo se expressa no sistema de justiça criminal? Em que medida a incriminação por tráfico está atrelada à perpetuação do racismo? E, nesse sentido, qual é a contribuição da Nova Lei de Drogas para a presença massiva de negros no sistema de justiça criminal?

Em uma perspectiva que considera a condição racial dos sujeitos, buscamos investigar dinâmicas ou fatores que concorrem para desvantagens de negros(as) perante a justiça criminal ou que propiciam eventual incriminação diferencial de negros, sendo capazes de explicar a presença massiva desse grupo racial no sistema de justiça. Para essa empreitada nos valeremos de dados de natureza quantitativa e qualitativa.

Para a análise quantitativa, tomaremos como base os registros criminais de 747 processos de tráfico de drogas arquivados em Belo Horizonte entre 2007 e 2017. Trata-se de um estudo de natureza documental, com vistas à análise retrospectiva de processos já encerrados (Vargas e Ribeiro, 2008VARGAS, Joana Domingues & RIBEIRO, Ludmila. (2008), “Estudos de fluxo da justiça criminal: balanço e perspectivas”. Encontro Anual da ANPOCS, 32.). É, assim, uma investigação que toma os registros administrativos como fonte de informação para a pesquisa social, quantificando-os por meio de um formulário, para posterior apresentação dos padrões de seleção e filtragem. Por sua vez, a análise qualitativa consiste de entrevistas realizadas com operadores do direito (magistrados, defensores e promotores) que atuavam nas varas de tóxicos de Belo Horizonte em 2018, e que no exercício de suas atividades interpretam e aplicam a Lei 11.343/2006.

A emergência da Nova Lei de Drogas: um novo sistema racial?

O século XX representou um marco para a repressão às drogas, haja vista a edição de instrumentos normativos que compuseram o sistema internacional de controle de drogas, acompanhados por políticas e discursos proibicionistas (Boiteux, 2015BOITEUX, Luciana. (2015), “Brasil: reflexões críticas sobre uma política de drogas repressiva”. Revista Sur, 12 (21), ago.). Entre eles está o do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon, que declarou “guerra às drogas” e colocou a pauta para ser enfrentada como “inimigo público número 1” do país (Alexander, 2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.). É nesse contexto que a produção, o comércio e o consumo de drogas passaram a ser representados globalmente como algo tão perigoso, que exigia medidas excepcionais e rigorosas, tal qual uma operação de guerra (Boiteux, 2015). A construção de uma ameaça iminente, bem como a ideia de que há um inimigo comum são elementos fundamentais para justificar a intervenção do sistema penal e expandir o poder repressivo e punitivo em relação às drogas, que, no caso da América Latina, contou em boa medida com as ideias e o financiamento norte-americano (Huggins, 1987HUGGINS, Martha K. (1987), “US-supported state terror: a history of police training in Latin America”. Crime and Social Justice, 27/28: 149-171.).

O controle sobre as drogas ilícitas vigente está estruturado em três Convenções das Nações Unidas, datadas de 1961, 1971 e 1988. A Convenção Única da ONU sobre Entorpecentes de 1961 proíbe o fumo, consumo, mastigação de ópio, folha de coca e resina da cannabis, bem como qualquer outro uso não medicinal, e estabelece prazos para a eliminação desses entorpecentes. Essa normativa tinha um enfoque repressivo, pois, apesar de explicitar “a preocupação com a saúde física e mental da população”, não trouxe mecanismos para tanto, previu apenas o controle e a repressão absoluta do uso e do comércio (Boiteux et al., 2017 p. 235). Contudo, vale anotar que esse enfoque foi ponderado pela emenda trazida alguns anos mais tarde pelo Protocolo de 19721 1 . Este protocolo constitui base jurídica para países europeus que adotam políticas de redução de danos, alternativas ao encarceramento e tratamento para usuários de drogas (Boiteux et al., 2009). , que sinalizou para a adoção de políticas menos repressivas de tratamento e penas alternativas para usuários. Expandindo o escopo do sistema internacional de controle de drogas para abarcar também drogas sintéticas, em 1971, foi editada a Convenção da ONU sobre Substâncias Psicotrópicas, com o argumento de que as drogas sintéticas apresentavam efeitos tão nocivos quanto outros narcóticos.

Por fim, a terceira convenção de drogas vigente, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, datada de 1988, incide de forma mais intensa sobre o comércio e a produção de drogas, expandindo o enfoque repressivo também para combater modalidades “colaterais” ao tráfico, como organizações criminosas, lavagem de dinheiro e extradição de traficantes. Conforme esclarecem Boiteux et al., (2017), a Convenção de 1988 se direcionou a enfraquecer o poder econômico do tráfico e a engajar os Estados em uma cooperação internacional para aumento da repressão que permitia, inclusive, a adoção de medidas ainda mais severas do que as previstas na Convenção, caso fosse necessário para o alcance do objetivo. Para tal, foi estratégica a utilização de “textos dramáticos”, que também remetiam à gravidade incalculável do tráfico (Pádua e Boiteux, 2013, p. 236).

Com o propósito de alcançar um “mundo livre de drogas”, foram traçadas políticas de cooperação para alinhar os países em torno do combate e punição severa do tráfico, que se apresentava como desafio coletivo global. Na perspectiva de (co)responsabilização dos países, foi o cenário internacional que influenciou a formulação de leis e de políticas repressivas em âmbito nacional, sendo impossível ignorar o papel dos Estados Unidos no financiamento de algumas ações, treinamento de policiais e, ainda, em ditar o “modelo” do que deveria ser implementado em outras regiões (Huggins, 1987HUGGINS, Martha K. (1987), “US-supported state terror: a history of police training in Latin America”. Crime and Social Justice, 27/28: 149-171.; Alexander, 2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.).

O Brasil estava sintonizado com o modelo transnacional de repressão às drogas desde a ditadura militar (Boiteux, 2015BOITEUX, Luciana. (2015), “Brasil: reflexões críticas sobre uma política de drogas repressiva”. Revista Sur, 12 (21), ago.). Pode-se observar que as premissas da Convenção Única de entorpecentes de 1961 estavam presentes nas principais legislações sobre drogas e vigoram até hoje; sobretudo, a ideia de que se trata de um grave mal, um “perigo social e econômico” que prejudica a “saúde física e moral da humanidade” (Campos, 2015CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. p. 29). Em 1971, foi editada a Lei 5.726, na qual usuários e traficantes recebiam o mesmo tratamento jurídico, com previsão de pena de um a seis anos de reclusão e multa. Já em 1976, a Lei 6.368 estabeleceu diferenciações entre comerciantes e usuários de drogas, mantendo, porém, o tratamento criminal para usuários, punidos com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa, enquanto traficantes eram penalizados com reclusão de três a quinze anos e multa. Já a Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), promulgada trinta anos após a lei de 1976, manteve a tendência de considerar a norma penal meio eficiente de impedir o abuso de drogas. Assim, previu como crimes as mesmas condutas da Lei anterior, porém aumentou para cinco anos a pena mínima atribuída para o crime de tráfico (artigo 33 da Lei 11.343/2006). Com isso, vedou a conversão da pena de privação de liberdade em uma pena restritiva de direitos, já que para tal substituição é preciso que a pena de prisão não exceda quatro anos (Campos, 2015, e Boiteux, 2009).

Essa Nova Lei inovou ao prever penas alternativas para a conduta de uso, ou seja, não há previsão de pena privativa de liberdade para aquele que adquirir, guardar, transportar, trouxer consigo ou cultivar drogas para consumo próprio (artigo 28 da Lei 11.343/20062 2 . “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.” ). Assim, em relação ao usuário, é considerada um avanço em comparação com a lei anterior, já que houve uma redução, ao menos em termos legislativos, do controle penal dispensado ao usuário, passando a ser despenalizada sua conduta. Ressalte-se, porém, que a conduta de uso de drogas continuou sendo criminalizada, de modo que os usuários, mesmo sendo reconhecidos, desde o debate do processo legislativo, como sujeitos passíveis das políticas de prevenção e de saúde, continuaram sendo objeto da política criminal, ainda que recebendo penas alternativas à prisão (Campos, 2015CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.).

Na perspectiva punitivista que marca a política antidrogas no país, o aumento de pena por tráfico de drogas inserido pela Lei 11.343/2006 teria o poder dissuasório, isto é, de desestimular o uso e o comércio de substâncias entorpecentes na medida em que é intensificada a pena (Boiteux, 2015BOITEUX, Luciana. (2015), “Brasil: reflexões críticas sobre uma política de drogas repressiva”. Revista Sur, 12 (21), ago.). Em que pese a norma penal estipular a diferenciação de tratamento entre traficantes e usuários, dispondo sobre o fim da pena privativa de liberdade para os casos de uso próprio, na prática, a Lei de Drogas gerou impactos indesejados, principalmente no que diz respeito à redução dos índices de encarceramento e às políticas de prevenção e saúde vinculadas às drogas (Campos e Alvarez, 2017CAMPOS, Marcelo da Silveira & ALVAREZ, Marcos César. (2017), “Pela metade: Implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo”. Tempo Social, 29 (2): 45-74.). O caráter repressivo do dispositivo criminal preponderou e trouxe consequências graves, sobretudo em países marcados pela exclusão social e por desigualdades sociorraciais, como o Brasil (Boiteux et al., 2009). Em termos práticos, a Lei apresenta dificuldades para a diferenciação entre os sujeitos aos quais serão dirigidas ações de prevenção e tratamento (usuários) e os que serão objeto da intervenção máxima do direito penal, a privação de liberdade (Grillo, Policarpo e Verissimo, 2011GRILLO, Carolina Christoph; POLICARPO, Frederico & VERISSIMO, Marcos. (2011), “A ‘dura’ e o ‘desenrolo’: efeitos práticos da nova lei de drogas no Rio de Janeiro”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 135-148. https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000300010.
https://doi.org/10.1590/S0104-4478201100...
).

Ao analisar o histórico e o entendimento dos parlamentares à época da tramitação da Lei de Drogas (2002 a 2006), Campos (2015CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.) chama a atenção para a existência de um “elemento racional e calculado de poder” (p. 37), utilizado para conceber o usuário e o traficante e estabelecer o que será cabível a cada um. As tensões existentes entre prevenção e coerção levavam em consideração elementos morais, socioeconômicos e a já constatada incapacidade dos serviços públicos de saúde em absorver a demanda por tratamento do uso abusivo de drogas. O autor aponta que, naquele momento de elaboração legislativa, a descriminalização do usuário já não era o objetivo, mas tão somente o fim da privação de liberdade.

Isso significa que o processo de invenção da Lei de Drogas e a conceituação de traficantes e usuários são permeados por dinâmicas de poder complexas e “obscuras” (Campos, 2015CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. p. 35), que vão desembocar no que temos hoje: uma legislação que estabelece tratamento diferenciado para usuários e traficantes, mas estranhamente não traz critérios legais objetivos para tal distinção. Como consequência prática desse jogo de gestão de usuários e traficantes, temos um efeito desastroso: o reavivamento do rótulo de drogados (usuários e traficantes) como sujeitos criminosos e o enquadramento de jovens, negros e pobres nesse rótulo (Anunciação et al., 2020ANUNCIAÇÃO, Diana et al. (2020), “‘Mão na cabeça!’: abordagem policial, racismo e violência estrutural entre jovens negros de três capitais do Nordeste”. Saúde e Sociedade, 29, mar.). Enquanto o discurso médico, do tratamento, parece ter sido mitigado e destinado a grupos sociais e raciais privilegiados, para um determinado perfil da população, a aposta parece ter sido na legislação penal e no discurso criminal como formas eficazes de regular o uso de drogas (Grillo, Policarpo e Verissimo, 2011GRILLO, Carolina Christoph; POLICARPO, Frederico & VERISSIMO, Marcos. (2011), “A ‘dura’ e o ‘desenrolo’: efeitos práticos da nova lei de drogas no Rio de Janeiro”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 135-148. https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000300010.
https://doi.org/10.1590/S0104-4478201100...
).

A teoria interacionista é particularmente útil neste ponto para compreendermos as relações sociais que caracterizam o uso e a comercialização da droga como crimes e, por sua vez, a rotulação de usuários e traficantes. A perspectiva do interacionismo leva em conta tanto a construção coletiva em torno do ato que será tido como desvio (para entender como se deu a produção de regras morais e a imposição destas a grupos e indivíduos), quanto considera quem serão os atores percebidos como desviantes, criminosos. Howard Becker (2008) propõe que a caracterização do desvio seja entendida como significações permeadas por relações sociais, inseridas num contexto com regras próprias, formais e informais, nas quais “o desviante é alguém a quem aquele rótulo foi aplicado com sucesso; e o comportamento desviante é comportamento que as pessoas assim rotulam” (p. 56).

Essa perspectiva nos ajuda a entender por que as drogas têm sido apontadas como uma das principais questões quando o assunto é segurança pública (Boiteux, 2015BOITEUX, Luciana. (2015), “Brasil: reflexões críticas sobre uma política de drogas repressiva”. Revista Sur, 12 (21), ago.). Decerto, a temática desperta o interesse e mexe com aspectos da moralidade social, porém o “apelo à guerra” de forma “emocional e mesmo irracional” (Boiteux et al., 2009, p. 19) é elemento essencial para que essa conduta seja considerada crime e enseje a elaboração de regras e a atuação tão repressora do Estado.

Conforme explicitamos anteriormente, a política de “guerra às drogas” foi desenhada transnacionalmente como o grande mal (de onde se originam todos os outros) que ameaça os valores e os interesses da “sociedade de bem” (Campos, 2015CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.; Valois, 2016VALOIS, Luís Carlos. (2016), O direito penal da guerra às drogas. Belo Horizonte, D’Plácido.). Dito dessa forma, ficam justificados quaisquer esforços e violações para reprimir e combater esse inimigo público global (Alexander, 2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.). Não se pode ignorar o fato de o tráfico ser percebido por boa parte dos operadores de segurança pública e justiça criminal como a mola propulsora da criminalidade violenta (Semer, 2019SEMER, Marcelo. (2019), Sentenciando tráfico: pânico moral e estado de negação formatando o papel dos juízes no grande encarceramento. São Paulo, 535 p., tese de doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.), bem como os fatores de ordem moral, sociopolítica e econômica, que influenciaram para que as condutas de uso e comércio de drogas fossem construídas como desviantes (Campos, 2015). Pode-se dizer que a percepção do uso e do comércio de drogas como desvio deriva de uma reação social à reprovabilidade de tais condutas (Becker, 2008). Neste aspecto destacamos novamente o papel da política mundial de “guerra contra as drogas”, que estabeleceu um proibicionismo cunhado em um excessivo sentimento de alarme e medo, utilizado para mobilizar quaisquer esforços para garantir a segurança (Alexander, 2017). Caracterizando um verdadeiro “pânico moral” (Garland, 2008GARLAND, David. (2008), “A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea”. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia Revan. Coleção Pensamento Criminológico, 16.), que justifica as ações militarizadas, voltadas para combater aqueles percebidos como inimigos internos (Huggins, 1987HUGGINS, Martha K. (1987), “US-supported state terror: a history of police training in Latin America”. Crime and Social Justice, 27/28: 149-171.).

Becker (2008) salienta o papel relacional e tensionado que perpassa a legitimação de condutas, criação de regras e a rotulação de desviantes. Para ele, o processo de rotulação é fruto de processos políticos, nos quais alguns conseguirão impor seus pontos de vista e interesses, tornando-os legítimos para execução através das agências de controle social. Outros, porém, em razão da ausência de determinadas credenciais institucionais, como é o caso da cor da pele, não poderão pautar os seus interesses, tornando-se o foco desse sistema de controle, que opera a partir de dados e marcos legais criados pelos empreendedores morais. Fica evidente, portanto, que o desvio não é algo inerente ao indivíduo, tampouco é certo que quem pratica o comportamento será visto como desviante. Disso dependerão os diferenciais de poder, das disputas que ocorrem no interior das relações sociais entre grupos distintos em condições de sexo, raça, etnia e classe.

Nesse sentido, Becker (2008) aponta que um elemento importante para compreender o processo de rotulação e sua aderência diz respeito à posição social dos grupos na esfera de poder e suas possibilidades de atuar no complexo normativo e institucional, que vão desde a elaboração de regras até a capacidade de aplicá-las e punir comportamentos e indivíduos vistos como desviantes. A possibilidade de dizer o Direito, no sentido de “fazer regras e aplicá-las a outras pessoas, é essencialmente um diferencial de poder (seja legal ou extralegal)” (Becker, 2008, p. 36). É uma condição de privilégio que se estabelece entre aqueles que desfrutam da mesma condição. Nesse sentido, o outsider social pode ser entendido como aquele que não participou do processo de elaboração das regras que supostamente deveriam ser universalmente aceitas. Ao serem excluídos do processo de formulação das regras, determinados grupos têm mais chances de serem enquadrados, rotulados dentro delas.

Os negros veem-se sujeitos às regras feitas para eles por brancos. Os nascidos no exterior e aqueles etnicamente peculiares de outra maneira muitas vezes têm regras elaboradas para eles pela minoria anglo-saxã protestante. A classe média traça regras a que a classe baixa deve obedecer - nas escolas, nos tribunais e em outros lugares. […] Aqueles grupos cuja posição social lhes dá armas e poder são mais capazes de impor suas regras. Distinções de idade, sexo, etnicidade e classe estão todas relacionadas a diferenças em poder, o que explica diferenças no grau em que grupos assim distinguidos podem fazer regras para os outros (Becker, 2008 p. 30).

A concepção sobre quem são os outsiders guarda relação com os empreendedores morais que elaboram e dão aplicabilidade às regras. Elas são criações de grupos sociais em posição privilegiada de poder, de modo que “o problema que eles enfrentam ao lidar com seu ambiente, a história e as tradições que carregam consigo, todos conduzem à evolução de diferentes conjuntos de regras” (Becker, 2008 p. 27). Nesse ínterim, outro fator importante sobre a construção social em torno desse delito diz respeito a quem é visto como desviante, isto é, quem são os sujeitos aos quais esse rótulo é aplicado com sucesso. O “problema das drogas” aparece como sendo exclusivo de uma parcela específica da sociedade: que tem cor, classe social e endereço certo (Campos, 2015CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.). Conforme elabora Valois (2016VALOIS, Luís Carlos. (2016), O direito penal da guerra às drogas. Belo Horizonte, D’Plácido.), construiu-se um estereótipo do traficante que serve como “bode expiatório” para que a incriminação não recaia sobre a parcela dominante (branca e elitizada) da população. Esse perfil tende a ser liberado nas abordagens policiais que têm como meta a prisão de negros, como demonstram Grillo, Policarpo e Verissimo (2011GRILLO, Carolina Christoph; POLICARPO, Frederico & VERISSIMO, Marcos. (2011), “A ‘dura’ e o ‘desenrolo’: efeitos práticos da nova lei de drogas no Rio de Janeiro”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 135-148. https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000300010.
https://doi.org/10.1590/S0104-4478201100...
). Vejamos, então, como isso acontece em Belo Horizonte.

Dados e métodos

Neste trabalho, utilizamos dados de pesquisa realizada com processos penais de tráfico de drogas encerrados em Belo Horizonte entre os anos de 2007 e 2017, além de entrevistas com juízes, promotores e defensores que atuavam exclusivamente com casos enquadrados na Lei de Drogas em 2018. Em Belo Horizonte, as Varas de Tóxico foram instituídas em 2007, como decorrência da aprovação da “nova” lei de drogas, e passaram a contar com operadores responsáveis exclusivamente por processarem e julgarem todos os delitos relativos ao “tráfico”.

Inicialmente, tomamos os registros administrativos do crime, sedimentados em documentos policiais e judiciais, como fonte de informação para a pesquisa social, de modo que o que é produzido ou o que fica invisibilizado nos registros do sistema de justiça criminal também contribuem na compreensão do fenômeno, já que podem traduzir processos sociais e “reproduzir ideologias que movem tal sistema” (Lima, 2004LIMA, Renato Sérgio de. (2004), “Atributos raciais no funcionamento do sistema de justiça criminal paulista.” São Paulo em Perspectiva, 18 (1): 60-65., p. 60). Para entender como funcionam essas instâncias, foi solicitada ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais uma planilha referente a todos os processos encerrados por tráfico de drogas entre 2007 e 2017. O material encaminhado indicava que 6.983 processos tinham sido arquivados no período sob a insígnia de “tráfico de drogas”. Cada caso apresentava informações como número do processo, data de distribuição (que marca o início do trâmite em âmbito judicial), data da baixa (quando o processo é considerado encerrado), identificação do feito (se era um inquérito policial, que não se converteu em processo, ou se foi encerrado como processo penal) e do sexo do acusado principal3 3 . Um mesmo processo pode ter vários acusados, que podem ser considerados indivíduos que participaram igualmente na prática do delito ou sujeitos que apenas ajudaram de forma subsidiária. .

De todo esse material, foi aleatoriamente sorteada para análise uma amostra representativa de 747 processos encerrados, que gerou uma base de dados com 1495 indivíduos indiciados por tráfico de drogas.

Concomitantemente à coleta de informações nos processos penais, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com três juízes, cinco promotores e cinco defensores públicos que atuavam nas três varas de tóxicos da capital de Minas Gerais, além do delegado titular da delegacia de tóxicos de Belo Horizonte. Todos estavam no cargo em 2018, momento em que os dados quantitativos começaram a ser coletados, atividade essa que se estendeu até dezembro de 2019. O Quadro 1 apresenta o perfil dos atores do sistema de justiça criminal entrevistados no âmbito da pesquisa.

QUADRO 1
Perfil dos entrevistados no âmbito da pesquisa - Belo Horizonte (2018-2019)

O Quadro 1 indica a existência de uma homogeneidade entre os perfis dos entrevistados, o que nos mostra como eles podem carregar experiências, trajetórias pessoais e profissionais que traduzem um mesmo “lugar social”4 4 . “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas […]” (Ribeiro, 2017, p. 48). , o qual pode influenciar o processo jurídico-interpretativo e a maneira como tais operadores leem o mundo (Moreira, 2019MOREIRA, Adilson. (2019), Racismo recreativo. São Paulo, Pólen.; Ribeiro, 2019RIBEIRO, Djamila. (2019), Lugar de fala. São Paulo, Jandaíra.). Para garantir o anonimato desses entrevistados, cada qual foi identificado pelo cargo e recebeu um número (de 1 a 14), a partir do qual se realizou a análise de conteúdo dos depoimentos. Para tanto, tomamos as entrevistas transcritas como corpus de análise sistematizando as informações.

Como o objetivo deste trabalho é compreender o efeito do perfil racial nos processos de tráfico de drogas, estabelecemos uma comparação entre a realidade dos acusados dos grupos raciais brancos (243 casos, 16,2% do total) e negros, aglutinando as categorias de pretos e pardos, que contavam com 369 (24,7%) e 737 (49,3%) casos, respectivamente. Consideramos adequado o posicionamento dos pretos e pardos como um único grupo racial (o negro)5 5 . Gomes (2017) ressalta também a importância da articulação política em torno da identidade racial negra, a qual foi relevante para os preparativos e para a participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o racismo, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2001, na cidade de Durban, onde o Brasil reconheceu internacionalmente a existência do racismo e se comprometeu a adotar medidas para sua reparação e superação. Entre os resultados da Conferência de Durban está o compromisso assumido de implantar políticas de ação afirmativa de cunho racial, com foco na educação e na empregabilidade. E, em 2010, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288 de 20 de julho de 2010), que definiu a população negra como sendo o conjunto das pessoas pretas e pardas. , haja vista as características socioeconômicas e a situação desfavorável de status social e sujeição (potencial ou efetiva) à discriminação (Costa Ribeiro, 1999COSTA RIBEIRO, Carlos Antônio. (1999), “As práticas judiciais e o significado do processo de julgamento”. Dados, 42 (4): 691-727. https://doi.org/10.1590/S0011-52581999000400003.
https://doi.org/10.1590/S0011-5258199900...
; Hasenbalg, 1979; Osório, 2013OSÓRIO, Rafael Guerreiro. (2013), “A classificação de cor ou raça do IBGE revisitada”. In: PETRUCCELLI, J. L. & SABOIA, A. L. (orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro, IBGE, pp. 83-99.). Ainda no que se refere às categorias raciais, deixamos de computar nessa análise os casos em que os sujeitos foram identificados como amarelos, 13 casos (0,9%), e os que não dispunham de informação racial no banco de dados, 133 casos (8,9%). Ambos foram computados como missing, de modo que a amostra efetivamente analisada se refere ao total de 1349 casos.

Considerando apenas os casos com informações válidas sobre a raça do suspeito, identificamos que o número de pessoas negras que dão entrada no sistema de justiça pelo delito de tráfico é quatro vezes maior, se comparado com a quantidade de pessoas brancas. No Gráfico 1 temos a demonstração de que o quantitativo de pessoas negras que entram no sistema de justiça criminal pelo delito de tráfico de drogas é bem superior ao do grupo de pessoas brancas. Em termos percentuais, negros correspondem a 82% do total de indiciados por tráfico, ao passo que, na amostra, o percentual de pessoas brancas corresponde a 18%.

GRÁFICO 1
Distribuição de Indiciados por raça (%) - processos de tráfico de drogas, arquivados em Belo Horizonte (2007 a 2017)

Há uma sobrerrepresentação da população negra no sistema de justiça criminal belo-horizontino, já que, na cidade, os negros correspondem a 66% da população (Silveira e Tomas, 2019SILVEIRA, Leonardo Souza & TOMAS, Maria Carolina. (2019), “Fluidez racial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: características individuais e contexto local na construção da raça”. Revista Brasileira de Estudos de População, 36: 1-22.). Comparando esse percentual com o perfil dos operadores do sistema de justiça criminal que atuavam na gestão dos casos de tráfico de drogas, verificamos que há sobrerrepresentação de brancos, visto que, apesar de negros corresponderem a 66% da população da cidade, nenhum deles ocupa posição de destaque na estrutura do sistema de justiça criminal. Por outro lado, enquanto todos os operadores do direito são brancos, os negros são a maioria entre os acusados, respondendo por 64% de todos aqueles que foram denunciados por tráfico de drogas. Essa diferença não pode ser tomada como de menor importância, porque aqueles que irão acusar, defender ou julgar os casos de “tráfico de drogas” estão muito distantes - social e, especialmente, racialmente - daqueles que foram rotulados primeiro pela polícia e, depois, pelo Ministério Público como “criminosos”. Em última instância, são juízes brancos que decidem o destino de réus negros, tal como observado por Alves (2015ALVES, Enedina do Amparo. (2015), Rés negras, judiciário branco: uma análise da interseccionalidade de gênero, raça e classe na produção da punição em uma prisão paulistana. São Paulo, 173 p., dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.).

Quem são os acusados?

Antes de aprofundar na reflexão sobre a operacionalização do racismo, cumpre-nos apresentar um panorama geral desta pesquisa empírica, que traz dados que apontam para fragilidades de um sistema de justiça com poucas reflexões sobre sua prática e procedimentos diante da realidade social do país. No que tange ao tráfico de drogas, a pesquisa revela uma aparente contradição do sistema de justiça: se por um lado há elementos que nos possibilitam afirmar que existe a construção social do “tipo ideal” do traficante, por outro lado, existem indicadores que rompem com as preconcepções que caracterizariam o traficante típico, apresentado como sujeito que oferece risco iminente, apreendido diante de alguma atitude de violência.

Ao contrário do senso comum e da narrativa midiática, a pesquisa aponta que a maioria das pessoas presas por tráfico não possuem antecedentes criminais, sequer foram previamente investigadas e raramente estão em posse de arma de fogo ou com grandes quantidades de drogas. Entretanto, de maneira geral, os acusados da prática de tráfico de drogas em Belo Horizonte são homens (86%), negros, isto é, identificados nos registros policiais como pretos ou pardos (86,3%), jovens, com idade entre 18 e 25 anos (60,7%), abordados pela polícia em razão de estarem em “atitude suspeita” (25,6%), em região conhecida como área de tráfico (82,7%), normalmente periferias. Um perfil considerado como uma espécie de “tipo ideal” do traficante, aquele estereótipo ao qual o jargão policial “freio de camburão” se direciona (Ramos, 2015RAMOS, Paulo César. (2015), “Relações raciais e violência: um balanço da produção teórica nacional e internacional dos últimos dez anos”. XVII Congresso Brasileiro de Sociologia, 20 a 23 de julho de 2015, Porto Alegre.).

A maioria absoluta de processo de tráfico tem origem com a prisão em flagrante dos suspeitos (95,2%). Todavia, essa detenção não se dá com a pessoa em posse de muitas drogas ou arma de fogo: somente 36,2% foram detidos portando drogas, e apenas 15,2% foram flagrados na posse de uma arma de fogo. Por outro lado, 80,2% estavam com “dinheiro trocado”, uma variável que aparece para os policiais como indício de que o indivíduo comercializava drogas. Embora raramente apreendidas com a pessoa no momento da abordagem, as drogas6 6 . A quantidade de drogas apreendidas não será utilizada em nossa análise, porque se trata de unidades de medida de difícil padronização. Problemática também enfatizada pelo Instituto Igarapé (2015). mais comumente encontradas foram maconha (48,2%), cocaína (50,1%) e crack (49,8%).

Outro dado que contraria as expectativas é o fato de que 82,6% dos presos contam com ocupação legal passível de comprovação. A ideia comum de que traficante é desocupado não encontra ressonância nos dados. De modo geral, são pessoas que contam com baixa escolaridade: somente 35,2% chegaram a iniciar o ensino médio (o que significa dizer que 64,8% dos suspeitos tinham menos de nove anos de estudo); o que parece ter reflexo no fato de que ocupam postos de trabalho com baixo prestígio social. Tal padrão se aproxima da constatação de Vera Malaguti Batista (2003BATISTA, Vera Malaguti. (2003), Difíceis ganhos fáceis. Rio de Janeiro, Revan.) no sentido de relacionar o tráfico com o mercado de trabalho excludente e recessivo, de modo que a venda da droga pode representar difíceis ganhos fáceis (p. 41).

Do total de pessoas indiciadas, 35,9% possuíam antecedentes criminais, isto é, tinham sido previamente processadas e condenadas pela prática de crime. A maioria das pessoas que figuravam como rés nos processos penais (69,6%) contavam com passagens anteriores na polícia, mas não foram processadas e julgadas na justiça. Essa distinção entre ter passagem pela polícia (maus antecedentes) e ter antecedentes criminais (haver cumprido a pena a menos de cinco anos) raramente é evidenciada ao longo das narrativas dos operadores de justiça.

Vale ressaltar que este padrão, em que homens, jovens, negros, de baixa escolaridade, sem antecedentes criminais são presos em flagrante sem portarem arma de fogo ou drogas no momento da apreensão e que acionam o “pânico” que mobiliza as forças de segurança para o combate ao tráfico de drogas é o mesmo padrão encontrado em outros estudos nacionais7 7 . Nesse sentido, ver a revisão realizada por Azevedo e Sinhoretto (2017). , inclusive nos internacionais, como de Alexander (2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.). Intriga-nos, assim, saber o que poderia explicar tamanha homogeneidade dos perfis incriminados por tráfico de drogas.

Em pergunta relativa aos critérios relacionados para diferenciar usuário de traficante de drogas, a visão de um(a) dos(as) entrevistados(as) da nossa pesquisa é bastante elucidativa do perfilamento existente quando se trata da apreensão por tráfico, corroborando os dados quantitativos anteriormente apresentados:

Na prática o que se vê é a questão financeira da pessoa, a quantidade pouco importa, porque se o nosso assistido é pego com pouquinha quantidade, uma coisa que aos olhos de qualquer outra pessoa poderia perfeitamente caracterizar um uso, por vez eles caem no tráfico pelo fato de serem pobres, então cai no chamado tráfico formiguinha, quer dizer, então não é o uso porque o que pega é a quantidade ser pouca, a pessoa é pobre então ela não teria condições de adquirir aquela coisa... Enfim, é uma visão preconceituosa. A gente lida muito com preconceito no dia a dia (Defensor/a público/a, vara de tóxicos de Belo Horizonte, 2018).

Para entender “como a raça acontece” no funcionamento do sistema de justiça criminal, mesmo que o termo nem sempre seja explicitado, nas seções seguintes, cuidamos de selecionar algumas variáveis presentes no banco de dados da pesquisa que se referem a aspectos relativos à ideologia racista que permeia o campo da justiça criminal. Concatenamos os dados levantados aos discursos dos operadores, às práticas mobilizadas durante o processamento do delito de tráfico e às condições dos sujeitos, a fim de compreender o impacto da raça destes nos modos de autuação e processamento do tráfico em Belo Horizonte.

As características dos acusados definem os seus destinos?

O momento inicial de abordagem, que retrata quem são as pessoas apreendidas pela suposta prática do delito, diz muito sobre a política de “guerra às drogas” e a ideologia que orienta o policiamento e o controle do crime (Anunciação et al., 2020ANUNCIAÇÃO, Diana et al. (2020), “‘Mão na cabeça!’: abordagem policial, racismo e violência estrutural entre jovens negros de três capitais do Nordeste”. Saúde e Sociedade, 29, mar.). A teoria de que o policiamento é voltado para a vigilância de “classes perigosas” (Paixão, 1982PAIXÃO, Antônio Luiz. (1982), “A organização policial numa área metropolitana”. Dados: Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 25 (1): 63-85.), assim como a tese de que a atividade da polícia se orienta pela identificação de “elementos suspeitos” (Ramos e Musumeci, 2005RAMOS, Silvia & MUSUMECI, Leonarda. (2005), “Elemento suspeito. Abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro”. Boletim Segurança e Cidadania, 8, nov.; Reis, 2002REIS, Dayane Brito. (2002), “A marca de Caim: As características que identificam o ‘suspeito’, segundo relatos de policiais militares”. Caderno CRH, 15 (36).) dão conta de explicar teoricamente a presença massiva de pessoas negras no início do fluxo do processamento por tráfico.

Nos dados levantados, o patrulhamento policial é a principal causa para abordagem e apreensão por tráfico (67,7%). Porém, entre as justificativas acionadas para legitimar tais abordagens estão as alegações de que as pessoas estavam em “atitude suspeita” (26,1%) e em lugar conhecido como área de tráfico (18,8%). Nesses argumentos, conforme descreve Reis (2002REIS, Dayane Brito. (2002), “A marca de Caim: As características que identificam o ‘suspeito’, segundo relatos de policiais militares”. Caderno CRH, 15 (36).), são mobilizados elementos sociorraciais para a caracterização daquele que deve ser o alvo da desconfiança policial.

As representações sociais sobre quem é o bandido, o estereótipo consumado em torno da figura do “jovem negro, funkeiro, morador de favela, próximo do tráfico de drogas, vestido com tênis, boné, cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de poder” (Batista, 2003BATISTA, Vera Malaguti. (2003), Difíceis ganhos fáceis. Rio de Janeiro, Revan., p. 36), são acionadas para definir o foco de vigilância e as estratégias de atuação policial que trazem como consequência maior incidência de apreensões sobre o grupo racial negro.

Nesse mesmo sentido, estudo recente de Sinhoretto et al. (2020SINHORETTO, Jacqueline et al. (2020), “Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime”. Relatório de Pesquisa do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, p. 379.), que investigou o modelo de policiamento ostensivo, apontou como a ideia de “fundada suspeita” faz parte do referencial teórico de formação policial. Contradizendo o caráter técnico-científico e racialmente neutro da atividade de policiamento, há a ênfase na importância do “faro” policial e do “olhar adestrado” para o reconhecimento dos suspeitos. Ao descreverem a atitude suspeita, os policiais deixam explícito como “tudo leva a marcar como suspeito o jovem negro das periferias, com sua corporalidade, seu gestual, seu gosto de vestimenta. Até o medo que ele sente da interação com a polícia é marcado como suspeito” (Sinhoretto et al., 2020, p. 346).

Outro elemento que mostra a conformação de um perfil racial no processamento do delito de tráfico diz respeito à consideração dos registros policiais (as passagens pela polícia) para a formação da imagem do traficante ou usuário. Conforme anunciamos, a maior parte das pessoas incriminadas por tráfico não possuem antecedentes criminais, ou seja, elas não foram condenadas por outro delito anteriormente. Entre os negros, apenas 36,2% contavam com antecedentes criminais e entre os brancos o percentual é de 34,8%. Entretanto, isso não quer dizer que os detidos não tenham apontamentos em seu registro policial. A cada “passagem”, ocorrência que a pessoa tem (ainda que não confirmada em uma investigação ou em uma condenação), lhe é conferida uma anotação e esta é digna de consideração pelos operadores da justiça, conforme se vê nos trechos da entrevista a seguir:

Porque é uma linha muito tênue entre o tráfico e o uso. Então, assim, não é pela quantidade que eu vou analisar se é tráfico ou uso. Pela quantidade de drogas que foi encontrada. E normalmente as drogas, igual os policiais sempre depõem aqui e falam, as drogas não são encontradas em poder do traficante. [...] Então a gente vê o local da apreensão: A pessoa estava com a droga no bolso? Na roupa? Na mão? Dentro do carro que estava dirigindo? O carro era dele? Entendeu? Estava na moto? Na bicicleta? Né, porque acontece de tudo aqui assim. Na blitz de trânsito? Em muita blitz de trânsito os policiais acham a droga dentro do veículo. Tá parando ali só para ver a documentação do carro e tal, e acaba achando droga com a pessoa. Então você tem que ver, uma coisa também que é fundamental são os antecedentes criminais. Infelizmente é uma verdade. A pessoa se recupera? Recupera sim. Mas você olha a ficha do cidadão, aquela ficha extensa, desde menor ele está, ele tem tendência, personalidade voltada para o crime. Então aquilo ali vai pesar um pouco na hora de você analisar se ele estava vendendo drogas ou se seria só para uso. (Juiz/a de direito, vara de tóxicos de Belo Horizonte, 2018).

Um rapaz de dezoito anos é abordado e flagrado com vinte buchas de maconha ali no aglomerado da Serra; você pega a ficha dele e não tem nada. A folha e a certidão de antecedentes criminais dele não têm nada, mas se você fizer uma investigação mais a fundo, e isso eu falo que eu faço aqui na promotoria através do sistema SIDS que a gente vê as ocorrências já lavradas, os REDS8 8 . Registro de Evento de Defesa Social (REDS) é o nome que o Boletim de Ocorrência integrado das Polícias Militar e Civil recebe em Minas Gerais. já lavrados em face dessa pessoa, você vê o histórico dela, quando menor de idade, que já foi abordada e aprendia naquele lugar quinze vezes (Promotor/a de Justiça, Vara de Tóxicos de Belo Horizonte, 2018, grifos nossos).

Os trechos acima demonstram que, para além dos antecedentes criminais legalmente previstos para a classificação do sujeito como usuário ou traficante, existem outros elementos considerados como critério pelos operadores para fazerem a distinção entre usuário e traficante. Eles se referem aos registros policiais, aos boletins de ocorrência, a uma análise da vida pregressa e da suposta “personalidade voltada para o crime” como fator crucial para a classificação dos sujeitos abordados enquanto traficante de drogas e não usuário. Mesmo os fatos ocorridos quando a pessoa era menor, e que não deveriam ser utilizados para imputar a responsabilidade penal, são, agora, trazidos em consideração. Tais discursos reafirmam o que Raupp (2005) já havia identificado: para a definição do tráfico não é observado apenas o que está na lei, mas também as categorias e classificações que os próprios operadores do direito constroem sobre quem é o traficante. Cada qual com sua visão de mundo e preconcepções empurra o sujeito para a condenação, em detrimento da consideração como usuário ou da absolvição.

Em sua dissertação de mestrado, Dina Alves (2015ALVES, Enedina do Amparo. (2015), Rés negras, judiciário branco: uma análise da interseccionalidade de gênero, raça e classe na produção da punição em uma prisão paulistana. São Paulo, 173 p., dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.) assinalou que jargões típicos nas sentenças criminais e nos discursos dos operadores do direito reforçam a “personalidade desajustada e perigosa”, uma aproximação da “personalidade voltada para o crime” do nosso entrevistado. Essas acepções revelam a persistência de ideologias racistas e eugênicas, baseadas nas teorias lombrosianas das quais o Direito Penal brasileiro é herdeiro direto (Alvarez, 2002ALVAREZ, Marcos César. (2002), “A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais”. Dados, 45: 677-704, mar.). Alves (2015) ajuda a compreender como a inferiorização racial aparece de forma implícita e explícita, consciente ou inconsciente, como pressuposto para a criminalização e punição de pessoas negras nos discursos judiciais.

Sendo a população mais vigiada, negros(as) terão consequentemente mais chances de serem parados(as) e detidos(as) pela polícia e, consequentemente, é de se esperar que tenham pior situação no que tange a registros, passagens pela polícia, ainda que não confirmadas em processo judicial, capazes de gerar antecedentes. Em nosso levantamento de dados, observamos que, apesar de não existirem diferenças estatisticamente significativas de negros e brancos quanto aos antecedentes criminais (condenação anterior), o percentual de negros com registros policiais é de 70,5%, ao passo que o de brancos é de 65,4%, uma diferença estatisticamente significativa. E, como apontado pelo entrevistado, quanto maior a quantidade de registros, maior a certeza de que se trata de uma “personalidade voltada para o crime” e não de uma pessoa altamente vigiada pela polícia.

Em suma, a ideologia lombrosiana está presente na construção de categorias representativas das pessoas perigosas, na qual o fator racial está inserido (Adorno, 1995ADORNO, Sérgio. (1995), “Discriminação racial e justiça”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 43: 45-63, jul.; Batista, 2003BATISTA, Vera Malaguti. (2003), Difíceis ganhos fáceis. Rio de Janeiro, Revan.), e faz com que sejam mais vigiados e figurem nos registros policiais (70,5% dos casos da amostra), embora não tenham antecedentes criminais. Seguindo a pista de Kitsuse e Cicourel (2017KITSUSE, John I. & CICOUREL, Aaron V. (2017), “A note on the uses of official statistics in Research Design”. Routledge: 53-63.), argumentamos que os registros podem revelar mais sobre a dinâmica do controle estatal sobre a população negra do que sobre um envolvimento efetivo (investigado e comprovado) dos sujeitos com o mundo do crime. O número de pessoas negras com registro policial e o relato dos operadores dizendo que se baseiam no registro policial, e não em antecedentes criminais, demonstram a existência de uma lógica que se retroalimenta. Como em um ciclo vicioso, o controle atua sobre os mesmos alvos: recai sobre sujeitos negros e bairros específicos (Provine, 2011PROVINE, Doris Marie. (2011), “Race and inequality in the war on drugs”. Annual Review of Law and Social Science, 7: 41-60.), de modo que essas pessoas estarão mais expostas e terão eventual ocorrência anotada nos registros policiais, ainda que na qualidade de “suspeitas” (isto, é, mesmo sem confirmação da autoria de um delito). Esse processo cria e reforça estereótipos e estigmatizações, que se combinam de modo que se tenha sempre a mesma população como alvo das instituições de controle e repressão.

A Tabela 1, acima, apresenta os cruzamentos entre raça, antecedentes criminais (condenação anterior na justiça) e condenação com significância estatística (valor - p = 0,003 para branco e p= 0,002 para negro). Os cruzamentos indicam que brancos (32,7%) e negros (36,3%), com antecedentes criminais, experimentaram a condenação ao final do processo.

TABELA 1
Sentença judicial, por Antecedentes Criminais e Grupo Racial - processos de tráfico de drogas, arquivados em Belo Horizonte (2007 a 2017)

Contudo, conforme observado nas entrevistas, são os registros policiais os instrumentalizados como prova da carreira criminal e da personalidade perigosa dos indivíduos; é o que tem impacto direto no percentual de condenação, como veremos na Tabela 2 (valor - p = 0,003 para branco e p = 0,016 para negro). Se a maioria dos indiciados que receberam uma sentença condenatória possuíam registro policial anterior, o percentual de negros condenados e que possuíam tal registro (74,9%) é superior ao de brancos (64,2%), sendo essa diferença estatisticamente significativa.

TABELA 2
Sentença judicial por registros policiais e grupo racial - processos de tráfico de drogas, arquivados em Belo Horizonte (2007 a 2017)

Os dados revelam que o registro policial se consubstancia na principal forma de análise da vida pregressa, tornando-se um dado que os operadores consideram relevante para embasar suas decisões a respeito da classificação e condenação do sujeito como traficante de drogas. Ocorre que tais elementos se relacionam com a condição racial dos sujeitos e com a percepção de que merecem ser alvo de desconfiança e maior vigilância. A entrevista a seguir deixa evidente como a raça é um fator que afeta a percepção que o sistema de justiça e seus atores terão sobre a pessoa e seus comportamentos do presente vis-à-vis aqueles registrados no passado:

[…] o que a gente percebe na prática é se a pessoa tem alguma passagem ou algum registro com droga anterior, não importa a quantidade de droga, a polícia vai levar e vai ser taxado como traficante. É uma visão do direito penal, pelo fato de a pessoa ter uma passagem, ela já é taxada como traficante. Aí você vai segurar essas drogas, é o que acontece muito na abordagem policial nas periferias. Mas depende desses fatores, a situação em que o sujeito estava no momento, como ele foi surpreendido, em flagrante, houve pesquisas anteriores, denúncias anônimas, davam conta de que era a pessoa que era o traficante? Porque o sujeito recebe uma denúncia anônima de tráfico ali, em determinado aglomeramento, “Ah uma pessoa negra com bermuda de cortar e blusa de cortar”. Aí chega na hora, tem uma pessoa comprando e outra vendendo, todas pretas, com roupas próximas e aí cai tudo no mesmo barco. Aí a polícia vai, tudo bom e a pessoa que estava ali eventualmente comprando, mas tem um registro anterior, ela vai ser taxada de traficante (Defensor/a público/a, Vara de Tóxicos de Belo Horizonte, 2018, grifos nossos). (citação)

A circulação de ideologias e estereótipos negativos que associam negritude à criminalidade se dá na identificação, pela polícia, daqueles tidos como suspeitos, mas reverbera dentro da justiça, entre os atores do sistema, e se traduz em práticas. Na representação gráfica a seguir apresentamos o desfecho dos processos no judiciário (p = 0,001), apontando se a sentença foi absolutória, condenatória ou se desconsiderou a conduta de tráfico reconhecendo o réu como usuário. Importante notar que, assim como na “entrada”, neste momento do desfecho também há a presença preponderante de negros (números absolutos); dado que deve ser levado em consideração para a leitura da distribuição de sentenças entre grupos de negros e brancos em termos percentuais.

No Gráfico 2, que apresenta os percentuais totais, temos que 51,86% dos negros foram condenados, enquanto 12,82% dos brancos foram absolvidos. No entanto, quando calculamos os percentuais para cada grupo (Tabela 2), dentro da população branca, percentualmente, a maior parte das sentenças é condenatória (64%), enquanto negros representam em maior percentual outros desfechos (40%), como as absolutórias (19,2%) e de desconsideração do tráfico para uso (18%). Apesar de os negros preponderarem entre as pessoas que caíram nas malhas da justiça e, assim, terem a maior quantidade de condenações, proporcionalmente, essas são menores dentro do seu grupo, quando comparadas às dos brancos. Elaboramos que essa reavaliação da justiça tenha relação com a maior fragilidade dos elementos que acionaram à primeira vista a necessidade de apreensão e intervenção do judiciário. Porém, nessa hipótese, destacamos que ela se dá tardiamente. Contudo, durante esse transcurso de tempo, a pessoa é considerada ré no processo penal, passando a ter essa mácula, que pode, inclusive, piorar a sua situação em próxima intervenção da justiça criminal.

GRÁFICO 2
Distribuição (em números absolutos e percentuais) dos resultados das sentenças, por grupo racial - processos de tráfico de drogas, arquivados em Belo Horizonte (2007 a 2017)

Ainda sobre o desfecho das decisões, outro dado que merece nossa atenção é o regime de pena atribuído a cada grupo racial, uma das práticas mais importantes do processo penal. Afinal, uma vez condenado o indivíduo, a severidade da pena tem relação direta com o tipo de regime: aberto, semiaberto ou fechado. Comparando o regime inicial de cumprimento de pena pelo delito de tráfico de drogas (Gráfico 3), é possível perceber que negros são penalizados de forma mais severa que brancos: 75,2% dos casos envolvendo pessoas negras receberam o regime fechado para cumprimento de pena. Isso significa dizer que, durante a fase de aplicação de pena, negros recebem penalidades que os submetem ao encarceramento por mais tempo. Entre os brancos, o percentual de cumprimento inicial sob regime fechado é de 64,1%. Esse padrão se reverte à medida que o regime de cumprimento inicial da pena vai se abrandando (isto é, vai para o regime semiaberto e para o regime aberto). Nesses casos, o percentual de negros é sempre menor que o de brancos: no semiaberto o percentual de negros é de 5,9% e o de brancos é de 8,5%. Já no regime aberto, negros representam 18,9% da população, e sujeitos brancos 27,4%.

GRÁFICO 3
Distribuição (em números absolutos e percentuais) do regime inicial de cumprimento de pena por grupo racial - processos de tráfico de drogas, arquivados em Belo Horizonte (2007 a 2017)

No desfecho dos processos de tráfico em Belo Horizonte, observamos que o judiciário contribui para a perpetuação do racismo, sendo possível observar assimetrias raciais desde a entrada até a conclusão dos casos. A diferença na atribuição do regime inicial de cumprimento de pena é um dos elementos em que se dá a distribuição desigual da justiça entre os grupos raciais. Senão vejamos: aquele grupo que está menos representado no início do fluxo (brancos) também está em menor proporção ao final do processamento. De outro lado, negros são maioria do início ao fim do fluxo de processamento do delito de tráfico, sendo que, nos casos julgados com sentença condenatória, a justiça atua com maior severidade, já que esse grupo racial inicia o cumprimento de pena em regime fechado. Um entrevistado nos explicou por que é necessário garantir o fechamento de pessoas que não têm, por exemplo, antecedentes criminais, mas recebem o regime fechado:

A pessoa, ela não é reincidente, porque ela tem que ter tido uma outra condenação com trânsito em julgado, e às vezes não é isso ainda, mas é um indivíduo que vem por relatórios, por investigações, que é dedicado à prática criminal desde a minoridade. É um perfil de pessoa que você vai soltar, ela vai fazer de novo, então esse indivíduo tem que ser segregado pelo próprio bem dele também, né? (Promotor/a de Justiça, Vara de Tóxicos de Belo Horizonte, 2018).

O raciocínio de que existem nuances que são maiores do que os próprios dispositivos legais nos ajuda a entender por que no início do fluxo há 4,3 negros por pessoa branca indiciada e, ao final, há 4,4 negros por branco condenado ao regime fechado (Tabela 3). Do início ao desfecho dos processos penais, aliado ao regime de pena que é cominado, o grupo de réus negros tem uma situação desfavorável, indicando o porquê de o sistema carcerário brasileiro abrigar uma população com perfil racialmente delineado. Trata-se de um processo de encarceramento contínuo e em massa que faz com que negros estejam sob regime de pena mais gravoso e, por isso, permaneçam nas prisões por mais tempo (Borges, 2018BORGES, Juliana. (2018), O que é: Encarceramento em massa? Belo Horizonte, Letramento.).

TABELA 3
Decisões tomadas ao longo do fluxo de processamento por grupo racial - processos de tráfico de drogas, arquivados em Belo Horizonte (2007 a 2017)

Os achados desta pesquisa convergem com os de Costa Ribeiro (1999COSTA RIBEIRO, Carlos Antônio. (1999), “As práticas judiciais e o significado do processo de julgamento”. Dados, 42 (4): 691-727. https://doi.org/10.1590/S0011-52581999000400003.
https://doi.org/10.1590/S0011-5258199900...
): analisando as diferentes concepções de responsabilidade penal em processos criminais tramitados entre 1900 e 1930, ele concluiu que, independente da corrente e interpretação doutrinária, a raça se articulava para criar, na prática, uma operação que tinha por consequência a discriminação de pretos e pardos no interior da justiça, de modo a serem tratados com maior severidade. Quase um século depois, assistimos a um tratamento mais severo com os negros ao longo do fluxo do sistema de justiça criminal, dada a sua representação como aquele que “tem tendência, personalidade voltada para o crime”, segundo informado por um dos nossos entrevistados.

Portanto, a partir dos dados analisados nesta seção, é possível entender como as práticas do sistema de justiça criminal judiciário corroboram o racismo, uma vez que as agências de controle do crime e aplicação da lei adotam práticas que incidem sobre determinado perfil racial e, assim, discriminam por raça a distribuição da justiça (Adorno, 1995ADORNO, Sérgio. (1995), “Discriminação racial e justiça”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 43: 45-63, jul.). Os dados indicam que o sistema punitivo, representado nas práticas que fazem parte do processamento do delito de tráfico, produz e reproduz o racismo, favorecendo a presença de negros(as) como objetos do controle penal.

Considerações finais

A proposta deste texto foi investigar como o marcador racial é acionado no interior do sistema de justiça criminal, especificamente durante o processamento do delito de tráfico de drogas. A análise focalizada no tráfico justifica-se em razão de este ser o delito que coloca a população negra como alvo das políticas de combate ao crime e que mobiliza um discurso belicoso, capaz de justificar medidas extremas de controle (Valois, 2016VALOIS, Luís Carlos. (2016), O direito penal da guerra às drogas. Belo Horizonte, D’Plácido.; Alexander, 2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.; Borges, 2018BORGES, Juliana. (2018), O que é: Encarceramento em massa? Belo Horizonte, Letramento.).

Utilizando dados quantitativos de processos de tráfico encerrados em Belo Horizonte de 2007 a 2017 e dados qualitativos oriundos de entrevistas com operadores do direito, analisamos aspectos do processamento do delito, bem como os discursos daqueles que dão aplicabilidade à Lei de Drogas, a fim de investigar a operacionalização do racismo no sistema de justiça criminal (Campos, 2017CAMPOS, Marcelo da Silveira & ALVAREZ, Marcos César. (2017), “Pela metade: Implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo”. Tempo Social, 29 (2): 45-74.). Entendendo que o racismo é um fenômeno complexo, de natureza múltipla, e que a condição racial dos sujeitos pode não ser um fundamento explícito para incriminação (Campos, 2017; Moreira, 2019MOREIRA, Adilson. (2019), Racismo recreativo. São Paulo, Pólen.), nosso interesse foi entender como alguns marcadores raciais são capazes de (re)produzir um sistema de marginalidade e ilegalismos que afetam sobremaneira o processamento de negros(as) no sistema de justiça criminal.

Os resultados da pesquisa demonstraram que o processo criminal de tráfico de drogas é marcado pela presença preponderante de acusados negros, que chegam a representar um número quatro vezes maior do que de acusados brancos. Há uma associação sistemática entre negritude e criminalidade que sustenta a existência de um perfilamento racial durante o processamento do delito de tráfico. A atualização racializada dos estereótipos de “tendente ao crime”, “bandido” e “vagabundo” orienta abordagens policiais. Os corpos negros são identificados como “suspeitos padrão” pela polícia, aos quais, no judiciário, é referendado o rótulo de traficantes que merecem ser detidos por longos períodos de tempo (Sinhoretto et al., 2020SINHORETTO, Jacqueline et al. (2020), “Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime”. Relatório de Pesquisa do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, p. 379.). As preconcepções racistas parecem circular com naturalidade e pouco questionamento entre os atores do sistema de justiça criminal.

Conceitos vagos, que comportam critérios altamente subjetivos, dão margem para que se reifique uma condição de inferiorização do negro que, de maneira cíclica, vai se consolidando nesse “lugar” de protagonista de crimes. Para tanto, são retomados os registros policiais, que não configuram antecedentes criminais (e, assim, não deveriam ser levados em consideração), mas que ajudam a formar a convicção sobre quem são os criminosos. Tais registros são considerados como análise de vida pregressa e indicativo da suposta “personalidade voltada para o crime”.

Em consonância com o que foi observado por Alexander (2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.), notamos que, embora os dispositivos da Lei de Drogas sejam aparentemente neutros do ponto de vista racial, sua aplicação prática é discriminatória e cria perfis raciais, ou seja, um perfilamento racial, como foco do sistema de justiça criminal. No desfecho dos casos, por exemplo, notamos que, ao dosar a pena, o judiciário (re)produz vieses raciais e, mesmo diante da “técnica” e da imparcialidade que, supostamente, sustentam o fazer jurisdicional, acaba por condenar negros a penas mais gravosas, que fazem com que iniciem o cumprimento em regime fechado. O efeito é o encarceramento contínuo e massivo de um perfil populacional racialmente delineado. Mostramos, então, como o judiciário, não apenas a polícia, contribui para o perfilamento racial do sistema.

Não é sem razão que Michele Alexander (2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.) aponta que o racismo é a principal arma de dominação da política de guerra às drogas. Tal política instituiu uma nova ordem de segregação, não de forma explícita como as leis de Jim Crow, mas que, de maneira cíclica, coloca negros(as) na condição de incrimináveis e encarcerados pelo delito de tráfico. Sustentamos que a imprecisão da Lei de Drogas brasileira, no que se refere aos critérios para caracterizar usuários ou traficantes, bem como o indicativo para que se considerem as condições pessoais e sociais dos réus, abre espaço para práticas em que os operadores imprimam suas preconcepções e decidam de acordo com suas visões de mundo.

Nesse sentido, as características dos operadores do sistema de justiça criminal e seus discursos, que compuseram os dados qualitativos, nos chamaram a atenção pelo distanciamento em relação à realidade social. Os critérios para a identificação do traficante e a compreensão sobre o que acontece nas periferias, tidas como “áreas de tráfico”, parecem ser mediados pelo que chega ao judiciário, a partir do relato das polícias, e pelo que está consolidado no imaginário social. Nas narrativas, observamos que repressão e punição têm sido a principal estratégia de agir contra o tráfico que, por sinal, nessa perspectiva, acontece nas comunidades periféricas, onde se concentra a maioria da população negra. Situações de traficância ou representações desse delito entre as classes altas ou bairros de alto status não aparecem nos relatos. Assim, a análise dos dados qualitativos reforça o argumento da criminalização da pobreza, no qual destacamos, está inserido um referente de classificação racial (Sinhoretto et al., 2020SINHORETTO, Jacqueline et al. (2020), “Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime”. Relatório de Pesquisa do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, p. 379.; Silveira e Tomas, 2019SILVEIRA, Leonardo Souza & TOMAS, Maria Carolina. (2019), “Fluidez racial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: características individuais e contexto local na construção da raça”. Revista Brasileira de Estudos de População, 36: 1-22.).

A presente pesquisa vem somar esforços para a consideração da raça e das relações raciais como chaves analíticas dos estudos sobre crime, justiça e segurança pública, para além de configurarem mero atributo daqueles que são alvo das agências de controle. Buscamos considerar as estruturas, os processos sociais, nos quais inserem as representações e configurações históricas, que influenciam na realidade que temos hoje: uma maioria de negros(as) encarcerados(as). Com este trabalho, nosso interesse foi de contribuir e nos juntar ao importante - mas incipiente - campo de estudos que investiga o sistema de justiça criminal (e lhe vislumbra a necessidade de reforma), a partir do reconhecimento do racismo em nossa sociedade. Entendemos que esta é uma reflexão necessária para uma sociedade que se pretende efetivamente justa e democrática.

Referências Bibliográficas

  • ADORNO, Sérgio. (1995), “Discriminação racial e justiça”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 43: 45-63, jul.
  • ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.
  • ALMEIDA, Sílvio. (2018), O que é racismo estrutural. Belo Horizonte, Letramento.
  • ALVAREZ, Marcos César. (2002), “A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais”. Dados, 45: 677-704, mar.
  • ALVES, Enedina do Amparo. (2015), Rés negras, judiciário branco: uma análise da interseccionalidade de gênero, raça e classe na produção da punição em uma prisão paulistana. São Paulo, 173 p., dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
  • ANUNCIAÇÃO, Diana et al. (2020), “‘Mão na cabeça!’: abordagem policial, racismo e violência estrutural entre jovens negros de três capitais do Nordeste”. Saúde e Sociedade, 29, mar.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de & SINHORETTO, Jacqueline. (2017), “O sistema de justiça criminal na perspectiva da antropologia e da sociologia”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 84: 188-215, jul.
  • BATISTA, Vera Malaguti. (2003), Difíceis ganhos fáceis. Rio de Janeiro, Revan.
  • BOITEUX, Luciana. (2015), “Brasil: reflexões críticas sobre uma política de drogas repressiva”. Revista Sur, 12 (21), ago.
  • BORGES, Juliana. (2018), O que é: Encarceramento em massa? Belo Horizonte, Letramento.
  • CAMPOS, Luiz Augusto. (2017), “Racismo em três dimensões: Uma abordagem realista-crítica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32 (95): 1-19.
  • CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2015), Pela metade: as principais implicações da nova lei de drogas no sistema de justiça criminal em São Paulo. São Paulo, 313 p., tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
  • CAMPOS, Marcelo da Silveira & ALVAREZ, Marcos César. (2017), “Pela metade: Implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo”. Tempo Social, 29 (2): 45-74.
  • COSTA RIBEIRO, Carlos Antônio. (1999), “As práticas judiciais e o significado do processo de julgamento”. Dados, 42 (4): 691-727. https://doi.org/10.1590/S0011-52581999000400003.
    » https://doi.org/10.1590/S0011-52581999000400003.
  • GARLAND, David. (2008), “A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea”. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia Revan. Coleção Pensamento Criminológico, 16.
  • GRILLO, Carolina Christoph; POLICARPO, Frederico & VERISSIMO, Marcos. (2011), “A ‘dura’ e o ‘desenrolo’: efeitos práticos da nova lei de drogas no Rio de Janeiro”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 135-148. https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000300010.
    » https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000300010.
  • HASENBALG, Carlos. ([1979] 2005), Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2 ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro, Editora UFMG/Iuperj.
  • HUGGINS, Martha K. (1987), “US-supported state terror: a history of police training in Latin America”. Crime and Social Justice, 27/28: 149-171.
  • KITSUSE, John I. & CICOUREL, Aaron V. (2017), “A note on the uses of official statistics in Research Design”. Routledge: 53-63.
  • LAGES, Lívia Bastos & RIBEIRO, Ludmila. (2019), “Os determinantes da prisão preventiva na Audiência de Custódia: reforço de estereótipos sociais?”. Revista Direito GV, São Paulo [s.n.], 15.
  • LIMA, Renato Sérgio de. (2004), “Atributos raciais no funcionamento do sistema de justiça criminal paulista.” São Paulo em Perspectiva, 18 (1): 60-65.
  • MOREIRA, Adilson. (2019), Racismo recreativo. São Paulo, Pólen.
  • ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (2020), “Prevenindo e combatendo o perfilamento racial de pessoas afrodescendentes: Boas práticas e desafios”. Departamento de Comunicações Globais e Escritório do Alto Comissariado para Direitos Humanos. Disponível em <https://acnudh.org/load/2020/12/1821669-S-DPI-RacialProfiling_PT.pdf>, consultado em 10 abr. 2023.
    » https://acnudh.org/load/2020/12/1821669-S-DPI-RacialProfiling_PT.pdf
  • OSÓRIO, Rafael Guerreiro. (2013), “A classificação de cor ou raça do IBGE revisitada”. In: PETRUCCELLI, J. L. & SABOIA, A. L. (orgs.). Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro, IBGE, pp. 83-99.
  • PAIXÃO, Antônio Luiz. (1982), “A organização policial numa área metropolitana”. Dados: Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 25 (1): 63-85.
  • PROVINE, Doris Marie. (2011), “Race and inequality in the war on drugs”. Annual Review of Law and Social Science, 7: 41-60.
  • RAMOS, Paulo César. (2015), “Relações raciais e violência: um balanço da produção teórica nacional e internacional dos últimos dez anos”. XVII Congresso Brasileiro de Sociologia, 20 a 23 de julho de 2015, Porto Alegre.
  • RAMOS, Silvia & MUSUMECI, Leonarda. (2005), “Elemento suspeito. Abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro”. Boletim Segurança e Cidadania, 8, nov.
  • RAUPP, Mariana. (2015), “As pesquisas sobre o “sentencing”: disparidade, punição e vocabulários de motivos”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, 2 (2). https://doi.org/10.19092/reed.v2i2.81.
    » https://doi.org/10.19092/reed.v2i2.81.
  • REIS, Dayane Brito. (2002), “A marca de Caim: As características que identificam o ‘suspeito’, segundo relatos de policiais militares”. Caderno CRH, 15 (36).
  • RIBEIRO, Djamila. (2019), Lugar de fala. São Paulo, Jandaíra.
  • SEMER, Marcelo. (2019), Sentenciando tráfico: pânico moral e estado de negação formatando o papel dos juízes no grande encarceramento. São Paulo, 535 p., tese de doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
  • SILVEIRA, Leonardo Souza & TOMAS, Maria Carolina. (2019), “Fluidez racial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: características individuais e contexto local na construção da raça”. Revista Brasileira de Estudos de População, 36: 1-22.
  • SINHORETTO, Jacqueline & Morais, Danilo De Souza. (2018), “Violência e racismo: novas faces de uma afinidade reiterada”. Revista de Estudios Sociales, 64: 15-26.
  • SINHORETTO, Jacqueline et al. (2020), “Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime”. Relatório de Pesquisa do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, p. 379.
  • VALOIS, Luís Carlos. (2016), O direito penal da guerra às drogas. Belo Horizonte, D’Plácido.
  • VARGAS, Joana Domingues & RIBEIRO, Ludmila. (2008), “Estudos de fluxo da justiça criminal: balanço e perspectivas”. Encontro Anual da ANPOCS, 32.
  • 1
    . Este protocolo constitui base jurídica para países europeus que adotam políticas de redução de danos, alternativas ao encarceramento e tratamento para usuários de drogas (Boiteux et al., 2009).
  • 2
    . “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”
  • 3
    . Um mesmo processo pode ter vários acusados, que podem ser considerados indivíduos que participaram igualmente na prática do delito ou sujeitos que apenas ajudaram de forma subsidiária.
  • 4
    . “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas […]” (Ribeiro, 2017, p. 48).
  • 5
    . Gomes (2017) ressalta também a importância da articulação política em torno da identidade racial negra, a qual foi relevante para os preparativos e para a participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o racismo, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2001, na cidade de Durban, onde o Brasil reconheceu internacionalmente a existência do racismo e se comprometeu a adotar medidas para sua reparação e superação. Entre os resultados da Conferência de Durban está o compromisso assumido de implantar políticas de ação afirmativa de cunho racial, com foco na educação e na empregabilidade. E, em 2010, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288 de 20 de julho de 2010), que definiu a população negra como sendo o conjunto das pessoas pretas e pardas.
  • 6
    . A quantidade de drogas apreendidas não será utilizada em nossa análise, porque se trata de unidades de medida de difícil padronização. Problemática também enfatizada pelo Instituto Igarapé (2015).
  • 7
    . Nesse sentido, ver a revisão realizada por Azevedo e Sinhoretto (2017AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de & SINHORETTO, Jacqueline. (2017), “O sistema de justiça criminal na perspectiva da antropologia e da sociologia”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 84: 188-215, jul.).
  • 8
    . Registro de Evento de Defesa Social (REDS) é o nome que o Boletim de Ocorrência integrado das Polícias Militar e Civil recebe em Minas Gerais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2023
  • Aceito
    26 Jun 2023
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br