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O lugar da crítica na teoria dos meios de comunicação de massa de Niklas Luhmann

The place of the critic in Niklas Luhmanns’s massmedia theory

Resumo

Apesar de Niklas Luhmann não ter produzido uma obra com um objetivo crítico, sua teoria sociológica guarda potenciais inexplorados que podem ser utilizados para avançar análises críticas de dimensões sociais variadas (economia, direito, política etc.). Escolhemos, aqui, utilizar esses potenciais para observar as possibilidades de se fazer uma crítica referente à dimensão do sistema dos meios de comunicação de massa. Argumentamos que, nela, a crítica se revela (1) na constatação da arbitrariedade dos valores sociais que os veículos de comunicação constroem e (2) na ignorância da pluralidade comunicativa da modernidade, o que por sua vez (3) permite enxergar a teoria de Luhmann como uma reveladora de absurdos.

Palavras-chave:
Luhmann; Meios de massa; Crítica; Meios de comunicação; Teoria sociológica

Abstract

Although Niklas Luhmann did not produce a work with a critical objective, his sociological theory holds unexplored potential that can be used to advance critical analyzes of various social dimensions (economics, law, politics, etc.). We chose, here, to use these potentials to observe the possibilities of making a critique regarding the dimension of the mass media system. We argue that, in it, criticism reveals itself (1) in the observation of the arbitrariness of the social values that the media construct and (2) in the ignorance of the communicative plurality of modernity, which in turn (3) allows us to see the theory of Luhmann as one that reveals absurdities.

Keywords:
Luhmann; Mass media; Criticism; Media; Sociological theory

Introdução

Niklas Luhmann nunca foi um sociólogo com pretensões de escrever uma teoria crítica, no sentido associado à Escola de Frankfurt: uma teoria que observa a sociedade a partir de valores herdados do iluminismo e do humanismo (igualdade, liberdade, felicidade, racionalidade etc.) e denuncia, a partir desses valores, os problemas sociais, que aparecem como problemas associados à dominação, à perda de liberdade, ao irracionalismo etc. Para Luhmann, esse tipo de descrição do social possui dois sérios problemas: em primeiro lugar, não situa o próprio autor e o lugar de sua perspectiva dentro de sua própria descrição. Se a sociedade está tomada pelo irracionalismo e pela dominação técnica em todas as suas dimensões, de onde, então, o observador está falando? Ele não poderia, por princípio, estar imerso na sociedade, porque significaria estar imerso no irracionalismo. A única alternativa para responder essa pergunta seria considerar que o observador se situa fora da sociedade, algo que para Luhmann é inviável: para ele, só existe comunicação dentro da sociedade e, portanto, toda observação e descrição do social são feitas de dentro da sociedade. Se isso é verdade, então não é possível constatar que a sociedade como um todo está tomada pelo irracionalismo ou pela ideologia industrial do capitalismo, porque o pensamento crítico precisa de um espaço livre desses problemas para que consiga surgir.

Em segundo lugar, para Luhmann, valores considerados humanamente desejáveis não são um bom parâmetro para descrever o social, porque eles estão atrelados a demandas relativas ao sujeito e à consciência, e não à sociedade. A sociedade, para Luhmann, é feita de comunicação, então somente questões referentes à comunicação podem ser mobilizadas se alguém deseja ter uma descrição do social minimamente plausível. Como argumenta Bachur (2009BACHUR, João Paulo. (2009), Distanciamento e crítica: limites e possibilidades da teoria de sistemas de Niklas Luhmann. São Paulo, tese de doutorado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo., pp. 5-6), isso significa, no projeto luhmanniano, tomar os valores do Iluminismo como problema sociológico, significa vencer a pretensão de que uma determinada realidade ontológica possa ser acessada pela simples força da razão subjetiva. Como vemos no argumento luhmanniano, cada observador social, seja ele um sistema ou uma pessoa, faz uma descrição particular do mundo através de seus próprios critérios valorativos.

Não se pode definir o conceito de sociedade por uma de suas possíveis realizações. Se restringirmos o conceito a aspectos particulares da sociedade moderna, torna-se irresistível a tentação de incluir no conceito pressupostos ideológicos ou normativos como a felicidade humana, a solidariedade, a semelhança das condições de vida ou a integração comunitária (Luhmann, 1997LUHMANN, Niklas. (1997), “Globalization or World society: How to conceive of modern society?”. International Review of Sociology, 7 (1): 67-79., p. 70)1 1 . As traduções neste texto são de nossa própria autoria. .

Expressões como “dominação” ou “exploração”, nesse sentido, tornam-se inadequadas para descrever a realidade de uma sociedade moderna funcionalmente diferenciada (Luhmann, 1997LUHMANN, Niklas. (1997), “Globalization or World society: How to conceive of modern society?”. International Review of Sociology, 7 (1): 67-79., p. 70).

Isso não significa, entretanto, que a teoria de Luhmann seja contrária à crítica. Ela se propõe somente a esclarecer os limites da crítica, mas não a fazer uma crítica da crítica. Isto é, Luhmann propõe-se a fazer uma descrição dessas observações tidas como críticas e revelar, dessa maneira, as contingências nas quais elas se apoiam. Tais observações ou atitudes críticas são aquelas que procuram dizer explicitamente o que há de errado com os outros, estabelecendo distinções e julgamentos (Idem, 2000, pp. 99-100). Porém, sendo elas internas à sociedade, também se baseiam em contingências que revelam os limites de seu potencial explicativo (por exemplo, como descrito acima, a pretensão de compreender o social através da categoria da “felicidade” e, com isso, constatar que a sociedade está “infeliz”). No entanto, Luhmann não realiza um movimento no sentido de dizer o que há de errado com essas observações que tentam dizer o que há de errado, porque isso recairia num paradoxo. Fazer uma crítica da crítica só revelaria as contingências em que essa “crítica de segunda ordem” estaria se apoiando. Em vez disso, Luhmann se aproveita dos limites dessas atitudes críticas para desenvolver seu próprio projeto sociológico, que propõe constatar a multiplicidade das observações sobre o social.

Isto não é para silenciar os críticos. Nem estamos propondo uma crítica paradoxal da crítica. Ainda há muito trabalho a ser feito se quisermos descobrir o que está errado - seja com a metafísica ou com o sistema de coleta de lixo público. Tudo o que queremos é levantar a possibilidade de observação de segunda ordem, para que possamos perguntar com que tipos de distinções os críticos trabalham e por que preferem essas distinções a outras (Ibidem, p. 100).

Na verdade, uma série de trabalhos demonstram, de alguma forma, que a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann pode, de algum modo, ser chamada de crítica ou conter um potencial crítico (Bachur, 2009BACHUR, João Paulo. (2009), Distanciamento e crítica: limites e possibilidades da teoria de sistemas de Niklas Luhmann. São Paulo, tese de doutorado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.; Minhoto e Gonçalves, 2015MINHOTO, Laurindo Dias & GONÇALVES, Guilherme Leite. (2015), “Nova ideologia alemã? A teoria social envenenada de Niklas Luhmann”. Tempo Social, 27: 21-43.; Esposito, 2017ESPOSITO, Elena. (2017), “Critique without crisis: Systems theory as a critical sociology”. Thesis Eleven, 143 (1): 18-27.; Moeller, 2017MOELLER, Hans-Georg. (2017), “On second-order observation and genuine pretending: Coming to terms with society”. Thesis Eleven, 143 (1): 28-43.; Torres Júnior, 2014TORRES JUNIOR, Roberto Dutra. (2014), “O problema da desigualdade social na teoria da sociedade de Niklas Luhmann”. Caderno CRH [on-line], 27 (72): 547-561.). Elena Esposito, por exemplo, defende que o potencial crítico em Luhmann localiza-se na revelação das contingências utilizadas pelos sistemas para realizar suas operações. Isso fica evidente em diversos momentos da obra de Luhmann. A título de ilustração, há o argumento do autor sobre a distinção exclusão/inclusão (Luhmann, 1997): a sociedade opera essa distinção de modo paradoxal: por um lado, a semântica moderna prega a inclusão de todos os indivíduos nos diferentes sistemas funcionais; por outro lado, no entanto, muitos acabam sendo excluídos por não atenderem aos critérios exigidos por cada sistema.

Objetivos

A conexão entre teoria dos sistemas e crítica é, portanto, um caminho teórico já traçado e com grande potencial exploratório. Na linha desses argumentos, propomos neste texto uma discussão dos potenciais críticos que a teoria de Luhmann possui no que diz respeito às suas descrições sobre o subsistema dos meios de comunicação de massa (daqui em diante, SSMM). Para realizar essa tarefa, mobilizamos três dos desenvolvimentos entre teoria sistêmica e pensamento luhmanniano apontados acima: o de Elena Esposito, o de Laurindo Minhoto e Guilherme Gonçalves (2015MINHOTO, Laurindo Dias & GONÇALVES, Guilherme Leite. (2015), “Nova ideologia alemã? A teoria social envenenada de Niklas Luhmann”. Tempo Social, 27: 21-43.) e o de Hans-Georg Moeller (2017MOELLER, Hans-Georg. (2017), “On second-order observation and genuine pretending: Coming to terms with society”. Thesis Eleven, 143 (1): 28-43.). Todos eles pensam a relação teoria dos sistemas e crítica tendo em vista a teoria de Luhmann de um modo mais geral. Nosso movimento aqui é o de demonstrar como os argumentos dos autores podem ser mobilizados para pensar aspectos críticos do SSMM em particular.

Não há, até onde sabemos, análises detalhadas que procuram observar na teoria dos meios de massa de Luhmann um potencial crítico. Há desenvolvimentos a respeito de uma “materialidade da comunicação”, realizados por João Paulo Bachur (2009BACHUR, João Paulo. (2009), Distanciamento e crítica: limites e possibilidades da teoria de sistemas de Niklas Luhmann. São Paulo, tese de doutorado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.), e também apontamentos de Ciro Marcondes Filho (2010, p. 120) de que o modelo dos meios de massa de Luhmann não dista muito daquele descrito por Adorno e Horkheimer em Dialética do Esclarecimento. Mas esses trabalhos não aprofundam a relação entre teoria sistêmica e crítica tomando especificamente o SSMM como ponto de referência. A novidade de nosso trabalho, portanto, se dá nesse esforço de aprofundamento da capacidade crítica dentro de um sistema funcional específico.

O sistema dos meios de massa e a sua contingência

Não é novidade alguma que, para Luhmann (1991LUHMANN, Niklas. (1991), Soziale Systeme. Grundriß einer allgemeinen Theorie. Frankfurt, Suhrkamp., p. 42), os sistemas de comunicação são formados a partir de relações contingentes: aquilo que aparece como real e determinado sempre é possível de outro modo. Na comunicação, não há relações “naturais” entre as coisas, mas somente atualizações de possibilidades. Isso já permite à teoria dos sistemas, como argumenta Esposito (2017ESPOSITO, Elena. (2017), “Critique without crisis: Systems theory as a critical sociology”. Thesis Eleven, 143 (1): 18-27.), manter um afastamento com relação àquilo que é tido como “normal”, mas não no sentido de se recusar a enxergar a realidade, e sim no de examinar as observações da sociedade e compará-las com outras observações possíveis. A possibilidade crítica se dá, nesse sentido, na demonstração do outro lado daquilo que é considerado normal, das possibilidades não atualizadas da comunicação.

Mas o que seria o normal e o não normal do subsistema dos meios de massa? Primeiro, é preciso considerar a sua função social. Como Luhmann (1996LUHMANN, Niklas. (1996), Die Realität der Massenmedien, 2, Westdeutscher Verlag, erw. Aufl. Opladen., p. 173) e outros colocam (Schrape, 2016SCHRAPE, Jan-Felix. (2016), “Social media, mass media and the ‘public sphere’. Differentiation, complementarity and co-existence” (October 05, 2016). SOI Discussion Paper. Disponível emhttps://ssrn.com/abstract=2858891, consultado em 18/03/2024.
https://ssrn.com/abstract=2858891...
; Esposito, 2013ESPOSITO, Elena. (2013), “Zwischen Personalisierung und Cloud: Medialität im Web”. In: LORENZ, Engell; FRANK, Hartmann & CHRISTIANE, Voss (orgs.). Körper des Denkens. Neue Positionen der Medienphilosophie. München, Brill Fink, pp. 231-253.), o SSMM possibilita que a sociedade observe a si mesma. Ele produz uma realidade de fundo utilizando informações e conhecimentos gerais, compartilhados coletivamente por toda a sociedade através dos meios de difusão (jornais, TV, rádio, revistas etc.). Informações como escândalos políticos, previsão do tempo, variações de câmbio, resultado de jogos etc. são constantemente produzidas por esses meios de massa e criam para a sociedade um sentido daquilo que é presente, criam uma realidade de fundo a partir da qual as pessoas podem se afastar e fazer comentários, emitir opiniões e também comparar seus gostos e preferências particulares. Em síntese, os meios de massa constroem a realidade daqueles conteúdos que são considerados relevantes.

O ponto chave para o potencial crítico da teoria aqui está no entendimento de que a relevância é um valor construído, e não uma descoberta natural dos meios de massa. Mas isso passa despercebido pela maioria dos observadores (Esposito, 2013ESPOSITO, Elena. (2013), “Zwischen Personalisierung und Cloud: Medialität im Web”. In: LORENZ, Engell; FRANK, Hartmann & CHRISTIANE, Voss (orgs.). Körper des Denkens. Neue Positionen der Medienphilosophie. München, Brill Fink, pp. 231-253.): ao apreender os conteúdos dos meios de massa, geralmente não se contesta se esse ou aquele conteúdo deveria ser transmitido2 2 . Usamos “transmissão” aqui no sentido de difusão, e não para dizer que há uma transferência de informação entre sistemas. . Isso não significa dizer, por certo, que os observadores aceitam aquilo que é transmitido: toda comunicação carrega a possibilidade de sua rejeição (Luhmann, 1991LUHMANN, Niklas. (1991), Soziale Systeme. Grundriß einer allgemeinen Theorie. Frankfurt, Suhrkamp., p. 204). Luhmann não acredita em um destinatário passivo da comunicação, completamente manipulado pelos conglomerados mediáticos. Ao contrário, argumenta que o sentido final de uma comunicação reside no ato de entendimento (Verstehen) da mesma (na sua etapa de “recepção”), ele é selecionado pelo seu destinatário (Ibidem, p. 196). Contudo, há limites para o quanto esse destinatário pode moldar a comunicação. Ele consegue concordar ou discordar daquilo que foi dito, ou mesmo recolocar a mensagem de uma outra maneira. No entanto, o componente material de sentido da mensagem, o seu tema, permanece o mesmo, e uma contribuição de qualquer natureza fomenta a circulação daquele tema na sociedade. Esse aspecto dos meios de massa passa despercebido. Agimos como se aquilo que está sendo transmitido tivesse uma importância fundamental para a sociedade, sem nos darmos conta de que a ilusão da relevância é construída pelo fato de todo mundo estar falando sobre determinado tema, fazendo análises, tomando posições e espalhando-o para mais pessoas. Todos sabem que a escolha de uma contribuição a um tema é contingente, mas ninguém sabe que a própria escolha do tema é contingente.

A teoria de Luhmann, dessa maneira, ilumina a contingência da relevância dos temas difundidos pelo SSMM. Ela mostra os limites de seu código “informativo/não informativo” (Idem, 2005), ao mostrar o que ele exclui de suas considerações. O capítulo 5 de Die Realität der Massenmedien não é simplesmente uma descrição técnica de como funcionam as notícias: cada um dos seletores descritos por Luhmann (conflitos, quantidades, transgressões etc.) mostra a probabilidade de determinado tema ser considerado relevante para ser transmitido. A observação dos seletores nos permite notar, ao mesmo tempo, o que não está sendo considerado, especialmente quando se têm em vista os critérios de outros subsistemas funcionais, também descritos por Luhmann ao longo de diversas obras. Por exemplo, vamos considerar a relação entre os códigos dos sistemas da ciência e dos meios de massa: o primeiro é “verdadeiro/falso” e o segundo é “informativo/não informativo”. Observando essas duas distinções como pertencentes a dois sistemas distintos, a teoria já ascende a um nível acima do senso comum, ao não atrelar o valor “verdade” ao valor “informativo”, nos dando pistas de que o SSMM só se interessa pelo verdadeiro de uma forma muito particular, quando ele permite ser mobilizado como valor complementar a algum dos seletores de notícias (por exemplo, quando uma notícia traz os fatos envolvendo algum escândalo de corrupção), mesmo que as organizações mediáticas não cansem de enfatizar que se comprometem acima de tudo com a verdade. Por exemplo, um dos critérios de seleção do SSMM abordado por Luhmann é a constante produção de news (no sentido de novidades) padronizadas, eventos que acontecem com certa frequência, mesmo que sua ocorrência cotidiana seja rara. Assim, por exemplo, notícias de quedas de avião, terremotos, ou de um menino pobre de escola pública que trabalha catorze horas por dia e passou em medicina na universidade pública são constantemente noticiadas. Elas não são, por certo, mentirosas, mas envolvem eventos fragmentários que não refletem uma tendência social mais ampla. Fossem esses mesmos eventos tratados pela ciência, veríamos que aviões são o meio de transporte mais seguro do mundo, que terremotos violentos são raros e que a grande maioria de meninos de escola pública não ingressam no curso de medicina. Nesses exemplos, a verdade se concretiza através da estatística, e o informativo através do fato isolado.

Em síntese, a teoria de Luhmann sobre os meios de massa tem potencial crítico ao permitir a consideração dos aspectos não ditos e excluídos da comunicação. Ela denuncia a normalidade do valor “informativo” e “relevante” propagado pelo sistema, chamando a atenção para a possibilidade concreta de outras formas de se construir o presente.

A contradição da pluralidade comunicativa

Laurindo Minhoto e Guilherme Gonçalves (2015MINHOTO, Laurindo Dias & GONÇALVES, Guilherme Leite. (2015), “Nova ideologia alemã? A teoria social envenenada de Niklas Luhmann”. Tempo Social, 27: 21-43.), em um excelente artigo, mostraram que a teoria de Luhmann pode ser usada como uma espécie de mapa normativo para observar a modernidade. Quando descreve a modernidade como um horizonte comunicativo e funcionalmente diferenciado, Luhmann tem em mente uma estrutura de expectativas orientada por uma semântica específica. Por exemplo, as pessoas esperam um tratamento igual diante da lei, porque com a queda de uma sociedade estamental foi introduzida uma semântica universalista que garante o princípio de igual acesso à justiça entre os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza (Luhmann, 1998, p. 613). Porém, sabe-se que na prática as pessoas com dinheiro acabam ganhando mais processos, por conta de terem acesso a advogados melhores, poderem arrastar um litígio por mais tempo etc. Isso não significa, entretanto, que a teoria dos sistemas faça uma descrição da realidade que é meramente falsa. Ela está, na verdade, apontando para o que os autores chamam de “promessa involuntária” (Minhoto e Gonçalves, 2015, pp. 22-23) da modernidade, o seu outro possível que se apresenta como norma. A diferenciação funcional dos sistemas não é uma projeção mental de um outro mundo utópico, ela é simplesmente a descrição da modernidade observada a partir das semânticas que ela mesma implementa. Com isso, a teoria sistêmica cria uma distância não entre a realidade e a utopia, mas entre a realidade sistêmica e semântica e uma realidade que podemos chamar de “efetiva”, por falta de termo mais adequado.

No caso, a realidade efetiva que os autores estão focando é a do neoliberalismo. Ele se concretiza como um negativo da teoria dos sistemas, porque vai de encontro à semântica de diferenciação e de autonomia dos sistemas funcionais. O neoliberalismo impõe a racionalidade do sistema econômico a todas as esferas da vida e, com isso, acaba “colonizando” os outros sistemas, que deveriam manter sua autonomia e não se submeter a um imperativo unilateral. O argumento de Minhoto e Gonçalves pode ser utilizado para falarmos de uma outra situação de imposição unilateral de imperativos sistêmicos, relacionada aos meios de comunicação de massa. De um lado, Luhmann entende que a sociedade moderna não pode ser classificada unilateralmente, uma vez que ela aparece como um horizonte aberto de comunicações produzido por diversos subsistemas. É por essa razão que o projeto teórico do autor visa dar conta de descrever a pluralidade de observações de mundo do ponto de vista dos subsistemas funcionais: o direito, a ciência, a política, a economia etc. reconstroem, cada um a seu modo, a distinção sistema/ambiente e criam seus próprios critérios para observar o social. De outro lado, no entanto, Luhmann inicia sua obra sobre o sistema dos meios de massa dizendo: “Aquilo que sabemos sobre nossa sociedade, ou mesmo sobre o mundo no qual vivemos, o sabemos pelos meios de comunicação” (Luhmann, 2005, p. 15). E também, como apontamos na seção anterior, ele argumenta que a função do SSMM é possibilitar que a sociedade se auto observe (Idem, 1996, p. 173). É esse sistema, portanto, que permite aos outros sistemas o movimento de observar o mundo. A operação de observação, de fato, é uma característica de cada sistema, mas o SSMM fornece o mundo exterior que se está observando. Isso, evidentemente, não no sentido ontológico, de ser um revelador dos fatos e de verdades ocultas, mas no sentido epistêmico de construir uma realidade de fundo para ser observada e comentada (Luhmann, 1996, pp. 120-121). Com isso, o SSMM garante um poder de agenda (McCombs e Shaw, 1972), de definir o que “está aí” para ser observado.

Devemos, contudo, ter cautela com esse argumento: com efeito, cada subsistema funcional produz os seus próprios temas, o SSMM não retira a autonomia de cada observador selecionar seu próprio objeto de observação. É por isso que na ciência, por exemplo, temos objetos de estudo muito específicos. O que está em questão, na realidade, é o quanto esse pluralismo comunicativo da sociedade moderna se torna disponível e acessível para outros observadores. Ou, colocando em termos luhmannianos, o quanto é disponibilizado para se fazer uma observação de segunda ordem. Ao monopolizar o poder de agenda, de ser o único sistema capaz de difundir temas num alcance social para além de um contexto local (Luhmann, 1981LUHMANN, Niklas. (1981), “The improbability of communication”. International Social Science Journal, 33 (1): 122-132.), o SSMM deixa invisível para a sociedade uma série de âmbitos funcionais, enquanto prioriza outros supostamente mais importantes. As construções de realidade do SSMM, dessa maneira, também se afirmam como uma forma de negativo da teoria dos sistemas, porque chamam atenção para o não cumprimento de uma “promessa” de pluralidade na qual cada sistema fornece uma contribuição própria para observar o mundo. Essas contribuições podem até existir, mas o acesso a elas de um modo significativo fica impossibilitado porque a agenda é sempre ocupada por temas ligados a sistemas específicos, particularmente à política, à economia ou ao esporte (basta observar, por exemplo, quais temas sempre ocupam as primeiras páginas dos jornais: raríssimas vezes se trata de algo fora da política ou da economia). Pouco sabemos sobre o que ocorre no dia a dia do direito da sociedade, ou de sua ciência, sua arte ou sua religião, ainda que essas sejam dimensões fundamentais da nossa sociedade. Cria-se uma imagem em que a política e a economia aparecem como os sistemas centrais da modernidade, como se todos os outros fossem subordinados a eles. Se o neoliberalismo aparece como um negativo da diferenciação funcional porque expande sua lógica aos outros sistemas e os coloniza, a construção da realidade do SSMM aparece como um negativo da diferenciação funcional ao criar, para a sociedade inteira, uma imagem ilusória do social na qual os sistemas são governados de forma hierárquica e na qual temas fundamentais (por exemplo, estrutura educacional) são completamente excluídos do escrutínio público. O pluralismo fica restrito somente às observações de primeira ordem, aos especialistas e participantes de cada sistema funcional. Quando se trata do mundo social mais amplo, das observações de segunda ordem que tentam abarcar, tanto quanto possível, a sociedade inteira ou, ao menos, suas dimensões tidas como mais relevantes, quando se trata de conhecimentos generalizados e comuns a todos (Esposito, 2013ESPOSITO, Elena. (2013), “Zwischen Personalisierung und Cloud: Medialität im Web”. In: LORENZ, Engell; FRANK, Hartmann & CHRISTIANE, Voss (orgs.). Körper des Denkens. Neue Positionen der Medienphilosophie. München, Brill Fink, pp. 231-253.), predomina um monopólio cultural dos meios dos massa, que priorizam um punhado de temas específicos. Não sem razão, autores como Garcia Blanco (2003BLANCO, José María García. (2003), “La construcción de la realidad y la realidad de su construcción. Los mass media en la sociología de Niklas Luhmann”. Doxa Comunicación. Revista Interdisciplinar de Estudios de Comunicación y Ciencias Sociales, 1: 149-170.) utilizam a expressão “hegemonia cultural” para descrever a forma de dominação exercida pelo SSMM. A hegemonia cultural se dá pelo fato de os meios de massa serem o único sistema a possuir capacidade de difundir as suas próprias observações e, dessa forma, transformá-las em uma questão relevante. Cultura (Kultur), para Luhmann (1991, p. 224), é uma espécie de provisão semântica situada entre a linguagem e interações comunicativas. Temas, assuntos e pautas que circulam na sociedade não são elementos que se encontram embutidos na linguagem, mas também não surgem de forma espontânea a partir de encontros comunicativos. É a cultura que fornece os temas e as suas contribuições. Nesse sentido, quando se fala em uma hegemonia cultural dos meios de massa, está se chamando atenção para o fato de que eles atuam como provedores temáticos sobre tópicos de ordem generalizada. O poder de agenda e a hegemonia cultural dos meios de massa são duas expressões que apontam para um mesmo fenômeno.

A revelação do absurdo

A teoria de Luhmann, por fim, pode ser interpretada como uma teoria do absurdo (Moeller, 2017MOELLER, Hans-Georg. (2017), “On second-order observation and genuine pretending: Coming to terms with society”. Thesis Eleven, 143 (1): 28-43.), no sentido de causar um choque ao se recusar a basear sua descrição sociológica em valores humanos considerados fundamentais. Em seu texto sobre sociedade mundial, Luhmann postula:

Temos de aceitar, de uma vez por todas, uma sociedade sem felicidade humana e, claro, sem gosto, sem solidariedade, sem igualdade de condições de vida. Não faz sentido insistir nestas aspirações, revitalizar ou completar a lista renovando nomes antigos como sociedade civil ou comunidade (Luhmann, 1997LUHMANN, Niklas. (1997), “Globalization or World society: How to conceive of modern society?”. International Review of Sociology, 7 (1): 67-79., p. 69).

Moeller faz uma leitura interessante dessa projeção teórica de Luhmann, ao lê-la não como um desencorajamento à crítica, mas justamente o oposto: mesmo que Luhmann não proponha nenhuma saída prática para essa situação derrotista, argumenta Moeller (2017), ele requer que seus leitores reconheçam o absurdo que se apresenta numa sociedade funcionalmente diferenciada, uma sociedade que toma valores como felicidade, justiça, igualdade etc. como aspirações completamente sem sentido e inalcançáveis. De modo paradoxal, então, o movimento de se reconhecer a inutilidade desses valores reafirma a sua significância social. Uma teoria que coloca valores humanos e sociais que consideramos fundamentais como meros problemas de contingência operados pelos subsistemas chama a atenção para a maneira pela qual a sociedade está lidando com essas questões hoje e denuncia seu absurdo. O acesso à educação no Brasil, por exemplo, é uma questão que não tangencia um princípio de igualdade de oportunidades, mas depende muito do acesso ao dinheiro, em vários sentidos: dinheiro para pagar uma boa escola, dinheiro para que a criança não precise trabalhar e foque em estudar, dinheiro para se manter em determinado local enquanto estuda etc.

Quais são os absurdos revelados nas descrições de Luhmann sobre o SSMM? Em primeiro lugar, o autor denuncia a contingência valorativa do “informativo”, do “relevante”, do “importante”, mostrando que os temas que estão em circulação na sociedade (mesmo considerando aqui somente assuntos tidos como “sérios”, desconsiderando entretenimento) não se encontram nesse estado de coisas porque as pessoas, de algum modo, os julgam cruciais para pensar o social. O “informativo” é simplesmente imposto como tal, e essa mentira inicial consegue se transformar em realidade porque, como Luhmann diz, não temos outra escolha a não ser utilizar os meios de massa para nos informarmos sobre o mundo e sobre o que as pessoas estão dizendo. A irrelevância do assunto é coberta pelo véu do comentário, que já contém em si a intenção de tornar relevante o tema comentado.

Em segundo lugar, a descrição de Luhmann do SSMM demonstra um absurdo ideológico, no sentido de uma contradição entre as operações do SSMM e o discurso de suas organizações mediáticas. Mais especificamente, revela-se o afastamento que existe entre o valor “verdade”, de um lado, e o que efetivamente se revela como verdade, do outro. Aqui, é importante ressaltar que estamos trabalhando no sentido de uma verdade científica, e não no sentido de uma verdade ontológica. À verdade ontológica, nenhum sistema tem acesso. O afastamento em relação à verdade não é colocado no sentido banal de dizer que todo jornal ou toda revista possui um viés ideológico, por exemplo. Se esse fosse o caso, bastaria ler veículos com perspectivas opostas. Não estamos preocupados em analisar se os conteúdos propagados pelo sistema refletem a pluralidade de opiniões. A contradição acontece num nível mais amplo, no da própria seleção de temas. O que a operação dos meios de massa revela é uma completa indiferença pela existência de outras observações do social não atreladas à política ou à economia, uma negação ou alienação da pluralidade tão defendida pelas organizações jornalísticas. Essa pluralidade de perspectivas, por sua vez, só se torna visível devido às operações do sistema da ciência, no qual a teoria dos sistemas está inserida: Luhmann, falando de uma posição interna à sociedade, constata que a modernidade está diferenciada funcionalmente em uma série de relações sistema/ambiente, cada uma contendo suas observações específicas do social. Isso é uma constatação científica. Porém, o SSMM ignora-a completamente, o que significa dizer que ele ignora largamente o valor da verdade, já que este é perseguido de forma central pela ciência3 3 . Não queremos, com isso, tomar uma posição pedante e dizer que quem não lê Luhmann é anticientífico. Longe disso. Na realidade, a diferenciação/divisão da sociedade em diversas esferas não é um diagnóstico próprio a Luhmann, mas se encontra em outros autores como Weber, Parsons e Bourdieu, cada um com a sua formulação própria. Há também autores como Ulrich Beck, que procuram descentralizar o papel da política nas transformações da modernidade avançada. No entanto, seja qual for a tradição de pensamento, nenhuma delas aparenta servir como input para as construções da realidade do SSMM. . O que ele afirma como “verdade” é algo vazio e fragmentário, sendo reduzido a uma ocorrência isolada de um evento. Graças à teoria dos sistemas, mediante a comparação entre as construções de realidade da ciência e dos meios de massa, podemos observar como as segundas não somente não levam em conta a verdade, mas a utilizam ideologicamente como valor para aumentar a confiança das pessoas em suas operações (Palmieri, 2020PALMIERI, Emerson. (2020), “The media and the social order in Niklas Luhmann”. World Complexity Science Academy, 1, issue 2.).

Conclusão

A teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann possui um potencial crítico ainda pouco explorado. Neste artigo, demonstramos como algumas formulações desse potencial podem ser mobilizadas para se pensar um sistema funcional em específico, o subsistema dos meios de comunicação de massa. Em um primeiro momento, mostramos como a teoria revela as contingências do componente valorativo que se apresenta como central para os meios de massa, que é a característica de um conteúdo “informativo” ou “relevante”. Esses valores não são pensados de acordo com algum princípio ético ou moral subjacente, mas selecionados através de uma série de critérios que possuem, como objetivo final, atrair a atenção das pessoas (“gerar engajamento”, como diríamos hoje). Eles excluem diversos outros critérios possíveis para fazer valer o seu próprio. Em um segundo momento, apontamos como a teoria dos sistemas, ao descrever uma sociedade pluralizada, na qual vários sistemas funcionais constroem sua observação de mundo, permite captar no SSMM, que teoricamente é responsável por propiciar a observação de todos os sistemas sociais, uma ausência de realização dessa pluralidade e dessa função, na medida em que o sistema privilegia temas atrelados às dimensões políticas e econômicas da sociedade e ignora as demais. Isso produz para os observadores sociais a impressão de que a sociedade moderna é hierarquizada, governada de cima para baixo com os sistemas político e econômico ocupando os papéis centrais, e o resto dos sistemas estando subordinados a eles. Por fim, em um terceiro momento, demonstramos como essas duas interpretações do SSMM podem ser encaradas como revelações de fenômenos absurdos: no primeiro caso, porque o “informativo” é simplesmente um valor imposto de forma unilateral e, no segundo, porque as operações do SSMM mostram uma contradição ideológica entre a construção da realidade dos meios de massa e seu discurso de valorização da verdade.

Referências Bibliográficas

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  • 1
    . As traduções neste texto são de nossa própria autoria.
  • 2
    . Usamos “transmissão” aqui no sentido de difusão, e não para dizer que há uma transferência de informação entre sistemas.
  • 3
    . Não queremos, com isso, tomar uma posição pedante e dizer que quem não lê Luhmann é anticientífico. Longe disso. Na realidade, a diferenciação/divisão da sociedade em diversas esferas não é um diagnóstico próprio a Luhmann, mas se encontra em outros autores como Weber, Parsons e Bourdieu, cada um com a sua formulação própria. Há também autores como Ulrich Beck, que procuram descentralizar o papel da política nas transformações da modernidade avançada. No entanto, seja qual for a tradição de pensamento, nenhuma delas aparenta servir como input para as construções da realidade do SSMM.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2024
  • Aceito
    21 Jun 2024
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