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Espiritualidade dos familiares de pacientes internados em unidade de terapia intensiva

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o coping religioso/espiritual (CRE) dos familiares de pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva de duas instituições hospitalares. MÉTODOS: Estudo descritivo quantitativo. Os dados foram coletados de 45 familiares (80% do sexo feminino e 20% do sexo masculino com idade média de 37,5 anos) por meio de um questionário de caracterização da amostra e da Escala CRE. RESULTADOS: O valor do CRE total obtido foi de 3,4 mostrando que os familiares participantes fizeram uso médio de estratégias de CRE. Em relação ao valor da razão CRE negativo/CRE positivo, o valor médio encontrado foi 0,7, demonstrando que as estratégias de CRE positivas foram mais utilizadas. CONCLUSÃO: Os familiares utilizam estratégias de CRE positivas mais do que negativas durante o processo de hospitalização de um familiar em UTI, todos eles acreditam em Deus e a maioria crê que a espiritualidade tem ajudado a enfrentar o estresse da hospitalização.

Enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Cuidados de enfermagem; Espiritualidade; Estresse psicológico


OBJECTIVE: To assess spiritual/religious coping of relatives of patients hospitalized in the Intensive Care Unit of two hospitals. METHODS: Quantitative descriptive study. Data were collected from 45 family members (80% female and 20% male, mean age 37.5 years) using a questionnaire for sample characterization and SRCOPE scale. RESULTS: The value of total SRCOPE scale obtained was 3.4 showing that the family participants mean made use of SRC strategies. Regarding the value of the ratio negative SRC/positive SRC, the mean value was 0.7, demonstrating that the positive SRC strategies were used more often. CONCLUSION: Family members use positive SRC strategies more than negative during the hospitalization of a family member in the ICU, they all believe in God and most believe that spirituality has helped them to cope with the stress of hospitalization.

Nursing; Nursing research; Nursing care; Spirituality; Stress, psychological


ARTIGO ORIGINAL

Espiritualidade dos familiares de pacientes internados em unidade de terapia intensiva

Letícia Preti SchlederI; Lucineia Stach ParejoII; Ana Cláudia PugginaI; Maria Júlia Paes da SilvaIII

IFaculdade de Medicina de Jundiaí, Jundiaí, SP, Brasil

IIInstituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil

IIIUniversidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Letícia Preti Schleder Rua Duarte da Costa, 52 Vila Rafael de Oliveira CEP 13201-094 Jundiaí, SP, Brasil ticiapreti@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o coping religioso/espiritual (CRE) dos familiares de pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva de duas instituições hospitalares.

MÉTODOS: Estudo descritivo quantitativo. Os dados foram coletados de 45 familiares (80% do sexo feminino e 20% do sexo masculino com idade média de 37,5 anos) por meio de um questionário de caracterização da amostra e da Escala CRE.

RESULTADOS: O valor do CRE total obtido foi de 3,4 mostrando que os familiares participantes fizeram uso médio de estratégias de CRE. Em relação ao valor da razão CRE negativo/CRE positivo, o valor médio encontrado foi 0,7, demonstrando que as estratégias de CRE positivas foram mais utilizadas.

CONCLUSÃO: Os familiares utilizam estratégias de CRE positivas mais do que negativas durante o processo de hospitalização de um familiar em UTI, todos eles acreditam em Deus e a maioria crê que a espiritualidade tem ajudado a enfrentar o estresse da hospitalização.

Descritores: Enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Cuidados de enfermagem; Espiritualidade; Estresse psicológico

Introdução

O termo espiritualidade deriva do latim spiritus que significa "a parte essencial da pessoa que controla a mente e o corpo", tudo aquilo que traz significado e propósito para à vida das pessoas.(1) Portanto, espiritualidade refere-se a uma questão de natureza pessoal: resposta a aspectos fundamentais da vida, relacionamento com o sagrado ou com o transcendente e pode (ou não) levar ao desenvolvimento de rituais religiosos e à formação de comunidades.(2)

Religião é uma crença no sobrenatural ou em uma força divina que tem poder sobre o universo e comanda a adoração e a obediência por intermédio de um código abrangente de ética e filosofia.(3) É um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos designados para facilitar o acesso ao sagrado, ao transcendente (Deus, Força Maior, Verdade Suprema). Envolve o quanto um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião. Pode ser organizacional (participação na igreja ou templo religioso) ou não organizacional (rezar, ler livros, assistir a programas religiosos na televisão).(4)

Espiritualidade tem um conceito mais amplo que a religião. Uma pessoa não precisa pertencer a uma religião organizada para alcançar a espiritualidade,(3) pois refere-se às questões de significado de sua própria vida e da razão de viver, independente de crenças e práticas religiosas.(5)

A espiritualidade pode ser um aspecto importante para quem vivencia uma doença grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou está próximo da morte, visto que auxilia no enfrentamento e na aceitação da dor e do sofrimento, ao imprimir algum significado a eles. Um bom relacionamento com Deus ou a crença em um poder superior permite ao doente e sua família o entendimento e a aceitação do sofrimento humano, independente da crença religiosa professada.(6,7)

Religião e espiritualidade podem estar presentes no momento de uma situação de hospitalização em uma UTI em razão do medo do desconhecido e do desfecho. Os mecanismos utilizados no enfrentamento podem se manifestar por meio de gestos, palavras ou acessórios religiosos, tais como: o terço e a bíblia. No entanto, surgem dúvidas quanto ao aspecto positivo ou negativo utilizado nesse processo, ou seja, familiares usam a religião/espiritualidade como forma de apoio ou a culpa pelo que está acontecendo?

O processo de enfrentamento ou coping pode ser descrito como um processo situacional, um conjunto de estratégias utilizadas por pessoas para se adaptarem a circunstâncias adversas ou estressantes. A resposta ao estresse é qualquer resposta envolvendo uma reação emocional ou comportamental espontânea. O objetivo do coping constitui-se na intenção de uma resposta, geralmente, orientada para a redução do estresse.(8)

O coping religioso/espiritual (CRE) é definido como sendo o uso de crenças e comportamentos religiosos que buscam facilitar a solução de problemas, prevenir ou aliviar as consequências emocionais negativas.(9) Quatro pressupostos sustentam esse conceito: existência de ameaça, dano ou desafio; avaliação que a pessoa faz da situação; recursos disponíveis para lidar com o estresse e responsabilidade ao lidar com determinada experiência.(10)

A qualidade de vida dos indivíduos é afetada diretamente pelo coping religioso espiritual de modo positivo (CREP) ou negativo (CREN).(11) Quando abrange estratégias que proporcionem efeito benéfico e positivo ao praticante, pode envolver uma expressão de espiritualidade, segurança no relacionamento com Deus e conexão espiritual com outros e, consequentemente, resultar em melhor qualidade de vida. Ao passo que o CREN reflete em estratégias que geram consequências prejudiciais ao individuo, como por exemplo, questionar a existência, amor ou atos de Deus, delegar a Deus a resolução dos problemas, sentir insatisfação ou descontentamento em relação a Deus ou frequentadores e membros de instituição religiosa, redefinir o estressor como punição divina ou forças do mal, trazendo como consequência índices mais baixos de qualidade de vida.(12,13)

Na busca por respostas, está a aplicabilidade desta pesquisa, pois seria importante que o enfermeiro conseguisse identificar o tipo de coping utilizado pelos familiares de pacientes de UTI para então iniciar o planejamento de sua assistência, (re)pensar a assistência de uma forma ampliada, buscando incluir a espiritualidade, como elemento inerente ao tratamento e inserindo os familiares nesse contexto. Dar assistência espiritual pode ser algo complexo, portanto, apenas identificar as necessidades espirituais e encaminhar aos líderes religiosos presentes nos hospitais pode ser um primeiro passo à assistência individualizada e humanizada desses familiares.

Reconhecer a fé e a dimensão espiritual no processo de recuperação e enfrentamento da doença formarão um novo paradigma social e cultural na assistência de enfermagem.(14) O objetivo deste estudo foi avaliar o coping religioso/espiritual dos familiares de pacientes internados em duas unidades de terapia intensiva.

Métodos

Estudo descritivo desenvolvido em duas instituições: Hospital de Caridade São Vicente de Paulo (HCSVP), uma instituição pública localizada no município de Jundiaí e Hospital SEPACO (Serviço Social da Indústria do Papel, Papelão e Cortiça do Estado de São Paulo), uma instituição privada situada na capital.

No total, 45 familiares participaram da pesquisa e foram selecionados por amostragem não-probabilística e de conveniência.

Os critérios de inclusão foram: familiares com parentesco em primeiro ou segundo grau dos pacientes internados na UTI; adultos com idade igual ou maior que 18 anos e menor ou igual a 65 anos; estar presente no horário da visita no momento da coleta de dados e familiares de pacientes entre o quinto e 30° dia de internação, ou seja, no momento crítico de estresse e mudança. Esse período foi escolhido, porque no início da hospitalização há ansiedade e o mecanismo de coping pode ainda não estar acionado e após esse período pode haver adaptação do indivíduo.

Há três fases descritas na manifestação do estresse: reação aguda ou de alarme, que é desencadeada sempre que nosso cérebro, independente de nossa vontade, interpreta alguma situação como ameaçadora; fase de resistência que acontece quando a tensão acumula-se e há flutuações no modo habitual de ser do indivíduo e fase de exaustão em que há uma queda acentuada dos mecanismos de defesa do indivíduo. Depois disso, pode haver um período de adaptação a nova situação.(15)

O critério de exclusão adotado foi familiares idosos com idade igual ou maior do que 65 anos por causa da possibilidade de dificuldade cognitiva para responder às questões do estudo.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto e setembro de 2010 e o estudo atendeu às normas éticas nacionais e internacionais. Os dados foram coletados pelas autoras durante a visita hospitalar e, ao término da mesma respondiam a Escala de Coping Religioso/Espiritual (Escala CRE).

Primeiramente, foi aplicado um questionário de dados demográficos, socioeconômicos, religiosos e de saúde com 23 questões que foi desenvolvido e testado na primeira fase do estudo de validação da Escala CRE a fim de caracterizar a população a ser estudada. A seguir, foi aplicada a Escala de Coping Religioso/Espiritual (Escala CRE) adaptada e validada no Brasil com excelente índice de consistência interna (0,97) da escala norte-americana Religious Coping (RCOPE).(10,13)

A Escala de Coping Religioso/Espiritual(10) compreende as estratégias de CRE, divididas em estratégias positivas (CREP) com 66 itens agrupados em oito fatores positivos e estratégias negativas (CREN) com 21 itens agrupadas em quatro fatores negativos, perfazendo um total de 87 questões. As respostas variam em cinco intervalos do tipo Likert, (1) "nem um pouco", (2) "um pouco", (3) "mais ou menos", (4) "bastante" e (5) "muitíssimo" e quanto mais alto o valor numérico, maior o uso de coping religioso/espiritual. O uso de CRE pode ser avaliado pelos níveis dos escores da escala assim classificados: "nenhum ou irrisório": 1,00 a 1,50; "baixo": 1,51 a 2,50; "médio": 2,51 a 3,50; "alto": 3,51 a 4,50 e "altíssimo": 4,51 a 5,00.

Para alcançar o objetivo, substituiu-se na escala a frase "neste momento, pense na situação de maior estresse que você viveu nos últimos três anos", por "neste momento, pense no estresse que está vivenciando nessa situação de internação de um familiar em Unidade de Terapia Intensiva". Esta substituição foi necessária para que o familiar focalizasse a situação vivenciada referente a ter um familiar internado na UTI e os mecanismos de coping religioso/espiritual envolvidos neste processo.

Após a coleta, os dados foram armazenados em uma planilha eletrônica (Excel®) e foi realizada análise estatística descritiva (média, mediana, desvio-padrão).

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Dentre os 45 familiares, 36(80%) eram do sexo feminino, a média de idade foi de 37,5 anos (±13,7 desvio-padrão), 16(35,6%) possuíam ensino médio completo, 17(37,8%) declararam renda mensal de até cinco salários mínimos e 21(46,7%) eram casados.

Todos acreditavam em Deus (n=45; 100%), a maioria sempre acreditou (n=41; 91,1%), era da religião católica (n=29; 64,4%) e nunca mudou de religião (n=36; 80%).

Quanto à importância e frequência da religião na vida do indivíduo, 19(42,2%) dos familiares julgaram que a religião é importante para lidar com o estresse, 31(68,9%) declararam a religião muito importante em suas vidas no geral, 11(24,4%) frequentam encontros religiosos uma vez por semana e 14 (31,1%) declararam se dedicar a atividades religiosas privativas mais de uma vez ao dia.

A maioria dos familiares (n=25, 55,6%) acredita que a religião/espiritualidade tem ajudado muito no manejo para enfrentar o estresse, 20(44,4%) relataram que identificam em si crescimento espiritual, 20(44,4%) referiram ter crescido muito junto a Deus e 14(31,1%) afirmaram estar crescendo junto à instituição religiosa.

Os escores e domínios em relação ao coping religioso/espiritual foram calculados conforme o método proposto pelo estudo de validação brasileira da Escala CRE (Tabela 1).(10)

O CRE total desta pesquisa teve uma média de 3,4 (±0,3 desvio-padrão) mostrando que os familiares participantes fizeram uso médio de estratégias gerais de CRE.

Na dimensão CREP, o valor médio encontrado nas respostas foi de 2,7 (±0,8 desvio-padrão), ou seja, uso médio de estratégias de CREP e a dimensão CREN encontrada foi de 1,9 (±0,6 desvio-padrão), uso baixo de estratégias de CREN. O valor da razão CREN/CREP foi de 0,7 (±0,2 desvio-padrão) e por apresentar um valor baixo, considera-se que os familiares desta pesquisa fizeram maior uso de estratégias de CRE positivas do que negativas.

Entre as médias alcançadas pelos fatores de CRE positivo, as dimensões que apresentaram maiores valores médios foram o fator (P4) "Posicionamento positivo frente a Deus" (3,5 ±0,6 desvio-padrão), o fator (P8) "Afastamento por meio de Deus, da religião e/ou espiritualidade" (3,2 ±1,0 desvio-padrão) e o fator (P1) "Transformação de si e/ou de sua vida" (3,0 ±1,0 desvio-padrão), respectivamente.

O fator P4 "Posicionamento positivo frente a Deus" é descrito como todo comportamento de CRE que expõe um posicionamento pessoal frente a Deus em relação à situação, bem como, estabelece limites religiosos e busca o apoio em Deus. O fator P8 "Afastamento por meio de Deus, da religião e/ou espiritualidade" indica uma mudança de perspectiva pessoal em relação à situação, na qual a pessoa afasta-se do problema aproximando-se de Deus e/ou das questões religiosas/espirituais. O fator P1 "Transformação de si e/ou de sua vida" relaciona-se a todo comportamento de CRE que traz como consequência uma transformação pessoal, seja ela uma modificação interna da própria pessoa que o pratica e/ou uma modificação externa em sua vida.(10)

Em relação às médias alcançadas pelos fatores de CREN, a dimensão que apresentou maior valor médio foi o (N2) "Posicionamento negativo frente a Deus" (2,7 ±0,9 desvio-padrão). Esse fator descreve todo comportamento de CRE no qual a pessoa pede ou simplesmente espera que Deus tome o controle da situação e responsabilize-se por resolvê-la, sem sua participação individual.(10)

Discussão

A Escala CRE não foi elaborada para análise do coping religioso/espiritual de uma situação específica, essa é uma limitação importante do estudo. Ter um familiar internado em uma Unidade de Terapia Intensiva pode ser vivenciado de várias maneiras e com diferentes perspectivas, além disso, a gravidade do paciente internado pode influenciar no resultado.

No entanto, os resultados deste estudo sugerem inferências significativas que podem auxiliar o enfermeiro na assistência dessa questão tão importante para o cuidado do paciente e de sua família: a espiritualidade. Os familiares utilizam mais estratégias de CRE positivas do que negativas durante o processo de hospitalização de um ente querido em uma UTI, buscando apoio na espiritualidade, afastando-se do problema, aproximando-se de Deus e alcançando a transformação pessoal por meio da experiência vivida. Portanto, pode-se considerar que a espiritualidade nesta situação clínica produz efeito benéfico e positivo ao praticante e, consequentemente, pode resultar em melhor qualidade de vida e bem-estar dos familiares.

A hospitalização de um ente querido pode gerar uma situação de estresse extremo e profundo nos familiares e seria interessante que o enfermeiro conseguisse identificar essa necessidade de cuidado. Apesar da crescente importância do tema espiritualidade em saúde, de ter aumentado o número de estudos em relação à espiritualidade e de dois diagnósticos de enfermagem nessa área estarem contidos na North American Nursing Diagnosis Association,(16) "Religiosidade Prejudicada" e "Sofrimento Espiritual", infelizmente, na prática clínica os pacientes e os familiares em relação à religiosidade e espiritualidade ainda são pouco assistidos.

Os fatores que apresentaram maiores valores médios neste estudo referem-se à busca do apoio em Deus, afasta-se do problema aproximando-se de Deus, transformação pessoal e espera que Deus controle e resolva a situação. Fatores que demonstram que o indivíduo busca uma solução divina e não necessariamente racional nesta situação de adoecimento de um familiar. A transformação pessoal pode representar uma busca de maior intimidade com Deus e reconhecimento da importância da espiritualidade na vida do indivíduo para suportar e aceitar os desfechos possíveis. Questões estas que surgem quando o indivíduo se depara com o risco iminente de morte de um ente querido, para o qual dificilmente estaremos prontamente preparados.

Estudos(11,14,17) foram realizados para avaliar o coping religioso/espiritual em diferentes situações clínicas e de adoecimento. O CRE foi estudado em homens portadores de HIV/Aids pertencentes às religiões católica (n=50) e evangélica (n=30).(11) A Escala de CRE-Breve foi aplicada, e as principais estratégias de coping apresentadas pelos sujeitos foram analisadas e comparadas entre os grupos de católicos e evangélicos. O índice de CRE total foi de 3,67 entre os católicos e 3,64 entre os evangélicos, o que demonstra a utilização concreta de CRE em ambos os grupos. O fator que os católicos e evangélicos mais empregaram foi o de "Posicionamento positivo frente a Deus" (P4). Já o fator negativo mais usado pelos dois grupos foi o de "Posicionamento negativo frente a Deus" (N2). Comparando os grupos, as diferenças fatoriais de CREP, "Transformação de si" (P1), "Ações em busca do outro institucional" (P6) e "Busca pessoal de conhecimento espiritual" (P7) foram estatisticamente mais frequentes nos evangélicos. Dentre as estratégias de CREN, os fatores "Posicionamento negativo frente a Deus" (N2) e "Reavaliação negativa do significado" (N3) tiveram diferenças estatisticamente significantes, sendo também mais frequentes nos evangélicos.

O objetivo de outro estudo foi avaliar a associação do CRE na qualidade de vida relacionada à saúde de 55 pacientes em pré-operatório de cirurgia de câncer de cabeça e pescoço.(14) Para isso os autores usaram o Functional Assessment Câncer Therapy-Head and Neck (FACTH&N) e a Escala de CRE. Todos participantes acreditavam em Deus e, em sua maioria, consideravam-se católicos (87,3%). O CRE total foi de 3,61. O valor da razão CREN/CREP foi de 0,6, demonstrando maior uso de estratégias de CRE positivas que negativas. O fator "Posição positiva frente a Deus" (P4) teve a maior média (Média=3,92) dentre os outros fatores de CREP. Considerando as médias dos fatores de CREN, a dimensão que apresentou maior valor médio foi "Posição negativa frente a Deus" (N2) (Média=2,62). Embora seja possível deduzir uma correlação entre os constructos CRE e QVRS, não foi detectada uma associação entre a Escala de CRE e FACT-H&N. No entanto, encontrou-se diferença estatisticamente significante entre as correlações nos grupos que apresentaram CRE total alto e médio da Escala de CRE e os altos e baixos escores nos domínios do instrumento FACT-H&N, indicando que aquele que apresenta alta utilização do enfrentamento religioso-espiritual apresenta melhores índices nos domínios da qualidade de vida relacionada à saúde.

A Escala de CRE foi aplicada em 30 voluntários (15 do gênero feminino e 15 do masculino) submetidos ao tratamento do câncer.(17) Os padrões de CRE positivos e negativos apresentados por homens e mulheres foram comparados. A análise dos resultados mostrou maior utilização das estratégias de CREP (Média= 3,51) que CREN (Média= 2,17), não houve diferenças estatisticamente significativas entre as médias positivas e negativas em relação ao sexo (p= 0,9 para CREP e p= 0,19 para CREN).

Comparando estas pesquisas descritas(11,14,17) com a pesquisa atual, verificou-se que o uso médio de estratégias de CRE total encontrado nesta investigação difere do alto uso de CRE total encontrado em outras situações: pacientes portadores de HIV/Aids,(11) pacientes em pré-operatório de cirurgia de câncer de cabeça e pescoço(14) e pacientes submetidos ao tratamento de câncer.(17) Nos resultados, essa diferença pode estar relacionada ao período de coleta de dados e ao período necessário para que o mecanismo de coping seja acionado. No entanto, a semelhança é que os sujeitos fazem mais uso de estratégias de CREP, ou seja, utilizam sua fé e a crença em Deus para lidar com uma situação de estresse relacionada à saúde. Além disso, os fatores de CREP e CREN mais empregados foram comuns nesses estudos e neste trabalho: P4 e N2. O resultado encontrado traz à tona um conflito aparente, ao mesmo tempo em que as pessoas buscam positivamente apoio em Deus nessas situações de crise, elas esperam que Deus tome o controle e responsabilize-se por resolver os problemas, sem a participação do indivíduo.

Algumas situações parecem nos remeter mais facilmente às questões espirituais. Câncer e espiritualidade foram estudados também em outros estudos. Estratégias positivas do uso da fé e da espiritualidade demonstraram desempenhar um importante papel no processo de adaptação de 155 mulheres recém-diagnosticadas com câncer de mama após a cirurgia. Sentimentos de punição e abandono por Deus foi um enfrentamento negativo encontrado e responsável pelo aumento no nível de ansiedade. No entanto, a aceitação do sofrimento e o uso da fé diminuíram a ansiedade nessas pacientes.(18)

Em outro estudo, o nível de ansiedade avaliado pelo Inventário de Ansiedade Traço-Estado foi correlacionado com a Scale of Personal Religiousness e o Rotterdam Symptom Checklist em 180 mulheres com câncer de mama.(19) Os resultados obtidos permitiram concluir que: a religiosidade é um fator de coping eficaz para lidar com a ansiedade dos pacientes em fase terminal de câncer de mama; o estágio do câncer é um fator de diferenciação em relação aos níveis de ansiedade revelada nos sujeitos estudados; exacerbação dos sintomas somáticos não influenciou o nível de ansiedade em pacientes terminais de câncer e em doenças sem período.

A questão da dependência química, talvez pela impotência que os dependentes sentem em relação ao vício, também é uma situação em que a espiritualidade pode ser trabalhada. A influência da religiosidade e da espiritualidade foi investigada na recuperação de dez dependentes químicos em abstinência e em processo de recuperação.(20) Os resultados demonstraram que sete entrevistados atribuíram à religiosidade/espiritualidade como principal fator para alcançar e manter-se abstinentes. Além disso, oito entrevistados citaram buscar a religião e desenvolverem a espiritualidade em um momento mais crítico e de maior envolvimento com álcool/outras drogas.

Em uma pesquisa, familiares de pacientes com alterações de consciência internados em UTI gravaram mensagens. A transcrição e análise dessas mensagens evidenciou a categoria "Busca de apoio espiritual para superar as dificuldades"(21). Independente da religião, os familiares demonstraram buscar apoio espiritual nesse momento de incerteza e insegurança. Nas mensagens avaliadas, houve uma forte expressão de religiosidade; palavras como Deus, Jesus e oração estiveram muito presentes em praticamente todos os discursos. Esse apego ao espiritual nessa situação de ter alguém querido internado em uma UTI vem, muitas vezes, relacionado à necessidade de não perder a esperança, as propostas de mudanças, as promessas e à espera de um milagre.

A espiritualidade é parte relevante da vida de muitas pessoas e não pode ser negligenciada no contexto terapêutico, devendo ser explorada mais atentamente pelo profissional de saúde que deve identificar as potencialidades de ajuda da fé (CRE positivo), assim como de prejuízo (CRE negativo).(17)

Os profissionais da área da saúde, com embasamento científico e individualizado, deveriam preocupar-se com a inserção real da assistência espiritual na rotina de cuidados, permitindo que as discussões acadêmicas incrementem a clínica, objetivando o bem-estar daqueles que nesse momento necessitam de cuidado, lembrando que, nesse contexto, a família é parte integrante e importante na recuperação do paciente.

As estratégias de CRE usadas podem revelar alguns sentimentos dos familiares vivenciados nessa situação de estresse e, quando identificados, esses sentimentos revelados podem ser úteis no processo de recuperação do paciente e do não adoecimento do familiar, podendo ser minimizados com a ajuda do enfermeiro, a depressão, a ansiedade e o estresse, sentimentos tão comuns nessas situações de crise.

Conclusão

Os familiares utilizam estratégias de CRE positivas mais do que negativas durante o processo de hospitalização de um familiar em UTI, todos eles acreditam em Deus e a maioria crê que a espiritualidade tem ajudado a enfrentar o estresse da hospitalização.

Colaborações

Schleder LP e Parejo LS participaram da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados. Parejo LS; Puggina AC e Silva MJP colaboraram com a redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Puggina AC e Silva MJP declaram que contribuíram com a aprovação final da versão a ser publicada.

Submetido: 10 de Maio de 2012

Aceito: 21 de Fevereiro de 2013

Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar

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  • Endereço para correspondência:
    Letícia Preti Schleder
    Rua Duarte da Costa, 52 Vila Rafael de Oliveira
    CEP 13201-094 Jundiaí, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Maio 2012
    • Aceito
      21 Fev 2013
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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