Resumo
Objetivo Identificar a prevalência das perturbações músculo-esqueléticas em adolescentes e analisar a sua relação com variáveis sociodemográficas, antropométricas e contextuais.
Métodos Conceptualizou-se um estudo observacional, transversal, descritivo/relacional de cariz quantitativo, que envolveu 632 adolescentes de seis agrupamentos de escolas das zonas centro e norte de Portugal, com média de idades de 13,36 anos. O protocolo de colheita de dados integrava questões de cariz sociodemográfico, antropométrico, contextual e ainda o “Questionário Nórdico Músculo-Esquelético” para avaliar as perturbações músculo-esqueléticas.
Resultados Os dados mostraram que 47,4% dos adolescentes referem perturbação músculo-esqueléticas nos últimos 3 meses, localizando-se estas aos níveis dos ombros (27,8%), região dorsal (25,3%), coxa/anca (26,1%), pescoço (23,4%), zona lombar (22,8%) e joelhos (19,6%). Verificou-se ainda, que as perturbações músculo-esqueléticas são mais prevalentes nos adolescentes do género feminino, naqueles que gastam mais tempo por dia a ver televisão e ainda nos que se deslocam para a escola a pé ou de bicicleta.
Conclusão A prevalência das perturbações músculo-esqueléticas nos adolescentes é elevada, tem origem multicausal, tornando-se imperativa a implementação de intervenções de prevenção e readaptação promotoras de um funcionamento músculo-esquelético otimizado.
Adolescente; Dor músculoesquelética/epidemiologia; Prevalência; Saúde escolar
Resumen
Objetivos Identificar la prevalencia de trastornos musculoesqueléticos en adolescentes y analizar su relación con variables sociodemográficas, antropométricas y contextuales.
Métodos Se conceptualizó un estudio observacional, transversal, descriptivo/relacional de aspecto cuantitativo, que incluyó 632 adolescentes de seis agrupamientos de escuelas de la zona centro y norte de Portugal, con promedio de edad de 13,36 años. El protocolo de recolección de datos incluyó cuestiones de aspecto sociodemográfico, antropométrico, contextual e, inclusive, el “Cuestionario Nórdico Musculoesquelético” para evaluar los trastornos musculoesqueléticos.
Resultados Los datos mostraron que el 47,4% de los adolescentes señalan trastornos musculoesqueléticos en los últimos 3 meses, localizados en el nivel de los hombros (27,8%), región dorsal (25,3%), muslo/cadera (26,1%), cuello (23,4%), zona lumbar (22,8%) y rodillas (19,6%). Además, se verificó que los trastornos musculoesqueléticos tienen mayor prevalencia en adolescentes de género femenino, en los que pasan más tiempo por día viendo televisión y en los que van a la escuela caminando o en bicicleta.
Conclusión La prevalencia de los trastornos musculoesqueléticos en adolescentes es elevada, tiene origen multicausal, por lo que se torna imperativa la implementación de intervenciones de prevención y readaptación que promuevan un funcionamiento musculoesquelético optimizado.
Adolescente; Dolor musculoesquelético/epidemiología; Prevalencia; Salud escolar
Abstract
Objective To identify the prevalence of musculoskeletal disorders in adolescents, and to analyze this prevalence relationship with sociodemographic, anthropometric and contextual variables.
Methods An observational, cross-sectional, descriptive/relational study with quantitative approach was conceptualized, involving 632 adolescents with mean age of 13.36 from six school groups from Central and North Portugal. Data collection protocol included questions of sociodemographic, anthropometric and contextual nature, and also the “Nordic Musculoskeletal Questionnaire” to assess musculoskeletal disorders.
Results Data showed that 47.4% of adolescents mentioned musculoskeletal disorders within the last 3 months, located in the shoulders (27.8%), dorsal region (25.3%), thigh/hips (26.1%), neck (23.4%), lumbar region (22.8%), and knees (19.6%). We found that musculoskeletal disorders are more prevalent in female adolescents, and among those who spend longer time watching television per day, and also those who go to school by foot or bicycle.
Conclusion The prevalence of musculoskeletal disorders in adolescents is high and has multicausal origin, turning imperative the implementation of preventive and readapted actions to promote a better musculoskeletal function.
Adolescent; Musculoskeletal pain/epidemiology; Prevalence; School health
Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS)1 conceptualiza adolescencia como a fase de vida compreendida entre os 10 e 19 anos, tratando-se de um período de transição entre a infância e a idade adulta. Caracteriza-se pelo desenvolvimento físico, mental e emocional, onde são feitos esforços no sentido de serem alcançadas diferentes metas, de acordo com a cultura de cada um. É uma fase de vida que se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida o seu crescimento e personalidade, obtendo progressivamente independência económica e integração no grupo social.2
Trata-se portanto de um periodo marcado por intensas modificações físicas, psíquicas, comportamentais e sociais, constituindo a transição entre a infância e a vida adulta, em que muitas das características ou dos hábitos referentes ao estilo de vida do adulto são adquiridos e/ou consolidados. Também é neste periodo temporal, que o ser humano apresenta aceleração na velocidade de crescimento da estatura e no ganho de peso, o que justifica o aumento das necessidades nutricionais.3
Os estudos biomecânicos do corpo humano têm mostrado, que há comportamentos posturais que causam desequilíbrios no sistema corporal, levando a compensações que podem provocar alterações em suas estruturas e funções. Sabe-se que durante a puberdade, se verifica assimetria no crescimento, uma vez que os ossos crescem mais rapidamente que os músculos e tendões, sendo este facto notório sobretudo a nivel da coluna vertebral. O adolescente leva algum tempo a adaptar-se ao seu novo corpo numa fase em que é frequente a introspeção, sensibilidade e até vergonha do corpo e por isso ser comum uma postura encolhida, que propicia o aparecimento de lesões.4
A perturbação músculo-esquelética (PME) do adolescente concetualiza-se como presença de mau estar, dor ou desconforto.5 Trata-se de uma entidade nosológica que afeta músculos, nervos, discos intervertebrais, articulações, cartilagens, tendões e ligamentos, manifestando-se de forma pontual, sistemática ou crónica. A sua etiologia pode ser genética ou adquirida, porém condiciona de forma mais ou menos significativa as tarefas de vida diária e a qualidade de vida dos individuos.6
Estudos epidemiológicos realizados em adolescentes, sugerem que a prevalência e a incidência têm aumentado substancialmente nos últimos anos, incluindo Portugal, podendo mesmo evoluir para situações de cronicidade que acompanham a vida adulta.7 Dos múltiplos estudos levados a cabo pelos diferentes investigadores tem emergido o consenso de que as PME não podem ser apenas explicados por factores físicos, mas sim por factores sociais, psicológicos, ambientais e comportamentais que precipitam as manifestações deste problema.2,3,8,9
Assim, face à complexidade descrita e á dimensão crescente do problema, investigar a prevalência destas perturbações na infância e adolescência, reconhecer os fatores que contribuem para o seu aparecimento e avaliar o impacto de medidas de promoção da qualidade de vida, constituem hoje um grande desafio não só para os profissionais de saúde, mas para a população em geral. De facto, o impacto negativo que estas perturbações causam não só nesta fase de vida mas também na vida adulta, constituem hoje em dia um verdadeiro problema de saúde pública.5,8
Emerge assim a necessidade de melhorar as estratégias de prevenção individuais, biomecânicas, organizacionais e psicossociais instituídas na prevenção de PME, onde a intervenção dos profissionais de saúde, em articulação com equipas muldisciplinares, deve ser potencialmente promovida e implementada.
Considerando os pressupostos descritos e a dimensão do problema, desenvolvemos esta pesquisa com o objetivo de identificar perturbações músculo-esqueléticas em adolescentes e determinar relações existentes, entre as PME e variáveis de carácter sociodemográfico, antropométrico e contextual.
Métodos
Conceptualizou-se um estudo observacional, transversal, descritivo/relacional de cariz quantitativo. A amostra utilizada é do tipo não probabilístico por conveniência, constituída por 632 adolescentes de seis Agrupamentos de Escolas das zonas centro e norte de Portugal. A elegibilidade dos participantes emergiu dos seguintes critérios de inclusão: adolescentes com idades compreendidas entre os 10 e 19 anos de idade, a frequentar níveis de ensino entre o 5.º e o 12.º ano de escolaridade. Constituiram fatores de exclusão, os adolescentes com perturbações músculo-esqueléticas secundárias, doenças do colagénio e infeciosas, onco-hematológicas, genéticas, endócrinas (como doenças da tiroide ou diabetes mellitus) e traumáticas recentes.
Como Instrumento de colheita de dados (ICD) foi utilizado um questionário, constituído por 4 secções: uma primeira com dados de cariz sociodemográfico;(Idade, género, zona de residência e classe socio-económica) uma segunda com dados antropométricos (peso, altura e IMC segundo a International Obesity Task Force), a terceira que procurava avaliar variáveis contextuais ( uso, caracteristicas e peso da mochila, tempo gasto por semana a ver televisão, a jogar e a utilizar o computador, meio de transporte utilizado nas deslocações para a Escola, práticas, tipologia e intensidade de atividade física); e a quarta e última secção integrava o Questionário Nórdico Músculo-esquelético validado e adaptado cultural e lingüísticamente para Portugal, por Mesquita, Ribeiro & Moreira em 2010.10 O ICD integra vinte e cinco questões de resposta dicotómica (sim/ não) e possui três perguntas correlacionando nove regiões anatómicas, identificadas com a ajuda de uma figura humana vista pela região posterior. As questões estão relacionadas com cada área anatómica, avaliando se o inquirido manifestou perturbações nos últimos 3 meses (opção para que as lembranças sejam mais recentes e com maior veracidade) e se ocorreram nesse período implicações no seu dia-a-dia. Integra ainda, uma escala numérica da dor, para cada uma das áreas anatómicas, classificada num continuum entre 0 (sem dor) e 10 (dor máxima) para avaliar a dor. A colheita de dados foi efetuada nos meses de março, abril e maio de 2017, nos días em que decorriam as aulas de Educação Física.
Antes de se proceder à recolha dos dados foi solicitada aos pais dos adolescentes a colaboração voluntária e esclarecida no estudo com assinatura do consentimento informado. Foi fornecida informação acerca dos objetivos da investigação e assegurada a confidencialidade das respostas dadas, bem como dos juízos clínicos formulados, cumprindo os princípios éticos e legais. O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética para a Saúde. Foi realizada análise estatística descritiva e inferencial com recurso ao Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. Para o estudo da relação entre variáveis foram utilizados testes paramétricos e não paramétricos, nomeadamente o Teste t de Student ou teste de U-Mann Whitney (UMW) para comparação de médias de uma variável quantitativa em dois grupos de sujeitos diferentes. Recorremos igualmente ao teste de Kruskall Wallis para comparação de médias de uma variável quantitativa em três ou mais grupos de sujeitos diferentes. Como complemento dado que se testou a igualdade de mais de duas médias, recorreu-se aos testes post hoc para determinar as que se diferenciam entre si. Nos testes estatísticos foi considerado um nível de significância de 5%.
Resultados
Os adolescentes da amostra possuem idades que oscilam entre os 11 (Min) e 17 (Max) anos; com uma média de 13,36 anos e desvio padrão de 2,08, pertencendo 58,2% ao género feminino e 41,8% ao masculino. Habitam maioritariamente (75,3%) em zonas rurais e pertencem a classes socioeconómicas intermédias (53,9%).
Quanto ao estado ponderal verificámos que em média os adolescentes pesavam 53,89 Kg (Dp=11,44) mediam 1,59 m de altura (Dp=0,08) e a maioria (71,5%) era eutrófica. Registar que 12,0% apresentava excesso de peso, estando este mais associado aos rapazes (x2 = 6,341; p = 0,023), com diferenças estatísticas significativas.
A grande maioria dos adolescentes (97,5%) transporta o material escolar em mochilas, que possuem alças ajustáveis (82,3%) e acolchoadas (78,5%) porém, sem cinto, correia de peito ou apoios metálicos. Observámos que 79,8% se desloca para a escola de autocarro/carro, e apenas 20,2% faz o percurso a pé ou de bicicleta. Transportam a mochila em média 20mn/dia, 80,0% nos dois ombros e 20,0% (sobretudo raparigas) apenas num ombro. Constatámos ainda que para além da mochila, 87,3% dos participantes transporta outros equipamentos, essencialmente de apoio desportivo e educação visual e tecnológica. O peso relativo da mochila para a maioria dos participantes oscila entre 12% e 19% do seu peso corporal.
A maioria (56,8%) dos adolescentes realiza atividade física regularmente, sobressaindo as modalidades futebol/futsal (33,7%) e o basketball (22,1%) com uma intensidade moderada. 72,8% dedica em média 2 horas dia a ver televisão, sendo as raparigas as maiores consumidoras, contudo as diferenças estatísticas não são significativas (t = 1,087; p = 0,342). A posição adotada por 38,6% dos inquiridos é a de semi-deitados no sofá. O tempo encontrado no uso das novas tecnologías (videos e computador) pelos adolescentes oscila entre 0h e 32h por semana, correspondendo-lhe uma média de 13,92 horas. Apesar dos valores médios diferirem entre rapazes e raparigas as diferenças estatísticas não são significativas (p=0.681).
A prevalencia das PME relatadas pelos adolescentes nos últimos 3 meses (Tabela 1) é de (n=300) 47,4%, estando estas localizadas a vários níveis (respostas múltiplas) mas com maior enfoque no pescoço (23,4%), ombros (27,8%), região dorsal (25,3%), região lombar (22,8%), .coxa/anca (26,1%), e Joelhos (19,6%).
A intensidade da dor referida pelos adolescentes com PME (Tabela 2) recai sobretudo nos itens dor fraca (34,7%) e moderada (41,3%), contudo observámos que 16,0% refere dor forte e 8,0% mesmo dor insuportável.
Para analisar a relação existente entre variáveis independentes e as PME (variável dependente) nos adolescentes, utilizamos testes paramétricos e não paramétricos. Considerando o número elevado de variáveis, optámos por apresentar apenas aquelas que revelaram significância estatística. Deste modo verificámos que as PME são mais prevalentes nos adolescentes do género feminino (t=-3.358; p=0,001) naqueles que gastam mais tempo por dia a ver televisão (χ2= 6,532; p=0,038), e ainda naqueles que se deslocam para a escola a pé ou de bicicleta (U= 1531,500; p=0,018). Nas restantes variáveis (idade, área de residência, estado ponderal, transporte de mochila e pratica de exercício físico) não foram encontradas significâncias estatísticas (p>0,05).
Discussão
As características sociodemográficas dos adolescentes deste estudo estão alinhados com outros estudos realizados recentemente em contexto português e tendo por alvo esta mesma população.7,11,12 Trata-se de uma amostra maioritariamente composta por adolescentes do género feminino, (58,2%), com média de idade de13,36 anos, a residir em meio rural (75,3%) e pertencentes a classes socioeconómicas intermédias (53,9%), confirmando a correlação expectável com as condições de vida das zonas do Interior do País.13
Do ponto de vista antroprométrico, pesavam em média 53,89 Kg, mediam 1,59 m de altura e globalmente eram eutróficos (71,5%). Não obstante, 12,0% apresentava excesso de peso, (sobretudo rapazes) o que favorece o aparecimento das PME como corroborado em outro estudo13 em que se afirma que os adolescentes com IMC acima do ideal apresentam frequentemente índices maiores de alterações posturais de vários segmentos corporais.14,15
Vários autores chamam a atenção para o frequente uso inadequado das mochilas, por parte dos adolescentes, transportando cargas excesivas e de forma ineficiente, que os submete a incalculáveis e sérios desvios posturais. Como antídoto aconselham como limite seguro de carga nos adolescentes pesos que não excedam 10% do seu peso corporal.16,17 De facto a maioria dos adolescentes (97,5%) transporta o material escolar em mochilas com alças ajustáveis e acolchoadas, mas sem cinto, correia de peito ou apoios metálicos, o que contribui para uma maior tensão a nivel musculo-esquelético. Transportam a mochila em média 20mn/dia, e 20,0% deles (sobretudo raparigas) transporta a mochila apenas num ombro. Além disso, 87,3% transporta outros equipamentos de apoio desportivo e de educação visual e tecnológica, o que concorre para o facto da maioria dos participantes transportar pesos que oscilam entre 12% e 19% do seu peso corporal. São dados que contrariam as recomendações da OMS e da Direção Geral de Saúde Portuguesa, uma vez que estes organismos recomendam pesos que não excedam 10% do peso corporal como limite seguro.16,18,19
Ficou ainda demonstrado que a maioria (56,8%) dos adolescentes estudados realiza atividade física regularmente (futebol/futsal e o basketball) com uma intensidade moderada. As evidências do impacto da atividade física sobre as PME nos adolescentes tem gerado muita polémica entre autores e estão longe de gerar consensos. São varios os investigadores que defendem que a falta de atividade física é responsável pelo surgimento de perturbações numa fase precoce da vida, porém o seu excesso é igualmente prejudicial, uma vez que levada a certos limites, (solicitando ao máximo músculos, tendões, ossos e articulações), a prática de atividade física pode atuar como agente patológico sobre o aparelho locomotor.20,21
A exposição dos adolescentes às tecnologias da informação tem aumentado no ambiente educacional, de lazer e familiar, sendo um fenómeno crescente no mundo e em todas as classes socioeconómicas.3,8,22Pudemos observar que 72,8% dos nossos participantes dedica em média 2 horas dia a ver televisão, sendo a posição de eleição o estar deitado no sofá. O tempo médio encontrado no uso das novas tecnologías (videos e computador) é de 13,92 horas/semanas, exigindo posturas estáticas, repetidas e prolongadas com os danos consequentes. Concordamos que os benefícios do uso destas tecnologias são evidentes: maior acesso à informação de qualidade, possibilidade e troca de informação entre indivíduos e comunidades distantes, melhoria da habilidade cognitiva e até mesmo a disponibilização de atividades de lazer. Não obstante, o uso desregrado e abusivo é um fator que contribui para o sedentarismo e para alterações posturais (com desajustes ergonómicos, proporções inadequadas do mobiliário na escola e em casa) e estruturais do esqueleto, com sobrecarga de articulações, tendões, ligamentos e músculos, provocando deformidades músculo-esqueléticas.23,24
Os resultados relativos à prevalencia, das PME dos adolescentes, não se podem dissociar dos aspetos referidos anteriormente e confirmam a tendência revelada por estudos epidemiológicos de ser elevada.3,8,22 Na verdade 47,4% dos nossos participantes apresenta PME localizadas em zonas corporais diversas, (e simultâneas). Um estudo nacional12 sobre a saúde dos adolescentes demonstrou que 35% dos adolescentes referem ter dor ao nível do pescoço/ombro e 38,6% refere dor a nível lombar. Os resultados de outros investigadores identificam cenários com características muito semelhantes aos do nosso estudo.3,7,8,12
A dor sentida nos segmentos corporais apontados é para a maioria dos adolescentes de intensidade moderada (41,3%), e fraca (34,7%), contudo não deve ser desvalorizado o facto de 16,0% referir dor forte e 8,0% mesmo dor insuportável. A International Association for the Study of Pain (IASP) define a dor como uma experiencia desagradável sensorial ou emocional, associada a um potencial ou real dano tecidual, e quando associada à população adolescente, não afeta apenas o estado de saúde atual, mas predispõe ao desenvolvimento da dor crónica na idade adulta, com profundas implicações na sua qualidade de vida.25,26 De facto a dor não pode ser entendida como uma manifestação isolada e ocasional, mas sim como uma ocorrência com consequências por vezes dramáticas no desenvolvimento da saúde e bem estar do ser humano ao longo da vida e na sustentabilidade dos próprios sistemas de saúde dos Países.
A análise da relação entre variáveis revelou que as PME são mais prevalentes nos adolescentes do género feminino. Esta diferença entre géneros pode ser explicada tendo em conta um diferente limiar na perceção da sintomatologia músculo-esquelética, uma maior flexibilidade muscular no género feminino, ou ainda alterações hormonais durante a puberdade.27 Os participantes que gastam mais tempo por dia a ver televisão e usam por períodos mais longos as novas tecnologias apresentam também uma maior prevalência de PME. São dados que reforçam os de outros investigadores, ao afirmar que o uso frequente das tecnologias informáticas constitui um fator de risco elevado ao desenvolvimento das PME.23,24 Similarmente as deslocações para a escola a pé ou bicicleta constitui um fator de risco à instalação das perturbações, dado que a carga da mochila associada ao equilíbrio em movimento provoca deslocamentos posteriores do centro de gravidade do corpo e este desequilíbrio é compensado com a projeção do corpo para a frente, podendo levar ao desvio da coluna.12,14,28Os resultados deste estudo direcionam para a necessidade de um maior investimento na prevenção destas perturbações na adolescência, como um dos pilares do Serviço Nacional de Saúde, numa lógica de promoção e continuidade de cuidados, podendo ser um recurso muito vantajoso para os indivíduos, para as famílias e para a sociedade em geral.
Como limitações do estudo, apontam-se: a utilização de uma amostra do tipo não probabilístico por conveniencia, o que não nos permite generalizar resultados com precisão estatística; recolha de dados efetuada por auto preenchimento do questionário pelos adolescentes, o que pode apresentar alguns vieses de interpretação quer por substimação ou hipervalorização do problema das PME e deste modo, afetar a validade dos dados; integração de questões simples na avaliação da prática de atividade física em vez de uma escala para avaliação da atividade física e sedentarismo, de que é exemplo a “WHO HBSC - World Health Organisation health bahavior in schoolchildren”, que nos permitiria classificar os adolescentes em “ativos”, “inadequadamente ativos” e “inativos”, o que inviabilizou conhecer com maior precisão e confiabilidade os dados relativos a esta variável.
Pese embora as limitações referidas, consideramos que o estudo aborda uma temática muito pertinente na atualidade, aportando os seus resultados contributos interessantes ao conhecimento científico em Enfermagem. Como sugestão propomos, o desenvolvimento de futuros estudos, comparando no mesmo período de tempo e numa perspetiva longitudinal, a evolução do potencial de saúde das pessoas ao longo do ciclo vital.
Conclusão
Os adolescentes que constituíram a amostra deste estudo apresentam, como pudemos constatar, uma prevalência elevada de PME. O desconforto referido, localiza-se fundamentalmente nas regiões anatómicas do pescoço, ombros, zona dorsal, zona lombar, coxas/ancas, e Joelhos. Apesar do padrão de intensidade da dor se ter revelado para a maioria dos adolescentes entre o moderado e fraco, há que considerar avaliações distintas e com gravidade crescente ao ser referida dor forte e mesmo insuportável. Como era expectável face aos determinantes referenciados em estudos similares, as PME deste grupo de adolescentes são mais prevalentes nas raparigas, naqueles que gastam mais tempo por dia no uso de novas tecnologias e ainda no tipo de transporte utilizado nas deslocações para a escola, uma vez que a deslocação a pé ou de bicicleta se tornam mais penosas. Em síntese final, podemos afirmar que as perturbações músculo-esqueléticas nos adolescentes, têm uma origem dinâmica, multifacetada e multidimensional pois se por um lado existem fatores que assumem particular importância por concorrerem diretamente para a ocorrência destas manifestações (como os de origem mecânica), outros influenciam indiretamente, sobretudo os de origem social, cultural e organizacional.
Agradecimentos
Os nossos agradecimentos ao Fundo Social Europeu, ao Programa Operacional CENTRO 2020 e à Fundação para a Ciência e Tecnologia do Governo Português, instituições públicas que se constituem como fontes de financiamento do Projeto de Investigação MAISaúde Mental “Monitorização e avaliação dos indicadores de saúde mental das crianças e adolescentes: Da investigação à prática” (código de identificação:CENTRO-01-0145-FEDER-023293), onde este estudo se integra.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Mar 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
15 Jul 2019 -
Aceito
22 Jul 2019