Resumo
Objetivo: Analisar as vivências masculinas de idosos em relação ao infarto agudo do miocárdio antes, durante e depois do diagnóstico clínico.
Métodos: Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa. A pesquisa foi realizada em dois hospitais localizados no município de Feira de Santana, Bahia, Brasil. Os participantes foram homens idosos com diagnóstico médico confirmado para infarto agudo do miocárdio. Os dados foram coletados utilizando-se a técnica da entrevista, guiada por um roteiro semiestruturado. Todas as falas foram gravadas mediante autorização, transcritas na íntegra e sistematizadas através do Discurso do Sujeito Coletivo. A interpretação dos dados respaldou-se na literatura científica acerca do infarto agudo do miocárdio e no referencial teórico de gênero, a partir da perspectiva da masculinidade hegemônica.
Resultados: O Discurso do Sujeito Coletivo evidenciou que as vivências dos homens idosos em relação ao infarto agudo do miocárdio antes, durante e depois do diagnóstico estiveram impregnadas por marcadores da masculinidade hegemônica, os quais os impediram de reconhecer a gravidade dos sinais e sintomas e a necessidade de buscar pelo cuidado. As falas revelam que todo o processo de adoecimento e terapêutica pós-diagnóstico foi marcado por conflitos emocionais, visto que os idosos tiveram que adotar mudanças no estilo de vida e reconhecer a sua vulnerabilidade.
Conclusão: Os achados despontam para a relevância dos profissionais de saúde compreenderem e considerarem os marcadores de gênero durante as ações de prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares, tendo em vista que estes influenciam fortemente no cuidado à saúde dos homens idosos.
Descritores Infarto do miocárdio; Análise de gênero na saúde; Saúde do homem; Atenção à saúde
Resumen
Objetivo: Analizar las vivencias masculinas de ancianos respecto al infarto agudo de miocardio antes, durante y después del diagnóstico clínico.
Métodos: Se trata de un estudio descriptivo con enfoque cualitativo. La investigación fue realizada en dos hospitales ubicados en el municipio de Feira de Santana, estado de Bahia, Brasil. Los participantes fueron hombres ancianos con diagnóstico médico confirmado de infarto agudo de miocardio. Los datos fueron recopilados utilizando la técnica de entrevista, conducida con guion semiestructurado. Todas las conversaciones fueron grabadas con autorización, transcriptas totalmente y sistematizadas a través del Discurso del Sujeto Colectivo. La interpretación de los datos se respaldó en la literatura científica sobre infarto agudo de miocardio y en el marco referencial teórico de género, a partir de la perspectiva de masculinidad hegemónica.
Resultados: El Discurso del Sujeto Colectivo reveló que las vivencias de los hombres ancianos respecto al infarto agudo de miocardio antes, durante y después del diagnóstico estuvieron impregnadas de marcadores de masculinidad hegemónica, los que impiden que puedan reconocer la gravedad de los signos y síntomas y la necesidad de buscar ayuda. Los relatos exponen que todo el proceso de enfermedad y terapia posdiagnóstico fue marcado por conflictos emocionales, dado que los ancianos tuvieron que adoptar cambios en su estilo de vida y reconocer su vulnerabilidad.
Conclusión: Los descubrimientos recuerdan la importancia de que los profesionales de la salud comprendan y consideren los marcadores de género durante las acciones de prevención y tratamiento de enfermedades cardiovasculares, teniendo en cuenta que estos influyen fuertemente en el cuidado de la salud de los hombres ancianos.
Descriptores Infarto del miocardio; Análisis de género en salud; Salud del hombre; Atención a la salud
Abstract
Objective: To analyze the experiences of elderly men in relation to acute myocardial infarction before, during and after clinical diagnosis.
Methods: This is a descriptive and qualitative study. The research was carried out in two hospitals located in the municipality of Feira de Santana, Bahia, Brazil. Elderly men with a confirmed medical diagnosis for acute myocardial infarction participated in the study. Data were collected using the interview technique, guided by a semi-structured script. All speeches were recorded with authorization, transcribed in full and systematized through the Discourse of the Collective Subject. The interpretation of the data was supported in the scientific literature about acute myocardial infarction and in the theoretical framework of gender from the perspective of hegemonic masculinity.
Results: The Discourse of the Collective Subject showed that the experiences of elderly men in relation to acute myocardial infarction before, during and after diagnosis were impregnated with markers of hegemonic masculinity, which prevented them from recognizing the severity of signs and symptoms and the need to seek care. The statements reveal that the entire process of illness and post-diagnosis therapy was marked by emotional conflicts, since elderly men had to adopt lifestyle changes and recognize their vulnerability.
Conclusion: The findings stand out for the relevance of health professionals to understand and consider gender markers during prevention and treatment of cardiovascular diseases, considering that they strongly influence the health care of elderly men.
Keywords Myocardial infarction; Gender analysis in health; Men's health; Health care
Introdução
As doenças cardiovasculares, incluindo o infarto agudo do miocárdio, se apresentam enquanto um importante problema de saúde pública, sendo uma das principais causas de morbimortalidade masculina em todo o mundo, com destaque para a população idosa, a qual é considerada como grupo de risco para este tipo de patologia. Considerando que os homens são os mais afetados pelas cardiopatias e que o processo de envelhecimento intensifica a predisposição masculina ao adoecimento, urge que os profissionais de saúde reconheçam o impacto dos marcadores de gênero para a efetividade do cuidado prestado a este público.
No Brasil, o número de idosos tem crescido consideravelmente. Estima-se que em 2025 será a sexta maior população idosa do mundo, com 32 milhões de pessoas nesta faixa etária.(1) O envelhecimento, por sua vez, está relacionado à ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis como consequência de hábitos inadequados adquiridos ao longo da vida, dentre elas destacam-se a Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus e obesidade.(2) Estas doenças consideradas prevalentes entre os idosos estão diretamente relacionadas à ocorrência do infarto agudo do miocárdio.(2)
As taxas de mortalidade masculina por esta causa são alarmantes no país. No período de 2008 a 2016, foram notificados 21.398 óbitos, dos quais, 13.587 foram de homens, o que representa 63,4% dos casos.(3) É relevante abordar que o acometimento do infarto agudo do miocárdio em homens está relacionado às questões sociais de gênero, as quais devem ser compreendidas na tentativa minimizar os danos para esta população. Valores inerentes à masculinidade hegemônica, tais como virilidade, força e honra, têm direcionado o comportamento masculino às práticas tóxicas e de risco, principalmente em relação a sua saúde.(4) A concepção pautada na masculinidade hegemônica repercute no autocuidado em saúde dispensado pelos homens obstinando-se a não demonstração de sinais de fragilidade, entendo como algo inerente ao feminino, o que repercute no agravamento de sua condição de saúde.(5)
No sentido de subsidiar a construção de estratégias para prevenção de agravos à saúde masculina e de contribuir para a minimização dos impactos decorrentes das hospitalizações por doenças cardiovasculares, esse estudo se propõe a analisar as vivências de homens idosos em relação ao infarto agudo do miocárdio antes, durante e depois do diagnóstico clínico.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa realizado em dois hospitais (um público e um privado) localizados no município de Feira de Santana, Bahia, Brasil. Os participantes foram 13 homens idosos com diagnóstico médico confirmado para infarto agudo do miocárdio, sendo excluídos aqueles que se apresentaram instáveis clinicamente e/ou emocionalmente para participar da coleta de dados segundo avaliação realizada pelos profissionais de saúde vinculados aos serviços.
A aproximação com os participantes foi favorecida pela inserção prévia do pesquisador principal no campo, já que este também atuava como enfermeiro preceptor de estágio em ambos os hospitais. Assim, os homens que se enquadraram nos critérios de inclusão foram informados acerca da relevância e objetivos do estudo, do caráter voluntário da participação, da possibilidade de desistir a qualquer momento, da garantia do anonimato e confidencialidade das informações, dentre outros aspectos éticos preconizados pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.(6) Não houve recusa por parte dos convidados e todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ressalta-se que este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Nobre de Feira de Santana, Bahia, parecer n° 2.511.516 e atendeu aos critérios do Revised Standards for Quality Improvement Reporting Excellence, SQUIRE 2.0.(7)
Os dados foram coletados no período de fevereiro a março de 2018 pelo pesquisador principal, o qual é capacitado para utilização da técnica da entrevista. Esta foi guiada por um roteiro semiestruturado abordando, além dos aspectos sociodemográficos, a seguinte questão norteadora: Fale-me sobre suas vivências em relação ao infarto agudo do miocárdio antes, durante e depois do diagnóstico clínico? As entrevistas tiveram duração média de 30 a 60 minutos e aconteceram individualmente em sala reservada cedida pelos hospitais, levando-se em consideração a particularidade clínica de cada participante. Vale ressaltar que o número de pesquisados não foi definido previamente, sendo este delimitado a partir da saturação das informações.(8)
Todas as falas foram gravadas mediante autorização, transcritas na íntegra com o apoio de um programa de edição de textos e identificadas através da letra H, e do número de ordem de realização das entrevistas. Ao final do processo de organização, o corpus textual foi validado pelos pesquisados, os quais assinaram a carta de sessão de direitos, autorizando o uso do mesmo para análise.
Em seguida, procedeu-se, a sistematização das narrativas por meio do método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), o qual viabilizou a construção de discursos-síntese que representam a coletividade. Para isso, utilizou-se as seguintes figuras metodológicas: 1) Ideia Central (IC): nome ou expressão que permite sintetizar a essência do que fora dito; 2) Expressão-chave (ECH): recorte exato da fala do participante.(9) Este processo foi realizado com o apoio do software NVIVO®11, criado para favorecer a organização de dados qualitativos. Ressalta-se que durante a organização e análise dos discursos foi realizada a checagem por pares, os quais convergiram em relação à interpretação das falas. A análise dos dados, por sua vez, respaldou-se na literatura científica acerca do infarto agudo do miocárdio e no referencial teórico de gênero, a partir da perspectiva da masculinidade hegemônica.(4)
Resultados
Participaram da pesquisa homens idosos (faixa etária entre 62 a 72 anos) com diagnóstico médico confirmado para infarto agudo do miocárdio. Estes, em sua maioria, se caracterizaram como pardos, com baixa escolaridade, estavam aposentados, mas também exerciam atividades laborais relacionadas ao comércio, agricultura e outras atividades autônomas, com renda familiar de até quatro salários mínimos, e possuíam em média três filhos. A vivência do infarto agudo do miocárdio foi desvelada por quatro ideias centrais descritas abaixo:
Ideia Central Síntese 1: Vivenciando fatores de risco e não reconhecendo os sinais e sintomas do infarto agudo do miocárdio
O discurso revelou que os homens apresentavam em seu cotidiano comportamentos de riscos para o infarto agudo do miocárdio expressos pelo sedentário, tabagismo, consumo de bebida alcoólica, ingestão de alimentos não saudáveis e exposição ao estresse no ambiente de trabalho. Diante as manifestações iniciais da doença, não houve reconhecimento das mesmas como um problema cardíaco, sendo essas associadas a outras morbidades.
Eu não praticava atividades físicas. Sempre fumei e me alimentava de comidas gordurosas, passava o dia inteiro fazendo esforço físico exagerado no trabalho e vivia estressado. Quando chegava em casa, só queira ficar deitado no sofá e assistindo TV. Aos finais de semana eu gostava de sair com os amigos para comer e beber tudo que tinha vontade. De repente, comecei a sentir dores no peito que desapareciam com o tempo, mas não dei importância. Pensei que poderia ser uma bronquite ou problemas no estômago porque eu estava tossindo e com muitos gases. Cheguei a comprar um remédio para tentar aliviar o que estava sentindo. Eu não imaginava o que estava acontecendo, não conhecia os sintomas do infarto. (DSC H1 H3 H4 H5 H6 H7 H8 H 9 H11 H12 H13)
Ideia Central Síntese 2: Progressividade dos sinais e sintomas e negação do adoecimento
O surgimento progressivo de sinais e sintomas manifestados em dificuldade respiratória durante caminhadas, parestesia de membros superiores e dor nas costas foi desvelado no discurso coletivo. Além disso, os participantes da pesquisa revelaram que, mesmo com a intensificação da angina, não buscaram por atendimento no serviço de saúde considerando sua condição de homem forte.
O tempo foi passando e eu fui apresentando outros incômodos. Sempre que subia alguma ladeira eu perdia o fôlego. Passei a sentir formigamento no braço esquerdo e dor nas costas. A dor no peito era fraca e fina, depois foi aumentando. Mesmo assim eu não procurei o posto de saúde, pois tentei suportar. Tudo isso porque eu sou uma pessoa forte, me sentia um homem de ferro e não me entregaria a uma dorzinha. Dizem que o homem não chora, mas a dor foi tão insuportável que estava acima das minhas forças e eu chorei. (DSC H2 H3 H4 H5 H7 H8 H9 H11 H12 H13)
Ideia Central Síntese 3: O acontecimento do infarto agudo do miocárdio e o acesso ao serviço
A busca masculina pela assistência à saúde se deu de forma solitária, motivada pela intensificação da dor precordial, condição essa que levou os homens a interrupção das atividades laborais e ao sentimento de medo da morte. Os discursos revelam ainda que o atendimento dos homens no serviço de urgência se deu de forma rápida, considerando a gravidade do seu estado de saúde.
Durante o horário de trabalho a dor ficou insuportável, me levando a parar de trabalhar. Foi quando decidi procurar ajuda médica por medo de estar morrendo e por não querer que meus familiares soubessem do ocorrido. Fui dirigindo até o serviço de emergência. Quando cheguei no hospital a dor me dominava por completo. O coração estava descontrolado, como se estivesse sendo esmagado. Senti um mal-estar, suava frio, tive falta de ar, como se fosse um estrangulamento, apresentei vômitos, fui enfraquecendo, perdendo a resistência do corpo e os sentidos. Logo fui atendido, medicado e encaminhado para exames. Após os resultados os médicos me diagnosticaram com infarto. Se eu tivesse demorado mais a buscar atendimento não teria resistido. (DSC H2 H3 H4 H5 H7 H8 H9 H11 H12 H13). (DSC H1 H3 H4 H5 H6 H7 H8 H 9 H11 H12 H13)
Ideia Central Síntese 4: Repercussões do Infarto Agudo do Miocárdio
A vivência do Infarto Agudo do Miocárdio trouxe para os homens repercussões no tocante a sua autonomia expressa na proibição deles pelos seus familiares à adoção de hábitos inapropriados a sua saúde. Ademais, os discursos apontam que os participantes da pesquisa passaram a apresentar problemas de cunho psicológico e receio da morte.
Quando fui diagnosticado com o infarto passei a ser vigiado por minhas filhas e minha esposa. Fui proibido de fumar, beber e comer coisas que eu gostava. Vivia receoso, tinha medo de adoecer novamente. Desenvolvi síndrome do pânico, fiquei depressivo e perdi a esperança de viver. (DSC H1 H2 H3 H4 H5 H6 H7 H8 H 9 H10 H11 H12)
Discussão
Os discursos desvelam que o cotidiano pré-adoecimento dos homens idosos pesquisados foi marcado pela vivência de estresse no ambiente de trabalho, sedentarismo, tabagismo, alcoolismo e ingestão de alimentos não saudáveis. Esses comportamentos são apontados na literatura como fatores de risco para o adoecimento cardíaco, sendo a população masculina a mais afetada pelo descuidado em relação a sua saúde,(10) característica construída ao longo da vida e que se mantém na terceira idade. Essa tendência é ratificada por dados nacionais e internacionais, sendo possível perceber que as doenças cardiovasculares representam a segunda causa de óbito entre os homens.(11,12)
Esses dados de morbimortalidade podem guardar relação com a categoria gênero, permitindo compreender o processo de adoecimento masculino, uma vez que esta orienta atributos e comportamentos de homens e mulheres em nossa sociedade.(4,13) Aos homens, desde tenra idade, são atribuídos papéis que se ancoram na honra, força, poder e no provimento familiar, caracterizando um modelo de masculinidade que, apesar de ser hegemônico e aceito socialmente, não é universal.(14) Esses constructos fazem com que os homens idosos, muitas vezes, descuidem de sua saúde, já que foram direcionados culturalmente a acreditar, durante toda uma vida, que são imunes a qualquer processo patológico. Assim, quando estes apresentam algum tipo de alteração na saúde tendem a não se preocupar, praticando a automedicação na tentativa de resolverem sozinhos o problema.(15)
Segundo o discurso masculino, a progressividade do adoecimento foi marcada pela presença de dispneia e aumento da dor precordial ao realizar atividades simples como subir e descer escadas. Estudos nacionais e internacionais revelam a importância de se reconhecer os sinais e sintomas do infarto, a exemplo da dor precordial, dificuldade respiratória, náuseas, vômitos e sudorese.(16,17) Apesar da importância da identificação precoce desses sinais, o estudo revela que os idosos não procuraram atendimento nos serviços de saúde ancorando-se nas concepções de força e não fragilidade. Essa atitude também é evidenciada em estudo realizado com homens do nordeste brasileiro, os quais alegaram não terem procurado atendimento médico por entenderem que a busca pelo cuidado à saúde seja um ratificador de sua condição de fraqueza, passando assim a adotar comportamentos de invulnerabilidade que implicam numa maior exposição a situações de risco.(18)
Diante dessa concepção, o discurso coletivo evidenciou que os pesquisados protelaram a procura por atendimento médico, buscando o serviço de saúde apenas mediante a intensificação da dor ao ponto desta se manifestar de forma intolerável. Ainda assim, a decisão de solicitar ajuda profissional foi permeada pelo comportamento de risco, visto que, mesmo apresentando sintomas clássicos do infarto agudo do miocárdio, os idosos optaram por não expor o problema, assumindo a direção do carro até o hospital, o que comprometeu não apenas a própria segurança, como de outras pessoas.(19)
As condutas apresentadas pelos homens idosos da pesquisa refletem a forte influência dos estereótipos de gênero enraizados na sociedade patriarcal, os quais direcionam o entendimento masculino de que o adoecimento e o sentimento de dor não devem ser externalizados, uma vez que representam sinais de fraqueza e fragilidade, características incompatíveis com a figura hegemônica do homem forte e invulnerável.(20) É justamente pelo predomínio de concepções como essas que, geralmente, os homens são mais acometidos por condições severas de saúde e morrem mais do que as mulheres pelas principais causas de morte, uma vez que não utilizam os serviços de atenção básica, adentrando ao sistema de saúde pela atenção especializada, geralmente, com um problema grave de saúde já instalado.(11) Dados epidemiológicos corroboram tais achados à medida que associam a busca masculina ao serviço de alta complexidade, muitas vezes, pela necessidade de acesso à hemodinâmica para cateterismo, colocação de stents e revascularização do miocárdio, procedimentos que exercem significativo impacto financeiro aos serviços públicos de saúde.(10) Nesse sentido, urge que sejam pensadas medidas de prevenção ou melhor manejo das doenças cardíacas para os homens, preservando, assim a vida e a economia do país.
Assim como descrito em nosso estudo, a literatura científica também aponta que o marcador “tempo” é imprescindível para a sobrevida do paciente, de forma que o período entre o início dos sintomas e o atendimento deve ser o menor possível.(21) Estudo realizado na América do Norte, evidenciou que quanto mais rápida a reperfusão miocárdica, melhor a função cardíaca após o procedimento, assim como menores as chances de reinfarto.(22) Por outro lado, pesquisa realizada na Holanda mostrou que pacientes que aguardaram mais tempo para reperfusão tiveram alta taxa de mortalidade.(23) Ressalta-se, no entanto, que além do reconhecimento masculino tardio da necessidade de procurar o serviço de saúde, outros fatores também podem ser impeditivos para agilidade e eficácia no tratamento, dentre eles, a sobrecarga e ausência de recursos necessários nas instituições públicas de saúde.(3)
A partir do discurso coletivo foi possível depreender ainda que para além dos conflitos emocionais vivenciados pelo indivíduo no momento em que está infartando, diversas outras repercussões psicológicas se manifestam no cotidiano dos homens após o infarto agudo do miocárdio, dentre elas, o medo de adoecer novamente, o humor depressivo e a falta de esperança em relação à vida, dados corroborados em estudos realizados na Itália e no Brasil.(24,25) Esses sentimentos manifestados através das narrativas refletem a mudança na dinâmica familiar imposta pelo diagnóstico médico, colocando o homem em posição, até então desconhecida, de submissão e obediência às figuras femininas representadas pela esposa e filhas.
Outro elemento que chama atenção nos discursos masculinos é que, apesar de possuírem faixa etária superior a 60 anos, os idosos referiram estar no ambiente de trabalho quando manifestaram os primeiros sintomas do infarto, o que sugere a continuação de atividades ocupacionais mesmo após a aposentadoria. Essa é a realidade de maior parte da população brasileira, a qual geralmente muda a natureza do vínculo, migrando de trabalho formal (se a aposentadoria tiver ocorrido por tempo de serviço) para trabalho informal (que pode se manter quando a aposentadoria foi decorrente da idade mínima).(26) Vale ressaltar que, mesmo após a Reforma da Previdência, a aposentadoria compulsória permaneceu aos 75 anos, na forma da Lei Complementar n. 152/2015,(27) o que nos leva a inferir que os idosos sofreram interrupção das atividades ocupacionais em decorrência do IAM.
Sob esta perspectiva, acredita-se que, para os homens idosos do estudo, a cardiopatia, de certa forma veio acompanhada da perda da essência masculina, considerando que, além do comprometimento da capacidade laboral, a condição para atingirem um bom prognóstico estava atrelada a desconstrução da auto-imagem de invulnerabilidade e abandono de hábitos considerados prejudiciais, a exemplo do fumo e do uso de bebidas alcoólicas. Por se tratar de uma condição crônica, os esquemas terapêuticos para as doenças cardiovasculares exigem grande empenho para mudança no estilo de vida, sendo primordiais as estratégias de educação em saúde desenvolvidas pelas enfermeiras, as quais devem compreender e considerar como as questões de gênero impactam no cuidado à saúde dos homens.(11) Nesse sentido, pela sua proximidade com os usuários, a enfermeira consegue detectar de forma precoce os marcadores tóxicos de gênero e clínicos que antecedem o adoecimento cardíaco.(28)
Diante disto, esta (e) profissional pode atuar de forma preventiva tanto na comunidade, quanto no ambiente de trabalho e lazer masculino por meio da educação em saúde, considerando a baixa procura masculina aos serviços da Atenção Básica.(16) Já no âmbito hospitalar, a enfermeira, ao identificar o agravamento da doença, deve também considerar os marcadores de gênero ao promover a educação em Saúde visando melhor adesão ao tratamento.(29,30)
Os resultados deste estudo sinalizam como potencialidade a apreensão de ideais de masculinidade na percepção de homens idosos acometidos pelo infarto agudo do miocárdio, os quais devem ser valorizados no planejamento de ações e políticas públicas direcionadas à saúde desse grupo populacional. A investigação de características do fenômeno masculinidade deve ser institucionalizada na prática clínica dos serviços de saúde, especialmente na atenção primária, porta de entrada ideal do SUS e onde a prevenção dos fatores de risco e adoecimento cardiovascular deve ser priorizada.
Salienta-se, contudo, que a pesquisa apresenta limitações em decorrência do desenho de estudo adotado, tendo em vista que a amostragem por conveniência, mesmo considerando critérios bem definidos para seleção dos participantes, pode ter excluído a possibilidade de inclusão de homens com percepções divergentes das analisadas neste estudo. Ademais, as evidências produzidas devem ser compreendidas com cautela, em face ao número reduzido de homens idosos participantes. Além disso, o curto período de coleta, aliado ao campo de pesquisa em apenas duas unidades, dificultou a composição de amostragem probabilística, o que viabilizaria análises mais robustas sobre o fenômeno pesquisado.
Conclusão
O Discurso do Sujeito Coletivo evidenciou que as vivências dos homens idosos em relação ao infarto agudo do miocárdio antes, durante e depois do diagnóstico estiveram impregnadas por marcadores da masculinidade hegemônica, os quais os impediram de reconhecer a gravidade dos sinais e sintomas e a necessidade de buscar pelo cuidado. As falas revelam que todo o processo de adoecimento e terapêutica pós-diagnóstico foi marcado por conflitos emocionais, visto que os homens tiveram que adotar mudanças no estilo de vida e reconhecer a sua vulnerabilidade. Os achados despontam para a relevância dos profissionais de saúde compreenderem e considerarem os marcadores de gênero durante as ações de prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares, tendo em vista que estes influenciam fortemente no cuidado à saúde dos homens.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Maio 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
22 Abr 2020 -
Aceito
03 Jun 2020