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As violências na percepção de jovens universitários

Las violencias en la percepción de jóvenes universitarios

Resumo

Objetivo

Identificar a percepção de jovens universitários acerca dos processos de proteção e desgaste relacionados às violências.

Métodos

Pesquisa exploratória com abordagem qualitativa. Dados coletados por meio de questionário eletrônico no período de junho de 2017 a abril de 2018.

Resultados

Foram preenchidos 68 questionários, apreciados por meio da Análise de Conteúdo, com apoio do software webQDA. Destacaram-se três categorias segundo as dimensões da Realidade Objetiva: 1) Dimensão singular: tipificação das violências, vivência das violências e conhecimento nas violências – agressor ou agredido; 2) Dimensão particular: percepções acerca do que protege das violências e compreensões do que desgasta para as violências; 3) Dimensão geral: redução das violências – um olhar para a gestão. Nestas categorias foi evidenciado que as violências, contra e entre jovens universitários, são fenômenos socialmente determinados.

Conclusão

Faz-se necessário implementação de políticas e ações institucionais para além dos muros da universidade, objetivando, por meio do diálogo com a sociedade organizada, conscientizar as pessoas de que as violências devem ser denunciadas e combatidas.

Adulto jovem; Violência; Universidades; Exposição à violência; Política pública

Resumen

Objetivo

Identificar la percepción de jóvenes universitarios sobre los procesos de protección y desgaste relacionados con las violencias.

Métodos

Investigación exploratoria con abordaje cualitativa. Datos recopilados a través de un cuestionario electrónico en el período de junio de 2017 a abril de 2018.

Resultados

Se completaron 68 cuestionarios, apreciados por medio del Análisis de Contenido, con apoyo del software webQDA. Se destacaron tres categorías según las dimensiones de la Realidad Objetiva: 1) Dimensión singular: tipificación de las violencias, vivencia de las violencias y conocimiento de las violencias – agresor o agredido; 2) Dimensión particular: percepciones sobre lo que los protege de las violencias y entendimientos de lo que consume para las violencias; 3) Dimensión general: reducción de las violencias – una mirada hacia la gestión. En estas categorías se evidenció que las violencias, contra y entre jóvenes universitarios, son fenómenos socialmente determinados.

Conclusión

Se hace necesaria la implementación de políticas y de acciones institucionales más allá de los muros de la universidad, con el objetivo de, a través del diálogo con la sociedad organizada, concienciar a las personas de que las violencias deben ser denunciadas y combatidas.

Adulto joven; Violencia; Universidades; Exposición a la violencia; Política pública

Abstract

Objective

To identify young university students’ perception of the processes of protection and depletion related to violence.

Methods

Exploratory qualitative study. Data collected through an electronic questionnaire from June 2017 to April 2018.

Results

Sixty-eight questionnaires were filled out and assessed through Content Analysis with support of the webQDA software. Three categories were highlighted according to the dimensions of Objective Reality: 1) Singular dimension: classification of violence, experience of violence and knowledge of violence – aggressor or assaulted; 2) Particular dimension: perceptions of what protects from violence and understanding of what is a depletion for violence; 3) General dimension: reduction of violence – a look at management. In these categories, the fact that violence against and among university students is a socially determined phenomenon was evidenced.

Conclusion

The implementation of institutional policies and actions beyond the university walls is necessary, aiming, through dialogue with organized society, to make people aware that violence must be denounced and fought.

Young adult; Violence; Universities; Exposure to violence; Public policy

Introdução

Violências são formas de alcançar o poder, por meio da força, ações constrangedoras, dominação, posse do outro e/ou de seus bens, caracterizando-se como fenômenos multifacetados e socialmente determinados. Ao considerarmos sua historicidade, destacamos que no Brasil a repressão indígena, a escravidão dos negros, as ditaduras políticas, bem como as desigualdades sociais são representações de comportamentos autoritários, patriarcais e machistas, frequentemente sustentados por iniquidades de gênero.(11. Minayo MC, Souza ER, Silva MM, Assis SG. Institutionalizing the theme of violence within Brazil’s national health system: progress and challenges. Cien Saude Colet. 2018;23(6):2007-16.,22. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Atlas da violência – 2020. Brasília (DF): IPEA; 2020 [citado 2021 Abr 29]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/200826_ri_atlas_da_violencia.pdf
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)

A maior expressão das violências no Brasil são as taxas de homicídios, trazendo implicações na saúde, nos aspectos demográficos e no processo de desenvolvimento socioeconômico. Os homicídios são a maior causa das mortes entre jovens de 15 a 29 anos, sendo que em 2018, o registro de 60,4 homicídios para cada 100 mil jovens foi recorde, no qual os homens foram as maiores vítimas. Em 2019 houve aumento da violência letal no território brasileiro, sendo que as vítimas mais frequentes pertencem a grupos específicos da população LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e outras identidades de gênero, bem como, sexualidades não contempladas na sigla), negros, e mulheres, com destaque para os índices crescentes de feminicídios.(22. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Atlas da violência – 2020. Brasília (DF): IPEA; 2020 [citado 2021 Abr 29]. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/200826_ri_atlas_da_violencia.pdf
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)

Os comportamentos violentos entre jovens de diferentes classes sociais, muitas vezes, são referidos como transmissão intergeracional, ou seja, parte das violências realizadas pelos jovens são formas de reprodução das violências intra e extrafamiliares.(33. Muñiz-Rivas M, Vera M, Povedano-Díaz A. Parental style, dating violence and gender. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(15):2722.,44. Santos KB, Murta SG. Influência dos Pares e Educação por Pares na Prevenção à Violência no Namoro. Psicol Cien Prof. 2016;36(4):787-800.)Há de se considerar também, a reprodução de comportamentos violentos expressados pelas mídias, especialmente na música, rádio, internet, televisão e demais manifestações culturais.(33. Muñiz-Rivas M, Vera M, Povedano-Díaz A. Parental style, dating violence and gender. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(15):2722.)As violências estão relacionadas a uma ordem simbólica coletiva, que acomete os mais frágeis, sejam eles crianças, mulheres e a população LGBTI+. Destacam-se ainda, todas as formas de violências que têm relações com processos de desigualdades sociais, tráfico de drogas ilegais e desmandos de poder.(55. Gomes Filho AS, Lima AA, Silva AM, Nunes LF, Lavor Filho TL. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev Sociologias Plurais. 2021;7(1):276-97.)

A tese de que a educação seria capaz de construir uma sociedade civilizada e pacífica é uma construção da modernidade e do iluminismo. Existia a confiança de que anos de estudos disponibilizariam mais recursos pessoais para o enfrentamento dos impulsos agressivos, assim como, das dinâmicas de violências. Constantemente, porém, são denunciadas em todo o mundo, atitudes de desigualdade, como discriminação nos meios universitários, em especial contra jovens mulheres, assediadas e estupradas.(66. Swan LE, Mennicke A, Magnuson A, MacConnie L. Social risk factors for interpersonal violence victimization among college students: findings from a mixed-gender sample. J Aggression Maltreatment Trauma. 2020;30(5):605-24.

7. Cantor D, Fisher B, Chibnal S, Harps S, Townsend R, Thomas G, et al. Report on the AAU Campus Climate Survey on Sexual Assault and Sexual Misconduct. Pennsylvania: University of Pennsylvania; 2019 [cited 2021 Apr 29]. Available from: https://www.upenn.edu/ir/surveys/AAU/Report-and-Tables-on-AAU-Campus-Climate-Survey-15Oct2019.pdf?pdf=AAU%20Survey%202019%20Penn%20Report%20OVERALL
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8. Soares PJ, Lira SM, FT, Alencar AG. Violência física contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no interior do nordeste brasileiro. Rev Salud Pública. 2018;20(4):445-52.

9. Muñoz PA, Gil LL, del Valle CA. Enroques institucionales para la atención de la violencia de género em el contexto de la tutoria universitária: um estudio de caso. Pistas Educativas. 2017;39(26):42-57.
-1010. Teixeira F. Hipersexualização, género e media. Rev Interacções. 2015;11(39):1-9.)

Estudo empreendido em 2019 com 181.752 estudantes de 33 universidades norte-americanas apontou que 26,4% das mulheres universitárias, 23,1% dos universitários transgênero, gênero-queer ou gênero não-binário, e 6,9% dos homens universitários sofreram algum tipo de agressão sexual, por força física ou incapacidade de consentimento, após seu ingresso na universidade. Além disso, a pesquisa revelou que 37,1% dos entrevistados afirmaram ter informações sobre o conceito e os recursos disponíveis para o atendimento de uma agressão sexual de qualquer natureza, todavia, os dados apontaram que apenas 15% das vítimas procuraram alguma forma de apoio após a violência sofrida.(77. Cantor D, Fisher B, Chibnal S, Harps S, Townsend R, Thomas G, et al. Report on the AAU Campus Climate Survey on Sexual Assault and Sexual Misconduct. Pennsylvania: University of Pennsylvania; 2019 [cited 2021 Apr 29]. Available from: https://www.upenn.edu/ir/surveys/AAU/Report-and-Tables-on-AAU-Campus-Climate-Survey-15Oct2019.pdf?pdf=AAU%20Survey%202019%20Penn%20Report%20OVERALL
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)

Nas universidades, iniciativas promovidas sobretudo por coletivos feministas estão avançando na criação de mecanismos de resistência e proteção às mulheres universitárias, no entanto, é importante esclarecer que as violências nos polos universitários são perpetradas, não só contra mulheres, mas também contra homens.(77. Cantor D, Fisher B, Chibnal S, Harps S, Townsend R, Thomas G, et al. Report on the AAU Campus Climate Survey on Sexual Assault and Sexual Misconduct. Pennsylvania: University of Pennsylvania; 2019 [cited 2021 Apr 29]. Available from: https://www.upenn.edu/ir/surveys/AAU/Report-and-Tables-on-AAU-Campus-Climate-Survey-15Oct2019.pdf?pdf=AAU%20Survey%202019%20Penn%20Report%20OVERALL
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)Neste sentido, o movimento também discute as violências de gênero, ocorridas dentro e fora das universidades, aquelas praticadas por homens contra mulheres, mulheres contra homens, entre mulheres e entre homens, tendo como fundamento a afirmação das identidades de gênero.(1111. Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular; 2015. 158 p.)

Em estudo realizado numa universidade pública de São Paulo, 56,3% das universitárias relataram, após ingressar na instituição, ter sofrido algum tipo de violência. Já, entre os universitários, aproximadamente 30% declararam ter se tornado agressor, cometendo atos de violência de gênero ou violência sexual.(1212. Instituto Avon. Pesquisa Instituto Avon/Data Popular. Violência contra a mulher no ambiente universitário. São Paulo: AVON; 2016 [citado 2018 Nov 7]. Disponível em: http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivos/PesquisaInstitutoAvon_V9_FINAL_Bx20151.pdf
http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivos/...
)

Para as mulheres e homens que frequentam as universidades, violências são o retrato da dinâmica social, resultante do descaso dos governos, gerador de desigualdades sociais, desemprego e falta de políticas que atendam às necessidades da população. Não há preparo nos ambientes universitários para o enfrentamento às violências, bem como diretrizes administrativas de proteção às pessoas expostas às violências, punição aos agressores ou afastamento das atividades institucionais após o ato cometido.(1313. Maito DC, Panúncio-Pinto MP, Severi FC, Vieira EM. Construction of guidelines for institutional actions in cases of gender violence at university. Interface. 2019;23:e180653.)

Essa constatação ilustra a necessidade de se estudar a vivência de diferentes formas de violência no ambiente universitário. A questão norteadora deste estudo foi: Quais os processos de proteção e desgaste que determinam as violências contra e entre jovens universitários? Os processos de proteção, que podem ser entendidos como benéficos, são aqueles processos que se encontram desde a dimensão estrutural da sociedade, que têm a capacidade de promover implicações no modo de vida das pessoas para que estas tenham acesso, desde a sua inserção na produção, na cultura, e nas diversas relações sociais que lhes garantam autonomia, liberdade e escolhas para mudar processos de desgastes. Esses podem ser entendidos como maléficos e se encontram no polo oposto desta realidade de vida em uma sociedade, no sentido de promover desigualdades e exclusões sociais.(1414. Breilh J. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2006. 320 p.)Assim, destaca-se que o presente artigo teve como objetivo: identificar a percepção de jovens universitários acerca dos processos de proteção e desgaste relacionados às violências.

Métodos

O estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, na perspectiva de produção de conhecimento crítico-reflexivo, acerca de problemas concretos da sociedade.(1515. Egry EY, Fonseca RM, Apostólico MR, Cubas MR, Chaves MM, Rehem T. O coletivo como objeto do cuidado de enfermagem: uma abordagem qualitativa. In: Costa AP, Sánchez-Gómez MC, Cilleros MV. A prática na investigação qualitativa: exemplos de estudos. Portugal: Ludomedia; 2017. p.111-145.)A realidade foi compreendida na perspectiva da Epidemiologia Crítica, que defende explorar quais são os processos de proteção e desgaste nas dimensões geral, particular e singular envolvidos no fenômeno para propor modos de enfrentamento para a transformação da realidade encontrada.(1414. Breilh J. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2006. 320 p.)

Os dados coletados tiveram como critério de inclusão jovens universitários de cursos de graduação, com idade entre 18 e 29 anos, regularmente matriculados nos diferentes cursos de graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em vários polos universitários (Pontal do Paraná, Matinhos, Curitiba, Jandaia do Sul, Palotina e Toledo), sendo a faixa etária intencional, pois à época do estudo representava o maior quantitativo de graduandos da UFPR (88%). Utilizou-se questionário eletrônico disponibilizado numa rede social, justifica-se essa escolha devido as diferentes localizações dos centros universitários, o que dificultaria o deslocamento para entrevistas. Porém, como não houve adesão a essa estratégia, o questionário foi encaminhado por mensagem eletrônica às coordenações de cursos e centros acadêmicos. Das 77 devolutivas, foram utilizados 68 questionários para análise, pois nove estavam fora dos critérios de faixa etária e de matrícula ativa na graduação.

O estudante que aceitou participar da pesquisa teve acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e ao questionário (instrumento de pesquisa on-line disponibilizado via internet). O período de coleta foi de junho de 2017 a abril de 2018.

O questionário, construído para aplicação nesta pesquisa, continha duas partes, a primeira relacionada às informações que caracterizaram os entrevistados e, a segunda, relacionada às perguntas abertas relativas ao objeto do estudo.

Para garantir direito ao sigilo e anonimato dos participantes, os questionários respondidos tiveram códigos sequenciais: sendo inserida a letra E seguida de número arábico por ordem de preenchimento.

Os dados qualitativos foram analisados por meio de Análise de Conteúdo(1616. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. 229 p.)e organizados com auxílio do software webQDA. Por meio do Sistema de Codificação do software foram construídos os Códigos Árvore, que emergiram da leitura em profundidade das respostas inseridas nos questionários. Esse recurso permitiu maior sustentação da categorização dos dados, pois a ferramenta possibilitou verificar a frequência de textos e de emissores em cada categoria, aprofundando as discussões dos achados à luz das dimensões estrutural, particular e singular utilizadas como referencial teórico-metodológico do estudo.(1414. Breilh J. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2006. 320 p.)

Seguiu-se como guia neste estudo os Critérios Consolidados para a Divulgação de Estudos Qualitativos (COREQ).(1717. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Inter J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57.)

Os aspectos éticos e legais foram respeitados conforme regulamenta a Resolução 466/2012 do CNS. A proposta de pesquisa foi submetida a dois Comitês de Ética, cujas aprovações se encontram sob os Números dos Pareceres 2.048.302 e 2.239.849 (CAAE: 65334116.2.0000.0102).

Resultados

Dentre os 68 participantes, 59 são do sexo feminino e nove do sexo masculino. Destaca-se que houve maior participação dos estudantes com idade entre 19 e 21 anos, sendo um total de 29 participantes nesta faixa etária. Com relação à raça autodeclarada a maior concentração foi de indivíduos da raça branca com 48 participantes.

A árvore de conteúdo foi construída por meio de análise das respostas aos questionários. Ancorado no referencial teórico-metodológico as categorias foram conformadas nas dimensões da Realidade Objetiva – estrutural, particular e singular. Na sequência a análise de conteúdo foi elaborada no sentido de identificar processos que eram relacionados a cada categoria apreendidos a partir das respostas dos questionários, assim se delimitou as subcategorias. Nestas as codificações foram relacionadas aos processos de determinação social das violências, sendo considerado a coletividade e o caráter sócio histórico das violências referidas pelos universitários e expressas por meio das dimensões da realidade do fenômeno: 1) Singular – processos de violências no cotidiano do indivíduo, na realidade imediata, o modo de viver com as violências; 2) Particular – as violências relacionadas às expressões de classe social, gênero, família, trabalho/estudo; 3) Geral – as violências percebidas a partir da estrutura político-ideológica da sociedade. Na figura 1 as categorias são representadas com seus desdobramentos.

Figura 1
Representação das categorias e subcategorias evidenciadas nas respostas dos participantes da pesquisa

A Dimensão Singular é aquela em que a narrativa se volta para o objeto/fenômeno em estudo (violências) segundo o modo de viver individual, ou seja, a forma típica de viver dos participantes. Nesta perspectiva emergiram três subcategorias:

Tipificação das violências

As violências foram reconhecidas pela maioria dos estudantes, apenas dois deles deixaram as respostas em branco. A seguir, apresenta-se algumas tipificações descritas pelos participantes:

“Mais evidente quando física, mas principalmente psicológica. Quase não existe lugar onde não haja violência. Doméstica, sexual, briga de bar, ataques verbais, etc”.(E7)

“Verbal, física, psicológica, humilhação, segregação, omissão. Tudo isso é violência porque fere alguém de alguma forma”.(E28)

Vivências das violências

A partir do reconhecimento das violências, foram apontadas as formas de violência presentes no cotidiano dos jovens e as populações mais atingidas. Neste momento, os jovens abordaram violências, dentro e fora da universidade: racial, institucional, sexual, gênero, psicológica, econômica e social, que ocorrem em especial, contra mulheres, negros, população LBGTI+, pobres e crianças. Quatro participantes não preencheram estas informações. Tem-se como exemplo as seguintes respostas:

“[...] quem está a minha volta e trabalha sofre muita violência psicológica por ter que aceitar tudo que lhes é imposto só para poder ter o que comer no fim do mês. Na Universidade a pressão que nos é imposta também chega a ser uma violência muitas vezes. Os que sofrem mais sempre fazem parte das minorias. Mulheres, negros, lgbts, pobres [...].”(E26)

“Violência psicológica e institucional. Na universidade, há diversos preconceitos por parte de professores, colegas e da própria instituição que se exime da responsabilidade de olhar para as dificuldades e diversidades de alunos e professores e não consideram as particularidades, contextos e vivências plurais que existem. O público mais atingido são pessoas em situação de rua no local onde moro e jovens estudantes.”(E77)

Autorreconhecimento nas violências: agressor ou agredido

As violências estão presentes no cotidiano dos jovens, questionou-se, no entanto, qual deles se vê como agressor ou agredido, ou ambos, associado às descrições de situações de violências vivenciadas. Neste quesito alguns universitários se eximiram da resposta, daqueles que responderam, mais da metade se reconheceu como agredido, alguns como agressores e agredidos, outros responderam afirmativamente, porém sem identificar se eram agressores ou agredidos, poucos negaram atos de violência e um se viu somente como agressor. Cabe destacar que os jovens não citaram o trote universitário e/ou festas de centros acadêmicos/curso como um momento em que ocorrem atos de violências.

Dentre as violências relatadas pelos participantes, frente à agressão perpetrada ou recebida, foram apresentadas nas narrativas, mais de uma violência num mesmo relato, destacando-se: dezesseis psicológicas; sete de gênero; seis patrimonial; seis institucional; cinco bullying; cinco racial; quatro sexual; quatro verbal; quatro física; dois assédio; uma doméstica; uma moral; e uma regional, que se referiu a preconceito social, por não ser da cidade em que mora atualmente, como se vê a seguir em alguns exemplos:

“Sim, agredida. [...] A pressão psicológica para ser uma boa aluna por estar em uma universidade pública é constante. [...] Isto não vem apenas do corpo docente, mas da sociedade e do peso de ser uma universidade federal”.(E50)

“Já fui estuprada por homens quando criança e quando tinha 21 anos. Fui ameaçada algumas vezes e sofri violência psicológica de professores no campus [...] professores ultraconservadores que eram contra greves e ocupação. Sofri abusos sexuais físicos e psicológicos na rua”.(E77)

“[...] Já me reconheci como agressor e agredido várias vezes, de perder a conta. Nenhuma das duas coisas é boa, mas ser agressor é algo que me faz muito mal também, pois me reconhecer assim me causa um sofrimento que não é legal”.(E56)

A Dimensão Particular trata do modo de viver, dos valores e cultura de determinados grupos ou coletivos: classe social, gênero, família, trabalho/estudo, que são determinados por processos estruturais, principalmente pelo modo de produção que define a inserção dos indivíduos no trabalho. Tais processos são representados pelo modo típico de viver dos grupos, limites históricos da vida, condições políticas, bem como, seus padrões de exposição e vulnerabilidade. Para envolver a percepção e compreensão acerca de proteção e desgaste, foi perguntado aos participantes o que agravava as situações de violências e o que poderia protege-los para que as mesmas não ocorressem nos seus cotidianos. A maior parte dos participantes identificou tanto processos protetores, como de desgastes, no que diz respeito às vivências de situações de violências na universidade, somente três participantes não responderam. Esses dados foram agrupados em duas subcategorias, conforme segue:

Percepções acerca do que protege das violências

Para os participantes a principal forma de se proteger de uma situação de violência seria evitar o convívio com algumas pessoas, ou sair em horários do dia que concentram as ocorrências nos territórios (referiram o horário noturno pela diminuição de circulação de pessoas e pela falta de iluminação pública nas ruas). As mulheres destacaram ainda, que deveriam andar em grupo e evitar roupas que modelassem seus corpos.

“Evito horários tardios para andar na rua, desço no ponto mais perto possível da minha casa, ando rápido, escondo o celular dentro da calça e ando com um que possam levar. Caso eu saia à noite e vejo algum tipo de violência ocorrendo, busco avisar alguém que possa ajudar e me afasto o quanto posso. E dentro da universidade tenho o mesmo costume de andar rápido e guardar o celular em um local escondido”.(E11)

“[...] proteção contra assaltos, sempre andar com o menor número de pertences de valor possível e sempre com os mesmos fora de vista. Abusos, andar com roupas que não marquem o corpo, ou roupas curtas para evitar assédio, etc”.(E65)

Compreensões do que desgasta para as violências

Para os entrevistados diferentes questões poderiam agravar os processos violentos, como o contexto social, condição econômica, relações de poder, pressão psicológica, questões de gênero, impunidade e uso de drogas ilícitas.

“Relações de poder são agravantes, principalmente quando quem tem o poder é mais alto na hierarquia ou tem maior força física”.(E10)

“Fragilidades socioeconômicas, situação social e política bastante crítica do país, cenário de sucateamento do ensino público”.(E35)

Um dos entrevistados destacou contradições na sociedade brasileira, na qual há uma convivência velada com as violências; com frequência agressores são aceitos nos ambientes coletivos sem que a eles sejam implicadas as penalidades, isso, no seu entendimento, reforça a cultura das violências.

“A sociedade é, a meu ver, uma agravante e também um recurso protetor, pois, ao mesmo tempo que protege, estrutura culturalmente [...] vivemos com medo”.(E50)

A Dimensão Geral se refere à estrutura político-ideológica da sociedade, o modo de produção vigente, modelo econômico e políticas macroestruturais, numa composição com as singularidades dos participantes da pesquisa. Esta dimensão dos dados conformou uma subcategoria:

Redução das violências – um olhar para gestão governamental, institucional e políticas públicas

Nesta etapa foi solicitado aos jovens que opinassem sobre como seria possível reduzir as violências. Nesta, três participantes se abstiveram da resposta e os demais se referiram a políticas públicas, educação, saúde, segurança, qualidade dos transportes, lazer e cultura. Além disso, citaram cuidados nos vários espaços da universidade, estratégias de sensibilização com formação mais humanizada nos cursos de graduação, abordando assuntos como respeito, empatia, não violência, e ainda, a necessidade de se adotar uma política universitária que coibisse as situações de abuso de poder dos professores com os alunos (as), violências relacionadas à homofobia e racismo nos espaços universitários. A seguir alguns exemplos:

“A violência física pode ser reduzida com políticas públicas. Conscientização dos homens. Agora a violência psicológica é mais complexa e não tenho ideia de como combater, visto que ela está em todos os meios e tem relação direta em minha opinião com a cultura do país e a desigualdade que só vem aumentando.” (E5).

“Políticas públicas de inclusão e permanência estudantil, além de investimentos vultosos, bem planejados e bem estruturados em educação pública e no tripé ensino-pesquisa-extensão. Investimentos em segurança pública e em políticas progressistas como desmilitarização da PM, legalização das drogas, treinamento mais humanizado dos policiais e melhor financiamento.” (E35).

Discussão

Na Dimensão Singular, no que tange à Tipificação das Violências, percebeu-se que todos os participantes referiram ter conhecimento acerca da temática apontando impactos nos modos de vida. Muitas vezes este conhecimento está no cotidiano dos jovens, que vivenciam o fenômeno nas suas relações intergeracionais e afetiva, ou mesmo observam comportamentos violentos como algo natural, visto que há reprodução desses comportamentos nas mídias.(33. Muñiz-Rivas M, Vera M, Povedano-Díaz A. Parental style, dating violence and gender. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(15):2722.)

As violências se expressam entre jovens, nas diferentes classes sociais, em decorrência de relações afetivas e/ou por transmissão intergeracional, por meio de violências psicológica, física e sexual, bem como reprodução de comportamentos observados nas mídias.(33. Muñiz-Rivas M, Vera M, Povedano-Díaz A. Parental style, dating violence and gender. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(15):2722.)

Quanto à Vivência das Violências, os entrevistados identificaram como mais presentes no seu dia a dia as violências: social, psicológica e institucional. As duas primeiras com ênfase nas violências contra mulheres, negros e população LGBTI+, e a última expressa nas relações entre professores e alunos. Estudo brasileiro de 2016, com 1823 universitários, identificou a universidade como espaço de medo, principalmente para mulheres.(1212. Instituto Avon. Pesquisa Instituto Avon/Data Popular. Violência contra a mulher no ambiente universitário. São Paulo: AVON; 2016 [citado 2018 Nov 7]. Disponível em: http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivos/PesquisaInstitutoAvon_V9_FINAL_Bx20151.pdf
http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivos/...
)A sensação de risco referida por mulheres nos espaços universitários também foi apontada por estudo empreendido com 873 universitárias nos EUA.(1818. Fantasia HC, Sutherland MA, Hutchinson MK. Lifetime and recent experiences of violence among college women. J Forensic Nurs. 2018;14(4):190-7.)

O fenômeno, das violências, afeta indivíduos, independentemente de sua idade, classe social, cultura e nível acadêmico, sejam em instituições de ensino públicas ou privadas. Estudo realizado em cidades do interior do nordeste brasileiro indica que as violências são transmitidas por meio de opiniões que coíbem ou maltratam a diversidade nos espaços coletivos, menosprezando raças, culturas, gêneros e sexualidades, o que compromete o direito à diversidade.(88. Soares PJ, Lira SM, FT, Alencar AG. Violência física contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no interior do nordeste brasileiro. Rev Salud Pública. 2018;20(4):445-52.)

A violência de gênero é um problema das sociedades patriarcais, nas quais a família é submetida ao poder do patriarca nos âmbitos privado e público. Esta submissão, naturalizada ao longo da história, culminou em diversas situações de violências simbólicas e físicas, que muitas vezes produziram lesões corporais e mortes, principalmente nas mulheres. É necessário, no entanto, compreender as violências contra mulheres como uma violação de direitos humanos, assim como uma violação da igualdade - jurídica, social, política, e econômica -, que, segundo pesquisa realizada em universidades mexicanas, impedem estratégias para o desenvolvimento de uma sociedade pautada na paz.(99. Muñoz PA, Gil LL, del Valle CA. Enroques institucionales para la atención de la violencia de género em el contexto de la tutoria universitária: um estudio de caso. Pistas Educativas. 2017;39(26):42-57.)É possível relacionar a violência de gênero à hegemonia do poder masculino e à subalternidade feminina, bem como, às imagens reprodutoras dos papéis sociais que definem o ser mulher e o ser homem.(1111. Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular; 2015. 158 p.)

Quanto ao autorreconhecimento como agressor ou agredido, estudo realizado em 2015, constatou o medo das estudantes com relação à violência sexual nas universidades que frequentavam. A maioria (70%) das participantes da pesquisa já havia sofrido algum tipo de violência, com destaque para violências de natureza sexual, psicológica, física ou moral. A queixa das estudantes era a falta de segurança nas universidades, com locais de acesso mal iluminados, e ainda, de violência de gênero nos espaços universitários. Como agressores as estudantes reconheceram os colegas e os professores, incluindo desde a desqualificação intelectual ao estupro. Entre os jovens do sexo masculino, 38% assumiram ter cometido atos de violência contra mulheres, porém somente 2% deles confirmaram que os atos cometidos ocorreram na universidade, ou em ambientes destinados a festas acadêmicas.(1212. Instituto Avon. Pesquisa Instituto Avon/Data Popular. Violência contra a mulher no ambiente universitário. São Paulo: AVON; 2016 [citado 2018 Nov 7]. Disponível em: http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivos/PesquisaInstitutoAvon_V9_FINAL_Bx20151.pdf
http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivos/...
)

No contexto norte-americano, em pesquisa junto a jovens universitários, 35% dos participantes afirmaram que cometeriam violências se pudessem, 51% das mulheres universitárias sofreram violência sexual no período da adolescência, disseram, ainda, terem sido vítimas de outras situações de violência após ingresso na universidade, sendo seus agressores homens conhecidos e que estas situações aconteceram dentro e fora das instituições universitárias. Dentre os agressores encontravam-se noivos, amigos ou homens que conheceram no dia da agressão. Entre 246 alunas entrevistadas, apenas quatro relataram ter procurado a polícia para denunciar os casos de violência de gênero, isto porque não reconheceram naquele ocorrido um ato de violência.7 Estudo desenvolvido em instituições universitárias espanholas difere desse achado, evidenciando que as mulheres têm rompido o silêncio e denunciado as situações de violência de gênero.(1919. Hernández SI. Violencia de género en las universidades o la necesidad de una intervención educativa. Rev Psicol. 2015;1(1):531-43.)

Conforme evidenciado nos resultados do presente estudo na Dimensão Particular os jovens abordaram questões como: circular acompanhado em espaços públicos, observar horários e locais considerados mais seguros, no trajeto entre sua residência e a universidade, e evitar o uso de objetos valiosos, como celulares. Essas questões dizem respeito à violência estrutural a que estão submetidos, pois, ela nasce no sistema social, incidindo sobre possibilidades de vida da população a partir de condições histórico-econômicas.1 É uma expressão da desigualdade social e da escassez de segurança pública no território, capaz de vulnerar, ainda mais, esse grupo populacional.

Especificamente, entre as estudantes destacou-se como proteção, pelo senso comum, usar roupas que não fossem consideradas provocativas, condição que reafirma ainda mais a faceta da violência de gênero. Estudo português expressa, que mulheres estão subjugadas a normatização da vestimenta a partir de papéis sociais impostos, existindo dicotomia entre o público e o privado.(1111. Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular; 2015. 158 p.)

Nessa dimensão foram também relatados outros comportamentos protetores como: evitar confrontos, especialmente com professores, realizar terapia para saber agir frente às pressões acadêmicas e uso de medicamentos para diminuir os níveis de ansiedade. Esse último comportamento vai ao encontro dos resultados de estudo paulista que avaliou 430 universitários, sendo a maioria dos participantes do sexo feminino (84,8%). Do total de entrevistados, 40% faziam uso de psicofármacos, principalmente de antidepressivos e ansiolíticos, com aumento na procura por medicação no decorrer da permanência na universidade.(2020. Borges TL, Miasso AI, Vedana KG, Telles Filho PC, Hegadoren KM. Prevalence in the use of psychotropics and associated factors in primary health care. Acta Paul Enferm. 2015;28(4):344-9.)Outro estudo destacou a necessidade de adaptação dos jovens à vida universitária (vida acadêmica, social, emocional e institucional), para que as novas relações de amizade e de vínculo institucional possam decorrer sem a presença de estresse e/ou ansiedade, sendo a relação professor-aluno pautada na empatia, diálogo, escuta ativa, voltada a uma convivência leve em que se possa estabelecer confiança, reciprocidade e troca de experiências.(2121. Ribeiro ML. A relação professor-estudante na educação superior. Rev Educ Anál. 2020;5(1):185-200.)

Os participantes compreenderam os processos de desgaste para a violência por meio da falta de flexibilidade de professores; desrespeito às condições socioeconômicas de alguns discentes; abuso de poder nas relações pessoais; falta de empatia e diálogo entre docentes e discentes; intolerância às diferenças (gêneros, sexualidades, raciais, entre outras.); consumo e venda de drogas; dificuldades de acesso às ações de saúde e ao emprego, pouco ou nenhum policiamento dentro e fora da universidade.

Pesquisadores afirmaram que muitas vezes, casos de violências têm como agressores as assimetrias de poder. Este fenômeno ocorre devido às relações de poder estabelecidas e referendadas e conformam cenários nos quais as relações de gênero se reproduzem, podendo significar aprendizados desastrosos que se perpetuam nas gerações futuras, como: violência psicológica, agressão física, abuso sexual, discriminação sexual, racial e de gênero.(88. Soares PJ, Lira SM, FT, Alencar AG. Violência física contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no interior do nordeste brasileiro. Rev Salud Pública. 2018;20(4):445-52.)

As relações de professores e alunos podem ser desgastantes, mas também podem assumir caraterísticas protetoras, pois o estabelecimento de relação afetiva potencializa uma experiência favorável à aprendizagem. O acolhimento e a atenção, proporcionam compreensão, aceitação e valorização do outro, e possibilitam maior adesão do estudante ao curso e aos valores atribuídos à graduação escolhida e, consequentemente, à futura profissão.(2121. Ribeiro ML. A relação professor-estudante na educação superior. Rev Educ Anál. 2020;5(1):185-200.)

Na subcategoria que compõe a Dimensão Geral, destacou-se a implementação de atividades educativas, campanhas contra violências, legitimação de políticas públicas, bem como a efetivação de políticas institucionais: investimento em segurança e transporte, valorização da educação, implantação de opções de lazer, participação ativa de estudantes na vida política da universidade e atividades de integração entre turmas e cursos.

Estudantes, de uma universidade do interior de São Paulo, consideraram o ambiente acadêmico como local privilegiado de transformação e desenvolvimento, apontando que a valorização da educação diminuiria as violências, favorecendo o desenvolvimento humano.(1313. Maito DC, Panúncio-Pinto MP, Severi FC, Vieira EM. Construction of guidelines for institutional actions in cases of gender violence at university. Interface. 2019;23:e180653.)

Pesquisa em universidades espanholas destacou a urgência em incentivar denúncias de violências, organizar grupos de discussão, orientar a detecção de situações violentas, melhorar os serviços de atendimento às pessoas em situação de violência, com implantação de programas educativos, preventivos e investigativos.(1919. Hernández SI. Violencia de género en las universidades o la necesidad de una intervención educativa. Rev Psicol. 2015;1(1):531-43.)

É possível perceber que os jovens universitários produzem ideias, horizontes e projeções com potencial para mudar a realidade objetiva, ou seja, produzem a ‘filosofia da práxis’, ligação entre a filosofia e a realidade, em que atividades práticas podem mudar realidades, transformando matérias ou situações, no sentido de superá-las,(2222. Vázquez AS. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular; 2015. 448p.)como, por exemplo, na proposta coletiva produzida por uma Universidade Pública para o enfrentamento da violência e discriminação de gênero.(1313. Maito DC, Panúncio-Pinto MP, Severi FC, Vieira EM. Construction of guidelines for institutional actions in cases of gender violence at university. Interface. 2019;23:e180653.)

Como limitações deste estudo, acerca das violências vivenciadas, destaca-se o número pequeno de participantes, considerando-se o número de estudantes com matrículas ativas na instituição, os quais estariam na faixa etária delimitada para o estudo. É relevante ainda destacar neste tópico que houve a participação de uma expressão marcadamente feminina e branca.

Conclusão

As violências contra e entre jovens universitários foram percebidas como fenômenos socialmente determinados, com expressão nas dimensões da realidade objetiva. A discussão da temática foi vista pelos investigados como relevante e que demanda ampla participação da comunidade universitária, dentro e fora dos espaços institucionais. No que diz respeito às implicações deste estudo para a enfermagem, considera-se que a categoria pode contribuir para alavancar atividades de investigação e enfrentamento das violências junto às instituições universitárias, no sentido de subsidiar a implementação de políticas institucionais, ações de ensino, pesquisa e extensão que visibilizem e enfrentem as violências, promovendo ações de proteção articuladas entre a sociedade organizada e o Estado e repensando relações de gênero, feminilidades, masculinidades e preconceitos.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Paula Hino (https://orcid.org/0000-0002-1408-196X) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2021
  • Aceito
    15 Out 2021
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