Resumo
Objetivo Avaliar a efetividade do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador para o ensino do raciocínio diagnóstico em estudantes de enfermagem.
Métodos Estudo quase-experimental, desenvolvido em três etapas: construção do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador; análise de conteúdo dos casos clínicos por especialistas; e aplicação do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador. Participaram 19 especialistas na análise de conteúdo. O pré-teste e o pós-teste foram realizados com 11 discentes do Curso de Graduação em Enfermagem, cursando a Disciplina de Bases da Semiologia.
Resultados Os nove casos clínicos que compuseram o jogo foram organizados em pistas capazes de subsidiar a composição dos diagnósticos de enfermagem. Esses foram avaliados com boa adequação por 19 especialistas em raciocínio diagnóstico e/ou tecnologia educacional. Comparando o desempenho dos discentes antes e após o experimento, a inferência diagnóstica correta apresentou diferença estatística significativa na resolução do primeiro e segundo diagnósticos (p=0,008). Além disso, a escrita correta do diagnóstico foi ponto de destaque no pós-teste e todos os itens avaliados apresentaram melhora no momento pós-aplicação do jogo de tabuleiro.
Conclusão Conclui-se que o jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador é efetivo no apoio ao ensino do raciocínio diagnóstico em enfermagem. Desta forma, almeja-se avançar no estado da arte no que concerne a jogos educativos de baixo custo e fácil acesso para dar suporte ao raciocínio diagnóstico em enfermagem.
Educação em enfermagem; Diagnóstico de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Tecnologia educacional; Jogos experimentais
Resumen
Objetivo Evaluar la efectividad del juego Enfermero Diagnosticador para la enseñanza del razonamiento diagnóstico en estudiantes de enfermería.
Métodos Estudio cuasi experimental desarrollado en tres etapas: elaboración del juego de mesa Enfermero Diagnosticador, análisis de contenido de los casos clínicos por especialistas y aplicación del juego de mesa Enfermero Diagnosticador. Participaron 19 especialistas en el análisis de contenido. El pretest y el postest se realizó con 11 estudiantes de la carrera de Enfermería que cursaban la materia Bases de la Semiología.
Resultados Los nueve casos clínicos que formaban parte del juego fueron organizados en pistas que podían respaldar la composición de los diagnósticos de enfermería. Estos casos fueron evaluados con buena idoneidad por 19 especialistas en razonamiento diagnóstico o tecnología educativa. Al comparar el rendimiento de los estudiantes antes y después del experimento, la inferencia diagnóstica correcta presentó diferencia estadística significativa en la resolución del primer y segundo diagnóstico (p=0,008). Además, la escritura correcta del diagnóstico fue un punto destacado en el postest, y todos los ítems evaluados presentaron una mejora en el momento posterior a la aplicación del juego de mesa.
Conclusión Se concluye que el juego de mesa Enfermero Diagnosticador es efectivo para respaldar la enseñanza del razonamiento diagnóstico en enfermería. De esta forma, se pretende avanzar en el estado del diseño en lo que respecta a juegos educativos de bajo costo y fácil acceso para respaldar el razonamiento diagnóstico en enfermería.
Educación en enfermeria; Diagnóstico de enfermería; Cuidados de enfermería; Tecnología educacional; Juegos experimentales
Abstract
Objective To assess the “Enfermeiro Diagnosticador” board game effectiveness for teaching diagnostic reasoning among nursing students.
Methods This is a quasi-experimental study, developed in three stages: “Enfermeiro Diagnosticador” (Diagnostician Nurse) game construction; content analysis of clinical cases by experts; and “Enfermeiro Diagnosticador” game application. Nineteen experts participated in content analysis. Pre- and post-tests were performed with 11 undergraduate nursing students, attending semiology, a baseline subject.
Results The nine clinical cases that comprised the game were organized into clues capable of subsidizing the composition of nursing diagnoses. These were assessed with good suitability by 19 experts in diagnostic reasoning and/or educational technology. Comparing students’ performance before and after the experiment, the correct diagnostic inference showed a statistically significant difference in the resolution of the first and second diagnoses (p=0.008). Moreover, the correct writing of diagnosis was a highlight in the post-test and all the items assessed showed improvement after the board game application.
Conclusion It is concluded that “Enfermeiro Diagnosticador” is effective in supporting the teaching of diagnostic reasoning in nursing. In this way, we aim to advance in the state of the art with regard to low-cost and easily accessible educational games to support diagnostic reasoning in nursing.
Education, nursing; Nursing diagnosis; Nursing care; Educational technology; Games, experimental
Introdução
As crescentes transformações vivenciadas no processo saúde-doença fazem emergir a necessidade de um processo de trabalho em enfermagem de forma organizada, que permita o alcance das competências e habilidades exigidas pela profissão. Assim, o Processo de Enfermagem (PE) se destaca como um instrumento metodológico, na perspectiva da promoção de um trabalho organizado para a profissão.(1) O raciocínio diagnóstico, fundamental para o desenvolvimento do PE, consiste no pensamento reflexivo, concorrente, criativo e crítico, que envolve a prática da enfermagem, sendo elemento essencial para o seu desenvolvimento.(2)
A habilidade de raciocínio diagnóstico em enfermagem deve ser desenvolvida ao longo do processo formativo do enfermeiro, por meio de estratégias de ensino atrativas e interativas que fomentem a participação ativa desse no processo ensino-aprendizagem.(3) No contexto da formação profissional em enfermagem, o desenvolvimento da habilidade de raciocínio diagnóstico enfrenta alguns limitadores, tais como: falta de metodologias educativas efetivas, distanciamento da teoria com a prática, ambiente de sala de aula não propício ao desenvolvimento dessa.(4)
Tais dificuldades são observadas no desempenho de alunos de graduação quanto ao raciocínio diagnóstico quando submetidos a estratégias de ensino tradicionais, desde a identificação dos indicadores diagnósticos (características definidoras e fatores relacionados/de risco), até a inferência diagnóstica.(3)Essa realidade é refletida na prática clínica, o que evidencia o déficit de conhecimento e habilidades do enfermeiro em desenvolver raciocínio diagnóstico.(5,6)Dito isso, tem-se uma assistência de enfermagem pouco qualificada, aumento da insatisfação no trabalho e diminuição da prática científica.(7)
Para fomentar a etapa diagnóstica, revela-se a necessidade de desenvolvimento de ferramentas educacionais que explorem o raciocínio diagnóstico.(8)Essas ferramentas têm como propósito fortalecer suas habilidades de pensamento crítico e resolução de problemas.(9) Assim, tecnologias educacionais são desenvolvidas no sentido de suportar o ensino do raciocínio diagnóstico na enfermagem.
Diversas ferramentas são relatadas pela literatura e, em sua maioria, referem-se a softwares ou jogos simulados que reproduzem o momento do cuidado, indicando diferentes formas de compartilhar e adquirir conhecimentos, motivando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.(10) Dentre elas, pode-se citar o Diagrama T-NDx para ensino do raciocínio diagnóstico atrelado às teorias de enfermagem, instrumento de avaliação do raciocínio clínico baseado no estudo de casos clínicos em grupo, além de curso educacional associado à resolução de casos.(11-13)
A aprendizagem baseada em jogos apresenta alta capacidade de motivação e envolvimento do aluno no processo ensino-aprendizagem.(14) Os jogos, quando aplicados na perspectiva do ensino em enfermagem, têm potencial para aprimorar a tomada de decisões clínicas de novos enfermeiros.(14) Além disso, um estudo de revisão evidenciou que são necessárias metodologias de pesquisa mais robustas para confirmar as melhores práticas de ensino por meio de jogos educativos em enfermagem. (14)
Diante disso, sobressai-se a relevância do desenvolvimento de jogos educativos que reflitam custo baixo e fácil disseminação de seu uso, e que comprovem impacto positivo no processo de raciocínio diagnóstico em enfermagem. Assim, objetiva-se avaliar a efetividade do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador para o ensino do raciocínio diagnóstico em enfermagem.
Por meio deste estudo, almeja-se avançar nas evidências que comprovem a importância de estratégias no que diz respeito ao desenvolvimento de tecnologias educacionais. Ademais de produzir materiais que sejam acessíveis e capazes de transformar a realidade formativa do futuro enfermeiro na perspectiva do raciocínio diagnóstico.
Métodos
Estudo quase-experimental, realizado no primeiro semestre de 2019, em uma instituição pública de ensino superior no nordeste do Brasil. O estudo foi desenvolvido em três etapas: construção do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador; análise de conteúdo dos casos clínicos inseridos no jogo, por especialistas; e aplicação do jogo educativo Enfermeiro Diagnosticador. O presente relatório foi elaborado com base no instrumento CONSORT (Consolidation of reporting trials).
Construção do Jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador
O jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador, proposto para o ensino do raciocínio diagnóstico em enfermagem, é caracterizado por casos clínicos envolvendo diagnósticos de enfermagem. Elegeu-se como referencial os passos propostos por Gordon para operacionalizar o raciocínio diagnóstico a partir da sequência: coleta das informações (com o fornecimento das pistas ao longo do jogo); interpretação das informações coletadas (tradução das pistas para indicadores diagnósticos); o agrupamento das informações (a partir da união de indicadores diagnósticos comuns); e a denominação do agrupamento (com a inferência diagnóstica).(15)
O jogo se caracteriza pela busca e organização de pistas capazes de evidenciar o diagnóstico de enfermagem apresentado pelo paciente. Dessa forma, foram criadas Cartas-Caso, as quais contemplam casos clínicos que subsidiarão o raciocínio diagnóstico. Tais cartas são o esqueleto do jogo de tabuleiro, formadas por uma descrição inicial do caso clínico com informações pontuais para situar o estudante no caso que irá solucionar, contendo o nome do paciente fictício e oito comandos.
Os comandos são organizados em cinco pistas, em que cada uma delas representa um indicador diagnóstico (indicadores diagnósticos são: características definidoras e fatores relacionados/de risco) para o estudante alcançar a inferência diagnóstica. Além disso, foram inseridos três comandos para dinamizar o jogo de tabuleiro, sendo eles: retornar três casas, um palpite a qualquer hora (quem adquirir o comando poderá inferir o diagnóstico antes dos demais) e uma dica de ouro (a qual apresenta o domínio da Taxonomia da NANDA- Internacional (NANDA-I) a qual pertence o diagnóstico).
A construção dos casos clínicos foi realizada com o objetivo de compor o jogo educativo. Estes seguiram o referencial proposto por Lunney para a construção de casos clínicos: seleção dos recursos e métodos, objetivos dos casos, complexidade, validação das evidências, roteiros de orientação e validade do conteúdo.(16) Assim, foram elaborados nove casos a partir da NANDA-I (2018-2020).(17)
Esses apresentaram a mesma estrutura, sendo formado por cinco indicadores diagnósticos cada, bem como o mesmo nível de dificuldade, em diferentes contextos. Dessa forma, cinco casos foram aleatoriamente selecionados para compor o jogo educativo, e quatro foram utilizados na avaliação da efetividade do jogo durante o pré e pós-teste. Essa etapa do estudo ocorreu entre os meses de agosto a dezembro de 2018.
Análise de conteúdo dos casos clínicos abordados no jogo
Em um segundo momento, foi realizada a etapa de análise de conteúdo dos casos clínicos por especialistas em raciocínio diagnóstico e/ou tecnologia educacional, os quais deveriam ter formação mínima de mestrado em enfermagem. Assim, 32 especialistas foram selecionados via Plataforma Lattes, sendo estes enfermeiros docentes que desenvolvem estudos no contexto de estratégias educacionais e enfermeiros que desenvolvem estudos na perspectiva dos diagnósticos de enfermagem. Destes, 19 responderam ao questionário e avaliaram os casos clínicos. Essa etapa do estudo ocorreu entre os meses de janeiro a maio de 2019.
O instrumento foi enviado aos especialistas, via e-mail, para avaliação sobre adequação dos casos dos casos clínicos, organizados em pistas; do diagnóstico inferido e nível de complexidade dos casos. Esses elementos foram julgados pelos especialistas por meio de uma escala tipo Likert, com variação de um a cinco, em que: Um- indicou a não adequação do caso clínico; Dois- pouquíssimo adequado; Três- de algum modo adequado; Quatro- consideravelmente adequado; e Cinco- muito adequado.(18) Para cada caso clínico foi reservado um espaço para sugestões.
Os dados sociodemográficos e acadêmicos dos especialistas foram analisados por meio de estatística descritiva. Para a verificação da adequação dos casos, as respostas dos especialistas pela escala Likert foram dicotomizadas, em que: um, dois, e três - indicaram os itens como inadequados; e as numerações quatro e cinco indicaram os itens como adequados. Os casos com 80% ou mais de adequação foram mantidos, e aqueles com porcentagem menor foram reformulados de acordo com as sugestões dos especialistas.
Aplicação do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador
A aplicação do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador para raciocínio diagnóstico em enfermagem ocorreu a partir de um estudo de delineamento quase-experimental. Esse permitiu a testagem o raciocínio diagnóstico dos alunos do Curso de Graduação em Enfermagem antes e após a aplicação do jogo para avaliação da sua efetividade. Essa etapa do estudo ocorreu em junho de 2019.
A população do estudo foi composta por estudantes do Curso de Graduação em Enfermagem de uma universidade estadual do nordeste brasileiro, matriculados na Disciplina Bases da Semiologia e Semiotécnica da Enfermagem. A escolha do componente curricular foi pautada na proposta do jogo educativo, o qual visa aprimorar o processo de raciocínio diagnóstico como etapa do Processo de Enfermagem.
A amostra foi composta por 11 alunos matriculados no componente curricular. Os critérios para a inclusão dos participantes no estudo foram: estudantes matriculados na disciplina Bases da Semiologia e Semiotécnica da Enfermagem; que tenham participado da aula expositiva da disciplina sobre Processo de Enfermagem; e participaram dos três momentos do experimento (pré-teste, aplicação e pós-teste). Os critérios de exclusão foram: reprovação anterior no componente curricular; e ter cursado anteriormente a disciplina em outra instituição de ensino superior.
A coleta de dados ocorreu por meio de três encontros, sendo o primeiro destinado à apresentação do jogo e aplicação do pré-teste; o segundo foi para a aplicação do jogo sobre raciocínio diagnóstico; e o terceiro para a resposta do instrumento pós-teste. Os instrumentos de coleta de dados foram compostos pela caracterização do estudante, seguidos de dois casos clínicos, com nível de dificuldade semelhante, contendo: descrição do caso, cinco pistas e espaço para inferir o diagnóstico. Esses foram aplicados no momento pré e pós-teste.
Houve a aplicação inicial do jogo em um teste piloto com três alunos do Curso de Graduação em Enfermagem que compuseram a equipe do projeto. As demandas que surgiram quanto à adequação de regras e tempo de condução do jogo foram organizadas antes da aplicação do experimento. A aplicação do teste piloto e do experimento se deu pela pesquisadora responsável. A aplicação dos instrumentos pré e pós-teste, bem como sua correção a partir de chave de respostas ocorreu com estudantes de enfermagem que compuseram a equipe do projeto e sem acesso a distinção entre os instrumentos aplicados no pré ou pós-teste.
O experimento guiado pela aplicação do jogo de tabuleiro Enfermeiro diagnosticador se deu com a separação dos 11 alunos em cinco grupos (um grupo de três componentes e quatro grupos de dois componentes). A tutoria do jogo, conduzida pela pesquisadora responsável, iniciou-se pela explicação das regras, o funcionamento e leitura dos casos e comandos do jogo. Após, realizou-se as cinco rodadas contemplando a resolução dos cinco casos clínicos.
Os dados obtidos nessa terceira etapa foram analisados por meio de estatística descritiva, avaliadas as medidas de tendência central e dispersão, tendo sua normalidade testada por meio do teste de Shapiro-Wilk (p<0,05), bem como valores relativos e absolutos para as variáveis nominais contempladas nos instrumentos.
Para comparar os momentos pré e pós-teste realizou-se a comparação de médias de acertos, por meio do teste de McNemar para comparação intergrupo, adotando-se um nível de significância de 5% (p≤0,05).
Todos os preceitos éticos foram respeitados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição responsável, com parecer nº 2.571.464, CAAE 84373718.3.0000.5294.
Resultados
A construção dos nove casos clínicos ocorreu por meio de pistas para compor o jogo de tabuleiro. Assim, cada um dos casos clínicos foi organizado em cinco pistas que refletem os sinais e sintomas, bem como as etiologias ou fatores de risco, os quais subsidiaram a identificação dos indicadores diagnósticos para compor o diagnóstico de enfermagem esperado.
Os nove casos clínicos abordaram as seguintes temáticas: Adolescente com Risco de sobrepeso; Idosa com Distúrbio no padrão de sono; Portadora de úlcera arterial com dor crônica; idoso em pós-operatório com Risco de lesão por pressão; Idoso hipertenso com Controle ineficaz da saúde; Mulher com Incontinência urinária; Puérpera com Amamentação ineficaz; Homem adulto com Baixa autoestima situacional; e Adolescente com Ansiedade.
Os nove casos clínicos foram avaliados por 19 especialistas. Quanto à caracterização sociodemográfica, a mediana de idade foi de 31 anos (p=0,000), e eram procedentes dos seguintes estados: Rio Grande do Norte (73,7%), Ceará (10,5%), São Paulo (10,5%) e Pernambuco (5,3%).
Apresentaram média de sete anos (p=0,000) de formação em Enfermagem e maior grau de titulação mestre (42,1%). Quanto à área de atuação profissional, à docência se destacou (68,4%), seguido da assistência e pesquisa, ambos com a mesma proporção (15,8%). E 78,9% fazem uso de diagnósticos de enfermagem em sua prática profissional.
A tabela 1 apresenta a adequação de cada caso clínico, seu diagnóstico esperado e nível de complexidade, avaliados pelos especialistas.
Os casos clínicos apresentaram boa adequação, bem como os diagnósticos inferidos foram bem avaliados pelos especialistas. As sugestões enviadas para a melhoria dos casos clínicos foram analisadas e modificadas quando pertinentes. Assim, após a análise de conteúdo, os casos clínicos um e cinco, foram utilizados no momento pré-teste, e os casos oito e nove, no momento pós-teste, uma vez que apresentaram níveis de dificuldade compatíveis para a mensuração da variável de interesse, o raciocínio diagnóstico. Os demais cinco casos clínicos compuseram o jogo educativo. Assim, a figura 1 apresenta o layout do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador, e as figuras 2, 3 e 4 o layout das cartas que compuseram o jogo.
Layout frente e verso da Carta Diagnóstico de enfermagem do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador
Dessa forma, o jogo é composto por um tabuleiro com o espaço de cinco casos clínicos e casas a serem percorridas entre eles. Cada um dos casos cínicos é solucionado separadamente, após a resolução do primeiro avança-se para o próximo. Na figura 1, observa-se o layout do jogo de tabuleiro, contendo as casas que direcionam os jogadores aos casos clínicos. Cada jogador sorteia no dado o número de casas a percorrer. Cada vez que joga o dado e percorre o tabuleiro, ele escolhe um número referente a uma pista do caso que será lida pelo tutor.
O objetivo é percorrer as casas acumulando pistas até alcançar o espaço Caso. Aquele que primeiro alcançar, poderá inferir o diagnóstico de enfermagem. O jogo conta ainda com pinos que representam os enfermeiros diagnosticadores para permitir a identificação desses ao percorrer o tabuleiro, além de um dado que auxilia no sorteio da quantidade de casas a serem percorridas.
Quanto as cartas que compõem o jogo, têm-se as Cartas Caso, contemplando casos clínicos desenvolvidos para subsidiar o raciocínio diagnóstico. A carta contém a descrição inicial do caso que será lida pelo tutor ao início de cada rodada, e uma lista de pistas enumeradas de um a oito. Nestas estão contempladas falas dos pacientes que precisarão ser interpretadas pelos estudantes para a identificação de indicadores diagnósticos, de acordo com as etapas de raciocínio diagnóstico propostas por Gordon.(15)
Assim, outra carta que compõe o jogo é a Carta Pista (Figura 3). Cada participante receberá Cartas Pistas no início do jogo, cada uma delas terá um indicador diagnóstico. As Cartas Pista auxiliarão o enfermeiro diagnosticador a avançar no tabuleiro, e todas juntas solucionarão o diagnóstico de Enfermagem para aquele caso.
Existem ainda Cartas Diagnósticos de enfermagem (Figura 4), contendo o diagnóstico solucionador do caso de forma correta. Esta carta estará disposta no tabuleiro sob o caso clínico o qual pertence e será revelada ao final da solução do caso, comparando as respostas dos enfermeiros diagnosticadores à resposta correta. A partir da proposta final do jogo e aplicação do teste piloto para aprimoramento, o experimento foi realizado.
O tutor iniciou o jogo dividindo aleatoriamente os 11 participantes em cinco grupos. As regras do jogo foram lidas e explicadas. Cada grupo escolheu um pino para o representar no tabuleiro e recebeu um livro da NANDA-I versão 2018-2020 para subsidiar a inferência diagnóstica. O resultado do dado direcionou o jogo indicando a sequência dos grupos. As 25 cartas Pista (referentes à cinco indicadores diagnósticos para cada um dos cinco diagnósticos que compuseram o jogo), foram embaralhadas pelo tutor e distribuídas aleatoriamente entre os grupos.
Assim, iniciou-se o primeiro caso. O tutor realizou a leitura da descrição do caso um contemplado na Carta Caso. O primeiro grupo sorteou no dado a quantidade de casas a avançar e escolheu um número de um a oito. O tutor realizou a leitura da pista escolhida. Após a leitura, os participantes dos cinco grupos interpretaram essa para a linguagem científica e aquele grupo que possuiu a Carta Pista em mãos (características definidoras ou fatores relacionados/de risco) disponibilizou essa sob o tabuleiro e avançou uma casa.
Assim seguiu-se até serem coletadas e interpretadas as cinco pistas para esse caso, que foram agrupadas pelos grupos para a inferência diagnóstica a partir da NANDA-I. O trabalho em equipe entre os grupos é fundamental, em que cada grupo deverá evidenciar os indicadores clínicos que possui a partir das pistas apresentadas pelo tutor, para que em conjunto seja realizado o agrupamento desses.
Ao percorrer as casas, o grupo que primeiro chegou ao espaço Caso expôs sua hipótese diagnóstica que foi confirmada a partir da leitura da carta Diagnóstico de Enfermagem pelo tutor. O mesmo se repete para os próximos casos. Venceu o jogo grupo de enfermeiros diagnosticadores que mais solucionou casos clínicos.
Dessa forma, a aplicação do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador contou com a participação de 11 alunos. A média de idade foi de 23,9 anos, com predomínio do sexo feminino (90,9%). Referente a caracterização educacional, 63,6% concluíram o ensino médio em escolas públicas, 72,7% não possuem formação anterior na área da saúde e apenas 18,1% exercem atividade profissional na área da enfermagem.
A tabela 2 apresenta a comparação de desempenho quanto ao raciocínio diagnóstico dos alunos no momento antes e após a aplicação do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador.
Assim, após a aplicação do jogo de tabuleiro acerca do raciocínio diagnóstico em enfermagem, foi possível comparar o desempenho dos alunos. A inferência diagnóstica correta apresentou diferença estatística significativa na resolução do primeiro (p=0,008) e segundo (p=0,008) diagnósticos, quando comparados os momentos pré e pós-teste. A escrita correta do diagnóstico, fazendo uso de seus conectores, apresentou-se como relevante no momento pós-teste, uma vez que o erro foi unânime no momento pré-teste.
Ademais, cinco indicadores diagnósticos se mostraram significativos estatisticamente, confirmando a diferença dos momentos pré e pós-teste. E todos os itens avaliados apresentaram melhora no momento pós aplicação do jogo educativo.
Discussão
Os resultados obtidos mostram a efetividade do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador no raciocínio diagnóstico de alunos do Curso de Graduação em Enfermagem.
O referido achado corrobora com a literatura acerca das metodologias ativas para a construção do conhecimento, tendo em vista que trazem um caráter crítico-reflexivo que estimula o envolvimento dos indivíduos no processo de aprendizagem.(19) Jogos educativos permitem que ocorram assimilação e acomodação do conteúdo. Dessa forma, o sujeito que participa de sua aplicação necessita utilizar habilidades de pensamento crítico, que são fundamentais no raciocínio diagnóstico em enfermagem.(20)
As limitações que envolvem o ensino tradicional no que concerne à formação em saúde, especialmente para a habilidade de raciocínio diagnóstico em enfermagem, emergem a partir dos resultados obtidos no momento pré-teste do presente estudo. Esse dado corrobora com a literatura ao expressar o diferente desempenho de grupos de alunos que vivenciaram o ensino tradicional quando comparados àqueles que fizeram uso de metodologias ativas em seu processo formativo, para o alcance do raciocínio diagnóstico.(3)
A utilização de jogos no processo aprendizagem se apresenta como uma oportunidade de estimular os estudantes na construção do conhecimento, sendo o docente um intermediador, afastando-se da figura tradicionalista de detentor do saber, e criando um espaço saudável para discussões construtivas.(21)
Estudo aponta para o crescimento expressivo de serious games para o ensino em saúde na última década, em que 60% da literatura foi desenvolvida nos últimos cinco anos.(22) A revolução tecnológica vivenciada na educação de ensino superior permitiu a criação de ferramentas tecnológicas capazes de modificar o processo ensino-aprendizagem, proporcionando centralidade do aluno nesse processo, bem como o aproximando da realidade em que aquele conhecimento será aplicado.
São características de jogos na enfermagem: o sentimento de realização a partir de um objetivo alcançado no decorrer do jogo; a competitividade que impulsiona no envolvimento com a atividade proposta; controle do próprio aluno na condução do seu aprendizado com o desejo em alcançar o objetivo traçado; e curiosidade, fazendo o aluno buscar informações para o alcance dos objetivos.(22) Tais características emergem no jogo de tabuleiro proposto, a partir dos resultados obtidos no momento pós-teste, em que foram alcançados os objetivos de aprendizagem.
Os dados obtidos após aplicação do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador, apresentam significativo avanço, com mais acertos na inferência do diagnóstico e na escrita correta do mesmo.
A literatura não apresenta resultados consistentes referentes a criação e aplicação de jogos de tabuleiro no ensino do raciocínio diagnóstico em enfermagem. Entretanto, estudo que envolve a aplicação de serious games em enfermagem têm sua efetividade comprovada a partir de acertos pós-teste, corroborando aos resultados obtidos no presente estudo.(23)
Ademais, estudo aponta que o cenário para aplicabilidade das metodologias ativas ainda enfrenta problemas nas Instituições de Ensino Superior (IES) que ofertam o Curso de Enfermagem, a partir de dificultadores como: falta de preparo adequado das IES e déficit na qualificação dos docentes para utilizá-las.(24)
Nesse contexto, sobressai o jogo de tabuleiro proposto, uma vez que se destaca como uma estratégia de baixo custo e fácil replicação, a partir da reprodução das cartas, regras e tabuleiro. Essas características tornam a estratégia abrangente para as diferentes realidades de formação em enfermagem, contribuindo para uma educação inovadora e estimulante, com vistas ao alcance de um cuidado qualificado.
As limitações do presente estudo estão relacionadas à sua aplicação em um único centro de ensino, bem como a avaliação dos seus resultados em apenas um momento. Desse modo, sugerem-se novos estudos que possibilitem comparar esses resultados com diferentes instituições de ensino e realizar um acompanhamento a médio e longo prazo do desemprenho dos alunos que fizeram uso do jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador.
Conclusão
O jogo de tabuleiro Enfermeiro Diagnosticador é efetivo para fomentar o raciocínio diagnóstico de alunos de Curso de Graduação em Enfermagem, com destaque para a identificação do título diagnóstico, dos indicadores diagnósticos, bem como sua formulação a partir dos conectores empregados corretamente. Desta forma, almeja-se avançar no estado da arte no que concerne aos jogos educativos de baixo custo e fácil acesso para dar suporte ao raciocínio diagnóstico em enfermagem, e assim, alcançar uma formação em enfermagem que permita o desenvolvimento de habilidades capazes de efetivar um cuidado seguro e resultados positivos em saúde, bem como ao fortalecimento da enfermagem enquanto ciência.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Fev 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
7 Jan 2022 -
Aceito
14 Jun 2022