Resumo
Objetivo
Avaliar a preparação organizacional de um hospital para suportar a translação do conhecimento e a sua incorporação na prática clínica; Identificar as dimensões prioritárias a desenvolver, capazes de suportar a translação do conhecimento e a sua incorporação na prática clínica.
Métodos
Estudo descritivo, exploratório e correlacional, enquadrado no paradigma quantitativo, com aplicação do questionário Organizational Readiness for Knowledge Translation, numa amostra não probabilística de 275 enfermeiros de uma instituição hospitalar.
Resultados
A dimensão “Clima Organizacional para a Mudança”, foi a que reuniu maior consenso, sugerindo, nas equipes, a presença de coesão e abertura orientada para a mudança (média de 34,07 em 50 pontos). A dimensão da “Liderança” (média de 31,26 em 50 pontos) acumulou a menor representação, destacando-se a percepção neutra dos participantes sobre a grande maioria dos itens que compõem esta dimensão; quando analisada o global da escala, a média das respostas situaram-se acima do valor médio.
Conclusão
Evidenciou-se, bom nível de preparação organizacional para a translação do conhecimento, traduzindo uma percepção positiva dos enfermeiros. Verificámos, nas lideranças, dificuldades no processo de planeamento e avaliação, bem como nas atividades promotoras do envolvimento dos colaboradores.
Cutura organizacional; Administração hospitalar; Organizações em saúde; Gestão de mudança
Resumen
Objetivo
Evaluar la preparación organizacional de un hospital para apoyar la transferencia de conocimiento y su incorporación en la práctica clínica. Identificar las dimensiones prioritarias a desarrollar, capaces de apoyar la transferencia de conocimiento y su incorporación en la práctica clínica.
Métodos
Estudio descriptivo, exploratorio y correlacional, enmarcado en el paradigma cuantitativo, con aplicación del cuestionario Organizational Readiness for Knowledge Translation en una muestra no probabilística de 275 enfermeros de una institución hospitalaria.
Resultados
La dimensión “Clima organizacional para el cambio” fue la que reunió mayor consenso, lo que sugiere la presencia de cohesión y apertura al cambio de los equipos (promedio de 34,07 en 50 puntos). La dimensión “Liderazgo” (promedio de 31,26 en 50 puntos) presentó la menor representación, lo que indica la percepción neutra de los participantes sobre la gran mayoría de los ítems que componen esta dimensión. Al analizar el global de la escala, el promedio de las respuestas fue superior al valor promedio.
Conclusión
Se evidenció un buen nivel de preparación organizacional para la transferencia de conocimiento, lo que se traduce en una percepción positiva de los enfermeros. Se observaron dificultades en el proceso de planificación y evaluación por parte de los líderes, así como también en las actividades para promover la participación de los colaboradores.
Cultura Organizacional; Administración hospitalaria; Organizaciones en salud; Gestión del cambio
Abstract
Objective
To evaluate the organizational readiness of a hospital to support knowledge translation and its incorporation into clinical practice; to identify the priority dimensions to be developed to support knowledge translation and its incorporation into clinical practice.
Methods
This was a quantitative, descriptive, exploratory, and correlational study, using the Organizational Readiness for Knowledge Translation questionnaire in a non-probability sample of 275 nurses from a hospital.
Results
The “Organizational Climate for Change” dimension achieved the greatest consensus, suggesting cohesion and openness towards change (mean of 34.07 out of 50 points) in the teams. The “Leadership” dimension (mean of 31.26 out of 50 points) accumulated the least representation, highlighting the participants’ neutral perception about most of the items in this dimension; the mean value of the answers was above the mean value in the global analysis of the scale.
Conclusion
A good level of organizational preparation for the knowledge translation was found, translating a positive nurses’ perception. Some difficulties were identified in the process of planning and evaluation by the leadership, as well as in the activities that promote the involvement of collaborators.
Organizational culture; Hospital administration; Health organizations; Change management
Introdução
Um dos maiores desafios que hoje se coloca aos enfermeiros transcende a geração de evidências, implicando, sobretudo, a sua utilização na prática clínica.(11. Conselho Internacional de Enfermeiros. Combater a desigualdade: da evidência à ação. Suíça: Conselho Internacional de Enfermeiros; 2012. 60 p [citado 2022 Ago 4]. Disponível em: http://www.ordemenfermeiros.pt/publicacoes/Documents/IND Kit 2012 FINAL
http://www.ordemenfermeiros.pt/publicaco...
) Este processo de translação do conhecimento constitui-se como um imperativo para implementar práticas baseadas na investigação, capazes de responder aos desafios com que se confrontam quaisquer sistemas de cuidados de saúde.(22. Gagnon MP, Labarthe J, Légaré F, Ouimet M, Estabrooks CA, Roch G, et al. Measuring organizational readiness for knowledge translation in chronic care. Implement Sci. 2011;6(1):1–10.
3. Ferraz L, Pereira RP, Pereira AM. Knowledge translation and contemporary challenges in the health field: a scope review. Rev Centro Bras Estudos Saúde. 2019;43(2):200-16.
4. McLean RK, Graham ID, Tetroe JM, Volmink JA. Translating research into action: an international study of the role of research funders. Heal Res Policy Syst. 2018;16(1):1–16.-55. Salter KL, Kothari A. Knowledge “Translation” as social learning: negotiating the uptake of research-based knowledge in practice. BMC Med Educ. 2016;16(1):1–10.)
A translação do conhecimento é um processo complexo com múltiplos desafios, em diferentes níveis, relacionados com estruturas, atividades e práticas das organizações,(66. Oborn E, Barrett M, Prince K, Racko G. Balancing exploration and exploitation in transferring research into practice: a comparison of five knowledge translation entity archetypes. Implement Sci. 2013;8(1):1–20.,77. Melnyk BM, Gallagher-Ford L, Long LE, Fineout-Overholt E. The establishment of evidence-based practice competencies for practicing registered nurses and advanced practice nurses in real-world clinical settings : proficiencies to improve healthcare quality , reliability , patient outcomes, and costs. Worldviews Evidence-Based Nurs. 2014;11(1):5–15.) reconhecendo-se que o distanciamento entre a geração do conhecimento e a sua implementação, deve-se, parcialmente, à incapacidade de compreender os fatores organizacionais que afetam a adoção e implementação da inovação.(88. Allen JD, Towne SJ, Maxwell AE, Dimartino L, Leyva B, Bowen DJ, et al. Meausures of organizational characteristics associated with adoption and/or implementation of innovations: a systematic review. BMC Health Serv Res. 2017;17(1):1–10. Review.)
Tem sido crescente o interesse na importância da “mudança organizacional” nas organizações de saúde, como conceito fundamental para a melhoria da qualidade e segurança dos cuidados de saúde, sendo esta qualquer alteração ao nível da composição, estrutura ou comportamento organizacional.(99. Gagnon MP, Attieh R, Ghandour EK, Légaré F, Ouimet M, Estabrooks CA, et al. A systematic review of instruments to assess organizational readiness for knowledge translation in health care. PLoS One. 2014;9(12):1–32. Review.) Este conceito surge ancorado à evidência de que as organizações necessitam de estar preparadas e motivadas para integrar os resultados da investigação. Isto é, as organizações devem possuir um determinado grau de preparação organizacional para a mudança.(22. Gagnon MP, Labarthe J, Légaré F, Ouimet M, Estabrooks CA, Roch G, et al. Measuring organizational readiness for knowledge translation in chronic care. Implement Sci. 2011;6(1):1–10.,1010. Attieh R, Gagnon MP, Estabrooks CA, Légaré F, Ouimet M, Vazquez P, et al. Organizational readiness for knowledge translation in chronic care: a Delphi study. BMC Health Serv Res. 2014;14(1):1–9.)
O conceito de preparação organizacional para a mudança (Organizational Readiness for Change - ORC) deve incluir dois níveis. O primeiro descreve a ORC em termos psicológicos (atitudes, crenças e intenções dos membros da organização), o segundo descreve-o em termos estruturais, dando ênfase às capacidades e recursos organizacionais.(1111. Weiner BJ. A theory of organizational readiness for change. Implement Sci. 2009;4(1):1–9.)
Esta combinação de componentes, capitalizando níveis: individual e organizacional, enformam a definição do conceito da preparação organizacional para a mudança como um estado psicológico partilhado, em que os membros da organização sentem-se motivados para implementar uma mudança organizacional e confiam nas suas capacidades coletivas para o fazer(22. Gagnon MP, Labarthe J, Légaré F, Ouimet M, Estabrooks CA, Roch G, et al. Measuring organizational readiness for knowledge translation in chronic care. Implement Sci. 2011;6(1):1–10.)ou, ainda, o grau em que os membros da organização estão psicologicamente preparados para implementar a mudança.(1212. Puchalski Ritchie LM, Straus SE. Assessing organizational readiness for change: Comment on “development content validation of a transcultural instrument to assess organizational readiness for knowledge translation in healthcare organizations: the OR4KT.” Int J Heal Policy Manag. 2019;8(1):55–7.)
Fará sentido considerar que avaliar a preparação organizacional para a mudança é um passo essencial para a sua implementação.(1313. Gagnon MP, Attieh R, Dunn S, Grandes G, Bully P, Estabrooks CA, et al. Development and content validation of a transcultural instrument to assess organizational readiness for knowledge translation in healthcare organizations: the OR4KT. Int J Heal Policy Manag. 2018;7(9):791–7.,1414. Pittman J, Cohee A, Storey S, LaMothe J, Gilbert J, Bakoyannis G, et al. A multisite health system survey to assess organizational context to support evidence-based practice. Worldviews Evidence-Based Nurs. 2019;16(4):271–80.) No entanto, sabemos que avaliar este nível de preparação permanece complexo, desafiador e inconsistente.(88. Allen JD, Towne SJ, Maxwell AE, Dimartino L, Leyva B, Bowen DJ, et al. Meausures of organizational characteristics associated with adoption and/or implementation of innovations: a systematic review. BMC Health Serv Res. 2017;17(1):1–10. Review.)
Face a esta conjuntura, investigadores(1313. Gagnon MP, Attieh R, Dunn S, Grandes G, Bully P, Estabrooks CA, et al. Development and content validation of a transcultural instrument to assess organizational readiness for knowledge translation in healthcare organizations: the OR4KT. Int J Heal Policy Manag. 2018;7(9):791–7.) desenvolveram, adaptaram e validaram o Organization Readiness for Knowledge Translation (OR4KT), um instrumento destinado a avaliar a preparação organizacional para a translação do conhecimento nas organizações de saúde, considerado pela comunidade científica como um instrumento notável, promissor e de grande utilidade para realizar um diagnóstico de situação organizacional, quando se pretende implementar alguma mudança baseada na evidência, bem como monitorizar mudanças durante um determinado período de tempo.(1212. Puchalski Ritchie LM, Straus SE. Assessing organizational readiness for change: Comment on “development content validation of a transcultural instrument to assess organizational readiness for knowledge translation in healthcare organizations: the OR4KT.” Int J Heal Policy Manag. 2019;8(1):55–7.,1515. Nuño-Solinís R. Are healthcare organizations ready for change?: Comment on “development and content validation of a transcultural instrument to assess organizational readiness for knowledge translation in healthcare organizations: the OR4KT.” Int J Heal Policy Manag. 2018;7(12):1158–60.,1616. Gagnon MP, Attieh R, Dunn S, Grandes G, Bully P, Estabrooks CA, et al. Future directions for the organizational readiness for knowledge translation (Or4kt) tool: response to recent commentaries. Int J Heal Policy Manag. 2019;8(5):315–6.)
Foram definidos como objetivos deste estudo na área da enfermagem: Avaliar a preparação organizacional de um hospital para suportar a translação do conhecimento e a sua incorporação na prática clínica; Identificar as dimensões/subdimensões prioritárias a desenvolver, capazes de suportar a translação do conhecimento e a sua incorporação na prática clínica.
Métodos
Estudo descritivo, exploratório e correlacional, enquadrado no paradigma quantitativo. Como critério de inclusão, foi definido que os enfermeiros teriam de exercer funções, há pelo menos seis meses, na instituição hospitalar onde foi efetuada a pesquisa. Foi utilizada uma amostragem não probabilística, sendo distribuídos 347 questionários para serem autopreenchidos, tendo sido devolvidos 275 documentos válidos, resultando numa taxa de adesão de 79,25%, o que garante um grau de confiança de 95%, com uma margem de erro de 3%.
O estudo obteve o parecer favorável da Comissão de Ética Nº2 /2020 da instituição hospitalar. Os enfermeiros aceitaram, voluntariamente, participar no estudo, preenchendo o respetivo consentimento informado. Foi garantido o anonimato e confidencialidade dos dados colhidos, bem como o seu uso exclusivo no âmbito da presente investigação. O período para a aplicação dos questionários foi de 2 semanas e operacionalizou-se entre fevereiro e março de 2020.
Neste estudo, considerou-se como variável principal, a “Preparação Organizacional para a Translação do Conhecimento” que foi medida, recorrendo ao questionário Organizational Readiness for Knowledge Transation (OR4KT) (Quadro 1), numa versão teste/preliminar portuguesa do OR4KT, inserindo-se num projeto multicêntrico para a validação futura do instrumento OR4KT para a realidade portuguesa, após avaliação das respetivas propriedades psicométricas.
Foram identificadas, como variáveis secundárias, as sociodemográficas (Sexo; Idade; Escolaridade) e profissionais (Título Profissional; Detenção da Competência Acrescida Avançada em Gestão; Área de Especialização; Funções de direção, chefia ou coordenação; Área/contexto de atividade clínica; Tempo de exercício profissional; Tempo de exercício profissional na instituição; Tempo de exercício profissional na área/contexto onde exerce, predominantemente, a sua prática clínica).
O questionário, de preenchimento individual, é constituído por dois grupos de questões. O primeiro desenvolve-se num conjunto de 59 questões, agrupadas em seis dimensões num total de 24 subdimensões, que foram avaliadas com recurso a uma escala do tipo Likert, que oscila entre 1 (Totalmente em desacordo) e 5 (Totalmente de acordo). O questionário foi complementado por um segundo grupo de questões relacionadas com a caracterização sociodemográfica e profissional dos enfermeiros. Para o tratamento de estatística descritiva e inferencial dos dados, foi usado o Statistical Package for the Social Sciences, versão 22 (SPSS22). Após análise estatística, os resultados obtidos demonstraram que esta versão, que mantém os 59 itens e as seis subescalas da versão original, apresenta consistência interna global de Alfa de Cronbach=0,949.
Resultados
Verificou-se que, dos 275 enfermeiros em estudo, a maioria (79,6%) era do sexo feminino. Quanto à idade dos participantes, verificou-se heterogeneidade, sendo que, com maior representação percentual, temos o grupo com idades entre os 31 e 40 anos, com 43,3%, aferindo-se que a média de idades foi de 40,13 anos. No que concerne às habilitações académicas, 93,8% dos participantes possui Licenciatura. Em relação ao título profissional, verificou-se que 78,9% da amostra era constituída por enfermeiros de cuidados gerais e que 21,1% eram detentores de uma especialização em enfermagem. Analisando os dados relativos às subescalas da OR4KT (Figura 1), o posicionamento dos enfermeiros sobre a percepção acerca das dimensões e subdimensões que representam a preparação organizacional para a translação do conhecimento.
Na dimensão Clima Organizacional para a Mudança, percebemos que a coesão da equipe conquistou as três maiores representações percentuais. Os participantes concordam com a afirmação, “Os profissionais trabalham em equipe”, com 47,3%, seguido de “Os profissionais habitualmente são rápidos para se entreajudarem quando necessário”, com 49,8%, e, em terceiro, “A confiança mútua entre profissionais é forte”, com 44,7%. Na dimensão Fatores do Contexto Organizacional destacam-se com os maiores valores percentuais, “Os profissionais têm sentido de responsabilidade pessoal para melhorar os cuidados ao cliente e os resultados”, “cooperam para manter e melhorar a efetividade dos cuidados ao cliente” e “estão disponíveis a inovar e/ou experimentar para melhorar os procedimentos clínicos”. Nestes três itens, as respostas dos enfermeiros reuniram valores percentuais na ordem dos 60%, em torno da resposta “concordo”. Adicionalmente, 49,1% dos enfermeiros não estão de acordo com a afirmação de que “tem o apoio necessário em termos de formação”.
Relativamente à dimensão do Conteúdo da Mudança, que se pretende avaliar de que modo os participantes percebem a complexidade da mudança, registou-se que 57,5% dos enfermeiros concordaram que “geralmente existe capacidade para se adaptarem às novas normas ou procedimentos, mesmo que sejam impostas”, seguindo-se, respectivamente, 53,5% e 49,5% dos enfermeiros que concordam com a afirmação “as pessoas estão dispostas a ajustarem o trabalho habitual em resposta ao que sucede à sua volta” e que “existe flexibilidade para lidar com a mudança”. Na dimensão da Liderança, se acumularam os seguintes maiores valores percentuais dos itens avaliados: “Os parceiros externos estão envolvidos no processo de planejamento”, com 60%, “Existe um responsável sobre as decisões inovadoras nos conselhos de administração/diretivos”, com 54,9% e “Existe um responsável sobre as decisões inovadoras nas direções clínicas”, com 51,6%.
Relativamente aos restantes itens que avaliaram a percepção dos participantes, à subdimensão “Nível de envolvimento adequado”, é de salientar a consistência dos resultados obtidos, em que cerca de 50% dos enfermeiros têm uma percepção neutra nos 3 itens avaliados. Na dimensão do Suporte Organizacional registra-se, de forma expressiva, que “os membros da equipe suportam na prática novas ideias e a sua aplicação”, “os membros da equipe cooperam de forma a ajudar no desenvolvimento e aplicação de novas ideias” e “os membros da equipe disponibilizam e partilham recursos na aplicação de novas ideias”, que acumularam as percentagens mais elevadas, com 61,5%, 56% e 50,5%, respetivamente, e agrupadas na resposta “De acordo”.
Dos resultados obtidos na dimensão da Motivação, mais uma vez verificamos que 9 dos 10 itens mereceram uma resposta neutra por parte dos participantes, materializando esta dimensão como a que reuniu a segunda média mais baixa, logo atrás da dimensão da Liderança. Globalmente verificou-se que, no total da escala, a média das respostas foi de 193,44 pontos com uma variação entre os 121 e os 276. Recorde-se que a OR4KT prevê uma variação entre os 59 e os 295.
Considerando a facilidade de interpretação, e repetindo o procedimento realizado noutro estudo,(1717. Grandes G, Bully P, Martinez C, Gagnon MP. Validity and reliability of the Spanish version of the Organizational Readiness for Knowledge Translation (OR4KT) questionnaire. Implement Sci. 2017;12(1):1–11.) normaliza-se o valor da escala OR4KT, para uma escala de 0 a 100, o que permitiu observar que, na nossa amostra, o valor total obtido foi de 65,57. Os mesmos investigadores(1717. Grandes G, Bully P, Martinez C, Gagnon MP. Validity and reliability of the Spanish version of the Organizational Readiness for Knowledge Translation (OR4KT) questionnaire. Implement Sci. 2017;12(1):1–11.)sugeriram, como ponto ótimo de “cut-off”, para considerar uma organização com bom nível de preparação organizacional para a implementação de mudanças, um valor superior a 64,48 (sensibilidade=0,75; especificidade=1), pelo que inferimos que no contexto em estudo poderá ser classificado com um bom nível de preparação organizacional para a translação do conhecimento e a sua incorporação na prática clínica. Relativamente à distribuição das dimensões e subdimensões da cultura organizacional em relação a translação do conhecimento nas variáveis sociodemográficas e profissionais, observa-se uma série de correlações (Quadro 2) entre as diversas subescalas e a escala total com algumas das variáveis profissionais.
Relativamente à escala total, os resultados com diferenças estatisticamente significativas alinharam-se na relação com o título profissional, o tempo de exercício profissional e o tempo de exercício profissional na instituição.
Discussão
Reconhecemos como eventual limitação do estudo a utilização de uma versão teste/preliminar da versão portuguesa do OR4KT. Apesar de registar propriedades psicométricas adequadas, a sua validação plena carece de uma análise fatorial confirmatória com base numa amostragem multicêntrica que se encontra em curso. Quando analisamos o Clima Organizacional para a mudança, observamos uma “atitude” positiva dos enfermeiros face a esta condição, reconhecendo-se que relações profissionais positivas e baseadas na confiança, antes e durante a implementação, constituem elementos facilitadores.(1818. Lau R, Stevenson F, Ong BN, Dziedzic K, Treweek S, Eldridge S, et al. Achieving change in primary care-causes of the evidence to practice gap: systematic reviews of reviews. Implement Sci. 2016;11:40. Review.,1919. Nilsen P, Schildmeijer K, Ericsson C, Seing I, Birken S. Implementation of change in health care in Sweden: A qualitative study of professionals’ change responses. Implement Sci. 2019;14(1):51.)
No entanto, entendemos como elevado, o grau de indiferença ou neutro com que os participantes respondem às questões relacionadas com a comunicação sobre a mudança e a atitude dos gestores para a mudança, itens que acumularam as maiores frequências, no grau neutro, entre a concordância e a rejeição, atitude que aparenta ser comum nos profissionais de saúde que já viveram mudanças no seu local de trabalho e que foram consideradas um insucesso.(1919. Nilsen P, Schildmeijer K, Ericsson C, Seing I, Birken S. Implementation of change in health care in Sweden: A qualitative study of professionals’ change responses. Implement Sci. 2019;14(1):51.,2020. Beer M, Nohria N. Cracking the code of change. Harv Bus Rev. 2000;78(3):133-41.) Como agravante, salientamos que 70% das iniciativas de mudança nas organizações não são bem-sucedidas, o que poderá tender para uma atitude de cinismo e pessimismo dos profissionais em relação aos processos de mudança.(1515. Nuño-Solinís R. Are healthcare organizations ready for change?: Comment on “development and content validation of a transcultural instrument to assess organizational readiness for knowledge translation in healthcare organizations: the OR4KT.” Int J Heal Policy Manag. 2018;7(12):1158–60.,1919. Nilsen P, Schildmeijer K, Ericsson C, Seing I, Birken S. Implementation of change in health care in Sweden: A qualitative study of professionals’ change responses. Implement Sci. 2019;14(1):51.)
Observando a dimensão Fatores do Contexto Organizacional, os dados sugerem um compromisso dos enfermeiros com o seu mandato social e natureza profissional, o que revela, responsabilização, consciencialização profissional e uma valorização da importância que é atribuída à melhoria contínua da qualidade dos cuidados prestados à pessoa e à obtenção de ganhos em saúde. Estes resultados sobrepõem-se aos apresentados por outros investigadores(2121. Pereira R, Cardoso M, Martins M. Atitudes e barreiras à prática de enfermagem baseada na evidência em contexto comunitário. Rev Enferm Ref. 2012;3(7):55–62.) em que os enfermeiros também demonstraram elevada convicção de que uma PBE conduzirá a melhores cuidados e práticas clínicas, associando esta dimensão a um maior desenvolvimento profissional.(1414. Pittman J, Cohee A, Storey S, LaMothe J, Gilbert J, Bakoyannis G, et al. A multisite health system survey to assess organizational context to support evidence-based practice. Worldviews Evidence-Based Nurs. 2019;16(4):271–80.)
Adicionalmente, constatamos, que os dados apurados esbarram numa expressiva percentagem de 49,1% em que enfermeiros não estão de acordo com a afirmação de que “tem o apoio necessário em termos de formação”. Este dado destaca-se por demonstrar o reconhecimento por parte da classe de enfermagem, da importância da formação contínua no seu exercício profissional, mas que, e em linha com outros autores,(2222. Pereira R. Eficácia clínica e prática baseada em evidências: avaliação de atitudes, competências e práticas. In: Digital EC, editor. Teoria e Prática de Enfermagem - da atenção básica à alta complexidade. Guarujá (SP): Editora Científica Digital; 2021. p. 15–35.) reflete a necessidade de maior suporte por parte da organização e líderes.
Na dimensão “Conteúdo da Mudança”, consideramos as atitudes dos participantes perante a gestão da mudança, como positivas, tendo em conta a evidência consultada,(2323. Shafaghat T, Imani Nasab MH, Bahrami MA, Kavosi Z, Roozrokh Arshadi Montazer M, Rahimi Zarchi MK, et al. A mapping of facilitators and barriers to evidence-based management in health systems: a scoping review study. Syst Rev. 2021;10(1):42. Review.
24. Kaplan L, Zeller E, Damitio D, Culbert S, Bayley KB. Improving the culture of evidence-based practice at a magnet® hospital. J Nurses Prof Dev. 2014;30(6):274–80.-2525. Apóstolo JL. Síntese da evidência no contexto da translação da ciência. Coimbra, Portugal: Escola Superior de Enfermagem de Coimbra; 2017. 125 p.) que mapeia a confiança, pessoal e interpessoal, a consciencialização e reconhecimento da necessidade para a mudança, os valores e expetativas, como determinantes facilitadores da gestão da mudança.
Na dimensão da Liderança, verificou-se realidade diferente das anteriores, representando a dimensão menos pontuada, resultado paralelo ao estudo desenvolvido para validação da versão espanhola do OR4KT.(1717. Grandes G, Bully P, Martinez C, Gagnon MP. Validity and reliability of the Spanish version of the Organizational Readiness for Knowledge Translation (OR4KT) questionnaire. Implement Sci. 2017;12(1):1–11.)
Numa filosofia de gestão da mudança, deverá ser motivo de reflexão dos resultados obtidos nas subdimensões do processo de planeamento. A este respeito, uma das quatro funções instrumentais da gestão (Planejar, Organizar, Dirigir e Controlar), 60% dos participantes têm uma percepção neutra, o que parece sugerir, nas lideranças, dificuldades neste processo. Existem evidências de que a experimentação do processo de planejamento nos serviços de saúde assiste na busca de soluções sólidas e inovadoras, capazes de aspirar a um ciclo de mudanças organizacionais. Cumprir com este pressuposto poderá permitir arrastar a equipe de enfermagem para um processo de melhoria da qualidade dos cuidados e, por essa razão, entendemos que o enfermeiro gestor deverá ser um agente de mudança, liderando estes esforços.(2626. Mateus D, Serra S. Gestão em Saúde: liderança e comportamento organizacional para enfermeiros gestores. Lusodidacta: Loures; 2017. 165 p.)
Esta relação permite-nos evoluir para a importância da subdimensão do envolvimento dos colaboradores, que mereceu uma percepção menos positiva pelos participantes. Esta postura afasta-se da literatura sobre a implementação da mudança nas organizações de saúde, onde a condição “envolvimento” reúne consenso alargado, quanto ao seu papel nos processos de mudança, nomeadamente, na implementação de uma PBE.(66. Oborn E, Barrett M, Prince K, Racko G. Balancing exploration and exploitation in transferring research into practice: a comparison of five knowledge translation entity archetypes. Implement Sci. 2013;8(1):1–20.,1414. Pittman J, Cohee A, Storey S, LaMothe J, Gilbert J, Bakoyannis G, et al. A multisite health system survey to assess organizational context to support evidence-based practice. Worldviews Evidence-Based Nurs. 2019;16(4):271–80.,2727. West M, Armit K, Loewenthal L, Eckert R, West T, Lee A. Leadership and Leadership development in health care: the evidence base. The Faculty of Medical Leadership and Management. London: Faculty of Medical Leadership and Management; 2015. 36 p.,2828. Fischer S, Horak D, Kelly L. Decisional involvement: differences related to nurse characteristics, role, and shared leadership participation. J Nurs Care Qual. 2018;33(4):354–60.)
Estes dados demonstram a importância do líder na promoção da mudança, pressionando para que se realizem mudanças e promovendo um clima de trabalho que utiliza o processo da PBE para questionar, adquirir, avaliar, aplicar e analisar a informação.(2424. Kaplan L, Zeller E, Damitio D, Culbert S, Bayley KB. Improving the culture of evidence-based practice at a magnet® hospital. J Nurses Prof Dev. 2014;30(6):274–80.)Esta evidência merece especial atenção, tendo em conta que apenas 44% dos enfermeiros concordam com a afirmação “os gestores participam nos processos de mudança”.
Na dimensão Suporte Organizacional, verificamos uma percepção ligeiramente positiva. A interpretação destes resultados permite destacar atitude favorável dos profissionais face à mudança, considerando a utilização da evidência como um valor organizacional, em oposição a falta de confiança acerca do valor e da qualidade da evidência, ou mesmo a resistência para a mudança, considerados como barreiras para a implementação da evidência.(2323. Shafaghat T, Imani Nasab MH, Bahrami MA, Kavosi Z, Roozrokh Arshadi Montazer M, Rahimi Zarchi MK, et al. A mapping of facilitators and barriers to evidence-based management in health systems: a scoping review study. Syst Rev. 2021;10(1):42. Review.)
Porém, nas subdimensões da Monitorização, Avaliação e Feedback, percebemos que esta função instrumental da gestão é percebida pelos participantes como neutra, sugerindo uma percepção menos positiva das funções exercidas pelos enfermeiros gestores, o que se configura dificultador, tendo em conta que no âmbito organizacional, a monitorização, avaliação e disseminação dos resultados apresentam-se como componentes cruciais para a utilização de pesquisas na prática dos enfermeiros.(2929. Camargo FC, Iwamoto HH, Galvão CM, Monteiro DA, Goulart MB, Garcia LA. Models for the implementation of evidence-based practice in hospital based nursing: a narrative review. Texto Context Enferm. 2017;26(4):1–12.)
A dimensão da Motivação acumulou a segunda pior média, logo atrás da dimensão da Liderança. Este grau de motivação representa um motivo de preocupação reconhecendo-se que, na prática diária do enfermeiro, a motivação surge como condição fundamental na procura de maior eficiência e, consequentemente, de maior qualidade na atividade assistencial, determinantes que podemos aliar à satisfação dos profissionais.(2626. Mateus D, Serra S. Gestão em Saúde: liderança e comportamento organizacional para enfermeiros gestores. Lusodidacta: Loures; 2017. 165 p.,3030. Junqueira MG. Liderança do Enfermeiro Chefe e Motivação dos Enfermeiros Subordinados (tese). Aveiro, Portugal: Universidade de Aveiro; 2006.)
O desenvolvimento da relação entre liderança e motivação, no seio da enfermagem, constitui um elemento chave para a dinâmica das equipes de trabalho, sendo que o enfermeiro gestor tem um papel fundamental, enquanto gestor da liderança, crucial para o funcionamento eficaz das organizações, e gestor da motivação, necessidade essencial para o bom funcionamento dos grupos de trabalho.(3131. Pina e Cunha M, Rego A, Campos e Cunha R. Cabral-Cardoso C, Marques C, Gomes J. Manual de Gestão de Pessoas e do Capital Humano. 2a Edição. Lisboa: Sílabo; 2010. 896 p.
32. Ferreira JM, Neves J, Caetano A. Manual de Psicossociologia das Organizações. Lisboa: Editora Escolar; 2011. 722 p.
33. Camara PB, Guerra PB, Rodrigues JV. Humanator XXI - Recursos Humanos e Sucesso Empresarial. 7a Edição. Alfragide, Amadora: Dom Quixote; 2016. 331 p.-3434. Teixeira S. Gestão das Organizações. 3a Edição. Lisboa: Editora Escolar; 2017. 480 p.)
Conclusão
Os resultados demonstram no seu conjunto um bom nível de preparação organizacional para implementar mudanças no contexto estudado. Embora possamos individualizar condições facilitadoras/dificultadoras do processo de implementação das mudanças, será fundamental considerá-las como um todo, numa perspetiva sistemica, integrada e integradora.
O desenvolvimento de competências de liderança pelos enfermeiros gestores deve orientar-se para as funções instrumentais da gestão, o planejamento e o controle, nomeadamente, nas competências relacionadas com o planejamento estratégico e elaboração de projetos e programas na área da qualidade e nas competências relacionadas com metodologias de avaliação e medição de resultados e monitorização de indicadores.
Existe a necessidade de construção de intervenções formativas que respondam às necessidades reportadas, capacitando os enfermeiros para a utilização da investigação numa atitude de proatividade e permanente questionamento das práticas. Devem igualmente ser ponderadas abordagens multimétodos através de intervenções individualizadas e dirigidas a cada situação e contexto do exercício, segundo as quais a PBE poderá ser fomentada.
O suporte organizacional será um catalisador para futuros esforços da organização, dirigidos às necessidades formativas dos enfermeiros e à disponibilidade de recursos. Será fundamental promover nas organizações, culturas em que o envolvimento e o empoderamento dos profissionais se alinham com uma liderança transformacional, preditora de qualidade de cuidados nas organizações de saúde.
Agradecimentos
Os autores agradecem às diversas entidades e personalidades envolvidas neste projeto, reconhecendo e manifestando particular gratidão a todos os enfermeiros que concordaram em participar no mesmo.
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Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Fev 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
13 Mar 2022 -
Aceito
29 Ago 2022