Resumo
Objetivo Identificar a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e fatores associados em pessoas vivendo com HIV (PVHIV).
Métodos Trata-se de um estudo transversal retrospectivo realizado por meio de uma análise secundária dos dados coletados entre outubro de 2014 a maio de 2018. O banco analisado incluiu amostra de 550 pessoas, provenientes de cinco Serviços de Atendimento Especializado. Foi realizado teste qui-quadrado, Odds Ratio (OR), Razão de Prevalência (RP) e seus respectivos Intervalos de Confiança (IC) de 95%, teste de Wald da estimativa e valor p<0,05.
Resultados As doenças crônicas não transmissíveis mais prevalentes foram hipertensão arterial (17,89%), diabetes mellitus (7,51%) e Doença Renal Crônica (4,83%). Ter doença crônica foi associado ao sexo feminino (RP=1,18, OR=1,3, p=0,022), idade maior que 45 anos (RP=2,15, OR=6,36, p=0,001), tempo de estudo menor ou igual a oito anos (RP=1,23, OR=1,92, p=0,005), ter dislipidemia (RP=1,16, OR=2,01, p=0,001), carga viral detectável (RP=2,32, OR=2,59, p=0,001) e a contagem de células TCD4+ menor que 350 células/mm3 (RP=1,5, OR= 1,6, p=0,019), o padrão se repetiu com a razão de prevalência.
Conclusão Identificou-se alta prevalência de doenças crônicas não transmissíveis entre pessoas vivendo com HIV e diversos fatores associados, considerando assim uma exposição multifatorial. Neste contexto, ressalta-se o importante papel da equipe multiprofissional na prevenção das comorbidades.
Doença crônica; Comorbidade; Doenças não transmissíveis; HIV; Prevalência; Fatores de risco
Resumen
Objetivo Identificar la prevalencia de enfermedades crónicas no transmisibles y factores asociados en personas que viven con el VIH (PVVIH).
Métodos Se trata de un estudio transversal retrospectivo realizado mediante un análisis secundario de los datos recopilados entre octubre de 2014 y mayo de 2018. El banco analizado incluyó la muestra de 550 personas provenientes de cinco Servicios de Atención Especializada. Se realizó la prueba χ2 de Pearson, Odds Ratio (OR), Razón de Prevalencia (RP) y sus respectivos Intervalos de Confianza (IC) del 95 %, prueba de Wald de la estimación y valor p<0,05.
Resultados Las enfermedades crónicas no transmisibles más prevalentes fueron la hipertensión arterial (17,89 %), diabetes mellitus (7,51 %) y enfermedad renal crónica (4,83 %). Padecer enfermedad crónica estuvo asociado al sexo femenino (RP=1,18, OR=1,3, p=0,022), edad superior a 45 años (RP=2,15, OR=6,36, p=0,001), tiempo de estudio inferior o igual a ocho años (RP=1,23, OR=1,92, p=0,005), padecer dislipidemia (RP=1,16, OR=2,01, p=0,001), carga viral detectable (RP=2,32, OR=2,59, p=0,001) y el recuento de células TCD4+ inferior a 350 células/mm3 (RP=1,5, OR= 1,6, p=0,019), el patrón se repitió con la razón de prevalencia.
Conclusión Se Identificó alta prevalencia de enfermedades crónicas no transmisibles en personas que viven con el VIH y distintos factores asociados, considerando, de esa forma, una exposición multifactorial. En este contexto, se destaca el importante papel del equipo multiprofesional para la prevención de las comorbilidades.
Enfermedad crónica; Comorbilidad; Enfermedades no transmisibles; VIH; Prevalencia; Factores de riesgo
Abstract
Objective To identify the prevalence of chronic non-communicable diseases and associated factors in people living with HIV (PLHIV).
Methods This is a retrospective cross-sectional study carried out through a secondary data analysis, collected between October 2014 and May 2018. The analyzed database included a sample of 550 people from five Specialized Care Services. Chi-square test, Odds Ratio (OR), Prevalence Ratio (PR) and their respective Confidence Intervals (CI) of 95%, Wald test of the estimate and p-value <0.05 were performed.
Results The most prevalent chronic non-communicable diseases were hypertension (17.89%), diabetes mellitus (7.51%) and chronic kidney disease (4.83%). Having a chronic disease was associated with being female (PR=1.18, OR=1.3, p=0.022), age greater than 45 years (PR=2.15, OR=6.36, p=0.001), study time less than or equal to eight years (PR=1.23, OR=1.92, p=0.005), having dyslipidemia (PR=1.16, OR=2.01, p=0.001), detectable viral load (PR=2.32, OR=2.59, p=0.001) and TCD4+ cell count less than 350 cells/mm3 (PR=1.5, OR= 1.6, p=0.019). The pattern was repeated with the Prevalence Ratio.
Conclusion A high prevalence of chronic non-communicable diseases was identified among people living with HIV and several associated factors, thus considering a multifactorial exposure. In this context, the important role of a multidisciplinary team in comorbidity prevention is emphasized.
Chronic disease; Comorbidity; Noncommunicable diseases; HIV; Prevalence; Risk factors
Introdução
A infecção pelo vírus do HIV é considerada uma doença infecciosa crônica. A cronicidade possibilita maior sobrevida e novas perspectivas para as pessoas que vivem com HIV (PVHIV).(1) Estima-se que mais de 70% das PVHIV no mundo terão idade maior ou igual a 50 anos em 2030.(2) Tal fato culmina em aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), o que pode estar associado ao próprio envelhecimento, ao tempo de exposição ao HIV, à ocorrência de efeitos adversos dos fármacos utilizados na terapia antirretroviral (TARV) ou todos esses fatores juntos.(1)
As DCNT constituem a maior carga de morbimortalidade do mundo.(3)Segundo dados atuais da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças do aparelho circulatório, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas correspondem a cerca de 72% (41 milhões) de mortes a cada ano.(3) Evidências indicam que o aumento dos fatores de risco relacionados ao estilo de vida como: uso de tabaco, consumo de bebidas alcoólicas, sedentarismo e consumo de alimentos não saudáveis, acrescidos dos fatores de risco tradicionais e os específicos relacionados com a infecção pelo HIV contribuem progressivamente para o surgimento e/ou agravamento dessas doenças entre as PVHIV.(4,5)
Nos países em desenvolvimento, em todas as camadas socioeconômicas, observa-se alta prevalência de multimorbidades e mortalidade por essas enfermidades.(6) Em contrapartida, os indivíduos de maior vulnerabilidade, dentre elas as PVHIV, possuem uma representatividade ainda mais intensa.(4)As PVHIV acometidas com DCNT estão associadas com piores desfechos clínicos, maior utilização dos serviços de saúde, maior número de hospitalizações e consequentemente maiores gastos com a saúde.(7)Além de que diferentes combinações de doenças atingem negativamente a saúde das pessoas afetadas e divergem nos cuidados a serem aplicados.(8)
Repercussões em níveis econômicos de países de baixa e média renda associadas a DCNT são preocupantes. Estima-se um gasto de aproximadamente US$ 7 trilhões entre os anos de 2011 a 2025.(6)O Plano de Ação Global de DCNT, aprovado pela Assembleia Mundial da Saúde, estabeleceu metas definidas, dentre elas estão: redução dos fatores de risco, da prevalência e da mortalidade por DCNT em 25% até 2025, melhora no acesso a medicamentos, tratamento adequado e a exames laboratoriais.(6) Tais metas resultam em melhorias na assistência prestada e maior qualidade de vida destas pessoas.(3)
Estudos nesta temática são necessários tanto para o embasamento científico e planejamento de ações de cunho nacional quanto para fortalecer e fundamentar planos de ações dos profissionais de saúde que lidam diretamente na assistência às PVHIV, seja nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou nos Serviços de Atendimento Especializado (SAE). Logo, a promoção da saúde é primordial para a qualidade de vida das mesmas. Visto que há uma tendência de continuar a crescer substancialmente a proporção de PVHIV com DCNT nas próximas décadas.(5)
Portanto, o monitoramento da prevalência das DCNT e os fatores associados entre PVHIV são importantes para obter indicadores essenciais para definição e implementação de políticas de saúde voltadas para a prevenção e o controle desses agravos.
Em vista do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e fatores associados em pessoas vivendo com HIV.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal retrospectivo realizado por meio de uma análise secundária dos dados coletados entre outubro de 2014 a maio de 2018.(9,10) A união dos dados analisados foi realizada entre abril e maio de 2021. A população do estudo compreendeu às PVHIV assistidas pelos SAE de um município do interior paulista.
O banco analisado incluiu uma amostra de 550 PVHIV provenientes de cinco SAE. O município investigado é organizado em cinco distritos sanitários e cada distrito possui um SAE, três são Centros de Referência em Doenças Sexualmente Transmissíveis/aids e dois são ambulatórios de especialidades, todos vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nos estudos, para composição da amostra, foram adotados cálculos considerando uma prevalência de 50%, α=5% e erro relativo de 10%. Os dados representam a estratificação das PVHIV, com uma amostra de cada distrito sanitário. Nesta investigação, 60% dos investigados representam o distrito central, 7,6% o norte, 9% o leste, 14,2% o oeste e 9% o sul.
Neste estudo foram analisados dados de PVHIV que obedeceram aos critérios de elegibilidade previamente adotados pelos estudos anteriores.(9,10) Como critério de inclusão: pessoas com 18 anos ou mais, ambos os sexos, que tinham acompanhamento clínico-ambulatorial em um dos SAE, que estavam em uso regular de TARV e que tivessem resultados dos exames clínicos laboratoriais registrados nos prontuários. Como critério de exclusão: as gestantes e indivíduos em situação de confinamento (presidiários, institucionalizados ou residentes em casa de apoio). Nos estudos anteriores, estes não foram considerados como critérios de exclusão.(9,10)
O desfecho primário foi ter o diagnóstico médico de uma ou mais doenças crônicas não transmissíveis (hipertensão arterial-HA, diabetes mellitus-DM e Doença Renal Crônica-DRC) registradas no prontuário. No caso dos pacientes diagnosticados com DRC, o diagnóstico foi identificado no prontuário, e também a partir do cálculo da estimativa da Taxa de Filtração Glomerular (eTFG) <60mL/min/1,73m2 estimada pela Equação do grupo Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI) de no mínimo duas medidas de eTFG com intervalo de 3 meses, por meio de informações sobre creatinina sérica, idade, sexo e raça.(11) Foram coletados dois resultados de exames de creatinina sérica em um intervalo de 3 meses entre cada.
As seguintes variáveis independentes foram analisadas: sexo (masculino/feminino), idade (<45 anos/ ≥45 anos), escolaridade (<8 anos/ ≥8 anos), cor de pele (amarela/branca/preta/parda/não declarado), tabagismo (sim/não), dislipidemia (sim/não), história familiar de DCNT (sim/não), tempo de uso de TARV (<3 anos/ ≥3 anos), tempo de diagnóstico (≤3 anos, >3 anos), carga viral (≤ 40 copias/ml - indetectável/ > 40 cópias/ml - detectável), contagem de linfócitos TCD4+ (<350 células/mm3/ ≥350 células/mm3), dislipidemia sendo considerados desejáveis para o lipidograma são: Colesterol total <190 mgl/dL; Lipoproteína de alta densidade (HDL)-c>40 mg/dL, Lipoproteína de baixa densidade (LDL)>150 mg/dL e triglicérides<150 mg/dl conforme as recomendações da Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose.(12) Assim, foram considerados como dislipidêmicos os indivíduos que apresentaram em seu último resultado de exame laboratorial ao menos um destes valores alterados.
Na análise estatística foi utilizada para dados descritivos a frequência relativa e absoluta para as variáveis categóricas: sexo, idade, cor de pele, escolaridade, tabagismo e dislipidemia, DM, HA e DRC. Para as variáveis numéricas: idade, escolaridade, tempo de uso de TARV, tempo de diagnóstico, TCD4+ realizou-se média, mediana, desvio padrão, mínima e máxima.
Para a regressão logística, foi realizado teste de qui-quadrado, sendo considerado um valor p<0,05 como significante. A força de tal associação também foi avaliada pela determinação do Odds Ratio (OR) bruta e ajustado e seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95%. Tal análise possibilitou determinar a razão de chances ajustada, a precisão (IC 95%) e a significância (teste de Wald) da estimativa.
Foram comparadas as frequências de PVHIV com pelo menos uma DCNT com aquelas que não tinham DCNT, de acordo com a idade, sexo, cor de pele, escolaridade, tabagismo, dislipidemia, história familiar de DCNT, tempo de uso de TARV, tempo de diagnóstico de HIV, carga viral e TCD4+ e número de DCNT (1, 2, 3 ou mais).
Foram calculadas as prevalências e Razões de Prevalência (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. O nível de significância considerado foi de α= 0,05. Os dados foram processados e analisados por meio do software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 25.0.
O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, sob parecer nº 4.667.593 e atendeu todas as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Resultados
Neste estudo foi incluída amostra de 550 PVHIV. Os participantes tinham, em média, 44,7 anos (DP=12,11) sendo a idade mínima e máxima compreendida entre 18 e 75 anos. O tempo médio de diagnóstico do HIV foi de 10 anos (DP=7,12), mínima e máxima (0-29,3 anos) e o tempo de uso da TARV foi de 8,0 anos (DP=6,46), mínima e máxima (0-27 anos). As doenças mais prevalentes entre as PVHIV foram HA, 17,89% (n=100), seguida de DM 7,51% (n=42) e DRC 4,83% (n=27). Identificou-se que ter 45 anos ou mais, ter baixo nível de escolaridade, não ser tabagista e ter dislipidemia são variáveis que estão presentes na maioria dos participantes que apresentaram alguma dessas DCNT, além daqueles que possuíam carga viral indetectável e células TCD4+ ≥350 células/mm3. Na comparação entre o sexo, a DM foi mais frequente entre mulheres, e em contrapartida, a HA e a DRC entre os homens, conforme apresentado na (Tabela 1).
A análise de regressão logística mostrou que ter DCNT foi associada ao sexo feminino (RP=1,18, OR=1,3, p=0,022), a idade maior que 45 anos (RP=2,15, OR=6,36, p=0,001), ao tempo de estudo menor ou igual a 8 anos (RP=1,23, OR=1,92, p=0,005), a ter dislipidemia (RP=1,16, OR=2,01, p=0,001), carga viral detectável (RP=2,32, OR=2,59, p=0,001) e contagem de células TCD4+ menor que 350 células/mm3 (RP=1,5, OR= 1,6, p=0,019). O padrão se repete com RP, quando se compara os mesmos indicadores entre a população com e sem DCNT. Tais dados estão demonstrados na (Tabela 2).
Na (Tabela 3) observa-se que aqueles participantes com escolaridade menor que oito anos de estudo, cor da pele amarela, dislipidemia, carga viral detectável e contagem de TCD4+ menor que 350 células/mm3 apresentaram maior RP (1,28; 2,05; 1,24; 2,05; 1,59) para ter uma DCNT quando comparado aos participantes que não tinham nenhuma DCNT. Quanto à multimorbidades, identificamos que 10,9% (n=59) tinham o diagnóstico de duas doenças crônicas e 3,3% (n=18) tinham três ou mais. A RP para possuir duas DCNT foi maior entre as PVHIV que apresentaram idade maior que 45 anos e sexo feminino (1,59; 1,14), respectivamente.
Discussão
Os resultados deste estudo apontam alta prevalência de DCNT entre PVHIV. Aquelas com idade superior a 45 anos, sexo feminino, menor escolaridade, que tinham dislipidemia, carga viral detectável e contagem de linfócitos TCD4+ menor que 350 células/mm3 apresentaram associação para maior ocorrência de DCNT.
Em nossos achados, as PVHIV com idade superior aos 45 anos tiveram mais chances de ter duas DCNT em comparação às mais jovens. Tal fato corrobora com a literatura, na qual já é bem estabelecido que a multimorbidade aumenta com o avançar da idade, e confirma que tais doenças apresentam mais precocemente quando comparado àqueles que não vivem com o vírus.(13)Um estudo observacional realizado no Japão evidenciou que ao realizar comparação entre PVHIV e sem HIV, as primeiras apresentaram carga maior de comorbidades e co-medicamentos ao passar da idade em relação às outras.(13) Desta forma, mais esforços são necessários para maximizar o potencial de envelhecimento saudável entre PVHIV em TARV.(14)
A progressão do HIV no organismo afeta diretamente o sistema imunológico e é mais pronunciada em idosos, pelo fato de que os mesmos apresentam menos células T citotóxicas funcionais, as quais são responsáveis diretamente pela inibição da replicação viral e pela consequente diminuição dos linfócitos TCD4+. Além deste motivo, as alterações fisiológicas decorrentes do processo de senilidade contribuem para o aparecimento de multimorbidades.(15)
No presente estudo, ao mensurar o nível educacional dos participantes, identificou-se, especificamente, que os níveis mais baixos de escolaridade estão relacionados à maior prevalência de DCNT, dentre as quais se destacam as doenças cardiovasculares (DCV), a DM e a HA, assim como na literatura.(16,17)Já é bem estabelecido que há estreita relação entre os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco na população.(18) É essa relação que cerne as discussões sobre os determinantes de saúde.(16,17,18)
Nesse contexto, ressalta-se que a menor escolaridade, na maioria das vezes, pode estar relacionada a menor compreensão das informações referentes à saúde.(19) Além disso, pode implicar em menor renda, em situações de trabalho mais instáveis, sedentarismo e alimentação pouco saudável, e consequentemente, a união desses fatores pode acarretar em um risco aumentado para o desenvolvimento das DCNT.(19,20)
Na avaliação das desordens lipídicas, este estudo evidenciou que PVHIV com dislipidemia tem mais chance de ter DCNT. Entre os diversos mecanismos fisiopatológicos relacionados ao perfil lipídico a serem considerados, doenças como a DM, HA e a DRC geralmente apresentam alterações bioquímicas e fisiológicas que causam esse desequilíbrio.(21) Corroborando com essa ideia, um estudo demonstrou que cerca de 50% das PVHIV apresentaram alguma alteração lipídica, seja ela por hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, aumento da LDL-c ou diminuição da HDL-c. Essas alterações podem estar associadas à própria infecção pelo HIV e/ou ao uso contínuo da TARV, e consequentemente, podem favorecer ao desenvolvimento de doenças crônicas, como o surgimento da aterosclerose e outras DCV.(22)
Na fisiopatologia que circunda o desenvolvimento da HA e da DM, há disfunção no endotélio, com aumento da resistência vascular periférica, acrescida de processos inflamatórios e estresse oxidativo, o que está intimamente relacionado com as dislipidemias.(23) Já na DRC, as alterações lipídicas podem se associar à diminuição da atividade da lipase hepática e da lipase lipoprotéica. Por fim, essas alterações são capazes de danificar as células mesangiais e endoteliais favorecendo a progressão da lesão renal.(24)
O tempo médio de diagnóstico do HIV identificado foi de 10 anos, e de acordo com um estudo conduzido pela Rede Internacional para Iniciativas Estratégicas em Ensaios Globais de HIV as pessoas que convivem com o HIV por mais tempo, apresentam mais chance de desenvolver alguma comorbidade quando comparado àquelas com um período menor.(15) Esta exposição da carga viral de RNA por longo período provoca um processo inflamatório sistêmico persistente, o que apresenta como um dos fatores de risco permanente para o desenvolvimento de DCNT.(25)
O gerenciamento da carga viral do HIV por meio da adesão à TARV permite a restauração imunológica das PVHIV, resultando na melhora do tempo e qualidade de vida das mesmas. Entretanto, o controle da carga viral vai além da preocupação com aspectos imunológicos.(26)
Em nossos achados, a prevalência de DCNT foi maior entre aqueles que tinham carga viral detectável. A presença do HIV por si só, gera constante ativação imune e resposta inflamatória, com elevação dos níveis de monócitos, citocinas, Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-α) e proteína C-reativa (PCR) que contribuem para o desenvolvimento de alterações metabólicas como a DM e de outras DCNT, em especial aquelas de cunho cardiovascular como a HA e DRC.(26)
Apesar de a TARV diminuir essa resposta inflamatória, PVHIV mesmo em supressão viral em longo prazo mantém essas quimiocinas em quantidade elevada quando comparado as pessoas que não vivem com o HIV, evidenciando a infecção pelo HIV como um fator de risco para o desenvolvimento de outras doenças.(26,27)
Diante do exposto, é importante a incorporação desta problemática no atendimento as PVHIV nos sistemas de atenção primária para facilitar o monitoramento das comorbidade, de modo a abarcar as novas necessidades, resultando em melhora na qualidade de vida desta população.
Outro resultado relevante refere-se que a presença de multimorbidades. A coexistência de duas ou mais condições crônicas foi identificada em 14,2% (n=77) das PVHIV. Tal achado é preocupante, pois o manejo clínico de indivíduos com múltiplas comorbidades é geralmente mais desafiador. As comorbidades agrupadas podem indicar causas compartilhadas ou fatores de risco comuns, e a identificação dos padrões mais comuns de comorbidades é uma prioridade a população que vive com o HIV, a fim de melhorar a prestação de cuidados de saúde direcionados.(28)
A prevalência de HA (17,8%) e de DM (7,51%) em nossos achados assemelham-se ao observado em outros estudos conduzidos no Brasil.(6,29)Não obstante, a prevalência de 4,83% de pessoas com DRC em nossa amostra reforça a exigência do monitoramento periódico da função renal nesses indivíduos. Sabe-que a prevalência de DRC é maior entre PVHIV do que na população em geral, e indivíduos HIV-positivos desenvolvem DRC com mais frequência e com uma taxa de progressão mais rápida em comparação com as pessoas HIV-negativas.(30)
Este estudo apresenta uma contribuição importante para a compreensão das diversas doenças crônicas que atingem a saúde das PVHIV. Os resultados contribuem para a assistência integral a esta população, à medida que amplia o olhar para o cuidado crônico, saindo da ênfase apenas do uso da TARV e da supressão viral que atualmente configura o predominante modo de produção do cuidado as PVHIV.
Nossos achados apontam para a necessidade de avaliação ampla e completa do cliente pela equipe multiprofissional para que sejam identificados previamente os fatores de risco modificáveis e não modificáveis. Avaliação essa que inclui o acompanhamento da saúde cardiovascular e renal através de exames laboratoriais, mensuração de fatores de riscos, aconselhamento sobre manejo de fatores de risco modificais, além de um plano de cuidado individualizado com estratégias pertinentes com enfoque na qualidade de vida destas pessoas, com o intuito de melhorar a assistência prestada.
Assim, é relevante agir conjuntamente entre instancias governamentais e níveis hierárquicos do sistema de saúde sobre os principais fatores de risco que acometem essa população de uma maneira eficiente, econômica e sustentável, de modo a repensar as políticas públicas e planos de ação em níveis primários, secundário e terciário à saúde envolvidos no cuidado à esta população.(31)
Para a prevenção e o controle desses agravos, a assistência prestada às PVHIV deve incluir o uso de TARV e a realização de check-ups regulares por profissionais de saúde como oportunidade de diagnóstico precoce de comorbidades, bem como a implementação de estratégias educacionais que favoreçam mudanças dos hábitos de vida que são importantes para reduzir o risco de DCNT.
Os achados deste estudo devem ser interpretados a luz das limitações decorrentes de um estudo transversal, no qual não pode ser detectada a relação entre causa e efeito das variáveis. Além disso, destaca-se que não houve uma análise específica sobre quais tipos de fármacos antirretrovirais estavam mais associados às DCNT.
Apesar dessa limitação, o tamanho da amostra é suficiente para uma análise robusta e os dados foram coletados em mais de uma clínica de atendimento para garantir que o tipo de serviço não incorreria em viés. Não obstante, a falta de alguns dados provenientes de prontuário configura uma limitação do estudo. Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários, não foi possível recuperar estas informações perdidas. Por outro lado, vale a reflexão sobre a falha de determinadas informações em prontuários que pode configurar falta de atenção a outras patologias e fatores de risco, e apenas centrar-se no uso da TARV e na supressão viral como foco do objetivo da vinda ao serviço de saúde. Desta forma, muitos registros são fragilizados sobre as variáveis referentes às DCNT. Essa limitação, inclusive, reforça a importância do presente estudo que evidencia que as DCNT devem sem inseridas no cuidado periódico de PVHIV.
Conclusão
No presente estudo identificou-se alta prevalência de DCNT entre as PVHIV. Os indivíduos acima de 45 anos, sexo feminino, menor escolaridade, dislipidemia, carga viral detectável e contagem de linfócitos TCD4+ menor que 350 células/mm3 foram associadas com a prevalência das doenças crônicas nessa população. Neste contexto, ressalta-se o importante papel da equipe multiprofissional no contexto da prevenção das comorbidades em PVHIV, em especial do enfermeiro, o qual pode utilizar intervenções voltadas à promoção da saúde dessa população, que incluem estratégias educativas que favoreçam mudanças no estilo de vida, com enfoque na adoção de hábitos saudáveis. O conhecimento sobre a prevalência das DCNT, incluindo a multimorbidade entre PVHIV pode ajudar a fornecer dados relevantes para implementar estratégias de promoção da saúde, prevenção, diagnóstico precoce e tratamento direcionadas para PVHIV proporcionando planos individualizados de atenção integral ao cliente. Além de conduzir pesquisas futuras sobre diferentes estratégias a serem adotadas pelas equipes de saúde como maneira de prevenção e enfrentamento precoce de DCNT em PVHIV.
Agradecimentos
Os autores Priscila Silva Pontes Pereira e Elizabete Melo Montanari Fedocci receberam bolsa de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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Editado por
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Editor Associado (Avaliação pelos pares): Rafaela Gessner Lourenço (https://orcid.org/0000-0002-3855-0003) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
15 Jun 2022 -
Aceito
24 Out 2022