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Biovigilância e notificação de eventos adversos na doação e transplante de órgãos: revisão sistemática

Biovigilancia y notificación de eventos adversos en la donación y trasplante de órganos: revisión sistemática

Resumo

Objetivo

Sintetizar e avaliar criticamente as evidências científicas oriundas de estudos observacionais sobre sistemas de biovigilância e notificação de eventos adversos na doação e transplante de órgãos.

Métodos

Revisão sistemática de estudos observacionais seguindo as recomendações das Diretrizes Metodológicas (REBRATS) e Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA). Foram incluídos estudos primários e relatos de caso conduzidos sobre biovigilância e/ou eventos adversos na doação e/ou transplante de órgãos, sem restrição de data de publicação ou idioma. Foram utilizadas seis bases de dados eletrônicas para a realização das buscas na literatura científica: - Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) (via PubMed), Excerpta Medica Database (Embase), Web of Science, LILACS, Scopus e a biblioteca eletrônica Scielo. Realizou-se também busca de dados nas seguintes bases secundárias: Notify - World Health Organization (WHO), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Google Scholar. Para a avaliação da qualidade dos estudos foi utilizada a ferramenta MINORS.

Resultados

Foram identificados 551 estudos, após as etapas de avaliação, foram incluídos oito deles para a revisão sistemática. Estes foram divididos entre resultados, processos e estratégias de prevenção de eventos adversos. Quanto a classificação da qualidade dos estudos, dois obtiveram classificação boa.

Conclusão

Os resultados apontam a ocorrência de eventos adversos ocorridos em alguma etapa do processo de doação e transplante de órgãos e tecidos, como: reações adversas relacionadas a medicamentos; neurotoxicidade; aumento do tempo de hospitalização; reintervenções cirúrgicas; queda; coma; óbito; falha ou perda do enxerto. Destaca-se que os eventos adversos possivelmente ainda são subnotificados.

Biovigilância; Obtenção de tecidos e órgãos; Transplante de órgãos; Erros médicos; Near miss

Resumen

Objetivo

Sintetizar y evaluar críticamente las evidencias científicas provenientes de estudios observacionales sobre sistemas de biovigilancia y notificación de eventos adversos en la donación y trasplante de órganos.

Métodos

Revisión sistemática de estudios observacionales guiada por las recomendaciones de las Directrices Metodológicas (REBRATS) y Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA). Se incluyeron estudios primarios y relatos de caso realizados sobre biovigilancia o eventos adversos en la donación o trasplante de órganos, sin restricción de fecha de publicación o idioma. Se utilizaron seis bases de datos electrónicas para realizar las búsquedas en la literatura científica: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) (via PubMed), Excerpta Medica Database (Embase), Web of Science, LILACS, Scopus y la biblioteca electrónica Scielo. También se realizó la búsqueda de datos en las siguientes bases secundarias: Notify - World Health Organization (WHO), Organización Panamericana de la Salud (OPS) y Google Scholar. Para evaluar la calidad de los estudios se utilizó la herramienta MINORS.

Resultados

Se identificaron 551 estudios y, luego de las etapas de evaluación, se incluyeron ocho en la revisión sistemática, que fueron divididos entre resultados, procesos y estrategias de prevención de eventos adversos. Respecto a la clasificación de la calidad de los estudios, dos obtuvieron una clasificación buena.

Conclusión

Los resultados indican casos de eventos adversos ocurridos en alguna etapa del proceso de donación y trasplante de órganos y tejidos, como: reacciones adversas relacionadas con medicamentos, neurotoxicidad, aumento del tiempo de hospitalización, reintervenciones quirúrgicas, caída, coma, fallecimiento, falla o pérdida del injerto. Se destaca que los eventos adversos probablemente aún son subnotificados.

Biovigilancia; Obtención de tejidos y órganos; Trasplante de órganos; Errores médicos; Near miss

Abstract

Objective

To synthesize and critically evaluate the scientific evidence from observational studies on biosurveillance systems and adverse event reporting in organ donation and transplantation.

Methods

Systematic review of observational studies following the recommendations of the Methodological Guidelines (REBRATS) and Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA). Primary studies and case reports on biosurveillance and/or adverse events in organ donation and/or transplantation, without restriction of publication date or language were included. Six electronic databases were used in the scientific literature search: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) (via PubMed), Excerpta Medica Database (Embase), Web of Science, LILACS, Scopus and the electronic library Scielo. A data search was also performed in the following secondary databases: Notify - World Health Organization (WHO), Pan American Health Organization (PAHO) and Google Scholar. The MINORS tool was used to assess the quality of studies.

Results

551 studies were identified, and after the evaluation steps, eight of them were included in the systematic review. These were divided into results, processes and strategies for preventing adverse events. Regarding the classification of the quality of studies, two obtained a good classification.

Conclusion

The results indicate the occurrence of adverse events at some stage of the organ and tissue donation and transplantation process, such as: adverse drug-related reactions; neurotoxicity; longer length of hospital stay; surgical reinterventions; falls; coma; death; graft failure or loss. The fact that adverse events are possibly still underreported is noteworthy.

Biosurveillance; Tissue and Organ procurement; Organ transplantation; Medical errors; Near miss

Introdução

A preocupação com a segurança do paciente e com a qualidade dos processos que envolvem o cuidado à saúde tem mobilizado equipes e instituições quanto à maior vigilância nos processos. Na área da doação e transplante, esse movimento denomina-se biovigilância e visa maior segurança nos procedimentos que envolvem o uso terapêutico de células, tecidos e órgãos humanos para transplante, desde a doação até a evolução clínica do receptor e do doador vivo.(11. Roza B, Kusahara D, Pessoa J, Treviso P, Oliveira P, Leite R, et al. Modelos e iniciativas de biovigilância e transplante: uma revisão narrativa. Vigil Sanitária Debate. 2019;7(4):10-6.) De forma a contribuir para a prevenção de riscos e eventos adversos, a biovigilância objetiva obter e disponibilizar informações sobre riscos e eventos adversos e implantar medidas de monitoramento e controle de processos.(22. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução de Diretoria Colegiada RDC Nº 339. Dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Biovigilância. Brasília (DF): ANVISA; 2020 [citado 2020 Maio 25]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3146460/RDC_339_2020_.pdf/b7b60dd9-ba54-4d91-b6db-8d3a2d369afb
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)

A biovigilância tem sido prioridade no mundo, tendo em vista a sua relevância e contribuição para a segurança do paciente, a segurança de profissionais da saúde, além da redução de custos decorrentes de eventos adversos. A exemplo disso, cita-se a implantação do processo de biovigilância em diversos países, como por exemplo: Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Portugal, Espanha, Itália e Austrália, os quais têm se destacado no cenário mundial em virtude das ações que vêm sendo implantadas, como a realização de notificações de ocorrências ou mesmo de situações de risco, a implantação de medidas de segurança e o compartilhamento de informações e dados, contribuindo para o aprendizado e a prevenção de novas ocorrências.(11. Roza B, Kusahara D, Pessoa J, Treviso P, Oliveira P, Leite R, et al. Modelos e iniciativas de biovigilância e transplante: uma revisão narrativa. Vigil Sanitária Debate. 2019;7(4):10-6.)

No Brasil, a política de vigilância sanitária foi criada a partir da Portaria GM/MS nº 1.660/2009, determinando ações, sob a coordenação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para o monitoramento, a análise e a investigação dos eventos adversos e das queixas técnicas relacionados aos serviços e aos produtos na fase de pós-uso/pós-comercialização no Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária (VIGIPOS), no âmbito do qual se inclui o uso de células, tecidos e órgãos humanos com o objetivo de promover o acesso da população a esses produtos de forma segura e obedecendo aos princípios bioéticos e legais.(33. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.660, de 22 de julho de 2009. Institui o sistema de notificação e investigação em vigilância sanitária Vigipos, no âmbito do sistema nacional de vigilância sanitária, como parte integrante do sistema único de saúde SUS. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009 [citado 2020 Maio 25]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1660_22_07_2009.html
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)

Em alinhamento com o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), a Portaria GM/MS nº 529/2013,(44. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 529. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [citado 2020 Maio 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html
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) em 20 de fevereiro de 2020, foi aprovada pela Diretoria Colegiada da Anvisa a RDC nº 339, que dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Biovigilância. Trata-se do primeiro marco regulatório relacionado ao tema no Brasil.(22. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução de Diretoria Colegiada RDC Nº 339. Dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Biovigilância. Brasília (DF): ANVISA; 2020 [citado 2020 Maio 25]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3146460/RDC_339_2020_.pdf/b7b60dd9-ba54-4d91-b6db-8d3a2d369afb
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) O projeto que visa a implantação do Sistema Nacional de Biovigilância ocorre por meio de um acordo que envolve a Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O primeiro relatório de biovigilância brasileiro foi publicado em 2020 com o objetivo de disponibilizar à comunidade informações sobre eventos adversos (EA) decorrentes dos transplantes de órgãos e tecidos notificados à Anvisa entre 2015 a 2018, estabelecendo, dessa forma, um marco de referência para a implantação de ações de monitoramento nas instituições de saúde e, assim, o fortalecimento das atividades de vigilância, garantindo a segurança do paciente e processos e serviços de qualidade.(55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Relatório de dados de eventos adversos 2015 a 2018. Biovigilância no Brasil. Brasília (DF): ANVISA; 2020 [citado 2021 Fev 22]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33868/3055469/1o+Relat%C3%B3rio+de+dados+de+Biovigil%C3%A2ncia/325bb60c-f1cf-46fe-97a4-0e06e27e8a76
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)A publicação desse relatório fortalece as atividades na área de Biovigilância.

No período avaliado, foram notificadas 331 reações adversas por meio do formulário do FormSus de reações adversas da biovigilância, sendo 22 notificações em 2015, 57 em 2016, 128 em 2017 e 124 em 2018, evidenciando um número crescente de notificações entre 2015 e 2017 e uma leve diminuição em 2018. As infecções representam a maior parte das reações adversas (RA) informadas (34,74%), seguidas das complicações perioperatórias, com 13,6%, e das neoplasias, com 2,11%. As notificações foram realizadas por 56 estabelecimentos de saúde, sendo que, destes, 28 serviços pertencem à Rede Sentinela.(55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Relatório de dados de eventos adversos 2015 a 2018. Biovigilância no Brasil. Brasília (DF): ANVISA; 2020 [citado 2021 Fev 22]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33868/3055469/1o+Relat%C3%B3rio+de+dados+de+Biovigil%C3%A2ncia/325bb60c-f1cf-46fe-97a4-0e06e27e8a76
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)Destaca-se que, no período a que se refere o relatório, foram realizados no Brasil 91.266 transplantes (células, tecidos e órgãos), denotando, possivelmente, subnotificação de EA.

Destaca-se ainda, que tal relatório visa também promover o aumento das notificações, e que notificar a ocorrência de evento adverso (EA) é uma determinação das resoluções RDC/ Anvisa n°55, de 11 de dezembro de 2015 (que dispõe sobre as Boas Práticas de Tecidos Humanos) e RDC/Anvisa n° 214, publicada em sete de fevereiro de 2018 (que dispõe sobre as Boas Práticas em Células Humanas para Uso Terapêutico e pesquisa clínica).(66. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada-RDC nº 55. Dispõe sobre as Boas Práticas em Tecidos Humanos e Terapêutico. Brasília (DF): ANVISA; 2015 [citado 2020 Maio 25]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_55_2015_.pdf/57eb6007-b35e-4d15-992d-51118966450c?version=1.0
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,77. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada-RDC nº 214. Dispõe sobre as Boas Práticas em Células Humanas para Uso Terapêutico e pesquisa clínica, e dá outras providências. Brasília (DF): ANVISA; 2018 [citado 2021 Fev 22]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3078078/%281%29RDC_214_2018_.pdf/8acbc5cb-bca6-4725-b9de-da584e3c024a
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)

Dessa forma, considerando a relevância do processo de doação e transplantes, bem como a sua complexidade e os seus riscos, e diante das iniciativas de biovigilância que vêm sendo implantadas em âmbito mundial, incluindo no Brasil, sentiu-se a necessidade de realizar uma revisão sistemática com o objetivo de sintetizar e avaliar criticamente as evidências científicas oriundas de estudos observacionais sobre sistemas de biovigilância e notificação de eventos adversos na doação e transplante de órgãos.

Métodos

Trata-se de revisão sistemática de estudos observacionais seguindo as recomendações das Diretrizes Metodológicas para elaboração de revisão sistemática de estudos observacionais (REBRATS)(88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes Metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais comparativos sobre fatores de risco e prognósticos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [citado 2021 Fev 22]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ct/PDF/diretrizes_metodologias_estudos_observacionais.pdf
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)e Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA)(99. Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ. 2021;372:n71.)como um guia de relato para esta revisão. Foram incluídos estudos primários (transversais, estudos de coorte e caso-controle) e relatos de casos conduzidos sobre biovigilância e/ou eventos adversos na doação e/ou transplante de órgãos, sem restrição de data de publicação ou idioma.

A estratégia de busca foi realizada de acordo com a lista de verificação do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA).(99. Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ. 2021;372:n71.) Utilizou-se o acrônimo PECO (P - população, E - exposição, C – comparador, O - desfecho)(88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes Metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais comparativos sobre fatores de risco e prognósticos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [citado 2021 Fev 22]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ct/PDF/diretrizes_metodologias_estudos_observacionais.pdf
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,1010. Latorraca CO, Rodrigues M, Pacheco RL, Martimbianco AL, Riera R. Busca em bases de dados eletrônicas da área da saúde: por onde começar. Diagn Tratamento. 2019;24(2):59-63.) para elaborar a seguinte pergunta norteadora da revisão: quais as evidências científicas de sistemas de biovigilância e notificação de eventos adversos na doação e transplante de órgãos?

Foram utilizadas cinco bases de dados eletrônicas para a realização das buscas na literatura científica: - Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE- via PubMed), Excerpta Medica Database (Embase), Web of Science, LILACS, Scopus e no diretório de revistas- Scielo. Realizou-se também busca de dados nas seguintes bases secundárias: Notify - World Health Organization (WHO), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Google Scholar.

Para a busca dos estudos utilizaram-se descritores controlados (termos MeSH, Entree e Descritores de Ciência da Saúde - DeCS), os termos foram combinados utilizando os operadores boleanos AND e OR, e a estratégia de busca foi orientada pela MEDLINE (Quadro 1) e adaptada às outras bases.

Quadro 1
Estratégia de busca para pesquisa nas bases de dados

Após as buscas, a lista de referências dos estudos incluídos foi analisada manualmente para que fossem encontrados outros estudos relevantes a esta revisão. A busca e a pré-análise dos artigos selecionados foram realizadas por dois avaliadores independentes utilizando a ferramenta Rayyan(1111. Ouzzani M, Hammady H, Fedorowicz Z, Elmagarmid A. Rayyan-a web and mobile app for systematic reviews. Syst Rev. 2016;5:210.) para garantir o cegamento dos avaliadores durante a avaliação dos pares e a organização e armazenagem das referências selecionadas. Os dados foram coletados no mês de março de 2021.

Após as buscas, artigos em duplicata foram excluídos. Os estudos foram analisados manualmente por dois revisores independentes, iniciando a análise dos artigos pelo título e resumo com base nos critérios de inclusão/exclusão. Os artigos que não atenderam aos critérios de inclusão também foram excluídos. Todos os artigos incluídos foram submetidos à análise do texto completo, por pares, a fim de selecionar os artigos elegíveis. Para esta revisão, o desfecho primário analisado foi a notificação dos eventos adversos relacionados à doação e/ou transplante de órgãos e tecidos, bem como os sistemas de biovigilância. Um terceiro revisor analisou as publicações para as quais não houve consenso entre os dois primeiros avaliadores.(1212. Lopes-Júnior LC, Lima RA, Olson K, Bomfim E, Neves ET, Silveira DS, et al. Systematic review protocol examining the effectiveness of hospital clowns for symptom cluster management in paediatrics. BMJ Open. 2019;9:e026524.)

Foi utilizada uma planilha de extração dos dados. Os estudos foram identificados conforme método e desfecho, para facilitar a classificação e avaliação de cada estudo por dois revisores independentes, em caso de dúvida ou discórdia, um terceiro revisor foi chamado para avaliação.

A qualidade dos estudos e o risco de viés foram avaliados de modo independente por dois revisores, utilizando a ferramenta MINORS,(1313. Slim K, Nini E, Forestier D, Kwiatkowski F, Panis Y, Chipponi J. Methodological index for non-randomized studies (minors): development and validation of a new instrument. ANZ J Surg. 2003;73(9):712-6.) que conta com oito itens de análise para estudos sem grupo comparativo: 1- Objetivo claramente indicado; 2- Inclusão de pacientes consecutivos; 3- Coleta prospectiva de dados; 4- Desfechos adequados ao objetivo do estudo; 5- Avaliação imparcial dos desfechos do estudo; 6- Período de acompanhamento adequado ao objetivo do estudo; 7- Perda de acompanhamento menor que 5%; e 8 - Cálculo prospectivo do tamanho amostral. Cada informação é classificada de zero a dois, com os seguintes parâmetros: zero (0) para informação não relatada, um (1) para informação relatada, porém de forma inadequada, e dois (2) para informação relatada de forma adequada. Optou-se pela ferramenta MINORS para a avaliação da qualidade dos estudos pelo delineamento dos estudos observacionais encontrados.

Devido os desfechos dos estudos serem muito diferentes, não foi possível realizar meta-análise ou qualquer análise estatística nesta revisão.

Para garantir a confiabilidade dos dados, esta revisão sistemática foi protocolada no International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO/NHS) e seu registro é CRD42021225545.

Resultados

As buscas nas seis bases de dados eletrônicas resultaram em 551 estudos, foi identificada duplicidade em 29, os quais foram excluídos por meio da ferramenta Rayyan, resultando em 522 estudos que seguiram para o processo de seleção por título e resumo. Foram excluídos 499 estudos por não atenderem aos critérios de inclusão pré-estabelecidos. A exclusão por título e resumo resultou na seleção de 23 estudos que seguiram para leitura na íntegra. Após a etapa de leitura exaustiva dos estudos na íntegra, outros 15 estudos foram excluídos por não atenderem aos objetivos da pesquisa, resultando em 8 artigos que foram incluídos para síntese qualitativa e análise. A seleção dos estudos é mostrada pela figura 1.

Figura 1
Fluxograma PRISMA para seleção dos estudos

Quanto às características dos estudos, a data de publicação variou entre 2013-2019, nos idiomas inglês e espanhol, estudos realizados em diversos países, e predominou o delineamento de estudo transversal. As principais características dos estudos incluídos na síntese desta revisão sistemática podem ser observadas no quadro 2.

Quadro 2
Síntese dos artigos incluídos no estudo

A análise dos estudos possibilitou identificar riscos e eventos adversos relacionados à resultados e processos, além de estratégias e recomendações para melhor segurança no processo de transplantes (Quadro 3).

Quadro 3
Achados relacionados a resultados, processos e estratégias de prevenção de eventos adversos

Os itens da escala MINORS são classificados como 0 (não reportado), 1 (relatado, mas inadequado) ou 2 (relatado e adequado). A pontuação máxima é de 16 para estudos não comparativos e 24 para estudos comparativos. Tal análise evidenciou que o estudo de Mareri(1414. Ali AK. pharmacovigilance analysis of serious adverse events reported for biologic response modifiers used as prophylaxis against transplant rejection: a real-world postmarketing experience from the US FDA adverse event reporting system (FAERS). Int J Org Transplant Med. 2013;4(2):62-71.) obteve menor pontuação (quadro 4).

Quadro 4
Classificação da qualidade dos estudos e risco de viés de acordo com a ferramenta MINORS

Discussão

Os resultados do estudo mostram evidências científicas de eventos adversos ocorridos em alguma etapa do processo de doação e transplante de órgãos, como reações adversas relacionadas a medicamentos,(1515. Czerwiński J, Kaliciński P, Danielewicz R. Serious adverse events and reactions in organ donation and transplantation: a web-net tool- based nationwide system for reporting and monitoring. Ann Transplant. 2015;20:243-8.)neurotoxicidade,(1515. Czerwiński J, Kaliciński P, Danielewicz R. Serious adverse events and reactions in organ donation and transplantation: a web-net tool- based nationwide system for reporting and monitoring. Ann Transplant. 2015;20:243-8.) aumento do tempo de hospitalização,(1515. Czerwiński J, Kaliciński P, Danielewicz R. Serious adverse events and reactions in organ donation and transplantation: a web-net tool- based nationwide system for reporting and monitoring. Ann Transplant. 2015;20:243-8.) reintervenções cirúrgicas,(1515. Czerwiński J, Kaliciński P, Danielewicz R. Serious adverse events and reactions in organ donation and transplantation: a web-net tool- based nationwide system for reporting and monitoring. Ann Transplant. 2015;20:243-8.) queda,(1616. Stewart DE, Tlusty SM, Taylor KH, Brown RS, Neil HN, Klassen DK, et al. Trends and patterns in reporting of patient safety situations in transplantation. Am J Transplant. 2015;15:3123-33.) coma,(1515. Czerwiński J, Kaliciński P, Danielewicz R. Serious adverse events and reactions in organ donation and transplantation: a web-net tool- based nationwide system for reporting and monitoring. Ann Transplant. 2015;20:243-8.) óbito,(1616. Stewart DE, Tlusty SM, Taylor KH, Brown RS, Neil HN, Klassen DK, et al. Trends and patterns in reporting of patient safety situations in transplantation. Am J Transplant. 2015;15:3123-33.,1717. Mathur AK, Stemper-Bartkus C, Engholdt K, Thorp A, Dosmann M, Khamash H. Identifying patterns of adverse events of solid organ transplantation through departmental case reviews. Mayo Clin Proc Innov Qual Outcomes. 2019;3(3):335-43.,2020. Mareri M, Filippetti M, Ghirardini A, Vespasiano F, Ciaccio P, Costa AP. The EUROCET Network: Support for Coding, Vigilance and Surveillance. Transfus Med Hemother. 2011;38:352-6.) falha ou perda do enxerto.(2020. Mareri M, Filippetti M, Ghirardini A, Vespasiano F, Ciaccio P, Costa AP. The EUROCET Network: Support for Coding, Vigilance and Surveillance. Transfus Med Hemother. 2011;38:352-6.) Entretanto, destaca-se que os dados de notificação de eventos adversos possivelmente ainda são subnotificados.(2222. Almeida HO, De Jesus AM, Morais CR. Eventos adversos relacionados à assistência em serviços de saúde: um desafio para segurança do paciente. Cad Grad Cien Biol Saude. 2020;6(2):11.,2323. Maia, CS, Freitas DR, Gallo LG, Araujo WN. Notificações de eventos adversos relacionados com a assistência à saúde que levaram a óbitos no Brasil, 2014-2016. Epid Serv Saúde. 2018;27(2):1-10.)

Estudo realizado por Estrada e colaboradores(2424. Estrada-Orozco K, Gaitán-Duarte H, Moreno S, Moreno-Chaparro J. Eventos hospitalares notificáveis: incidência e fatores contribuintes no serviço de cirurgia de um hospital de alta complexidade em Bogotá, Colômbia, 2017. Colombian J Anestesiology. 2019;47(1):5-13.) em uma instituição hospitalar universitária em Bogotá descreve a ocorrência de EA e os fatores de risco relacionados, apontando a falta de prevenção como uma das principais causas da ocorrência de EA. O estudo mostra que a ocorrência de EA ocasionou o aumento do tempo de hospitalização média de 17,5 dias, além de complicações graves, como o óbito. O estudo ainda reporta que a maioria dos EA analisados eram evitáveis e que, destes, mais de 80% foram classificados como graves.

O risco está presente em qualquer atividade assistencial e em qualquer etapa da doação e transplante. Entretanto, a ocorrência de um EA segue um trajeto em que muitas vezes as barreiras de segurança são transpostas. Os riscos podem ser gerenciados e mitigados, os eventos adversos, de modo geral, podem ser prevenidos se forem seguidos os protocolos de segurança, respeitando a cultura de segurança da instituição.(2525. Hessels A, Paliwal M, Weaver SH, Siddiqui D, Wurmser TA. Impact of patient safety culture on missed nursing care and adverse patient events. J Nurs Care Qual. 2019;34(4):287-94.)

Em estudo realizado na Colômbia e publicado em 2018,(2626. Gonzalez CE, Restrepo LD. Sucesos adversos relacionados con el acto quirúrgico en una institución de salud de tercer nivel. Rev Cubana Salud Pub. 2018;44(3):1-14.) foram analisadas as causas de 164 EA notificados em uma instituição hospitalar, e descreveram-se como causas de EA: descuido de profissionais, identificação incorreta de pacientes, não seguimento de rotinas e protocolos institucionais. O estudo também aponta que 58% dos EA analisados eram preveníveis. Além dessas causas, os EA relacionados a medicamentos também são significativos nos cuidados à saúde, correspondendo a 45% dos EA relacionados a medicamentos ou substâncias medicinais em uso terapêutico nos EUA.(2727. Riaz M, Brown JD. Association of adverse drug events with hospitalization outcomes and costs in older adults in the USA using the Nationwide Readmissions Database. Pharmaceut Med. 2019;33(4):321-9.)

Os resultados evidenciam que a falha em processos e atividades, ou o não seguimento de protocolos e recomendações estão relacionados à ocorrência de EA.(2828. Xelegati R, Gabriel CS, Dessotte CA, Zen YP, Évora YD. Eventos adversos relacionados ao uso de equipamentos e materiais na assistência de enfermagem a pacientes hospitalizados. Rev Esc Enferm USP 2019;53:e03503.) Os estudos analisados trazem como causas da ocorrência de eventos adversos falhas na comunicação,(1616. Stewart DE, Tlusty SM, Taylor KH, Brown RS, Neil HN, Klassen DK, et al. Trends and patterns in reporting of patient safety situations in transplantation. Am J Transplant. 2015;15:3123-33.,1919. Eguchi S, Soyama A, Nagai K, Miyazaki Y, Kurihara S, Hidaka M, et al. The donor advocacy team: a risk management program for living organ, tissue, and cell transplant donors. Surg Today. 2017;47(8):980-5.) falha no registro de informações em sistemas e documentos,(1919. Eguchi S, Soyama A, Nagai K, Miyazaki Y, Kurihara S, Hidaka M, et al. The donor advocacy team: a risk management program for living organ, tissue, and cell transplant donors. Surg Today. 2017;47(8):980-5.,2020. Mareri M, Filippetti M, Ghirardini A, Vespasiano F, Ciaccio P, Costa AP. The EUROCET Network: Support for Coding, Vigilance and Surveillance. Transfus Med Hemother. 2011;38:352-6.) além de erros na transcrição de informações e resultados laboratoriais e de imunologia;(1919. Eguchi S, Soyama A, Nagai K, Miyazaki Y, Kurihara S, Hidaka M, et al. The donor advocacy team: a risk management program for living organ, tissue, and cell transplant donors. Surg Today. 2017;47(8):980-5.) erros de conformidade, isto é, falhas no não seguimento de rotinas e protocolos;(2020. Mareri M, Filippetti M, Ghirardini A, Vespasiano F, Ciaccio P, Costa AP. The EUROCET Network: Support for Coding, Vigilance and Surveillance. Transfus Med Hemother. 2011;38:352-6.) erros na tomada de decisão;(2020. Mareri M, Filippetti M, Ghirardini A, Vespasiano F, Ciaccio P, Costa AP. The EUROCET Network: Support for Coding, Vigilance and Surveillance. Transfus Med Hemother. 2011;38:352-6.) erros no gerenciamento da fila de espera;(2020. Mareri M, Filippetti M, Ghirardini A, Vespasiano F, Ciaccio P, Costa AP. The EUROCET Network: Support for Coding, Vigilance and Surveillance. Transfus Med Hemother. 2011;38:352-6.) erros de rotulagem dos órgãos ou tecidos doados.(1919. Eguchi S, Soyama A, Nagai K, Miyazaki Y, Kurihara S, Hidaka M, et al. The donor advocacy team: a risk management program for living organ, tissue, and cell transplant donors. Surg Today. 2017;47(8):980-5.) Essas são situações que colocam em risco o órgão/tecido doado e o receptor, impactando também em todo o processo de segurança e confiabilidade do processo de doação e transplantes.

A subnotificação endossa a importância de refletir e discutir sobre a segurança e o não seguimento de protocolos e medidas de prevenção de falhas. Denota também a importância do enfoque da cultura de segurança.(2929. Siman AG, Cunha SG, Brito MJ. The practice of reporting adverse events in a teaching hospital. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03243.) Analisar as razões da não notificação também é mister, para melhorar os registros e ter mais dados para embasar medidas de mitigação de riscos e prevenção de EA. De acordo com Almeida, de Jesus e Morais,(2222. Almeida HO, De Jesus AM, Morais CR. Eventos adversos relacionados à assistência em serviços de saúde: um desafio para segurança do paciente. Cad Grad Cien Biol Saude. 2020;6(2):11.) a política de punição para quem falha ainda é predominante em diversas instituições, inibindo a notificação pelos profissionais. Os autores apontam que, para estabelecer um cenário de segurança nas instituições, é necessário que adotem um comportamento de aprendizagem contínua, a partir das notificações e da análise de como aconteceram, buscando estratégias de melhoria no processo assistencial e administrativo.(2222. Almeida HO, De Jesus AM, Morais CR. Eventos adversos relacionados à assistência em serviços de saúde: um desafio para segurança do paciente. Cad Grad Cien Biol Saude. 2020;6(2):11.)

Os estudos analisados nesta pesquisa abordam a necessidade de planejar e investir em estratégias de prevenção de EA e no gerenciamento e mitigação de riscos.(1818. Khorzad R, Montague E, Nannicelli AP, Woods DM, Ladner DP, Brown A, et al. Redesigning transplant organ labeling to prevent patient harm and organ loss. Progress Transplant. 2018;28(3):271-7.,1919. Eguchi S, Soyama A, Nagai K, Miyazaki Y, Kurihara S, Hidaka M, et al. The donor advocacy team: a risk management program for living organ, tissue, and cell transplant donors. Surg Today. 2017;47(8):980-5.) Dentre as estratégias visando maior segurança na tomada de decisão em diversas etapas do processo de doação e transplante, estão implantar ferramentas de comunicação segura, implantar sistema de comunicação para apoiar profissionais que estão na linha de frente, na assistência direta ao paciente, ou mesmo na área de gerenciamento da doação e transplante.(1818. Khorzad R, Montague E, Nannicelli AP, Woods DM, Ladner DP, Brown A, et al. Redesigning transplant organ labeling to prevent patient harm and organ loss. Progress Transplant. 2018;28(3):271-7.,2121. Cohen J, Ashkenazi T. The implementation and utilization of an organ donation dedicated medical advisory service: A descriptive study. Clin Transplant. 2019;33(11):e13711.) A família e a sociedade também devem ser incluídas no que concerne à comunicação efetiva, tanto em relação às orientações quanto ao autocuidado, como ao fluxo de atendimento, de elucidação de dúvidas e também de informações sobre como ocorre a doação e o transplante.(1414. Ali AK. pharmacovigilance analysis of serious adverse events reported for biologic response modifiers used as prophylaxis against transplant rejection: a real-world postmarketing experience from the US FDA adverse event reporting system (FAERS). Int J Org Transplant Med. 2013;4(2):62-71.)

Padronizar processos também é uma das estratégias que este estudo encontrou.(2121. Cohen J, Ashkenazi T. The implementation and utilization of an organ donation dedicated medical advisory service: A descriptive study. Clin Transplant. 2019;33(11):e13711.) A padronização de processos propicia maior alinhamento das práticas, diminuindo o risco de falhas, seguindo o que está estipulado na instituição, com base em diretrizes e em evidências científicas. Entretanto, destaca-se que cada indivíduo deve ser assistido na sua singularidade.

Cada etapa do processo de doação e transplante de órgãos e tecidos é desenvolvida com rigor, ética, moral e seguindo os preceitos legais. Entretanto, a eventual ocorrência de falhas, eventos adversos, não conformidades ou não seguimento de fluxos e protocolos predeterminados poderá acarretar na perda do potencial doador, na inviabilização de órgãos doados e viáveis para serem transplantados, e em danos ao receptor, além de outros prejuízos.(3030. Knihs NS, Cabral AS, Magalhães AL, Barra DC, Lanzoni GM, Silva OM. Avaliação da cultura de segurança no processo de doação de órgãos. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180514.)

Organizar um banco de dados de situações de eventos adversos ou de situações de quase ocorrência de EA, para posterior análise, realização de capacitações ou educação permanente, contribuem para a cultura de segurança, para o gerenciamento de riscos, para apoiar a prevenção e a tomada de decisões pelos profissionais envolvidos direta ou indiretamente no processo assistencial e gerencial da doação e transplante.(1414. Ali AK. pharmacovigilance analysis of serious adverse events reported for biologic response modifiers used as prophylaxis against transplant rejection: a real-world postmarketing experience from the US FDA adverse event reporting system (FAERS). Int J Org Transplant Med. 2013;4(2):62-71.,3131. Ramírez E, Martín A, Villán Y, Lorente M, Ojeda J, Moro M, et al. Effectiveness and limitations of an incident-reporting system analyzed by local clinical safety leaders in a tertiary hospital: Prospective evaluation through real-time observations of patient safety incidents. Medicine (Baltimore). 2018;97(38):e12509.,3232. Maguire EM, Bokhour BG, Wagner TH, Asch SM, Gifford AL, Gallagher TH, et al. Evaluating the implementation of a national disclosure policy for large-scale adverse events in an integrated health care system: identification of gaps and successes. BMC Health Serv Res. 2016;16(1):648.)

Implantar na gestão dos sistemas de biovigilância voltados a mapear riscos, analisar eventos adversos e propor medidas da sua prevenção no processo de doação e transplante, são ações que têm sido desenvolvidas em diversos países como, por exemplo, Itália, Espanha, Estados Unidos, Austrália, e no Brasil, por meio da Agência de Vigilância Sanitária.(22. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução de Diretoria Colegiada RDC Nº 339. Dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Biovigilância. Brasília (DF): ANVISA; 2020 [citado 2020 Maio 25]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3146460/RDC_339_2020_.pdf/b7b60dd9-ba54-4d91-b6db-8d3a2d369afb
http://portal.anvisa.gov.br/documents/10...
,3333. Treviso P, Amorim MH, Schimer J, Roza BA. Biovigilância: qualidade e segurança no processo de doação e transplante de órgãos e tecidos [Editorial]. Rev Sobecc. 2020;25(1):1-2.)

Nesse contexto, os dados do presente estudo apresentam evidências científicas sobre sistemas de biovigilância e notificação de eventos adversos no processo de doação e transplante de órgãos e tecidos, evidenciando consequências da ocorrência de EA e causas relacionadas, além de apresentar estratégias para mitigar os riscos, prevenir a ocorrência de erros e de tornar a equipe mais preparada e habilitada para atuar com maior segurança e qualidade no processo de doação e transplante de órgãos e tecidos.

Como implicações dos resultados encontrados para a área da saúde ressalta-se que o estudo evidencia a importância da prática assistencial segura, de realizar as atividades inerentes ao processo de doação e transplante de órgãos e tecidos com qualidade e segurança para todos os envolvidos, seja doador, receptor e profissionais. Na prática clínica, a relevância de notificação de situações de risco, near miss e eventos adversos, e a partir destas ocorrências realizar a análise do ocorrido de forma a contribuir para o aumento da segurança e a melhoria dos processos.

Como estudos futuros, recomenda-se a análise de cultura de segurança nas instituições que realizam a doação e transplante.

Como limitação do estudo aponta-se a impossibilidade de ser realizada análise estatística e metanálise, a partir dos seus resultados, e por tratar-se de revisão sistemática de estudos observacionais, a possibilidade de haver variáveis de confusão que podem gerar medidas de associação equivocadas. Outro fator limitador é a escassez de estudos referentes à biovigilância e estudos que descrevam a ocorrência de eventos adversos no processo de doação e transplante de órgãos e tecidos, acredita-se que pela insipiente notificação de EA por parte de profissionais e instituições de saúde. Ainda, aponta-se que, até o momento da busca, não foram identificados estudos clínicos randomizados.

Conclusão

A implantação da gestão no sistema de biovigilância tem sido uma estratégia adotada por diversos países, incluindo o Brasil, visando fomentar a notificação de eventos adversos ocorridos durante o processo de doação e transplante de órgãos e tecidos, analisar os eventos notificados e propor medidas de prevenção e de redução dos riscos. Os resultados apontam a ocorrência de EA ocorridos em alguma etapa do processo de doação e transplante de órgãos e tecidos, como: reações adversas relacionadas a medicamentos; neurotoxicidade; aumento do tempo de hospitalização; reintervenções cirúrgicas; queda; coma; óbito; falha ou perda do enxerto. Destaca-se que os eventos adversos possivelmente ainda são subnotificados. As causas dos EA nem sempre são claras. Entretanto, os estudos analisados evidenciam que a falha em processos, o não seguimento de protocolos e diretrizes, falhas de comunicação, falha no registro de informações, falhas na transcrição de informações e resultados de exame, e erros de rotulagem de órgãos e tecidos acondicionados, entre outras, contribuem para a ocorrência de eventos adversos. Assim, destaca-se que sistemas de biovigilância podem contribuir para a qualidade, segurança e maior confiabilidade do processo de doação e transplantes de órgãos e tecidos.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2022
  • Aceito
    20 Jun 2022
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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