Open-access Perda de seguimento da tuberculose na população privada de liberdade: fatores preditivos

Pérdida de seguimiento de la tuberculosis en personas privadas de la libertad: factores predictivos

Resumo

Objetivo  Analisar os fatores preditivos à perda de seguimento do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade no estado de São Paulo, Brasil.

Métodos  Estudo de coorte retrospectivo. Foram coletados dados de fontes secundárias de pessoas privadas de liberdade notificadas com tuberculose no período de 2015 a 2017 no estado. O risco de perda de seguimento segundo as variáveis de exposição (sociodemográficas, de detecção de casos, clínicas e de acompanhamento) foi estabelecido pelas razões de chance Odds Ratio bruto, as quais, quando significativas, foram incluídas no modelo múltiplo com método forward (Likelihood Ratio), determinando seus Odds Ratio ajustado.

Resultados  Foram incluídos 9.153 casos no estudo, dos quais 6% foram encerrados como perda de seguimento. Na análise múltipla, as variáveis preditoras para a perda de seguimento foram: sexo feminino; notificação por determinadas coordenadorias; retratamento pós-abandono, resistência medicamentosa em andamento sem informação, tipo de tratamento sem informação e necessidade de internação.

Conclusão  Os achados do estudo destacam a importância de sensibilizar os profissionais de saúde nas unidades prisionais sobre a identificação do perfil de risco para a perda de seguimento no tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade. Tal identificação abrange mulheres detidas na região metropolitana, em centros de detenção provisória e de progressão penitenciária. Além disso, devem-se incluir pessoas em retratamento pós-abandono, com necessidade de internação e ausência de informações sobre resistência medicamentosa e tipo de tratamento.

Tuberculose; Perfil de saúde; Perda de Seguimento; Prisões; Prisioneiros

Resumen

Objetivo  Analizar los factores predictivos de la pérdida de seguimiento del tratamiento de tuberculosis en personas privadas de la libertad en el estado de São Paulo, Brasil.

Métodos  Estudio de cohorte retrospectivo. Se recopilaron datos de fuentes secundarias de personas privadas de la libertad notificadas con tuberculosis durante el período de 2015 a 2017 en el estado. El riesgo de pérdida de seguimiento según las variables de exposición (sociodemográficas, de detección de casos, clínicas y de seguimiento) fue establecido por razones de momios Odds Ratio brutas, que se incluyeron en el modelo múltiple con método forward (Likelihood Ratio) cuando fueron significativas, para determinar sus Odds Ratio ajustados.

Resultados  Se incluyeron 9.153 casos en el estudio y el 6 % de ellos fue cerrado como pérdida de seguimiento. En el análisis múltiple, las variables predictoras de la pérdida de seguimiento fueron: sexo femenino, notificación por determinadas coordinaciones, nuevo tratamiento luego del abandono, resistencia medicamentosa en curso sin información, tipo de tratamiento sin información y necesidad de internación.

Conclusión  Los resultados del estudio destacan la importancia de sensibilizar a los profesionales de la salud en las unidades penitenciarias sobre la identificación del perfil de riesgo de pérdida de seguimiento del tratamiento de tuberculosis en personas privadas de la libertad. Esta identificación incluye mujeres detenidas en la región metropolitana, en centros de prisión provisional y de régimen semiabierto. Además, debe incluirse a las personas en nuevo tratamiento luego del abandono, con necesidades de internación y ausencia de información sobre resistencia medicamentosa y tipo de tratamiento.

Tuberculose; Perfil de salud; Perdida de seguimento; Prisiones; Prisioneros

Abstract

Objective  To analyze the predictive factors for loss to follow-up of tuberculosis treatment in people deprived of liberty in the state of São Paulo, Brazil.

Methods  Retrospective cohort study. Data were collected from secondary sources on people deprived of their liberty notified of tuberculosis in the state between 2015 and 2017. The risk of loss to follow-up according to the exposure variables (sociodemographic, case detection, clinical and follow-up) was established by the crude Odds Ratio, which, when significant, were included in the multiple model with the forward method, determining their adjusted Odds Ratio.

Results  A total of 9,153 cases were included in the study, of which 6% were closed as loss to follow-up. In the multiple analysis, the predictor variables for loss to follow-up were: female gender; notification by certain coordinating bodies; re-treatment after abandonment, ongoing drug resistance without information, type of treatment without information and need for hospitalization.

Conclusion  The study’s findings highlight the importance of raising awareness among health professionals in prisons about identifying the risk profile for loss of follow-up in tuberculosis treatment among people deprived of their liberty. This includes women detained in the metropolitan region, in pre-trial detention centers and prison progression centers. In addition, this should include people in post-abandonment retreatment, in need of hospitalization and without information on drug resistance and type of treatment.

Tuberculosis; Health profile; Lost of foloww-up; Prisons; Prisioners

Introdução

O Brasil notificou 68271 casos novos de tuberculose (TB) em 2021, com uma incidência de 32 casos/100 mil habitantes, estabelecendo como prioridade o controle desta doença, tendo em vista que o país está entre os 30 países de alta carga da doença e da coinfecção TB e Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).1

Até junho de 2023, o sistema prisional brasileiro, com capacidade para 481.835 pessoas, enfrentava superlotação, abrigando 644.305 detentos.2 De acordo com últimos dados divulgados em 2022, os casos novos de TB no país em pessoas privadas de liberdade (PPL) totalizaram 7.040 casos.3Sabe-se que as PPL possuem 28 vezes mais chance de contrair TB quando comparada à população geral.4Tal situação é potencializada por: inadequadas condições do encarceramento, que envolvem superpopulação prisional e ausência de ventilação e luz solar nas celas; alta prevalência da infecção pelo HIV; dificuldade de acesso aos serviços de saúde;4 e perfil de vulnerabilidade social das PPL.5

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das PPL no Sistema Prisional (PNAISP) garante que as pessoas encarceradas tenham pleno acesso aos serviços de saúde, respeitando os direitos estipulados pela Constituição Federal. Essa iniciativa visa proporcionar assistência abrangente à saúde, baseando-se nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).6

O estado de São Paulo (SP), em virtude de sua elevada densidade populacional no contexto nacional, apresenta igualmente a maior concentração de indivíduos encarcerados em comparação com outras unidades federativas do Brasil. Em 2022, concentrou 24% (n=1184) dos casos novos de TB ocorridos nas PPL do país, revelando a importância da carga da doença no estado.7Neste sentido, para que os objetivos do Plano Nacional pelo Fim da TB sejam alcançados, é necessário que o cuidado prestado às populações vulneráveis ao adoecimento por TB esteja alinhado à Estratégia End-TB, com destaque para as PPL, uma vez que estas sofrem os impactos gerados pelas iniquidades e desigualdades sociais e de saúde.8

O contexto do sistema prisional repercute como um problema no que diz respeito à ocorrência de desfechos desfavoráveis do tratamento da TB, como a perda de seguimento, bem como falência do tratamento e óbito.9

No Brasil, no ano de 2021, 10,6% dos casos de TB ocorridos nas PPL tiveram seu tratamento encerrado como perda de seguimento, embora inferior à observada na população geral (14,0%)10 ainda se encontra significativamente distante das metas estabelecidas pela OMS de, no máximo, 5%.11 Desta forma, a perda de seguimento se sobrepõe como um dos entraves para o controle da TB, enquanto resulta na redução da possibilidade de cura, continuidade da cadeia de transmissão, aumento da recidiva e resistência medicamentosa, além do aumento da morbimortalidade pela doença.12

Ao considerar a tutela do Estado sobre essas pessoas, a perda de seguimento se apresenta como um problema complexo, enquanto revela falhas no processo terapêutico e de coordenação do cuidado das unidades prisionais (UP) e dos ambulatórios/serviços de acompanhamento dos casos fora do sistema prisional.

Para o enfrentamento desta situação, é importante a identificação dos fatores de risco associados, bem como o incentivo ao autocuidado e à adesão ao tratamento da tuberculose, uma vez que reduz a transmissão e a ocorrência de óbitos pela doença.

Em face do exposto, este estudo visa analisar os fatores preditivos à perda de seguimento do tratamento da tuberculose em PPL no estado de São Paulo, contribuindo com o incentivo de ações para a adesão ao tratamento da doença.

Métodos

Realizou-se uma coorte retrospectiva, uma vez que permite analisar eventos passados para identificar padrões e associações, especialmente em relação à exposição a fatores específicos ao longo do tempo.13 O estudo foi realizado no estado de São Paulo, Brasil, e abrangeu 212.672 PPL em 2020, representando 32% da população carcerária nacional, distribuídas em 179 unidades prisionais. Tais unidades são administradas por cinco Coordenadorias Regionais e pela Coordenadoria de Saúde, a qual é responsável pelos Hospitais de Custódia.14

Em 2022, o estado de SP registrou incidência de TB na população em geral de 38,3 casos/100 mil habitantes, com taxa de cura de 75,0% e de perda de seguimento de 12,4%.14

A população de estudo foi composta por todas as PPL no estado de SP com 18 anos ou mais, diagnosticadas como casos de TB no período de 2015 a 2017 e notificadas no Sistema de Controle de Pacientes com Tuberculose do estado de SP (TB-WEB). Foram excluídos os casos com os seguintes encerramentos por se tratar de desfechos diferentes do objeto de estudo: “óbito”, “falência”, “drogarresistência”, “mudança de diagnóstico”, “transferência” ou “mudança de esquema/toxicidade”.

Os dados foram coletados do TB-WEB. A variável dependente do estudo constituiu a perda de seguimento (sim x não - constituído pelos casos de cura). As variáveis de exposição (independentes) se referiram aos dados do início do tratamento da TB e corresponderam às informações sociodemográficas; clínicas; de detecção; e de acompanhamento do tratamento.

Os dados foram analisados por meio de distribuição de frequência, utilizando o programa R/RStudio versão 1.2.5033. O risco de ocorrência da variável dependente (perda de seguimento) segundo as variáveis de exposição foi estabelecido pelas razões de chance Odds Ratio bruto (ORb) e respectivos intervalos de confiança e valores de p, adotando-se um nível de significância de 5%. As variáveis com ORb significativos foram incluídas no modelo múltiplo com método forward (Likelihood Ratio), determinando seus Odds Ratio ajustado (ORaj).15 O modelo final considerou o menor valor de Critério de informação de Akaike (AIC), ou seja, aquele que melhor se ajustou à distribuição da variável dependente.16

Para o modelo final, foi calculado o pseudocoeficiente de determinação (R2 de McFacdden)17e a capacidade de predição ou acurácia dos modelos através da área abaixo da curva de Característica de Operação do Receptor, ou Receiver Operating Characteristic (ROC) e seus respectivos valores de intervalo de confiança 95%. A curva ROC é interpretada como um indicador de adequação quando apresentar valores entre 0,9 e 0,99–excelente, 0,8 e 0,89–bons, 0,7 e 0,79–aceitáveis e 0,51 e 0,69–ruins.18

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sob o parecer n.º 5.154.256 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 52767521.1.0000.5393).

Resultados

Entre os anos de 2015 a 2017, foram notificados 9726 casos de TB no sistema prisional do estado de SP, dos quais, foram excluídos 210 encerramentos não informados, 121 óbitos, 103 falências/resistências, 66 mudanças no diagnóstico, 47 menores de 18 anos, 20 transferências e seis mudanças de esquema/toxicidade. Dessa forma, o estudo incluiu 9153 pessoas acometidas por TB em PPL, das quais 550 (6,0%) tiveram perda de seguimento. Na análise univariável, dentre as variáveis que apresentaram associação com perda de seguimento, encontraram-se: sexo; tipo de caso; resistência medicamentosa; e coinfecção TB/HIV (Tabela 1).

Tabela 1
Fatores associados à perda de seguimento do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade, segundo variáveis sociodemográficas e clínicas

Ainda na análise univariável, constituíram-se fatores associados à perda de seguimento: coordenadoria que notificou o caso; unidade de notificação; descoberta do caso; cultura de escarro; e TRM-TB (Tabela 2).

Tabela 2
Fatores associados à perda de seguimento do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade, segundo variáveis de detecção e de acompanhamento dos casos

Na análise múltipla, as variáveis identificadas como preditoras para perda de seguimento foram: sexo feminino; notificação pela Coordenadoria da região metropolitana; notificação por Centro de Progressão Penitenciária (CPP) e Centro de Detenção Provisória (CDP); retratamento pós-abandono; resistência medicamentosa em andamento/sem informação; tipo de tratamento sem informação; e ocorrência de internação (Tabela 3).

Tabela 3
Fatores preditivos à perda de seguimento do tratamento da tuberculose na população privada de liberdade

Segundo o Pseudo R2 (McFadden), o modelo possui a capacidade de explicar 8% das perdas de seguimento do tratamento da TB no sistema prisional. A área sob a curva Receiver Operating Characteristic (ROC) do modelo final foi 0,7 (IC95% 0,61-0,77), o que significa que o modelo possui uma capacidade moderada para grande de predizer a perda de seguimento do tratamento da TB nas PPL.

Discussão

O presente estudo mostrou que o sexo feminino apresentou mais chance de perda de seguimento do tratamento da TB, resultado diferente de outros estudos em PPL realizados no Brasil e Uganda, identificados na literatura.19,20No Brasil, a população carcerária feminina cresceu 656% entre os anos de 2000 e 2016, enquanto na masculina, o aumento foi equivalente a 293%,21 crescimentos que não foram acompanhados por um redimensionamento no número de vagas do sistema prisional e nem de suas equipes de saúde e de segurança. Ademais, um estudo mostra baixo acesso de mulheres privadas de liberdade à prestação de cuidados de saúde, bem como baixa especificidade das ações de saúde voltadas a este gênero.22Embora em 2014 tenha sido publicada uma política nacional de atenção a essas mulheres,23 mostrando a violação dos direitos e a invisibilidade dessa população.24

Neste contexto, a taxa de perda de seguimento na população prisional revelou-se substancialmente inferior (6%) à observada na população geral (12,4%). Tal disparidade pode sugerir uma adesão mais efetiva ao tratamento ou uma supervisão mais eficaz dos pacientes no ambiente prisional. Tal cenário pode ser explicado por diversos fatores, como a implementação de programas específicos de controle da tuberculose nas UP e uma possível conscientização ampliada dos detentos sobre a importância do tratamento, dado o maior risco de contrair a doença nesse ambiente.

Os indivíduos notificados pela Coordenadoria Metropolitana apresentaram mais chance de perda de seguimento do tratamento da TB. No entanto, é importante destacar que tal coordenadoria apresenta maior quantitativo de enfermeiros,25 levantando o questionamento de como vem sendo realizado o cuidado das pessoas com TB nestes cenários. Tal cuidado pode ser prejudicado pelas múltiplas funções que o enfermeiro exerce neste contexto ou pelo quantitativo de profissionais que ainda não é suficiente para cobrir a ocupação das unidades.26

Nesta Coordenadoria, também é verificada maior quantidade de CDP, prejudicando a continuidade do tratamento, uma vez que o tempo de permanência das PPL nestas unidades ocorre por tempo limitado. O mesmo acontece nos CPP, onde também foram identificadas maiores chances de perda de seguimento quando comparados às penitenciárias. Dessa forma, é possível supor que não haja uma integração destas unidades com as unidades de destino dos casos, as quais deveriam dar continuidade ao tratamento.27

Quanto aos aspectos clínicos, ter histórico de perda de seguimento prévio apresentou maior risco para uma nova perda de seguimento do tratamento comparado aos casos novos de TB. Os efeitos colaterais e a carga de medicamentos para o tratamento da doença representam um desafio para a conclusão do mesmo, cuja perda de seguimento anterior pode ser um alerta para uma nova perda de seguimento.28Nesse sentido, se faz necessário o planejamento de ações efetivas focadas nestes indivíduos, mediante educação em saúde, ações de vigilância e acompanhamento do tratamento, a fim de garantir que a cura da TB seja alcançada.

O tratamento da drogarresistência ainda é considerado um dos maiores problemas para o controle da TB no mundo, uma vez que pode demandar um tratamento mais longo e o uso de medicamentos mais tóxicos e que muitas vezes não impactam na melhora clínica,29 resultando na perda de seguimento do tratamento. Neste sentido, o presente estudo revela a importância no preenchimento do sistema de informação sobre TB, uma vez que indivíduos que apresentaram resultado do teste de susceptibilidade em andamento e sem informação tiveram mais chance de perda de seguimento quando comparados a indivíduos com resultado de TB sensível aos medicamentos.

Ao analisar o tipo de tratamento, os indivíduos em que não havia informação relacionada a essa variável apresentaram mais chance de perda de seguimento em comparação aos que realizaram o Tratamento Diretamente Observado (TDO). Em um estudo brasileiro (n=24.692), os fatores que predisseram a adesão ao tratamento da TB em PPL indicaram a relevância de se manter este tipo de tratamento durante todo o período de encarceramento.19Uma coorte retrospectiva nos estados de Rondônia e São Paulo, Brasil (n=24.732), mostrou que aquelas PPL que se submeteram ao tratamento de forma autônoma apresentaram 2,5 vezes mais chance de desfecho desfavorável, em comparação com aquelas que se submeteram ao TDO nas prisões do estado de SP.8

Neste sentido, é importante ressaltar a potencialidade das unidades prisionais para a realização do TDO, haja vista a proximidade dos casos aos profissionais de saúde. No entanto, cabe lembrar a quantidade limitada destes agentes no sistema prisional, os quais, na maioria, contam com o apoio dos agentes penitenciários, cujo papel pode transcender as ações de vigilância e segurança.30

Identificou-se evidência de associação entre a perda de seguimento do tratamento e internação hospitalar na análise multivariável. Um estudo qualitativo realizado em João Pessoa, na Paraíba, aponta a internação como o momento no qual o usuário entende a importância do tratamento da TB como a única alternativa para sua cura. No entanto, há relatos de dificuldades do uso contínuo da medicação fora da internação, sendo que dentre as PPL, são mencionados: escassez de recursos humanos e financeiros destinados aos serviços de saúde prisionais, insuficiência de informação sobre a TB e, principalmente, restrita autonomia das PPL no que se refere ao acesso aos medicamentos, participação no tratamento e ações de prevenção.31

Cabe destacar ainda que a descontinuidade do tratamento pode refletir a falta de uma abordagem integrada no sistema de referência e contrarreferência, com dificuldades de acesso às ações de saúde e coordenação da assistência, quando é necessária uma internação ou até mesmo na saída, ou transferência das unidades prisionais. Dessa forma, alguns autores enfatizam a necessidade de superar a fragmentação dos serviços com estratégias integradas para o controle da tuberculose.32

Por fim, alguns aspectos merecem ser mencionados visando reduzir a perda de seguimento da tuberculose nas unidades prisionais, as quais compreendem: o reconhecimento do direito das PPL às ações de saúde, a compreensão do perfil de adoecimento e de vulnerabilidade dessas pessoas e a adequação das estruturas e rotinas penais ao atendimento de tais peculiaridades, a qual deve incluir a qualificação das equipes de saúde prisionais.

Como limitação do estudo, ressalta-se um possível viés de informação, justificado pelo uso de fontes secundárias, com possibilidade de equívocos nos registros, falta de padronização das informações e inviabilidade de coleta de variáveis relevantes para o estudo.

Conclusão

Os achados deste estudo permitiram apontar alguns fatores preditores da perda de seguimento do tratamento da TB entre as PPL no estado de SP, tais como: sexo feminino, notificação na Coordenadoria da região metropolitana e em CDP e CPP, casos em retratamento pós-abandono, ausência de informações quanto à resistência medicamentosa e tipo de tratamento, bem como necessidade de internação. Diante do exposto, recomenda-se que os profissionais das unidades de saúde prisionais estejam sensibilizados ao processo de identificação de indivíduos com perfil de risco para a perda de seguimento do tratamento da TB, de modo a: promover a efetivação e sustentabilidade do TDO nas unidades prisionais, ofertar ações de educação em saúde para a adesão ao tratamento e adotar estratégias para a melhoria da comunicação com outras unidades prisionais e serviços da RAS. Ademais, cabe ressaltar a necessidade de adequação das estruturas físicas e das rotinas organizacionais para o atendimento das necessidades e vulnerabilidades das PPL, bem como do dimensionamento adequado e da qualificação dos profissionais de saúde que atuam no contexto prisional para o acompanhamento dos casos de TB.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2023
  • Aceito
    10 Jun 2024
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