RESUMO
A Fapesp é hoje a mais sólida agência de apoio a pesquisa do país. Foi forjada ao longo de quase oito décadas, com forte inspiração do positivismo em suas origens. Seu modelo jurídico influenciou todas as demais fundações estaduais similares do país, associando a garantia constitucional de estabilidade orçamentária e a gestão autônoma que destina 95% de seus recursos orçamentários à pesquisa, em todas as áreas do conhecimento. Em 60 anos, a agência acumulou sucessos em programas como a formação de recursos humanos qualificados, pesquisa básica e aplicada competitiva em bioenergia, agricultura, medicina, biodiversidade, oceanografia, astronomia, física, matemática, computação, ciências sociais, além do apoio à inovação e à cooperação entre academia e empresas. A Fapesp foi o berço da internet, da genômica e da bioinformática no país, e recentemente teve papel proeminente na reação da sociedade paulista à pandemia de Covid-19.
PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa; Tecnologia; Inovação; Política pública
ABSTRACT
Fapesp is today the most solid research agency in Brazil. Strongly inspired by Positivism in its origins, it was forged over nearly eight decades. Its legal model influenced all other similar State foundations in the country, associating the constitutional guarantee of budgetary stability with an autonomous management that allocates 95% of its budget to research, in all areas of knowledge. In 60 years, the agency has accumulated successes in programs such as capacity building, competitive basic and applied research in bioenergy, agriculture, medicine, biodiversity, oceanography, astronomy, physics, mathematics, computing, social sciences, in addition to supporting innovation and cooperation between academia and businesses. Fapesp was the cradle of the internet, genomics and bioinformatics in Brazil, and has recently played a prominent role in the response of São Paulo’s society to the Covid-19 pandemic.
KEYWORDS: Research technology; Innovation; Public policy
“O mundo gira por causa do progresso científico, não da economia”.
Marco A. Zago, O Estado de S. Paulo, 21.9.2020.
As origens
O aparecimento da Fapesp no cenário científico brasileiro na década de 1960 não foi um ato desvinculado de seu momento histórico, um voo solitário. Pelo contrário, sua institucionalização foi consolidada em duas Constituições, uma Emenda Constitucional, uma Lei e um Decreto, resultantes de ações coordenadas e coerentes que se estendem por um período de quase oitenta anos, envolvendo cientistas, acadêmicos, políticos, intelectuais, jornalistas, com objetivo de promover o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado.
A primeira menção concreta à ideia está na Constituição Paulista de 1947: “Artigo 123 -O amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado, por intermédio de uma Fundação, organizada em moldes que forem estabelecidos por lei. Parágrafo único -Anualmente, o Estado atribuirá a essa Fundação, como renda de sua privativa administração, quantia não inferior a meio por cento do total de sua receita ordinária”.
Ou seja, a Constituição não criou uma vinculação orçamentária para atender ao interesse da Fapesp (que não existia na época), mas reservou recursos para a pesquisa científica, entendida pelos constituintes como uma estratégia para o desenvolvimento do Estado. A Fundação, ainda a ser criada, seria o instrumento para realizar este objetivo. Nesse primeiro ato revela-se também o outro braço desta estratégia: a autonomia da Fundação (“de sua privativa administração”).
A Segunda Guerra havia apenas terminado. Durante o conflito, ficou claro que o peso do conhecimento científico havia favorecido de maneira decisiva a vitória dos Aliados. Três descobertas científicas ocorridas nos Estados Unidos e no Reino Unido desequilibraram a balança a favor dos Aliados: o radar, a penicilina e o domínio do ciclo nuclear.
No ano em que se encerrou a guerra (1945), o presidente Roosevelt solicitou do Director of the Office of Scientific Research and Development, Vannevar Bush, que se manifestasse sobre como os Estados Unidos deveriam divulgar amplamente o conhecimento científico que havia se acumulado nos anos de guerra (mantido em segredo por razões de segurança), como a luta contra as doenças poderia ser ampliada, e como o governo poderia ajudar na pesquisa científica pública e privada. A resposta de Bush veio na forma de um relatório que ficou conhecido pelo nome de “Science, the Endless Frontier”, que orientou a política de ciência e tecnologia daquele país nos anos subsequentes e levou à criação da National Science Foundation (NSF) em 1950.
No Brasil, após a Revolução de 1930, a era Vargas impulsionava a industrialização e criava estruturas para promover o desenvolvimento, como Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobrás, o BNDES, o Instituto Brasileiro do Café, Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e Capes. Essa visão desenvolvimentista se acentua no governo Kubitschek (1956-1961).
Esses acontecimentos influenciariam decisivamente os cientistas e intelectuais paulistas, que começavam a circular ativamente pela Europa e Estados Unidos desde o início da década de 1940, entre eles o primeiro presidente da Fapesp, Antônio Barros de Ulhôa Cintra, de quem falaremos mais a seguir.
O estado de São Paulo estava constituindo uma invejável rede de instituições para sustentar o desenvolvimento econômico, industrial, agrícola e urbano. Desde o final do século XIX foram sendo criados: o Instituto Agronômico de Campinas; a Escola Politécnica; a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz; o Instituto Butantan; a Faculdade de Medicina; o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT); o Laboratório de Higiene (precursor da Faculdade de Saúde Pública); e, finalmente, a Universidade de São Paulo, em 1934. Assegurar apoio à pesquisa científica tornou-se, pois, um objetivo prioritário para consolidar um estado moderno. O sistema viria ainda a se ampliar com a criação de mais duas universidades públicas paulistas (Unicamp e Unesp), a abertura de três universidades federais, e a criação de um sistema de ensino técnico e educação vocacional, o Centro Paula Souza.
Logo após a aprovação da Constituição Paulista em 1947, a bancada liderada pelo deputado Caio Prado Júnior apresentou projeto de lei que tratava da regulamentação do artigo 123 da Constituição, pela criação da Fundação Paulista de Pesquisas Científicas. A implantação da Fundação, no entanto, somente ocorreu 15 anos depois.
Ao assumir o governo de São Paulo em janeiro de 1959, Carlos Alberto de Carvalho Pinto designou uma Comissão para “elaborar os estudos que permitissem organizar e fazer funcionar a Fundação prevista no artigo 123”, constituída por: Paulo Vanzolini (biólogo da USP); Breno Asprino (advogado da Secretaria de Agricultura); Hélio Bicudo (jurista); Ruy Leme (professor da Escola Politécnica da USP); Diogo Gaspar (economista); e colaboração de Antonio Candido (professor da USP, que contribuiu para os aspectos da pesquisa em letras, humanidades e ciências sociais).
Em novembro do mesmo ano, o governador encaminhou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei n.1.953, que reiterava a adoção da concepção mais ampla possível da pesquisa, o princípio da autonomia (não interferência nos assuntos internos da instituição) e limitava os gastos com administração a 5% de se seu orçamento. Em junho de 1960, mil pesquisadores e docentes da USP subscreveram um memorial pedindo rapidez na tramitação do projeto.
Aprovado o PL, em 18 de outubro de 1960 o governador Carvalho Pinto promulgou a Lei Orgânica n.5.918, autorizando o Poder Executivo a instituir a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
O passo seguinte envolveu uma ampla articulação, da qual participaram numerosas figuras de nossa vida acadêmica e política, dentre as quais destacamos: Mario Schenberg, Luiz Hildebrando P. da Silva, Plínio de Arruda Sampaio (Chefe de Gabinete de Carvalho Pinto), Alberto Carvalho da Silva e Fernando Henrique Cardoso, na época o representante dos professores assistentes no Conselho Universitário da USP. O movimento culminou com a eleição de Antônio Barros de Ulhôa Cintra para reitor da USP. Cintra era médico de competência reconhecida, um dos pioneiros que introduziram no Hospital das Clínicas a medicina baseada na ciência e nos exames objetivos, e estagiara nos Estados Unidos no auge da Segunda Guerra. Sua eleição para a reitoria da USP foi passo fundamental na luta para modernizar a universidade e para a criação da Fundação. A ele o governador Carvalho Pinto delegou a responsabilidade de organizar o Estatuto da Fapesp.
O Conselho Superior pro tempore organizado em 1961, que elaborou o Estatuto da Fapesp, era dirigido por Ulhôa Cintra e contava ainda com José U. de Almeida Prado, Florestan Fernandes, Frederico Pimentel Gomes, Luiz Carlos Junqueira, Luiz Eulálio Bueno Vidigal, Otávio G. Souza Ricardo, Paulus Aulus Pompeia, Paulo Vanzolini, Alberto Carvalho da Silva, Carlos da Silva Lacaz, Enzo Azzi, Crodowaldo Pavan. O jurista, professor da Faculdade de Direito da USP, e duas vezes reitor da USP, Miguel Reale, conhecido por ser um árduo defensor da autonomia do estado de São Paulo diante das interferências do governo federal, elaborou o parecer sobre a personalidade jurídica da Fapesp.
Em 23 de maio de 1962 o governador Carvalho Pinto publicou o Decreto n.40.132, que aprovou os Estatutos da Fapesp, e a fundação passou então a funcionar. Um episódio pouco conhecido é o chamado “pagamento dos atrasados”, que mostra bem o interesse de Carvalho Pinto pelo desenvolvimento científico, e o espírito que levou ao apoio dos governantes à Fapesp. A Fundação foi autorizada por lei em 1960, mas começou a funcionar efetivamente em 1962, com o Decreto n.40.132. Carvalho Pinto mandou pagar os recursos correspondentes a esse período, no valor de 5,3 milhões de dólares, com os quais a Fapesp pôde iniciar suas atividades imediatamente, e se destinaram à formação de seu patrimônio previsto na lei.
Ulhôa Cintra e Carvalho Pinto foram, assim, os responsáveis últimos pela implantação da Fapesp, apoiados no trabalho de toda uma geração. A influência de Ulhôa Cintra se manifestou ainda em numerosas outras iniciativas que marcam a ciência e educação superior do Estado, como a criação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), a Editora da USP (Edusp), dirigiu uma comissão que elaborou a proposta de criação da Unicamp, proferiu a aula inaugural da Faculdade de Medicina de Campinas em maio de 1963, e participou da criação da Faculdade de Medicina de Botucatu. Carvalho Pinto, por sua vez, além da criação das Faculdades de Medicina de Campinas e de Botucatu, promoveu a construção de várias hidrelétricas. Mas ele mesmo considerava a criação da Fapesp sua maior herança: “Se me fosse dado destacar alguma das realizações da minha despretensiosa vida pública, não hesitaria em eleger a Fapesp como uma das mais significativas para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país”.
Os dois episódios seguintes, de interesse na história da institucionalização da Fapesp, são a chamada “emenda Leça” e a Constituição de 1989.
Emenda Leça. Nos anos 1980, a inflação causava rápida perda do valor do dinheiro. O governo paulista de então só pagava à Fapesp o percentual prescrito na Constituição decorridos dois anos, reduzindo muito o valor real transferido.
Em 16 de dezembro de 1983, a Assembleia Legislativa aprovou Emenda Constitucional determinando que os recursos destinados à Fapesp fossem calculados com base no ano anterior e repassados em duodécimos (mês a mês). A Emenda Leça, que ganhou o nome do deputado que a propôs, Fernando Leça, amenizou a oscilação do orçamento da Fapesp. O assunto foi definitivamente regulamentado na Constituição de 1989.
Constituição de 1989. O último episódio da institucionalização da Fapesp foi a inserção, na nova Constituição Estadual, do artigo 271 e seu parágrafo único, que consolida toda a história anterior, mas traz ainda uma grande novidade. A Assembleia Constituinte elevou para 1% o percentual de recursos “para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico”. No mais, reafirmou a autonomia da Fundação (“de sua privativa administração”) e a regulamentação estrita das transferências (parágrafo único), determinando que os recursos da receita tributária fossem transferidos mensalmente, “devendo o percentual ser calculado sobre a arrecadação do mês de referência e ser pago no mês subsequente”.
Em síntese, a destinação de recursos orçamentários à Fapesp fixada pela Constituição insere-se numa concepção moderna de desenvolvimento gerado pelo conhecimento, reiterada numerosas vezes por atos e palavras de governantes e parlamentares, como a manifestação de Geraldo Alckmin, governador do estado de São Paulo, por ocasião do 50º aniversário da Fundação: “A Fapesp é democrática em suas origens e práticas, pois foi concebida no clima democrático que sucedeu o Estado Novo. Também é uma instituição avançada, que conjuga o saber especulativo com o desenvolvimento tecnológico, e sólida, graças a um fluxo contínuo de recursos gerenciados com rigor e eficiência. O povo de São Paulo conta com a Fapesp para manter o estado na vanguarda da ciência e da tecnologia”.
Ao longo de seis décadas de existência, o princípio constitucional de vinculação de recursos para a pesquisa científica foi amplamente apoiado, e sempre ardorosamente defendido nas poucas ocasiões em que foi atacado, seja por discurso ou na prática.
Com apoio na Constituição Federal que autoriza (mas não determina) a vinculação de recursos orçamentários para a pesquisa científica, o estado de São Paulo fez valer a sua autonomia, incluindo na sua Constituição o apoio à ciência e tecnologia para garantir seu futuro. Essa decisão foi reafirmada três vezes em legislação com status constitucional estadual (duas vezes a Assembleia Legislativa atuando como Assembleia Constituinte e uma vez na forma de uma emenda constitucional). A vontade explícita e reiterada dos cidadãos paulistas sempre teve muita força, não podendo ser facilmente derrubada por manobras legislativas que se apoiam em maiorias eventuais.
J. Souza Martins (2021) vincula a criação da Fapesp à efervescência que levara à criação da Universidade de São Paulo: “A Fapesp foi obra da Universidade, e não o contrário. Seria um engano supor que a Universidade é o que é graças à Fapesp, se não se levasse em conta que a Fapesp é o que é graças à Universidade. E, então, aí sim, vice e versa. Sem a Fapesp, as universidades paulistas de hoje não seriam o que são”. E, em última instância, todas “são filhas das ciências humanas e do positivismo de Auguste Comte, da sociologia da ciência”.
Ciência: motor do progresso
Passados 60 anos, a questão é: o modelo funcionou? A Fapesp cumpriu sua missão de promover o desenvolvimento do estado de São Paulo com base na ciência, na tecnologia e na inovação? A resposta é firmemente positiva.
A ciência brasileira seria muito menor sem a Fapesp. Alguns marcos, ao longo dessas seis décadas, ilustram seu impacto: o pioneirismo digital na criação da internet, a implantação da genômica e da bioinformática no país, a pesquisa na bioenergia, na agricultura e na saúde, o programa de biodiversidade, entre outros. A Fapesp ajudou abrir a porta dos mares para os pesquisadores paulistas, com o navio oceanográfico Alphacrucis, e descerrar as janelas para o universo, participando da construção de telescópios como Soar, Javalambre e Giant Magellan Telescope, do observatório para estudo de raios cósmicos Pierre Auger, na Argentina, e do Large Latin American Millimeter Array (LLAMA)
A formação de Recursos Humanos e de Lideranças para o país
Após a sua criação, a Fapesp passou a apoiar a formação de pesquisadores paulistas no Brasil e no exterior. Na década de 60, a pós-graduação ainda não estava regulamentada no Brasil e por isso a importância de apoiar a ida de pesquisadores para países desenvolvidos com pós-graduação estruturada. Essa foi uma ação com reflexos mensuráveis. O estado de São Paulo, que tem 22% da população brasileira, responde por 33% do PIB nacional e por 43% de todas as publicações científicas com participação de alguma instituição brasileira (Plataforma Web of Science - Clarivate). Seria o 25º colocado do mundo em produção científica se fosse um país. Com população bastante próxima à do nosso estado, Argentina e Colômbia publicam menos da metade do que produz São Paulo.
Em consequência do apoio aos pesquisadores paulistas e às instituições de ensino superior, foram titulados no estado de São Paulo, por vários anos, mais de 70% dos doutores brasileiros. Ainda em 1996, 67% dos doutorados foram realizados em São Paulo e entre 1996 e 2017, a porcentagem dos doutores aqui titulados foi de 44,3% do total. Dessa forma, a Fapesp contribuiu também para o desenvolvimento das universidades federais de todos os estados brasileiros.
O berço da internet no Brasil
Mas a contribuição da Fundação paulista vai além. Não se pode olvidar o papel da Fapesp em programas importantes para o desenvolvimento do país como um todo; por exemplo, a própria internet no Brasil surgiu dentro do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e da Fapesp, no final da década de 1980, sob liderança do então presidente da Fapesp Oscar Sala. “A comunicação entre cientistas e o acesso a bases de dados via meios eletrônicos estavam se tornando comuns nos Estados Unidos e na Europa naquele momento, e o professor Sala estava atento a isso. Ele queria que os físicos da USP e demais pesquisadores de outras áreas pudessem fazer o mesmo aqui” (Getschko, 2021).
A primeira instituição brasileira a conseguir conexão foi o LNCC em setembro de 1988, seguida pela Fapesp dois meses depois, que firmou acordo com o Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab). Desde então, as universidades passaram a contar com a Academic Newtork of São Paulo (Ansp) (mais recentemente denominada Rednesp, Research and Education Network at São Paulo) para a colaboração com outras instituições de renome em todas as partes do mundo e em todas as áreas do conhecimento.
Os grandes programas induzidos e o apoio à inovação
No final do século XX, depois de consolidar a sua atuação na área acadêmica do Estado, a Fapesp expandiu a sua atuação por meio de novas estratégias. Dois eixos centrais nesta mudança foram o apoio à inovação e os grandes programas mais estruturados.
A referência à inovação sempre fez parte da vida da Fapesp. De fato, a origem da inovação está na ciência: “What causes economic growth is always innovation. So, how do we get more of it? We invest in basic research. And that is as simple as that” (Gary Hendrix, Fundador da Symatec Corporation).1 No entanto, o sistema industrial e empresarial brasileiro, mesmo no estado mais ativo economicamente, não tinha ampla experiência com a inovação tecnológica, e os investimentos financeiros e em recursos humanos com este objetivo eram sempre muito restritos. A Fundação começou então a atuar na interface entre empresas e comunidade científica, por meio principalmente de dois programas.
Um deles foi o Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), lançado em 1997, indutor de transferência de conhecimento do ambiente acadêmico para o ambiente empresarial. Passados 23 anos, o Pipe já apoiou 2.695 projetos de 1.633 empresas, distribuídas por todo o estado em 153 cidades, um quarto de seus municípios. Uma avaliação com uma amostra destas empresas, depois de terminado o apoio, mostrou que o faturamento médio subiu 22% (de R$ 1,7 milhão para R$ 2,2 milhões), o número médio de empregados evoluiu de 8,5 para 11,1, crescendo o número médio de empregados dedicados à pesquisa e desenvolvimento dentro da empresa, de 1,8 a 3,1. Finalmente, cada R$ 1,00 investido (Fapesp + contrapartida) gera R$ 6,00 de imposto arrecadado. O alvo desse programa é a pequena empresa inovadora, e muitas são startups.
No outro extremo do espectro, o Programa de Centros de Pesquisa em Engenharia (hoje chamados de Centros de Pesquisa Aplicada) contempla a parceria da Fapesp com grandes empresas, do porte da Shell, Equinor, Koppert, GSK, Citroën, IBM, Usina São Martinho, Embrapa, entre outras. Os recursos da empresa são pelo menos equivalentes mas em muitos casos ultrapassam os da Fapesp. O objetivo é a criação de um centro de pesquisa aplicada em universidade ou instituto de pesquisa, focando temática de interesse da empresa e da sociedade paulista, como por exemplo, controle biológico de pragas na agricultura, redução da produção de CO2, reservatórios de petróleo ou identificação de alvos terapêuticos em doenças inflamatórias. Hoje, esse é o maior programa de colaboração universidade-empresa do país, comprometendo recursos da ordem de R$ 1 bilhão, sendo um quarto desse valor oriundo da Fapesp.
O segundo movimento que mudou a face da Fundação no final do século passado foi o estabelecimento de projetos de pesquisa maiores, mais estruturados, mais longos e com participação de equipes de pesquisadores, incluindo aqueles voltados para aplicações práticas da ciência e tecnologia. Ao lado dos projetos individuais, de iniciativa do pesquisador, sejam regulares ou temáticos, adicionou-se uma agenda de programas induzidos e de inovação.
Essa nova estratégia abre-se com um dos mais emblemáticos e bem sucedidos programas da Fapesp: o Programa Genoma da Xyllela e o Genoma do Câncer. O “Projeto Genoma”, como ficou conhecido, gerou competência em uma área que era incipiente no Brasil mas que se desenvolvia com muita velocida- de em outros países, nos melhores centros de pesquisa do mundo e também em empresas. A organização do projeto foi altamente inovadora: ao invés de investir em novos laboratórios, formou-se uma rede de 34 laboratórios, um centro de bioinformática e cerca de 200 pesquisadores, denominada Rede Onsa (Organization for Nucleotide Sequence and Analysis), para sequenciar e analisar o genoma da Xylella fastidiosa, fitobactéria que provoca a doença clorose variegata dos citros, conhecida como “amarelinho” nos laranjais. O primeiro sequenciamento do genoma de uma bactéria vegetal, com 2,7 milhões de bases, completado em menos de dois anos, foi um feito notável à época. O resultado foi publicado na revista Nature e foi capa daquela edição. Dele derivou toda a pesquisa genômica de câncer, de patógenos e de plantas. Pela primeira vez criou-se também um centro para análise de grandes quantidades de dados biológicos na forma digital, e todo o progresso posterior da bioinformática no país deve muito a esta iniciativa, que está na origem da maioria dos grupos de pesquisa em bioinformática atuais.
Pela primeira vez, formaram-se rapidamente grupos de pesquisa altamente competentes, em duas abordagens de pesquisa que não tinham expressão no país, e que estavam se desenvolvendo rapidamente no exterior, usando recursos internos e sem ter que enviar os pesquisadores ao exterior (Marques, 2010).
A primeira experiência brasileira de pesquisa em rede em larga escala, o sequenciamento da Xyllela, repetiu-se no Programa Genoma do Câncer, e em seguida em muitas outras versões focalizadas em temas específicos (eucalipto, cana-de-açúcar, a bactéria Xanthomonas citri, responsável pelo cancro cítrico, a mais séria doença dos laranjais, boi, Schistosoma mansoni e leptospira).
Na visão da revista Nature, que publicou o estudo inicial, “A Fapesp investiu o equivalente a US$ 12 milhões, grande parte dedicados a sequenciadores, computadores e reagentes, enquanto o grupo reuniu e treinou pesquisadores de diversas áreas para desenvolver um conjunto amplo e duradouro de habilidades e conhecimentos” [Pesquisa Fapesp, 174, p.31, 2010]. Segundo a Nature, a biotecnologia brasileira amadureceu a tal ponto que seus cientistas tornaram-se atores no cenário internacional.
Nos dois programas, o papel da Fapesp foi o de provocar a comunidade científica e tecnológica sugerindo caminhos em vez de limitar-se a apoiar a demanda espontânea dos pesquisadores. Nesse aspecto, a história da Fapesp talvez possa ser dividida em duas fases: antes e depois dessas iniciativas.
Na mesma época, fortalecendo o novo modelo de projetos mais estruturados e ambiciosos, de longa duração, a Fundação selecionou 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), agregando equipes de pesquisadores experientes, que receberiam apoio de grande monta e de longa duração (10 anos). O processo de escolha foi altamente competitivo, com taxa de sucesso de 8%. Em 2014 foram selecionados 17 centros, e uma nova fase foi aberta em 2021, com edital contemplando seis rodadas do programa nos próximos anos. A longevidade do programa e o sucesso da maioria desses centros, alcançando os objetivos e produzindo resultados positivos nas mais diversas áreas do conhecimento, fortaleceram essa estratégia de apoio à pesquisa de longo alcance.
O uso do transplante de medula óssea para o tratamento do diabete melito grave tipo I (Voltarelli et al., 2007), a descoberta do mecanismo que faz que o paciente que se recupera de uma infecção grave tenha uma redução da resistência à infecção (Nascimento et al., 2021), o primeiro uso da terapia celular tipo CAR-Tcell para câncer (Toledo, 2019), e a descoberta que o zika vírus, que provoca microcefalia em recém-nascidos portadores da doença, pode destruir tumores do cérebro (Kaid, C. et al., 2018), são alguns exemplos de descobertas na fronteira do conhecimento originados desses centros.2
Nas ciências sociais, o Centro de Estudos das Metrópoles contribuiu significativamente para um melhor conhecimento das desigualdades no Estado, suas causas e consequências.
Pesquisa orientada à missão
Na maior parte das pesquisas apoiadas pela Fapesp, básicas ou aplicadas, o tema e a abordagem são de iniciativa dos pesquisadores, nos projetos regulares, temáticos, jovem pesquisador e nas bolsas de iniciação científica a pós-doutorado. Mesmo os Cepid, os Centros de Pesquisa em Engenharia ou Aplicada (CPE/A) e o Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) seguem esse padrão.
Acompanhando uma tendência mundial, nos últimos anos, a Fapesp começou também a apoiar programas voltados para a solução de problemas de interesse da sociedade, incluindo a melhoria da infraestrutura estadual de pesquisa. Nesses casos, a área, a temática e as questões balizadoras são indicadas pela agência, cabendo aos pesquisadores propor abordagens para os problemas.
São os chamados “mission oriented projects”, cujos temas resultam de ampla consulta a diferentes setores da sociedade (acadêmicos, governo, empresas) e são propostos em editais. São questões relevantes como a da segurança pública, saúde, agricultura, abastecimento, conservação do meio ambiente, sustentabilidade, cultura e economia criativa. Os projetos envolvem articulações com áreas técnicas de secretarias estaduais, empresas, além das universidades e institutos de pesquisa. Dois editais do “Programa Ciência para o Desenvolvimento” ilustram esta estratégia da Fapesp. Em 2020, o primeiro edital desse programa contemplou 12 Núcleos de Pesquisa Orientados a Problemas de São Paulo. Novo edital em andamento em 2021 prevê a aplicação de cerca de R$ 480 milhões, dos quais a Fapesp deve contribuir com um quarto do total.
A Fapesp e a agropecuária paulista
Apesar da pequena área geográfica de nosso estado, apenas 3% do país, somos o primeiro produtor nacional de frutas, de cana, de etanol e de açúcar. Por quê? Uma das causas relevantes é alta dose de ciência, tecnologia e formação de pessoal qualificado no estado. Quando o “amarelinho” ameaçou nossos laranjais na década de 1990, os cientistas paulistas dedicaram-se a entender a doença e seus mecanismos, nos moldes que o IAC vem fazendo há 130 anos! Vinte anos depois, a contaminação de nossos laranjais caiu de 42% para 1,3%.
Responsável por cerca de 15% do PIB paulista e por 15% dos empregos no estado, para se manter competitiva internacionalmente num mundo que muda rapidamente, em que a atualização científica e tecnológica migra continuamente dos laboratórios e universidades para o setor produtivo, a agropecuária tem que ser sustentada por pesquisa e inovação permanentes. A Fapesp faz esse papel em São Paulo, investindo 3 bilhões de reais (valores de 2013) na pesquisa de agricultura em 20 anos entre 1993 e 2013, e nos últimos 10 anos financiou 4.500 bolsas e 2.600 projetos (Zago, , 2019). Entre 1982 e 2013, os investimentos da Fapesp, Apta e Embrapa perfizeram R$ 417 milhões anuais, enquanto valor equivalente foi investido por USP, Unesp e Unicamp na formação de pessoal.
Em consequência, a produção da agricultura paulista aumentou em mais de 90% nas duas últimas décadas, e o ganho de produtividade total cresceu 3,1% a partir de 1994, enquanto o PIB per capita rural cresceu para 57% do PIB urbano em São Paulo comparado a 34% do restante do país. Estudo recente mostra que cada R$ 1,00 investido na pesquisa agropecuária tem, em poucos anos, retorno de R$ 11,00; os investimentos da Fapesp têm um retorno 27 vezes o investido (De Araújo; Nicolella, 2018). Esse retorno aparece de formas variadas, como aumento da produção e produtividade, e aumento da geração de empregos.
A pandemia de Covid-19
A pandemia que atingiu o mundo nos últimos anos foi avassaladora. São Paulo enfrentou a ameaça com o conhecimento científico: nossos pesquisadores sequenciaram o vírus 48 horas após seu isolamento. Em seguida, o Instituto Butantan liderou a busca por uma vacina, realizando testes clínicos para comprovar sua eficácia, com apoio da Fapesp. Ampliamos recursos a projetos em andamento que foram redirecionados para o combate ao vírus e às suas complicações. Foram também destinados recursos a startups voltadas para produtos relacionados à pandemia, apoio à pesquisa com vacinas em vários laboratórios e à última fase do estudo epidemiológico nacional Epicovid19 BR. Um ano depois do reconhecimento da pandemia, o Butantan já fabricava e distribuia a Coronovac. O Instituto Butantan, o maior fabricante de vacinas do Brasil, completou 120 anos em 2021 e contou com forte apoio da Fapesp nos últimos 60 anos: 1.131 projetos de apoio à pesquisa (dos quais 54 estão em andamento) e 1.458 bolsas (82 em vigor).
Um repositório de dados clínicos e laboratoriais (Fapesp Covid-19 Data Sharing/BR), desenvolvido sob a liderança da Fapesp envolvendo cinco instituições de saúde públicas e privadas, acumula mais de 50 milhões de dados sobre mais de 800 mil pacientes afetados por Covid-19. Essa plataforma é de livre acesso, e em junho de 2021 já havia sido acessada por pesquisadores de 34 países, e fornecido mais de 4 mil downloads.
No momento a Fapesp participa de um consórcio internacional para apoiar pesquisa em colaboração entre pesquisadores paulistas e do exterior, voltada para a recuperação pós-pandemia, inspirado em United Nations Research Roadmap for Covid-19 Recovery.
Por que respodemos tão prontamente? Porque o estado contava com laboratórios equipados, apoio a projetos e pesquisadores trabalhando na pesquisa de outros vírus, como dengue, chykungunha e zika (Cugola et al., 2016).
Retomada pós-pandemia: a transição digital e a transição verde
Quando este texto estava em elaboração, a pandemia que se iniciara no final de 2019 começava a dar sinais de que estava sendo contida globalmente. Depois de provocar mais de 4,5 milhões de mortes no mundo e mais de 600 mil no Brasil, a ampla aplicação de vacinas contribuiu para reduzir efetivamente as taxas de infecção, internação e a mortalidade.
No mundo todo, a atenção volta-se agora para a recuperação pós-pandemia. Transição verde e sustentabilidade e a transição digital representam os dois grandes eixos da economia mundial que estão orientando a recuperação pós-pandemia.
A agenda verde da Fapesp está consubstanciada em seus programas estratégicos, alguns implantados há mais de 20 anos: Biota (programa de biodiversidade), Bioen (bioenergia e energias renováveis), pesquisa em mudanças climáticas globais e pesquisa na Região Amazônica.
Lançado em março de 1999, os objetivos do Programa Fapesp de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (Biota-Fapesp) são conhecer, mapear e analisar a biodiversidade do estado de São Paulo, incluindo a fauna, a flora e os microorganismos, e também avaliar a exploração sustentável de plantas ou de animais com potencial econômico e subsidiar a formulação de políticas de conservação dos remanescentes florestais. Seus 238 pesquisadores já originaram mais de mil publicações e embasaram legislação estadual.
O Programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), criado em 2009, já apoiou 745 projetos e bolsas, e visa a ampliar o conhecimento sobre bioenergia, biocombustíveis e bioprodutos. Suas metas atuais são diversificar as opções de biomassa para produção de energia, aumento da produção e produtividade, aumento da eficiência e sustentabilidade do uso da energia, e acelerar a transição para a bioeconomia. No momento, as fontes renováveis correspondem a 46% da matriz energética do Brasil, uma das maiores do mundo, e 18% vêm da cana de açúcar, por meio de bagaço e etanol. Adicionalmente, o uso de etanol como biocombustível e sua mistura à gasolina representa uma redução da emissão de CO2 que em 20 anos corresponde ao plantio de 4 bilhões de árvores.
No mesmo sentido, recentemente foi renovado pela Fapesp e pela Shell novo investimento da ordem de R$ 63 milhões no “Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI)”, um Centro de Pesquisa em Engenharia com sede na Universidade de São Paulo que até então investigava o uso sustentável de gás natural, biogás, hidrogênio, gestão, transporte, armazenamento e uso de CO2.
A partir de agora, as pesquisas do RCGI passam a ser focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das Nationally Determined Contributions (NDC). “Para este desafio, sabemos que não bastam soluções que reduzam as emissões de gases de efeito estufa. É preciso ir além: capturar e armazenar carbono, transformar CO2 em matéria-prima para a indústria química, e superar gargalos de mercado, de regulação e de percepção pública” (Meneghini, 2021).
O Programa de Mudanças Climáticas Globais da Fapesp já originou mais de 300 publicações. Uma dessas publicações, de 2020, documenta que a frequência de chuvas extremas e de desastres meteorológicos aumentou recentemente na região metropolitana de São Paulo, com graves riscos de desastres (Marengo et al., 2020).
A Fapesp é a agência brasileira que mais apoia projetos de Pesquisa na Amazônia: já aprovou 895 projetos e 1.612 bolsas. Em uma das 414 publicações recentes do programa, um grupo liderado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais quantificou que a absorção estimada de carbono por florestas secundárias em todo o Brasil compensou 12% das emissões de carbono devidas ao desmatamento na Amazônia Brasileira em um período de 33 anos (Silva Junior et al., 2020). Essas florestas secundárias, dispersas por todo o país, correspondem a áreas previamente ocupadas pela ação do homem, e que foram abandonadas e recuperaram cobertura florestal.
O segundo eixo que está orientando a economia mundial pós-pandemia é a transição digital, o que fez que um país como a Itália criasse um ministério dedicado ao assunto. Vários outros países definiram suas políticas nacionais de inovação (mission-oriented innovation policies, MOIP) focalizando a robótica, a automação e a inteligência artificial, visando aumentar a aplicação na indústria, incluindo tecnologias associadas como mecatrônica cognitiva, interações cooperativas homem-robô, instrumentos de configuração e veículos autônomos. Prioridade para aplicações em manufatura, saúde, transporte e tecnologias de apoio ao consumo.
Importante ressaltar o pioneirismo da Fapesp, pois os primeiros projetos apoiados pela Fundação para pesquisa de redes neurais datam de 1987. Em outubro de 2021 a Biblioteca Virtual da Fapesp registra 474 projetos e 704 bolsas sobre o assunto. Merece especial menção o Centro de Inteligência Artificial (C4IA), que iniciou sua operação em 2020; parceria da Fapesp com a IBM do Brasil, está instalado na USP.
Em cooperação com o Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) e com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, a Fapesp aprovou a implantação de seis centros de Inteligência Artificial, sendo três deles no estado de São Paulo e os demais na Bahia, em Minas Gerais e no Ceará. Seguindo o modelo dos Centros de Pesquisa em Engenharia, os recursos totalizam cerca de R$ 20 milhões por centro, que vão atuar em áreas diversas como cidades inteligentes, saúde, plataforma digital aberta de ciência de dados, indústria 4.0, interoperabilidade e integração da cadeia, sistemas autônomos, robótica e máquinas-ferramentas, entre outros. Mais dois centros, com as mesmas características, serão criados em 2021-2022.
Finalmente, completando os eixos de desenvolvimento pós-pandemia, é urgente que essa agenda se vincule a um esforço nacional para a melhoria da educação. Dentro de sua missão, a Fapesp deve atuar apoiando a pesquisa que busque aplicação de evidências científicas ao planejamento, gestão e desenvolvimento do ensino básico, médio e técnico-vocacional.
Impacto nacional
O impacto da Fapesp além das fronteiras do estado é muito expressivo. Em primeiro lugar, hoje existem entidades similares em 26 das 27 unidades da federação, todas criadas sob grande influência do modelo da Fapesp. “No processo de convencimento dos governadores dos estados que estavam pensando em criar suas fundações sempre foi usado o argumento de que São Paulo é o estado mais desenvolvido do Brasil por causa da Fapesp, e não o contrário”, afirma Mário Neto Borges, ex-presidente da Fapemig e do CNPq. “A Fapesp, sem dúvida, ajudou muitas fundações a se estruturarem; inclusive, fornecendo documentos e informações” (S. Machado Rezende, primeiro diretor científico da Facepe e ex-ministro de Ciência e Tecnologia).
A Fapergs (RS) foi criada em 1964, a Faperj (RJ), em 1980 e, progressivamente, até que em 2011 foi criada a 26ª FAP. A Fapesp teve ainda um papel importante para alavancar a participação dos diferentes estados em programas de colaboração. Por exemplo, em 2008 nós criamos com a liderança do CNPq, o “Programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia”, com ampla participação de agências federais e ministérios; a decisão da Fapesp de participar, com recursos significativos, contribuiu para atrair outras cinco FAP, e para o sucesso do programa.
Outro aspecto que deriva da cooperação é a maior qualidade dos trabalhos produzidos em colaboração, medido pelo impacto normalizado. Assim, como mostra a Figura 1, para todos os estados brasileiros, os trabalhos produzidos por equipes mistas de pesquisadores locais e pesquisadores de São Paulo têm impacto médio maior do que os trabalhos produzidos apenas pelos pesquisadores locais.
Colaborações científicas entre unidades da federação: uma análise a partir da base de publicações Web of Science/Incites.
Conclusão
A aliança de intelectuais, cientistas, acadêmicos, empresários e políticos, que deu origem à Fapesp, suscitou um forte apoio à noção de desenvolvimento sustentado no conhecimento. Se isso era um pressuposto na década de 1960, atualmente é convicção comprovada tanto pela própria história de seis décadas de sucesso da Fundação, como pela proeminência que a ciência assumiu globalmente. Os recentes acontecimentos mundiais relacionados com a pandemia de Covid-19 e a retomada das atividades econômicas e sociais pós-pandemia fortaleceram essa posição. O apoio de longo prazo à Fapesp, e também às universidades públicas, aos institutos estaduais de pesquisa, ao ensino técnico-vocacional, uma política do estado paulista, constitui-se na base do mais consolidado sistema de ciência, tecnologia e inovação do país. Os investimentos empresariais e privados, excedendo a parcela governamental, completam esse quadro.
Em sua visita à Fapesp em 2019, o governador João Doria resumiu a relação entre a Agência e o Governo: “A Fapesp não precisa do governo, o governo precisa da Fapesp. É uma síntese perfeita da autonomia de uma instituição dedicada à ciência, à pesquisa e à inovação, sem dependência política, ideológica ou partidária”.
Referências
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Notas
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Fev 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
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Recebido
26 Out 2021 -
Aceito
11 Nov 2021