Open-access DESINFORMAÇÃO NAS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2022: a atuação do Tribunal Superior Eleitoral em um contexto de conflito informativo

DISINFORMATION IN THE 2022 BRAZILIAN ELECTIONS: the role of the superior electoral court in a context of information conflict

DÉSINFORMATION DANS LES ÉLECTIONS BRÉSILIENNES DE 2022 : le rôle du tribunal électoral supérieur dans un contexte de conflit d’information

Resumos

A confiança é a base sobre a qual a democracia é construída. Não por acaso, é a principal vítima dos ataques de mercadores da desinformação empenhados em minar o processo eleitoral e o ambiente democrático. Em um ambiente de grande disseminação de desinformação contra o processo eleitoral e as instituições envolvidas, a Justiça Eleitoral brasileira construiu um ousado programa de enfrentamento com o objetivo de combater os efeitos da desordem informacional em seu processo democrático. Este artigo detalha as iniciativas adotadas pelo TSE e suas parcerias com plataformas digitais e com a sociedade civil para garantir a transparência e construir confiança e integridade nos processos eleitorais no Brasil.

Desinformação; Distúrbios informativos; Confiança; Eleições; Brasil; 2022


Trust is the foundation on which democracy is built. Not coincidentally, it is the main victim of attacks by disinformation merchants bent on undermining the electoral process and the democratic environment. In an environment of great dissemination of disinformation against the electoral process and the institutions involved, the Brazilian Electoral Justice has built a bold confrontational program aimed at tackling the effects of informational disorder on its democratic process. This article details the initiatives adopted by the TSE and its partnerships with digital platforms and civil society to guarantee transparency and to build trust and integrity in electoral processes in Brazil.

Disinformation; Informative disorders; Confidence; Elections; Brazil; 2022


La confiance est le fondement de la démocratie. Ce n’est pas par hasard qu’elle est la principale victime des attaques des marchands de désinformation déterminés à saper le processus électoral et l’environnement démocratique. Dans un contexte de forte diffusion de la désinformation à l’encontre du processus électoral et des institutions concernées, la justice électorale brésilienne a élaboré un programme audacieux de confrontation visant à lutter contre les effets du désordre informationnel sur son processus démocratique. Cet article détaille les initiatives adoptées par le TSE et ses partenariats avec les plateformes numériques et la société civile pour garantir la transparence et instaurer la confiance et l’intégrité dans les processus électoraux au Brésil.

Désinformation; Troubles de l’information; Confiance; Élections; Brésil; 2022


INTRODUÇÃO

A disseminação de desordens informativas durante os processos eleitorais tornou-se uma ameaça global, afetando a confiança em relação não apenas ao processo eleitoral, mas também ao sistema democrático como um todo. Sua repercussão pode ser constatada especialmente nas relações humanas, com o estímulo do ódio e do medo (Melo, 2020), com o descrédito das eleições (Alvim, 2021) e como instrumento de um autoritarismo que afasta pessoas (Applebaum, 2021).

O impacto das mídias sociais nos processos eleitorais tem sido uma preocupação crescente em todo o mundo, principalmente devido ao aumento da desinformação on-line e de seu uso para fins de propaganda eleitoral (Muñoz, 2020). No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu colaborações com as principais plataformas digitais para construir soluções para mitigar esses efeitos e garantir eleições justas e transparentes. Nesse contexto, uma série de iniciativas foram adotadas em colaboração com um grande número de stakeholders para enfrentar os desafios da desinformação on-line.

Neste artigo, será apresentado inicialmente o contexto em que a desinformação contra o processo eleitoral vem se desenvolvendo no Brasil. Em seguida, será discutida a cronologia em que as iniciativas promovidas pelo TSE começaram a se desenvolver. Na sequência, será discutido o papel da Justiça Eleitoral no enfrentamento da desinformação, abordando as ações promovidas pelo programa de enfrentamento permanente, que é de natureza administrativa, bem como a abordagem judicial.

CONTEXTO DAS ELEIÇÕES BRASILEIRAS

Uma compreensão precisa da relevância, do impacto e das razões que cercam as iniciativas de combate à desinformação desenvolvidas pela Justiça Eleitoral brasileira não pode ser completa sem o entendimento do contexto histórico e social em que esse fenômeno está inserido. Em outras palavras, sem entender o ambiente que envolveu a tomada de decisões no âmbito da justiça eleitoral brasileira durante as eleições de 2022, não será possível compreender plenamente a atmosfera de pressão, incerteza e novidade que pairava enquanto as estratégias de combate estavam sendo delineadas.

É justamente esse contexto que será apresentado nas linhas a seguir.

Processo eleitoral brasileiro em números

O Brasil realizou uma das maiores eleições tecnológicas do mundo em 2022. Os números são impressionantes: a) 156.454.011 eleitores, dos quais 52,65% são mulheres; b) 1,8 milhão de mesários, dos quais 857.000 são voluntários; c) 577.125 urnas eletrônicas empregadas; d) 496.856 seções eleitorais, em 5.570 municípios; e) 181 localidades no exterior; f) 29.262 registros de candidaturas; g) mais de 10 bilhões de reais movimentados em campanhas.1

Em um ambiente de evidente complexidade, o processo eleitoral brasileiro enfrentou um desafio de performance, precisando combinar velocidade, transparências, precisão e segurança. Os resultados da contagem de votos (nas últimas eleições foram quase 800 milhões de votos) foram divulgados em questão de horas. Todo o processo foi supervisionado por várias instituições e incluiu mais de 30 recursos de auditabilidade. Em quase 30 anos de eleições com urnas eletrônicas, não há registro de caso de fraude na apuração de votos que tenha sido efetivamente comprovado, o que eleva o processo eletrônico brasileiro à condição de case de sucesso e que se apresenta como a superação de um histórico conturbado de fraudes em votações e apurações em processos eleitorais no Brasil.

A tecnologia também é uma grande aliada da população brasileira na busca de informações para moldar sua vontade como eleitor, já que possui uma enorme presença no ciberespaço. O Brasil tem uma população digital de 181 milhões de pessoas. É o país com o quinto maior número de usuários de internet do mundo.2 São 171,5 milhões de usuários ativos nas redes sociais, o que equivale a 79,9% da população (que é de 214,7 milhões de pessoas)3. De acordo com dados apresentados pelo Reuters Institute, em seu Digital News Report (2022), 83% dos brasileiros usam as redes sociais para buscar notícias.

O tamanho da desinformação nas eleições brasileiras

Desde 2018, a desinformação vem ameaçando a integridade do processo eleitoral, mas, na eleição de 2022, a desinformação foi normalizada como um instrumento de propaganda política. As campanhas de desinformação enfrentadas têm sido mais complexas do que nunca, com vários atores e recursos automatizados – a exemplo dos bots – lançando mensagens coordenadas de mentiras por meio de diferentes plataformas de maneira simultânea, em autênticos ecossistemas de desinformação.

Em uma pesquisa realizada pela DAPP-FGV, foi identificado que, entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, 394.370 alegações de fraude nas urnas foram publicadas somente no Facebook4. Essas publicações alcançaram mais de 111 milhões de interações, o que equivale a quase 250.000 interações por dia durante esse período que antecedeu o processo eleitoral de 2022.

De acordo com dados apresentados pelo presidente do TSE,5 nas eleições de 2022, o volume de denúncias de desinformação enviadas às plataformas digitais aumentou 1.671% em comparação com as eleições de 2020. O mesmo aconteceu com a violência política por meio das redes sociais, que aumentou 436% em relação a 2018.

MARCO REGULATÓRIO

A despeito da existência na legislação geral de dispositivos que impedem a disseminação de informações falsas que resultem em danos à pessoa, e de algum tratamento pontual sobre o tema, não há ainda no Brasil um marco regulatório específico, e suficiente, para lidar com os casos em que a desinformação afeta o processo eleitoral. A base normativa para a resposta à desinformação no Brasil está dispersa em alguns diplomas normativos, que permitem, com algum esforço hermenêutico, encontrar as balizas centrais para o tratamento da matéria.

Nesse sentido, o artigo 243 do Código Eleitoral prevê que não será tolerada a propaganda que incite a processos violentos para subverter o regime e a ordem política e social, provoque animosidade entre a sociedade civil e as Forças Armadas, instigue a desobediência coletiva (como a rejeição dos resultados das urnas) e atente contra a honra das autoridades e dos órgãos da Justiça Eleitoral. Esse mesmo diploma normativo estabelece como crime, nos artigos 296 e 297, a promoção de desordens que dificultem os trabalhos do processo eleitoral – vale lembrar que as fake news e a desinformação constituem tipos de desordens informativas – ou que impeçam ou dificultem o exercício do sufrágio. O artigo 323 do Código Eleitoral também prevê como crime a divulgação, na propaganda eleitoral ou durante o período de campanha, de fatos falsos sobre partidos ou candidatos que sejam capazes de influenciar o eleitorado. A Lei das Eleições, Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, em seu artigo 58, garante o direito de resposta ao candidato pela divulgação de qualquer imagem ou afirmação injuriosa, difamatória, injuriosa ou notoriamente falsa divulgada por qualquer meio de comunicação social.

Outrossim, a Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, estabeleceu os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, prevendo que, em regra, as plataformas não serão responsabilizadas civilmente por danos decorrentes de conteúdo produzido por terceiros. No entanto, essa imunidade não se aplicará quando, após ordem judicial específica, as plataformas não adotarem as medidas, no âmbito e nos limites técnicos de seu serviço e dentro do prazo indicado, para tornar indisponíveis os conteúdos apontados como infringentes. O artigo 21 da Lei previu uma hipótese de responsabilidade subsidiária das plataformas por violação de privacidade decorrente da divulgação ilícita de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou atos sexuais de caráter privado quando, após receber notificação do participante ou de seu representante legal, não promover diligentemente a indisponibilização de tais conteúdos. Além desses diplomas normativos, há também disposições aplicáveis à desinformação na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (13.709/2018) e na Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito (14.197/2021).

No exercício de sua competência regulamentar, que encontra previsão no Código Eleitoral (arts. 1º e 23, IX), o Tribunal Superior Eleitoral editou resoluções sobre propaganda eleitoral nas eleições de 2022 (Resoluções 23.610 e 23.714), proibindo a veiculação de propaganda com o objetivo de denegrir ou ridicularizar candidatos (art. 9º da Resolução 23.610), bem como responsabilizando candidatos e/ou partidos políticos pela veiculação ou publicação de fatos notoriamente infundados ou gravemente descontextualizados que afetem a integridade do processo eleitoral (art. 2º da Resolução 23.714).

A Resolução-TSE nº. 23.714/2022 e os primeiros passos para uma regulação de plataformas sociais

Com relação à regulamentação da desinformação nos processos eleitorais, merece destaque especial a Resolução-TSE 23.714 (de 20.10.2022). A norma foi aprovada por unanimidade pelo Tribunal com o objetivo de reforçar as medidas de combate à desinformação que compromete a integridade do processo eleitoral. O diploma revogou o art. 9º da Resolução 23.610, que tratava da disseminação de desinformação contra a integridade eleitoral e regulamentou procedimentos relativos ao enfrentamento à desinformação eleitoral.

No art. 2, a resolução proíbe a “divulgação ou troca de fatos sabidamente falsos ou gravemente descontextualizados que afetem a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e contagem de votos”. Nesses casos, o TSE poderá determinar que as plataformas digitais removam imediatamente a URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100 mil (19.600 euros) por hora de descumprimento, a partir da segunda hora após o recebimento da notificação.

A norma também estabelece que, quando houver decisão do Plenário que determine a remoção de conteúdo desinformativo, a própria Presidência do TSE poderá determinar a extensão de tal decisão a conteúdos idênticos republicados (art. 3º). Ou seja, conteúdos irregulares replicados em outros canais (URL) diferentes daqueles indicados na resolução inicial poderão ser removidos sem a necessidade de nova ação jurisdicional, nem de reclamação prévia, podendo, inclusive, ser objeto de multa. Nesse contexto, foi efetivado o uso do poder de polícia do Tribunal, poder esse que já é habitualmente utilizado contra a propaganda eleitoral, mas que não encontrava expressa previsão para sua utilização contra conteúdos desinformativos.

CRONOLOGIA DA RESPOSTA DAS AUTORIDADES BRASILEIRAS À DESINFORMAÇÃO

O começo

O problema da desinformação durante o período eleitoral não foi uma novidade das eleições de 2022 no Brasil. A questão já vem sendo objeto da atenção do TSE há algum tempo. Em 2017 foi criado um Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições6 para, nessa matéria, “desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de bots na distribuição de informações; II) opinar sobre assuntos que lhe forem suscitados pela presidência do TSE e III) propor ações e objetivos para o aprimoramento das regras” (art. 2º), e estabelecendo as primeiras alianças que incluíram partidos políticos, algumas plataformas digitais e entidades representativas do setor de comunicação.

Nesse contexto, ainda em 2018, o TSE firmou acordos com partidos políticos, com instituições ligadas à comunicação política e com plataformas digitais (inicialmente com o Facebook e o Google) com o objetivo de buscar apoio no enfrentamento da desinformação. Mesmo assim, nas eleições de 2018, a desinformação ganhou um destaque especial no processo eleitoral, notadamente com conteúdos falsos e enganosos que tinham como principais alvos o processo, a justiça eleitoral e seus membros, colocando em risco a confiança no sistema eletrônico de votação e nas instituições eleitorais. Essa tendência continuou mesmo fora do período de campanha.

Eleições de 2020

Após a experiência das eleições de 2018, em 30 de agosto de 2019, foi lançado o primeiro Programa de Combate à Desinformação. Nesse momento, o foco era nas eleições de 2020.7 O Programa tinha como objetivo de combater os efeitos negativos causados pela desinformação à imagem e à credibilidade da Justiça Eleitoral, à condução das eleições e aos atores que delas participam. O Programa tinha seis linhas principais de eram: (i) organização interna e atribuição de competências nessas matérias a diferentes áreas do TSE; (ii) alfabetização midiática e informacional, de forma proativa e focada em elementos do processo identificados como críticos, como as urnas eletrônicas; (iii) contenção da desinformação; (iv) identificação e checagem da desinformação, aprimorando os métodos de detecção dessas ameaças; (v) aperfeiçoamento do sistema jurídico; e (vi) aprimoramento dos recursos tecnológicos para a identificação da desinformação e a disseminação de “contrainformação”. Com base nessa estrutura, foi formalizado seu Plano Estratégico focado em estratégias não regulatórias e multissetoriais, e que foi posteriormente objeto de avaliação.8

O programa foi concebido desde o início como um instrumento contra um tipo específico de desinformação: aquela que ameaça a credibilidade dos processos eleitorais em suas diferentes fases. Isso incluiria o funcionamento do sistema de votação eletrônica, a Justiça Eleitoral e, naquele momento, a segurança sanitária relacionada às eleições no contexto da Covid-19.

Entre as ações realizadas nesse primeiro programa, destacam-se: a criação de uma rede de verificadores de dados; o lançamento de um site, chamado “Fato ou Boato”, pela própria Justiça Eleitoral, que buscou centralizar esses exercícios de verificação e disponibilizá-los à sociedade; a criação de um Chatbot no WhatsApp, para esclarecer dúvidas sobre o Processo Eleitoral; a formalização de parcerias com alguns dos principais provedores de aplicações de Internet; a criação de uma rede de disseminadores de conteúdo de qualidade sobre o Processo Eleitoral nas redes sociais;9 provedores de aplicações de internet, incluindo redes sociais, serviços de mensagens privadas e ferramentas de busca; partidos políticos; bem como associações, fundações, institutos, instituições de pesquisa, movimentos ou grupos, com expertise no assunto; a criação de um canal, em aliança com o WhatsApp, para denunciar disparos de mensagens em massa; e a criação de uma rede de monitoramento de práticas de desinformação prejudiciais ao Processo Eleitoral.10

Uma das ações que permaneceram até o último processo eleitoral é a criação do Comitê de Inteligência Cibernética, estabelecido para facilitar a ação rápida e a comunicação em caso de incidentes de segurança cibernética durante as eleições.

Considerando o contexto e os resultados alcançados, é possível afirmar que o saldo do Programa é positivo. Foram colocadas a prova várias iniciativas gestadas no âmbito da Justiça Eleitoral, e foi fortalecida e ampliada a relação do organismo eleitoral com stakeholders. Uma das importantes consequências desse bom desempenho foi a determinação de transformar esse programa em uma iniciativa permanente, o que veio a ocorrer no ano de 2021.

Eleições de 2022

Com vistas a 2022, foi necessário fortalecer a estrutura regulatória e refinar algumas das práticas do programa, conferindo-lhe caráter perene, reforçando algumas das atividades já realizadas e planejando novas iniciativas. Esse será o objeto do tópico seguinte.

O PAPEL DO TSE NO ENFRENTAMENTO DA DESINFORMAÇÃO NAS ELEIÇÕES DE 2022

Preparativos

Para enfrentar a difícil tarefa de combater a desinformação em um contexto de intensa polarização política, o Tribunal realizou um trabalho de planejamento, incluindo reuniões com as plataformas e com países onde foram realizadas eleições nos últimos anos, para conhecer em primeira mão a evolução da ameaça, bem como as diferentes soluções propostas pelos organismos eleitorais.

A participação da Justiça Eleitoral Brasileira em missões de observação em processos eleitorais como o do México, da Costa Rica ou da Colômbia – onde algumas dessas iniciativas de combate à desinformação foram implementadas, bem como a realização de reuniões posteriores de avaliação e acompanhamento com seus responsáveis, ajudaram a trazer realismo ao projeto do Plano, e permitiram adaptá-lo às últimas tendências e necessidades. Nesse mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral participou de uma missão técnica em parceria com a União Europeia para promover o intercâmbio de melhores práticas.11

Características do Programa

Em agosto de 2021, antes, portanto, do início do início das campanhas eleitorais de 2022, a Justiça Eleitoral lançou o Programa Permanente de Combate à Desinformação – PPED (Portaria-TSE nº 510).

As estratégias multissetoriais e não regulatórias do programa estão concentradas em três pilares: i) pluralidade de informações, garantindo o acesso a informações verdadeiras para o voto consciente; ii) empoderamento, criando capacidade crítica para combater a desinformação; e iii) priorização do monitoramento e da prevenção de comportamentos não autênticos, incluindo o controle de conteúdo e o uso de tecnologia para combater a desinformação coordenada.

Assume-se um conceito amplo de desinformação, “independente da intencionalidade do agente”, e que inclui informações fora de contexto, manipuladas, maliciosamente editadas, com fonte falsa ou apresentadas de forma sensacionalista, com propósitos ilegítimos, enquadrando-se melhor no conceito de desordens informativas.

O programa se concentra na Justiça Eleitoral, no sistema eletrônico de votação, no processo eleitoral e nos atores envolvidos. Exclui a desinformação que afeta a impressão do eleitorado sobre um candidato, a menos que afete a integridade, a credibilidade e a legitimidade do processo eleitoral. O PPED é orientado por recomendações estratégicas para estabelecer padrões de resposta e medir sua eficácia, com uma abordagem não regulatória e incentivo à pluralidade de informações, educação da mídia, colaboração com instituições de verificação de fatos, prevenção de vácuos de informação e medidas para conter a disseminação da desinformação, incluindo ações em relação à disseminação de narrativas falsas por influenciadores digitais e figuras políticas.

O programa se concentra na desinformação que afeta a percepção de legitimidade do processo eleitoral, como boatos sobre o sistema de votação eletrônica e sobre o sistema de justiça eleitoral e seus membros. Ele foi construído com base em recomendações estratégicas, incluindo uma abordagem não regulatória e o incentivo à pluralidade de informações, a colaboração com instituições de verificação de fatos, medidas para evitar lacunas de informações e conter a disseminação da desinformação, além de ações relativas à disseminação de narrativas falsas por influenciadores digitais e figuras políticas. A ênfase também é colocada na educação da mídia, na privacidade e na adoção de medidas adequadas para suprimir e atenuar os efeitos negativos das campanhas de desinformação.

Estrutura

O Programa está estruturado internamente com um Grupo Gestor, um Comitê Estratégico de Combate à Desinformação e um Grupo de Análise e Monitoramento, articulados em torno da Assessoria Especial de Combate à Desinformação, responsável pela execução das ações previstas neste Programa, estabelecendo mecanismos de relacionamento com os demais órgãos públicos e privados envolvidos, tais como outros órgãos governamentais, organizações de mídia e de checagem de fatos, provedores de serviços de internet, entidades da sociedade civil, universidades e partidos políticos.

Sua execução prescinde de um procedimento administrativo ou jurisdicional específico e não tem perfil sancionador, de modo que não interfere nas competências dos órgãos de investigação e persecução criminal, como a Polícia Federal e o Ministério Público Eleitoral, nem dos juízes e Tribunais Eleitorais, para investigar e/ou sancionar qualquer ato ilícito cometido pela disseminação de desinformação.

Abordagem integral, sistêmica, multissetorial e multidisciplinar

O programa funciona como uma “rede”, a partir de uma abordagem sistêmica, multidisciplinar e multissetorial, que se baseia na mobilização dos órgãos da Justiça Eleitoral e na formação de alianças estratégicas com múltiplos atores (mídia, organizações de verificação, plataformas tecnológicas, partidos políticos, órgãos públicos, empresas de tecnologia e think tanks). Nesse cenário, o Tribunal Superior Eleitoral desempenha o papel de hub, como ponto central de diálogo e cooperação entre os atores do processo e o modelo de toda a sociedade.

A execução do programa é desenvolvida de forma transversal para enfrentar uma ameaça híbrida, envolvendo, do ponto de vista interno, a parte administrativa e jurisdicional, com tecnologia e comunicação.

Colaboração

O programa adota uma abordagem colaborativa, envolvendo tanto a equipe interna quanto instituições externas, pois reconhece que o problema da desinformação não é responsabilidade de uma única instituição.

De uma perspectiva interna, a colaboração com a equipe da Justiça Eleitoral é destacada por meio de uma pesquisa interna que identificou a importância da confiança interpessoal como uma ferramenta para combater a desinformação entre os mais de vinte mil funcionários da Justiça Eleitoral. Os resultados da pesquisa foram usados para criar um “Manual para enfrentar a desinformação e defender a reputação da Justiça Eleitoral” (2022), fornecendo informações para treinar funcionários públicos e oferecendo sugestões de comportamento para reduzir os efeitos da desinformação no processo eleitoral. Além disso, foram oferecidos vários cursos para atender à demanda dos funcionários internos, abrangendo tópicos relacionados ao processo eleitoral, ao combate à desinformação e ao fortalecimento da democracia, incluindo dois encontros nacionais no âmbito de um projeto que foi chamado de FRENTE.

A Frente Nacional de Enfrentamento à Desinformação (FRENTE) é um grupo que foi criado por meio da Portaria-TSE nº 318/2022, e é formado por autoridades, servidores e colaboradores voluntários para defender e reforçar a credibilidade das instituições eleitorais no Brasil e reduzir os impactos negativos da desinformação. Essa FRENTE promove ações como interagir com as redes sociais oficiais da Justiça Eleitoral, apresentar depoimentos públicos de experiências positivas e estimular o uso de recursos tecnológicos oferecidos pela Justiça Eleitoral e suas parcerias, incluindo chatbot no WhatsApp, canal público no Telegram, aplicativos e-Título, Mesários e Pardal. Além disso, também divulga mensagens de paz e tolerância no processo eleitoral. Após uma caravana nacional de 19 eventos de call-to-action, a FRENTE recebeu a adesão de quase 3 mil servidores da Justiça Eleitoral dispostos a combater a desinformação sem qualquer espécie de contrapartida financeira.

Além disso, em uma visão externa, mais de 160 entidades e organizações se comprometeram a desenvolver ações concretas para minimizar o impacto da desinformação, incluindo agências de fact-checking, plataformas de mídia social, organizações da sociedade civil, entidades acadêmicas, órgãos públicos, veículos e associações de imprensa.

Como forma de destacar a centralidade das parcerias estratégicas e o efetivo engajamento de entidades civis na fiscalização democrática, o TSE desenvolveu o “Guia de Parceiros Institucionais do Tribunal Superior Eleitoral” (2022), que apresenta diretrizes com o objetivo de garantir o aprofundamento das parcerias, especialmente no que diz respeito a iniciativas voltadas para a mitigação dos danos sociais causados por narrativas falsas.

O programa colabora com plataformas que têm aprimorado suas ferramentas de combate à desinformação em colaboração com o TSE, o que tem ajudado a reduzir o número de casos. As iniciativas com as plataformas serão discutidas em detalhes a seguir.

Parcerias com plataformas de redes sociais

Em cada ciclo eleitoral, o uso de plataformas sociais como um local para a circulação de conteúdo comunicativo relacionado ao processo eleitoral aumenta significativamente, sendo usado tanto para gerar eleitores informados, quanto para contaminar o ecossistema de informações com ruídos e desordem. De fato, as redes sociais e os serviços de mensagens, nesse contexto, têm se mostrado ambientes muito eficientes tanto para promover propaganda eleitoral em disputas eleitorais quanto para disseminar desinformação antidemocrática.

O TSE tem colaborado com plataformas de mídia social desde as eleições de 2020, assinando acordos progressivamente atualizados. Entre as plataformas com as quais o Tribunal tinha acordos no início de 2023 estão Facebook, Google, Twitter, Telegram, TikTok, Linkedin, Twitch, Kwai e Spotify. Os MOUs estão disponíveis no site do Tribunal,12 o que aumenta a transparência sobre o teor dos termos de cooperação. Esses acordos permitem que as plataformas ofereçam recursos específicos para reduzir a desinformação.

O TSE estabelece parcerias com plataformas sociais, inicialmente, por meio de reuniões exploratórias nas quais são apresentadas as funcionalidades disponíveis e as regras da comunidade, além de se familiarizarem com os objetivos do Tribunal. Um dos passos iniciais no relacionamento com as plataformas tem sido a busca pela disponibilização das regras da comunidade em português.

Dentre as iniciativas adotadas, destacam-se a) a utilização da ferramenta “megafone” pela plataforma Meta13 para fornecer mensagens de alerta aos usuários das plataformas no encerramento das inscrições e nos dois turnos eleitorais, que gerou 100 milhões de visualizações e 4 milhões de acessos em uma semana; b) a criação de canal extrajudicial de comunicação com a Justiça Eleitoral a fim de permitir a implementação de sistemas de alerta destinado a enviar denúncias de postagens desinformativas sobre o processo e a Justiça Eleitoral;14 c) melhorias nos termos de usos das plataformas, de maneira a tratar de forma mais clara e abrangente sobre desinformação política e trazendo novos cenários de desinformação; d) criação e promoção de canal oficial da autoridade eleitoral (Telegram);15 e) criação de assistentes virtuais (chat bots) que apresentam informações oficiais e tiram dúvidas sobre as eleições brasileiras (Whatsapp16 e Telegram;17 f) campanhas educativas de enfretamento à desinformação, dentre várias outras.

Realismo

Um ponto importante do programa brasileiro de combate à desinformação é o estabelecimento de metas claras e objetivas para cada projeto em cada uma das áreas de atuação, bem como a previsão de marcos de progresso e indicadores de resultados eles. Essas medidas, que fragmentam os grandes objetivos traçados em ações específicas e pontuais, trazem um aspecto realista às ações do TSE, o que pode ser visto sobre duas perspectivas: i) permite um monitoramento mais efetivo das ações desenvolvidas pelo Tribunal, dando maior controle do andamento das ações desenvolvidas e permitindo a rápida adoção de decisões estratégicas; ii) estimula a criação de iniciativas que levem em consideração as limitações estruturais existentes e busquem soluções inovadoras para obter os melhores resultados possíveis.

Respeito a direitos fundamentais

A opção preferencial do programa pela liberdade de expressão e pelo pluralismo de informações é previsto expressamente no Programa, e se apresenta como um pilar fundamental que rege o planejamento inicial e a execução do programa. As ações previstas no programa demonstram uma preocupação em evitar que os próprios meios planejados para o confronto resultem em limitações desproporcionais à liberdade de expressão. Isso pode ser observado na delimitação dos eixos do programa, que prevê o foco no comportamento não autêntico e, apenas excepcionalmente, no controle de conteúdo. Além disso, a estrutura multissetorial e colaborativa garante a participação de uma pluralidade de vozes na execução das iniciativas desenvolvidas pela instituição.

Atenção com a imagem institucional

Além das atividades de comunicação diretamente ligadas à desinformação analisada, o TSE desenvolveu o Programa de Fortalecimento Institucional baseado na Gestão da Imagem da Justiça Eleitoral (PROFI) como uma ação paralela para reforçar a reputação e a confiança na Justiça Eleitoral por meio, fundamentalmente, da comunicação estratégica. O PROFI se apresenta com um programa preventivo e ágil, orientado por dados, que identificou públicos-alvo e que, por meio da colaboração com as partes interessadas (nacionais e internacionais), e do trabalho em rede, reforçou o posicionamento do Tribunal e sua comunicação integrada.

Reconhecimento internacional

Embora não esteja diretamente relacionado aos esforços de enfrentamento da desinformação, o Tribunal Superior Eleitoral brasileiro desenvolveu ações que ampliaram o escopo e reforçaram a credibilidade das informações oficiais (reduzindo o ruído da comunicação) e fortaleceram a reputação institucional, que havia sido afetada pela desordem da informação.

Foi realizado um programa de missões nacionais e internacionais de observação eleitoral, que incluiu 16 missões de observação (oito nacionais e oito internacionais), envolvendo quase 500 observadores nas 28 unidades federativas e 20 seções eleitorais no exterior. Também foi promovido o Programa de Convidados Internacionais, com a presença de mais de 80 autoridades de cerca de 30 países.18

Eixos de atuação

Seus eixos são semelhantes aos do programa de 2020, com uma mudança fundamentalmente nominal, substituindo o eixo “controle” pelo eixo “resposta”. Assim, os eixos do programa de 2022 passaram a ser: i) Informar, fornecendo informações oficiais, confiáveis e de qualidade; ii) Capacitar, alfabetização midiática e treinamento de toda a sociedade para entender o fenômeno da desinformação e o funcionamento do processo eleitoral; e iii) Responder, identificando casos de desinformação e adotando estratégias, tanto preventivas quanto repressivas, para conter seus efeitos negativos.

Cada um desses eixos está estruturado em diferentes projetos, que são desenvolvidos em detalhes com objetivos, atividades e indicadores para garantir sua realização.

Informação

No campo da informação, a ameaça da desinformação é vista como uma oportunidade, pois aumenta o interesse do público no processo eleitoral desde o início. Destaca-se a consolidação de projetos anteriores, como:

(i) a Rede para a disseminação de informações verdadeiras e oficiais sobre as eleições em diferentes plataformas sociais, com um grande aumento no número de visitas e seguidores desde a implementação do plano.19 A Secretaria de Comunicações trabalhou ativamente com diferentes grupos de distribuição de informações.

(ii) O chatbot que responde a dúvidas sobre assuntos eleitorais por meio do WhatsApp também havia sido usado no programa de 2020. O contraste com os dados de então serve para se ter uma ideia do aumento do interesse e da consolidação da ferramenta. Se em 2020 foram registradas 18,7 milhões de mensagens, com cerca de 1 milhão de brasileiros, nas eleições de 2022 o número aumentou cerca de 900%, chegando a cerca de 177.000.000 de mensagens trocadas com 6,1 milhões de usuários, entre o início de abril e 31 de dezembro de 2022.20

(iii) Ainda em 2020, foi retomado o projeto de verificação de fatos sobre o processo eleitoral, ao qual aderiram novamente nove entidades verificadoras. Dentro desse projeto, o site Fato ou Boato mais uma vez teve papel fundamental. Até a última consulta, o serviço de esclarecimento sobre informações falsas contava com 408 notícias de esclarecimento.21 Algumas dessas mensagens foram reforçadas com 64 vídeos, que têm sua própria playlist no canal do TSE no Youtube.

Além disso, foram reiterados os acordos com todas as operadoras de telefonia celular para que seus usuários tenham acesso gratuito aos cheques informativos produzidos e a outros conteúdos informativos publicados no site da Justiça Eleitoral, por meio do projeto chamado “Zero Rating”.22

Vale destacar a consolidação de projetos anteriores que foram reforçados nesse programa, tais como campanhas de conscientização sobre desinformação e ações de educação midiática e informativa para o público externo. A estratégia proativa da Corte tem sido fortalecer sua imagem e credibilidade, bem como aumentar a transparência com informações de qualidade, inovadoras, rápidas e em linguagem acessível. Foram realizadas campanhas de comunicação em rádio e televisão e ações concretas, como a instalação de uma intervenção no Cristo Redentor,23 no Rio de Janeiro, a instalação de uma urna inflável nos campos de futebol24 e a votação para o melhor clube de futebol. Também foi realizado um trabalho de desenvolvimento e aprimoramento de ferramentas tecnológicas e canais digitais para disseminar informações verdadeiras e de qualidade, com uma abordagem abrangente e multimídia. Além disso, foi destacado o enfoque internacional das informações fornecidas, disponíveis em espanhol, inglês e português, ciente do elemento internacional desse tipo de ameaça e da importância da opinião pública internacional em sua solução.

Capacitação

Esse eixo busca a alfabetização midiática e informacional tanto para o público interno quanto para os cidadãos em geral ou grupos específicos, como jornalistas. Foram desenvolvidas iniciativas como: a) treinamento para públicos internos e externos sobre desinformação, sobre a integridade das eleições brasileiras e sobre o papel fundamental da Justiça Eleitoral como instituição garantidora da democracia; b) treinamento sobre as funções do processo eleitoral no contexto do Estado Democrático de Direito. Sobre esses temas, um bom número de cursos ou séries de treinamento foi desenvolvido e está disponível no site do Tribunal e em seus canais digitais, como o Youtube25 ou o Spotify (“Clica e Confirma”, o podcast Tira-dúvidas eleitorais (16 vídeos), “Curiosidades sobre a justiça eleitoral” (90 vídeos), “Então e Isso! 2022” (36 vídeos) ou séries como as focadas em urnas eletrônicas (7 vídeos) ou em como votar (13 vídeos). O curso para jornalistas sobre o processo eleitoral, composto por 5 vídeos, sendo um deles sobre desinformação, também se destaca por ser voltado para um público específico.26

A atenção à prevenção e tratamento dos impactos psicológicos associados ao contato com conteúdo desinformador também foi uma prioridade para os membros, funcionários e colaboradores da Justiça Eleitoral que estiveram diretamente engajados nas iniciativas de combate à desinformação. Isso se deu com a criação de um programa de saúde mental para os servidores da Justiça Eleitoral que, dentre algumas medidas, conferiu acesso a consultas psicológicas individuais com a equipe médica do TSE e também a participação em workshops sobre o tema.

A iniciativa ganhou relevância particularmente em virtude dos episódios de violência e ameaças enfrentados por servidores da Justiça Eleitoral, fenômenos que foram exacerbados pelo contexto de acentuada polarização política que permeou as eleições, que foi ainda mais agravada pela influência significativa que as campanhas de desinformação dirigidas contra a instituição eleitoral exerceram sobre o processo eleitoral. Um exemplo disso foi a ampla circulação da falsa informação – desmentida formalmente pela Justiça Eleitoral27 – de que no município de Itapeva, interior de São Paulo, as urnas eletrônicas teriam sido manipuladas dentro de um sindicato, o que resultou em ameaças a servidores do Cartório Eleitoral da 53ª Zona.28 Essa situação de risco a que foram submetidos os servidores resultou, inclusive em manifestação da Comissão de Direitos Humanos e Minorais da Câmara dos Deputados

A Justiça Eleitoral buscou manter diálogo contínuo com os partidos políticos e federações partidárias buscando sensibilizá-los de sua responsabilidade no contexto do combate à desinformação. Esse engajamento foi implementado, dentre outras formas, através de reunião conjunta em que foram convidados todos os partidos políticos e representantes das principais plataformas sociais.29 Quase a totalidade dos partidos políticos registrados no TSE (30 dos 32 partidos) assinaram compromisso de aderir ao programa.

Além disso, dentro desse eixo de atuação, foi prestado apoio a outras instituições públicas para a implementação de ações de combate à desinformação, bem como foram desenvolvidas ações conjuntas com o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público Eleitoral.

Resposta

O terceiro eixo, incorporado a esse programa de 2022, como viu-se, busca identificar, conter e desestimular esse tipo de prática. Propõe ações de detecção, por meio de mecanismos, processos, ferramentas e alianças; resposta rápida e eficaz aos casos detectados; e desestímulo a esse tipo de prática com respostas estruturais e sistemáticas.

Algumas iniciativas merecem ser destacadas:

  1. a coalizão permanente de checagem de fatos - que aproveita a rede já existente de verificadores de fato ou boato para fornecer respostas rápidas a hoaxes em “tempo real”, alimentando canais de resposta rápida ou fundamentando alertas canalizados para plataformas sociais para facilitar sua tomada de decisão fundamentada;

  2. Sistema de Alerta de Desinformação contra as Eleições do TSE30 – sistema aberto à sociedade, anônimo, que permite a qualquer cidadão, de forma pública ou anônima, denunciar conteúdos ou grupos que disseminem desinformação que afetem a integridade do processo eleitoral ou a justiça eleitoral.31 Esse sistema faz distinção entre quatro tipos de reclamações: desinformação sobre a campanha eleitoral, desinformação sobre o processo eleitoral e a justiça eleitoral, discurso de ódio, violência política ou perturbação do ambiente democrático e mensagens não solicitadas por meio do WA e do Telegram com conteúdo eleitoral (Disparo em massa) que, por diferentes motivos,32 fazem parte de outros projetos. As reclamações recebidas são e submetidas a uma análise preliminar de adequação ao escopo do programa; em caso afirmativo, são encaminhadas às plataformas, a quem corresponde a análise e a eventual adoção de alguma medida (retirada, redução de visibilidade, inclusão de rótulo, por exemplo) em razão do descumprimento dos termos de uso ou da apresentação da reclamação de outra forma.33

A ATUAÇÃO JUDICIAL DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL BRASILEIRO NO ENFRENTAMENTO À DESINFORMAÇÃO

Para além da atuação administrativa apresentada anteriormente, é necessário acrescentar o trabalho jurisdicional desenvolvido pelo TSE nessa matéria, que a exemplo de outros organismos eleitorais ao redor do mundo,34 vem adotando decisões paradigmáticas sobre a desinformação em plataformas digitais nos processos eleitorais que, embora estejam fora do programa, fazem parte do combate do TSE à desinformação, nesse caso em nível administrativo e jurisdicional.

Enfrentando a questão pela primeira vez em um processo jurisdicional, o TSE reconheceu, no caso Francischini, a necessidade de punir o candidato que atua no sentido de alterar o processo eleitoral por meio da desinformação.35 Em uma transmissão ao vivo durante o dia da eleição, que alcançou mais de 70.000 usuários ao vivo, gerando 105.000 comentários, 400.000 compartilhamentos e 6 milhões de visualizações, um congressista denunciou fraude no sistema de votação eletrônica e outros fatos que questionavam a confiabilidade do processo eleitoral.36 O candidato ao cargo de deputado federal acabou sendo eleito.

Uma questão inédita e extremamente relevante foi levantada no TSE: a possibilidade de que os ataques ao sistema eletrônico de votação e à democracia, com disseminação de desinformação e geração de incertezas sobre a legitimidade do sistema de votação, se enquadrassem na conduta tipificada como abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação social, o que, de acordo com a legislação vigente, poderia levar à perda do cargo obtido.

A defesa apontou, entre vários argumentos, que as declarações estavam protegidas pelas garantias constitucionais de liberdade de expressão. Entretanto, no caso, constatou-se, sem qualquer dificuldade, que as informações eram absolutamente falsas, pois estavam seriamente descontextualizadas. O problema enfrentado pelo TSE foi que a norma na qual as condutas do deputado foram enquadradas, a já mencionada lei eleitoral (9.504/1997), tinha mais de 30 anos e tratava apenas do uso indevido de meios de comunicação, como televisão, rádio, jornais e revistas. No entanto, o TSE considerou que não se pode ignorar a realidade de que a Internet representa um novo ambiente midiático que afeta a forma como as campanhas eleitorais são desenvolvidas, de modo que, embora não explicitamente declarado no arcabouço jurídico brasileiro, a Internet e as redes sociais hoje em dia se enquadrariam no conceito de “veículos ou meios de comunicação”. Com base nisso, o Tribunal decidiu que a disseminação de desinformação sobre o processo eleitoral, também por meio de redes sociais, equivale ao uso indevido da mídia, e decretou a perda do cargo de Deputado Federal.

Outro caso relevante é o que proíbe a distribuição massiva de informações por meio de uma plataforma de mensagens (disparo em massa)37. Enquanto no caso Francischini o uso das redes sociais tinha como objetivo atacar o próprio processo eleitoral e as instituições que o conduzem, no julgamento do caso Bolsonaro/Mourão a Corte brasileira analisou o uso da plataforma social Whatsapp para beneficiar uma candidatura por meio de correspondências em massa. A controvérsia residia em decidir se o uso do serviço de mensagens para promover envios em massa com o objetivo de prejudicar candidatos adversários por meio da disseminação de desinformação e mentiras poderia resultar na sanção de perda de mandato. No tribunal, a candidatura presidencial foi absolvida por falta de provas sólidas do conteúdo negativo das mensagens, dos efeitos sobre o eleitorado e da participação efetiva dos candidatos em sua produção. Embora nenhuma sanção tenha sido imposta no caso específico, o caso merece importância porque a decisão estabeleceu parâmetros que podem servir para futuros casos semelhantes. O Tribunal estabeleceu a seguinte tese: “o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas, visando promover disparos em massa, contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato, pode configurar abuso de poder econômico e/ou uso indevido dos meios de comunicação social para os fins do art. 22, caput e XIV, da LC 64/90”.

Durante o processo eleitoral, outras decisões relevantes foram adotadas nesse campo,38 como a que determinou a remoção de uma informação publicada no perfil da empresa Brasil Paralelo no Twitter, considerando que a informação veiculada é desinformação que altera a realidade dos fatos relacionados à corrupção, afetando a honra e a imagem do candidato Lula da Silva, estabelecendo a obrigação de remoção do vídeo no prazo de 24 horas, e multa diária de 10 milhões de reais em caso de descumprimento (Rp 0601372-57). A decisão, adotada por 4 votos contra 3, baseia-se no fato de que os escândalos relatados nunca foram imputados judicialmente e, portanto, prejudicam a livre formação da vontade do eleitor.

Outra decisão, esta adotada por unanimidade, obriga a retirada da publicidade eleitoral de Lula que acusava Bolsonaro de praticar canibalismo, uma informação falsa e ofensiva, resultado da descontextualização de uma entrevista dada por Bolsonaro em que ele fazia referência à temática indígena. A publicidade, de acordo com o tribunal, alterou o sentido original da mensagem (Repr 0601386-41).

Em terceiro lugar (Rp 0601373-42), o Tribunal atendeu ao pedido de suspensão do canal “Lulaflix” no YouTube por propagar vídeos com conteúdo desinformativo e ofensivo a Lula, obrigando, com base no artigo 40 da lei eleitoral, os responsáveis pelo canal a declarar no canal que o conteúdo divulgado é propaganda eleitoral, sob pena de suspensão do canal e fixação de multa de 10 milhões de reais. O Tribunal determinou a imediata remoção do vídeo “19.05.2011 – Kit gay causa polêmica MP4”, com a ameaça de fechamento do canal e fixação de multa diária em caso de descumprimento.

Outra decisão, analisada pelo Plenário, foi a requerida por Jair Bolsonaro (PL) contra as publicações nas redes do deputado federal André Janones (Avante-MG), por estimular o discurso de ódio contra Bolsonaro, atacando o candidato com expressões pejorativas e acusando-o da morte de 400 mil pessoas durante a pandemia (DR 0601559-65.2022.6.00.0000).

Ainda nessa linha, o TSE decretou a suspensão da monetização dos canais Brasil Paralelo, Foco do Brasil, Folha Política e Dr. Notícias no YouTube até o dia das eleições, tendo em vista que esses canais são mantidos por pessoas jurídicas e a promoção de conteúdo político-eleitoral por essas empresas é proibida até o final do segundo turno das eleições (AIJE 0601522-38).

Além disso, a exibição do documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?”, do Brasil Paralelo, foi suspensa até a mesma data, sob pena de multa, em razão de seu conteúdo desinformativo, por se considerar que continha informações que já haviam sido consideradas desinformativas (AIJE 0601522-38.2022.6.00.0000).

O Tribunal identificou que, por diversas vezes, o conteúdo sobre o qual havia sido decidida a remoção da publicação foi republicado pelo usuário na mesma plataforma ou em outra e, consequentemente, foi novamente retirado. Assim, na Representação nº 0600826-02.2022.6.00.0000, além de ordenar a remoção do conteúdo irregular, determinou que o usuário se abstivesse de publicar conteúdo idêntico sob pena de multa.

Outras decisões determinaram que o Twitter e o Facebook removessem, em 24 horas, conteúdos que acusavam Lula da Silva de apoiar a invasão de igrejas e a perseguição de cristãos (0601328-38.2022.6.00.00.0000), o Tik Tok removesse, em 24 horas, acusações feitas pela conta @vicky_vanilla_official, vinculando o mesmo candidato a ideologias satânicas (0601352-66.2022.6.00.00.00.0000).

Na semana que antecedeu o primeiro turno, seguindo a resolução nº 23.714/2022, (20.10.2022) o TSE também determinou que as plataformas deveriam remover, no prazo de 24 horas, publicações de Nikolas Ferreira, Flávio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli que associassem o candidato Luiz Inácio Lula da Silva ao uso de drogas, assassinato, censura, aborto, fechamento de igrejas, ou consentimento com práticas criminosas (0601469-57.2022.6.00.00.0000).

Em resumo, embora seja muito difícil ter critérios objetivos sobre o caráter desinformativo dos conteúdos, à luz da doutrina do TSE, podem ser apontados os seguintes: 1) A confiabilidade da fonte; 2) A exclusão da consideração do humor como desinformação; 3) A inquestionabilidade da falsidade, o que gera dificuldades com elementos com pequenas manipulações.

CONCLUSÕES

Os desafios aos quais o Brasil foi submetido parecem ter ajudado na formação de um programa bastante completo, que buscou soluções disruptivas para questões para as quais ainda não há uma solução clara.

Algo que pareceu relevante para a existência de um programa mais eficaz foi o fato de ele já ter sido amadurecido por meio de dois ciclos eleitorais anteriores de experiência, o que permitiu experimentar iniciativas e analisar os resultados já obtidos (o que pode ser visto no relatório detalhado de resultados das eleições de 2020, com quase 140 páginas de avaliação de indicadores de desempenho). Soma-se a isso o fato de que a preparação para a eleição começou com bastante antecedência, e o plano estratégico foi elaborado com antecedência suficiente para permitir uma execução eficaz.

Essa preparação cautelosa e antecipada parece ter sido essencial para a preparação das equipes internas do Tribunal, bem como para a criação e o fortalecimento de parcerias. Percebeu-se que as parcerias desempenharam um papel fundamental para garantir que o programa tivesse um escopo que as limitações naturais do Tribunal brasileiro não permitiriam alcançar sozinho.

A busca pela efetividade das medidas previstas no programa pode ser observada em todos os momentos do plano estratégico e fica clara na obstinada previsão de marcos de monitoramento do progresso de todas as iniciativas.

O relacionamento construído com as plataformas, ainda que não tenha impedido que elas servissem como principal ambiente de disseminação de desinformação contra o processo eleitoral, trouxe algumas soluções com resultados práticos interessantes, como o Sistema de Alerta, que conseguiu avançar em uma área bastante nebulosa das plataformas, que é o acesso a dados.

É inegável que ainda há muito a ser feito em termos de combate à desinformação contra o processo eleitoral no Brasil, porém, seu programa permanente apresentou um desempenho que acompanhou as melhores práticas observadas no mundo e trouxe algumas soluções disruptivas que podem servir de inspiração para outros países.

REFERÊNCIAS

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2023
  • Aceito
    04 Dez 2023
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