RESUMO
Objetivo: Avaliar o conhecimento e a aceitação da população e dos profissionais que trabalham em unidades de terapia intensiva sobre a doação de órgãos após morte cardíaca.
Métodos: Foram elencados os três hospitais com mais notificações de morte encefálica em Curitiba e estabelecidos dois grupos de entrevistados pelo mesmo questionário: o público geral, ou seja, acompanhantes de pacientes em unidades de terapia intensiva, e profissionais de saúde que trabalhavam nas mesmas unidades de terapia intensiva. O questionário aplicado perguntou sobre dados demográficos, a intenção de doar órgãos e o conhecimento da legislação vigente, bem como sobre morte encefálica e doação após morte cardíaca.
Resultados: No total, foram 543 questionários coletados, sendo 442 de familares e 101 de profissionais de saúde. Observou-se predomínio de mulheres e de católicos em ambos os grupos. O sexo feminino apresentou maior intenção de doar. Os profissionais de saúde tiveram um desempenho melhor na comparação de conhecimento. A intenção de doar órgãos foi significativamente maior no grupo de profissionais de saúde (p = 0,01). Não houve diferença significativa na intenção de doar com relação ao grau de instrução ou renda. Houve maior aceitação da doação após morte cardíaca não controlada entre os católicos, quando comparados com os evangélicos (p < 0,001).
Conclusão: A maioria da população geral teve intenção de doar, sendo maior a intenção no sexo feminino. Escolaridade e renda não influenciaram em tal decisão. A modalidade de transplante que utiliza doação após morte cardíaca não controlada não teve boa aceitação na população estudada, apontando para a necessidade de mais esclarecimentos para o uso no nosso meio.
Descritores: Transplante; Doação de órgãos; Opinião pública; Obtenção de tecidos e orgãos; Saúde pública; Unidades de terapia intensiva
ABSTRACT
Objective: To evaluate the knowledge and acceptance of the public and professionals working in intensive care units regarding organ donation after cardiac death.
Methods: The three hospitals with the most brain death notifications in Curitiba were selected, and two groups of respondents were established for application of the same questionnaire: the general public (i.e., visitors of patients in intensive care units) and health professionals working in the same intensive care unit. The questionnaire contained questions concerning demographics, intention to donate organs and knowledge of current legislation regarding brain death and donation after cardiac death.
Results: In total, 543 questionnaires were collected, including 442 from family members and 101 from health professionals. There was a predominance of women and Catholics in both groups. More females intended to donate. Health professionals performed better in the knowledge comparison. The intention to donate organs was significantly higher in the health professionals group (p = 0.01). There was no significant difference in the intention to donate in terms of education level or income. There was a greater acceptance of donation after uncontrolled cardiac death among Catholics than among evangelicals (p < 0.001).
Conclusion: Most of the general population intended to donate, with greater intentions expressed by females. Education and income did not affect the decision. The type of transplant that used a donation after uncontrolled cardiac death was not well accepted in the study population, indicating the need for more clarification for its use in our setting.
Keywords: Transplantation; Organ donation; Public opinion; Tissue and organ procurement; Public health; Intensive care units
INTRODUÇÃO
Órgãos sólidos para transplante podem ser obtidos a partir de doadores falecidos com morte encefálica ou doação após morte cardíaca (DMC).(1-5) Na DMC, os critérios para definir morte cardíaca diferem dos que definem morte encefálica, mas também os possíveis doadores apresentam um dano irreversível, tornando-se candidatos a esse tipo de doação quando autorizados pela família.(4,6,7)
A morte cardíaca pode acontecer em diferentes circunstâncias. O primeiro workshop em DMC, realizado em Maastricht, em 1995, identificou quatro categorias de DMC, dependendo do cenário no qual ocorreu uma irreversível parada respiratória ou circulatória. De acordo com a classificação de Maastrich, os tipos I (morto na chegada) e II (ressuscitação sem sucesso) foram categorizados como DMC "não controladas". Maastrich tipos III (aguardando morte cardíaca) e IV (parada cardíaca em doador com morte cerebral) têm sido referidas como "DMC controlada", pois os pacientes encontram-se em ambiente hospitalar. Em 2000, foi incluído o tipo V, no qual o paciente grave tem uma parada não esperada e também foi categorizada como DMC não controlada.(2,7-9) No quadro 1, estão dispostas as diferentes categorias dessa classificação.
Na categoria I é importante que seja marcado o tempo exato da morte (documentado por testemunhas), sendo esse o tipo mais utilizado em doadores não controlados. A categoria II tem como complemento o paciente estar dentro do serviço de trauma e com tempo de reanimação documentado. Na categoria III, o paciente não preenche os critérios de morte encefálica, diferentemente da categoria IV, na qual o paciente se encontra em morte encefálica e sofre uma parada.(10-12)
Antes do conhecimento vigente sobre morte encefálica, a DMC era a única maneira de se obterem órgãos para transplante. Atualmente, a DMC é utilizada em 27 países da União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão, China, Extremo Oriente e em alguns países da América do Sul.(7,13,14) Alguns países utilizam somente doações de Maastricht tipos III e IV, sendo que estas têm pouco impacto geral na fila de doadores, enquanto outros utilizam órgãos advindos até de doadores Maastricht I, como é o caso da Espanha. Em Madrid, o número de pacientes aguardado transplantes renais no ano de 1996 era de 234 pessoas. Um novo estudo, feito em 2005, mostrou que esse número diminuira para 32 pacientes.(13,14) Na Espanha, deve-se levar em consideração que grande parte desse sucesso foi decorrente do melhor treinamento das equipes em entrevista familiar. Também é importante ressaltar que cerca de 33 pessoas por milhão (pmp) de doadores espanhóis ainda são advindas de doadores em morte encefálica e que apenas 3 pmp são oriundas da doação em assistolia. No Brasil, a DMC não está prevista na legislação. A captação de orgãos para doação deve ser feita exclusivamente após a morte encefálica.(8,15,16)
No Brasil, em 2014, o número de doações aumentou 7,6%, ficando, entretanto, cerca de 5% abaixo do esperado.(8) Apesar de não terem sido esgotadas as iniciativas, como treinamento de equipe e um sistema mais eficaz para aumentar a captação de doação de órgãos por morte encefálica, o uso da DMC pode ser uma alternativa para ajudar a diminuir as filas de transplantes. No entanto, não há relatos a respeito da opinião e do conhecimento da sociedade brasileira sobre DMC. Adicionalmente, estima-se que tanto a população geral, como os profissionais de saúde desconheçam os procedimentos da DMC.
O presente estudo visou avaliar o conhecimento e o índice de aceitação da população geral e dos profissionais de saúde que trabalham em unidades de terapia intensiva sobre a doação de órgãos após morte cardíaca.
MÉTODOS
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Positivo (parecer 228.286/2012) e a aplicação do questionário ocorreu entre janeiro e outubro de 2013.
De acordo com os dados obtidos junto à Central de Transplantes do Paraná, elencaram-se os três principais hospitais responsáveis pelo maior número de notificações de morte encefálica na região metropolitana de Curitiba (PR). Os hospitais selecionados foram Hospital do Trabalhador, Hospital Universitário Cajuru e Hospital Evangélico de Curitiba. Mais de 70% do total de doadores de órgãos da região metropolitana de Curitiba são captados nesses hospitais, o que corresponde a cerca de 20% dos doadores do Estado do Paraná.
Para a realização da pesquisa, foram estabelecidos dois grupos de entrevistados, que responderam a um mesmo questionário. Todos os pesquisados tinham idade mínima de 18 anos e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para o estudo. O Grupo A era formado pelo público geral, ou seja, acompanhantes de pacientes de unidades de terapia intensiva (UTI) dos três hospitais de Curitiba, que poderiam eventualmente ter contato com situações de tomada da decisão sobre doação de órgãos. O Grupo B, de profissionais da área da saúde que trabalhavam em UTI, foi formado por médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas, psicólogos e farmacêuticos.
O Grupo A foi entrevistado nas salas de espera das UTI dos três hospitais. As entrevistas foram realizadas nos horários de visitas, quando o acompanhante era abordado e convidado a participar respondendo a questionários autoaplicáveis. Em relação ao Grupo B, foram entrevistados profissionais de saúde que trabalhavam em UTI há pelo menos 6 meses. Esse grupo foi escolhido pelo fato de estarem diretamente envolvidos com situações de captação de orgãos, sendo abordados e convidados a participarem no estudo em seu ambiente de trabalho.
Questionário
O questionário autoaplicável foi desenvolvido pelos pesquisadores e divide-se em quatro partes: (1) coleta dos dados demográficos: sexo, idade, profissão, religião, renda familiar e grau de instrução; (2) intenção ou não de doação de órgãos e conhecimento da legislação vigente; (3) conhecimento sobre morte encefálica e morte cardíaca; (4) aceitação de doação em cenários de situações hipotéticas de acidentes, nas quais os entrevistado deveria decidir sobre a doação.
Utilizou-se um cenário de DMC controlada - caso A, quando a parada cardiopulmonar ocorre em um cenário de retirada planejada dos cuidados, Maastricht tipo 3. O caso B aborda um cenário de DMC não controlada, quando a parada cardiopulmonar ocorre inesperadamente (Maastricht tipos 1, 2 e 4), utilizando como base uma metodologia previamente estabelecida por Volk et al.(17)
O questionário aplicado está apresentado no apêndice 1 Apêndice 1 Questionário .
Análise estatística
Foi realizado o cálculo do número amostral para o grupo de acompanhantes, levando-se em consideração o número de leitos de UTI disponíveis nos locais onde ocorreu a pesquisa. No grupo dos profissionais de saúde, todos os trabalhadores das três UTI pesquisadas foram convidados a participarem do estudo. Os dados foram coletados, e a análise estatística foi feita com o auxílio do pacote Prism 5.0 (GraphPad Prism, California, EUA), empregando-se os testes de Kolmorov-Smirnof para verificar a normalidade dos dados. As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio padrão e comparadas com o teste t de Student. As variáveis categóricas foram expressas em porcentagens e comparadas com o teste qui quadrado ou teste exato de Fisher, conforme apropriado. Valores de p < 5% foram considerados estatisticamente significativos.
RESULTADOS
Inicialmente, o número total de questionários distribuídos foi 715, sendo 600 para a população geral e 115 para profissionais de saúde. No total, foram respondidos corretamente 543 questionários, sendo 442 pelo Grupo A e 101 pelo Grupo B. Dessa forma, a taxa de aceitação de participação no estudo, no total, foi de 75,9%; sendo maior entre os profissionais de saúde (87,8%) do que na população de acompanhantes (73,6%). Dentre esses, a maioria dos respondedores eram composta por filhos e cônjuges do paciente internado na UTI. Questionários entregues em branco e incompletos foram excluídos do trabalho.
Os dados demográficos dos entrevistados estão dispostos na tabela 1. A média de idade do Grupo A foi de 35,7 ± 13,10 anos e, do Grupo B, de 35,6 ± 9,33 anos (p = não significativo).
Observou-se maioria de mulheres em ambos os grupos (Grupo A = 58%; Grupo B = 73%). A religião predominante foi a católica (Grupo A = 56%; Grupo B = 59%). Com relação à renda, 45% dos participantes do Grupo A possuíam média salarial entre um a três salários mínimos (entre US$290.00 e 870.00), enquanto que, no Grupo B, 39% deles se situavam na faixa acima de cinco salários mínimos (> US$1,450.00). Entrevistados com nível superior de escolaridade foram maioria no Grupo B (62%), enquanto no Grupo A foi o Ensino Médio, com 44%.
Os dados de conhecimento geral sobre doação de orgãos estão dispostos na tabela 2. Como esperado, os profissionais de saúde obtiveram maior índice de acertos. No Grupo A, 60% responderam não conhecer a legislação vigente sobre doações no Brasil, enquanto no Grupo B foram 31%. A maioria de ambos os grupos respondeu corretamente quando questionados sobre quem autorizava a doação de orgãos (Grupo A = 84%; Grupo B = 96%). Quanto ao conhecimento sobre o conceito de morte encefálica, houve acerto de 50% no Grupo A e 65% no Grupo B.
A tabela 3 apresenta a intenção de doar e a aceitação da DMC. A intenção de doar foi significativamente maior no grupo de profissionais de saúde (Grupo A = 58%; Grupo B 74%, p = 0,01). Um dado interessante no estudo foi que a totalidade dos médicos tinha intenção de doar. Não houve diferença significativa na intenção de doar com relação ao grau de instrução ou renda. Com relação à religião, houve maior aceitação da DMC entre os católicos, quando comparados com os evangélicos. O sexo feminino apresentou maior intenção de doar (60% versus 51%; p = 0,07).
DISCUSSÃO
O presente estudo apresenta de maneira pioneira no Brasil uma visão da aceitação de uma modalidade de transplante pouco conhecida em território brasileiro: a DMC. Há escassa literatura nacional sobre o assunto, e um dos motivos da realização do trabalho foi introduzir o debate sobre o uso do DMC no Brasil. Essa modalidade de doação de órgãos tem evoluído de formas diferentes entre os países.(15,16) A DMC aumentou progressivamente nos Estados Unidos e agora é responsável por cerca de 10% das doações.(18) No Japão, a DMC permanece como principal fonte de órgãos para transplante a partir de doadores falecidos.(14) Na Europa, a DMC é cada vez mais aceita e utilizada, mas ainda limitada a alguns países.(13,19)
Um dado que chamou atenção no presente estudo foi que 60% da população geral respondeu não conhecer a legislação atual sobre doação de órgãos no Brasil. No grupo de profissionais de saúde, 31% deles relataram desconhecimento. Por outro lado, a maioria de ambos os grupos acertou quando indagados sobre quem autoriza a doação de orgãos. Adicionalmente, se perguntados quanto ao conhecimento sobre morte encefálica, apenas 50% da população geral respondeu ser conhecedora. Tal resultado é diferente do encontrado por Coelho et al.,(20) que relataram 86,7% de acerto. Dentre os profissionais de saúde, 65% acertaram o conceito de morte encefálica, o que pode ser considerado um número baixo, reforçando a necessidade de esclarecimento da população e dos profissionais de saúde sobre transplantes de órgaos de maneira geral. Cabe ressaltar a heterogeneidade da escolaridade dentre os profissionais incluídos no estudo, como pode ser verificado pelos dados demográficos.
Quando comparada a intenção de doar entre o grupo de população geral com o de profissionais de saúde, notou-se significativo aumento na intenção de doar entre os profissionais de saúde, chamando a atenção que a totalidade dos profissionais médicos do grupo respondeu ser doadora. Tal achado pode estar relacionado ao dia a dia do profissional de saúde que trabalha em UTI, que, além de vivenciar o drama de pacientes e familiares que estão à espera de um transplante de órgãos, possuem maior conhecimento específico sobre o assunto e possivelmente estejam mais abertos à tal prática. Com relação à intenção de doar no Grupo A (58%), observou-se menor número quando comparado com outro estudo realizado em Curitiba, no qual 87,8% dos entrevistados disseram ser doadores.(20) Em estudo realizado no Pará, 84,6% dos entrevistados (população geral) foram favoráveis à doação. Chamou a atenção neste estudo que 85,3% dos respondentes acreditavam que o médico poderia se enganar no diagnóstico de morte encefálica.(21) Cabe ressaltar que esses estudos brasileiros investigaram intenção de doação após morte encefálica, inexistindo estudos relacionados à DMC.
Na presente investigação, observou-se predomínio do sexo feminino em ambos os grupos, fato também encontrado em estudo também realizado em Curitiba.(20) Em relação ao Grupo B, foi entrevistada quase a totalidade dos profissionais que trabalham nas UTI dos hospitais pesquisados, e 76% desse grupo era composto de profissionais da enfermagem, com claro predomínio feminino. Sobre a intenção de doar, houve maior número de respostas positivas no público feminino (61% versus 50% nos homens; p = 0,07). Tal predominância pode ser explicada, em parte, pelo fato de que a maioria dos cuidadores de pacientes em tratamento na UTI são do sexo feminino.(22) Evidenciou-se também que o grau de instrução e a renda familiar não influenciaram significativamente na intenção de doar nos grupos estudados. Tais parâmetros também não influenciaram nas respostas no estudo conduzido por Teixeira et al. na Região Norte do Brasil.(21)
Ao se avaliarem as situações hipotéticas de DMC, encontrou-se que a aceitação da DMC controlada é significativamente maior quando comparada com uma situação de DMC não controlada para ambos os grupos. Tal resultado é compreensível, visto que a DMC não controlada parte de uma situação abrupta e inesperada para os familiares.(15,16) Em estudo realizado nos Estados Unidos, utilizando-se as mesmas questões, a aceitação da DMC controlado foi ligeiramente maior do que o não controlado, e ainda, maior que nos casos de morte encefálica (70%, 69% e 66%, respectivamente).(18) Outro dado interessante foi a maior aceitação do Grupo A para ambos os tipos de DMC. A maior complexidade do caso clínico presente no questionário, em relação às demais questões, pode ter gerado erros de compreensão e interpretação no Grupo A, tendo em vista que este possuía menor grau de escolaridade e conhecimento específico, quando comparado com o Grupo B. Dentre os profissionais de saúde, houve maior aceitação dos profissionais médicos quando comparados aos demais profissionais (55% versus 48% na DMC não controlada e 83% versus 63% na DMC controlada). Possivelmente, estar melhor informado sobre o assunto tenha influenciado positivamente no resultado. Em estudo semelhante realizado nos Estados Unidos, apenas 46% dos profissionais de saúde e gestores de base hospitalar aceitaram a doação de órgãos via DMC não controlada.(19)
Quando comparados por religião, embora não se observe diferença na intenção de doar, notou-se maior aceitação da doação entre os católicos quando comparado aos evangélicos para ambos os casos de DMC não controlada e DMC controlada, respectivamente. Tal dado é curioso, visto que ambas as religiões não declaram restrições ligadas ao transplante. Na intenção de doar, Coelho et al.(20) também não encontraram diferenças entre as religiões. Por outro lado, em um estudo recente, realizado na Inglaterra, ausência de religião, cristianismo anglicano, budismo e o hinduísmo foram positivamente associada a um desejo para doar todos os órgãos.(23) O uso da DMC não controlada gera uma série de desafios processuais, médicos, econômicos, jurídicos e éticos. No entanto, de acordo com recente metanálise, é uma opção viável para o aumento da doação de órgãos, pois há relatos de bons resultados para rins, fígado e transplante de pulmão.(24)
No Brasil, ainda existem obstáculos jurídicos, éticos e técnicos para esse tipo de doação. Observam-se a escassez de órgãos e a necessidade de se associarem as práticas de transplante com os avanços na terapia intensiva. Para melhora de tal panorama, é essencial que o atual sistema de doação no país seja incrementado, com maior notificação de morte encefálica, redução no número de casos em que ocorre "desperdício de órgãos" ligados às taxas de recusa familiar e de paradas cardíacas (quando, por exemplo, o DMC poderia fazer parte do quadro de doação) e a solução dos problemas logísticos.(13) Além dessas ações imediatas necessárias para que se tenha a expansão do pool de doadores, futuramente, poderiam ser ampliadas as modalidades alternativas, como doação de pacientes em assistolia. Dessa forma, acreditamos que a avaliação do conhecimento geral sobre doação de órgãos e o nível de aceitação de situações que envolvam cenários de DMC em nossa população possam contribuir para iniciar a discussão dessa modalidade de transplante.
Ações que contribuam para o aumento efetivo da notificação de potenciais doadores, da viabilização e do aproveitamento de órgãos e tecidos são sempre necessárias, a fim de tentar minimizar a mortalidade em lista de espera.(8) Informação é o principal fator de adesão à doação de órgãos, e medidas educativas devem ser instituídas. No presente estudo, notou-se que a maior parte da população expressou a intenção de doar órgãos, mas ainda há pouco conhecimento sobre a legislação.
A DMC ainda é um tema relativamente desconhecido no nosso meio. Estudos realizados em outros países apontam que a perspectiva de ampliação do pool de doadores com assistolia é de, no máximo, 3 pmp em 10 anos versus 10 a 15 pmp se for realizado um trabalho árduo na redução de negativas familiares, paradas cardíacas e contraindicações mal atribuídas. Além disso, essas medidas apresentam um custo financeiro extremamente menor quando comparados à maior complexidade dos procedimentos envolvidos na DMC. Há muito a ser feito para que se reduzam as filas de transplantes no Brasil e é cabível que o uso da DMC seja tema abordado e discutido em todos os âmbitos envolvidos na doação de órgãos. Cabe às autoridades competentes avaliar a necessidade do uso da DMC para aumentar a captação de órgãos e, se for o caso, instituir legislação a respeito dessa modalidade de doação.
CONCLUSÃO
A maior parte da população estudada têm intenção de doar, sendo maior a intenção no sexo feminino. Escolaridade, religião e renda não influenciaram em tal decisão. A modalidade de transplante que utiliza doação após morte cardíaca não controlada não teve boa aceitação na população estudada.
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Editor responsável: Glauco Adrieno Westphal
Apêndice 1 Questionário
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Set 2016 -
Data do Fascículo
Jul-Aug 2016
Histórico
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Recebido
18 Mar 2016 -
Aceito
05 Maio 2016