Open-access Choosing Wisely para a medicina intensiva

A medicina intensiva caracteriza-se por ser uma especialidade na qual os resultados estão muito relacionados à capacidade de organização e trabalho em equipe. Por outro lado, o avanço tecnológico oferece grande variedade de exames e uma miríade de diferentes possibilidades de tratamentos e de procedimentos para a abordagem do paciente crítico. Porém, inúmeras vezes esse grande arsenal de possibilidades é utilizado de modo indevido, o que além de não proporcionar benefícios significativos para os pacientes, pode ocasionar riscos e danos desnecessários. Com base nesses princípios, a American Board of Internal Medicine Foundation (ABIM) iniciou uma campanha, em 2012, para identificar situações clínicas que deveriam ser questionadas quanto à sua indicação e utilização, com o objetivo de conscientizar os médicos sobre a importância de utilizar apenas as intervenções e os procedimentos indicados para os pacientes, e que não os colocasse em risco. Para isso, foram desenvolvidas listas com itens considerados mais relevantes para proporcionar tomadas de decisões conscientes, a qual foi denominada Choosing Wisely.(1) Desde então, inúmeras sociedades médicas ao redor do mundo passaram a realizar suas próprias listas, buscando fomentar a discussão e alertar sobre as principais condutas a serem questionadas e utilizadas sempre com o máximo de discernimento. São considerados princípios básicos da campanha: que seja liderada por médicos, as escolhas devem ser centradas no paciente, deve haver participação multiprofissional, ser baseada em evidências, e o processo de escolha precisa ser transparente.(2

A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) nomeou um grupo de experts para a elaboração das recomendações. Inicialmente, os especialistas elaboraram 28 recomendações e, pelo Método Delphi modificado, foram eliminadas aquelas que atingiam mais de 80% de consenso dentre eles. Ao final, chegaram às dez recomendações, que foram submetidas à escolha dos associados por meio de votação eletrônica, pelo site da associação (https://amorintensopelavida.com.br/choosing/). Os associados receberam, por e-mail, o convite para votar e foram identificados pelo CPF no momento do voto, para evitar duplicidade. Participaram 1.754 associados de todas as regiões do país, representando cerca de 30% dos associados AMIB. Todas as cinco recomendações mais votadas foram escolhidas por mais de 50% dos participantes, conforme figura 1.

Figura 1
Lista submetida à escolha dos associados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira e votos recebidos. VM - ventilação mecânica.

RECOMENDAÇÕES MAIS VOTADAS

1 - Não usar ou manter antibióticos desnecessariamente

Restringir o uso de antibióticos para pacientes com infecção, sempre observando os critérios clínicos e pelo menor tempo possível. Descalonar o espectro antimicrobiano, assim que as culturas estiverem disponíveis, tem se mostrado a melhor prática, segundo as melhores evidências. Há cerca de 10 anos, Boucher et al.(3) chamavam atenção para o impacto do uso de antibióticos desnecessários no surgimento de bactérias multirresistentes, que ficaram conhecidas como ESKAPE, o epônimo de Enterococcus faecium, Staphylococus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumanii, Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter species. Estudos como o EPIC II (Extended Prevalence of Infection in Intensive Care) já davam conta de que, nos pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) na América Latina, a presença de pacientes infectados é maior, se comparada a outras regiões do mundo e com maior mortalidade.(4

2 - Não usar sedação excessiva

Limitar o uso de sedação aos pacientes com indicação precisa e utilizar a menor quantidade de sedativos possível, apenas com o objetivo de manter o conforto do paciente, utilizando escalas para avaliar sistematicamente a titulação das doses das drogas em uso, mostram melhores resultados nos desfechos clínicos.(5) Dentre as inúmeras evidências, destacamos o ABC trial, que combinou a estratégia de interrupção diária da sedação com a realização de um teste de respiração espontânea em comparação ao tratamento padrão e demonstrou melhora em todos os desfechos, como mais tempo livre de ventilação mecânica, menor tempo de permanência na unidade de terapia intensiva e no hospital, mas, principalmente, menor mortalidade em acompanhamento de 1 ano.(6

3 - Não manter o paciente imobilizado no leito, desde que não haja indicação precisa

A imobilização de pacientes críticos está associada à maior incidência de complicações e a tempo de permanência no hospital mais longo. Existem evidências de que a mobilização precoce no leito e fora dele acelera a recuperação da doença crítica e melhora a qualidade de vida durante a internação e após a alta. Neste sentido, o estudo de Schweickert, que combinou a interrupção diária da sedação com atividades fisioterápicas e terapia ocupacional, demonstrou importante impacto na recuperação e na capacidade funcional dos pacientes no momento da alta hospitalar.(7

4 - Não utilizar e nem manter dispositivos invasivos desnecessariamente

A indicação e a manutenção de dispositivos invasivos devem acontecer sempre de forma restritiva, respeitando critérios precisos. A vigilância rotineira é indicada para evitar ao máximo a indicação e o tempo de utilização de tubos traqueais, sondas digestivas e urinárias, drenos cavitários e cateteres diagnósticos ou terapêuticos. Existem evidências indicando que recursos invasivos determinam infecções preveníveis, e que o tempo de uso é prolongado por comodidade da equipe profissional, ou ausência de protocolos para retirada dos mesmos.(8,9) Neste sentido, o estudo de Pronovost, conduzido nas unidades de terapia intensiva do estado de Michigan, conseguiu demonstrar a eficiência da utilização de um checklist, que incluía avaliar diariamente a possibilidade de retirada do cateter venoso profundo, na redução das infecções de corrente sanguínea associadas ao uso deste tipo de cateter.(10

5 - Não oferecer Suporte Avançado de Vida a pacientes que não tenham possibilidade de recuperação

Evitar instituir ou manter Suporte Avançado em pacientes graves com alta probabilidade de óbito ou sequela significativa, sem considerar a possibilidade de instituir cuidado paliativo. As decisões clínicas dentro desse contexto devem ser tomadas sempre respeitando a vontade expressa dos pacientes ou de seus familiares, após amplo diálogo e consenso. Em recente estudo sobre terminalidade em unidade de terapia intensiva da World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine, ficaram demonstradas a grande variabilidade e a necessidade de sistematização destas decisões.(10

Melhoria da qualidade, redução de custos, maximizar valor e maior atenção ao doente crítico crônico são desafios atuais de nossa especialidade. Neste sentido, as escolhas inteligentes certamente podem contribuir de forma significativa. Divulgue a lista, torne-a parte de seu dia a dia, inclua-a nos checklists de sua unidade e discuta estas escolhas durante a visita multiprofissional. Desta feita, contribuiremos com uma medicina intensiva mais racional e certamente com melhores resultados para nossos pacientes.

GRUPO QUE ORGANIZOU AS RECOMENDAÇÕES CHOOSING WISELY DA AMIB:

Ederlon Alves de Carvalho Rezende, Mirella Cristine de Oliveira, Cristiano Augusto Franke, Marcos Knibel, Nelson Akamine, Álvaro Rea-Neto.

REFERÊNCIAS

  • 1 Cassel CK, Guest JA. Choosing wisely: helping physicians and patients make smart decisions about their care. JAMA. 2012;307(17):1801-2.
  • 2 American Board of Internal Medicine Foundation. Choosing Wisely. http://www.choosingwisely.org Accessed August 17, 2018.
    » http://www.choosingwisely.org
  • 3 Boucher HW, Talbot GH, Bradley JS, Edwards JE, Gilbert D, Rice LB, et al. Bad bugs, no drugs: no ESKAPE! An update from the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2009;48(1):1-12.
  • 4 Vincent JL, Rello J, Marshall J, Silva E, Anzueto A, Martin CD, Moreno R, Lipman J, Gomersall C, Sakr Y, Reinhart K; EPIC II Group of Investigators. International study of the prevalence and outcomes of infection in intensive care units. JAMA. 2009;302(21):2323-9.
  • 5 Kress JP, Pohlman AS, O'Connor MF, Hall JB. Daily interruption of sedative infusions in critically ill patients undergoing mechanical ventilation. N Engl J Med. 2000;342(20):1471-7.
  • 6 Girard TD, Kress JP, Fuchs BD, Thomason JW, Schweickert WD, Pun BT, et al. Efficacy and safety of a paired sedation and ventilator weaning protocol for mechanically ventilated patients in intensive care (Awakening and Breathing Controlled trial): a randomised controlled trial. Lancet. 2008;371(9607):126-34.
  • 7 Schweickert WD, Kress JP. Implementing early mobilization interventions in mechanically ventilated patients in the ICU. Chest. 2011;140(6):1612-7.
  • 8 Ziegler MJ, Pellegrini DC, Safdar N. Attributable mortality of central line associated bloodstream infection: systematic review and meta-analysis. Infection. 2015;43(1):29-36.
  • 9 Klompas M, Anderson D, Trick W, Babcock H, Kerlin MP, Li L, Sinkowitz-Cochran R, Ely EW, Jernigan J, Magill S, Lyles R, O'Neil C, Kitch BT, Arrington E, Balas MC, Kleinman K, Bruce C, Lankiewicz J, Murphy MV, E Cox C, Lautenbach E, Sexton D, Fraser V, Weinstein RA, Platt R; CDC Prevention Epicenters. The preventability of ventilator-associated events. The CDC Prevention Epicenters Wake Up and Breathe Collaborative. Am J Respir Crit Care Med. 2015;191(3):292-301.
  • 10 Pronovost P, Needham D, Berenholtz S, Sinopoli D, Chu H, Cosgrove S, et al. An intervention to decrease catheter-related bloodstream infections in the ICU. N Engl J Med. 2006;355(26):2725-32.
  • 11 Myburgh J, Abillama F, Chiumello D, Dobb G, Jacobe S, Kleinpell R, Koh Y, Martin C, Michalsen A, Pelosi P, Torra LB, Vincent JL, Yeager S, Zimmerman J; Council of the World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine. End-of-life care in the intensive care unit: Report from the Task Force of World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine. J Crit Care. 2016;34:125-30.

Editado por

  • Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2019
  • Aceito
    15 Out 2019
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