AO EDITOR,
A lesão renal aguda é uma disfunção orgânica comum na unidade de terapia intensiva (UTI), com prevalência que varia de 2,5% a 92,2%, conforme a população estudada.(11 Santos RP, Carvalho AR, Peres LA, Ronco C, Macedo E. An epidemiologic overview of acute kidney injury in intensive care units. Rev Assoc Med Bras (1992). 2019;65(8):1094-101.,22 Case J, Khan S, Khalid R, Khan A. Epidemiology of acute kidney injury in the intensive care unit. Crit Care Res Pract. 2013;2013:479730.) Estima-se que 0,8% a 59,0% dos pacientes internados na UTI necessitam de terapia renal substitutiva (TRS) em algum momento da internação.(11 Santos RP, Carvalho AR, Peres LA, Ronco C, Macedo E. An epidemiologic overview of acute kidney injury in intensive care units. Rev Assoc Med Bras (1992). 2019;65(8):1094-101.) Ainda, esses pacientes têm piores desfechos em curto e em longo prazos.(33 Ali T, Khan I, Simpson W, Prescott G, Townend J, Smith W, et al. Incidence and outcomes in acute kidney injury: a comprehensive population-based study. J Am Soc Nephrol. 2007;18(4):1292-8.) As principais modalidades de TRS utilizadas na UTI são a hemodiálise intermitente, a hemodiálise estendida e a terapia contínua (que pode ser hemodiálise contínua, hemofiltração contínua ou hemodiafiltração contínua).(44 Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract. 2012;120(4):c179-84.) Os neurocríticos e as disnatremias são as principais indicações formais para as terapias contínuas, no entanto, sob perspectiva prática, os centros que possuem a disponibilidade de terapias contínuas também as utilizam em pacientes com necessidade de drogas vasoativas, uma vez que a taxa de remoção fluída por hora é menor que nas terapias intermitentes, gerando menor instabilidade hemodinâmica.(55 Kellum JA, Lameire N, Aspelin P, Barsoum RS, Burdmann EA, Goldstein SL, et al. Kidney disease: improving global outcomes (KDIGO). KDIGO clinical practice guideline for acute kidney injury. Kidney Int Suppl. 2012;2(1):1-138.)
A pandemia pela doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) trouxe consigo a necessidade de TRS para cerca de 22% dos pacientes críticos, o que culminou em maior demanda por leitos com capacidade para ofertar TRS nas UTIs.(66 Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW, et al. Presenting characteristics, comorbidities, and outcomes among 5,700 patients hospitalized with COVID-19 in the New York City area. JAMA. 2020;323(20):2052-9.) Em virtude de facilidades operacionais e clínicas, o National Institute of Health (NIH) recomendou uso preferencial das terapias contínuas às intermitentes nesses pacientes.(77 National Institutes of Health (NIH). COVID-19 Treatment Guidelines. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), Treatment Guidelines. [Accessed 2021 Aug 29]. Available at https://www.covid19treatmentguidelines.nih.gov/
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) Isso aumentou ainda mais a demanda por profissionais capacitados e suprimentos. Nesse contexto, as ferramentas para predizer tempo em TRS se tornaram necessárias, seja por questões clínicas, seja para o planejamento dos suprimentos para a terapia.
Assim, já que os suprimentos utilizados para as terapias são diferentes entre si, bem como a necessidade de planejamento logístico para sua aquisição, uma adequada predição do timming para a transição entre as terapias (contínua para intermitente) poderia gerir melhor as alocações dos recursos das UTIs. Nesse contexto, no presente estudo, foram incluídos 480 pacientes com diagnóstico de choque séptico (dependentes de noradrenalina ≥ 0,5µg/kg/minuto) e que necessitaram de TSR contínua (Kidney Disease: Improving Global Outcomes - KDIGO ≥ 2). Os dados foram coletados retrospectivamente de uma única UTI, e o tempo de uso continuado da terapia contínua foi avaliado de acordo com número de disfunções orgânicas presente nas primeiras 72 horas de admissão. As disfunções orgânicas foram classificadas da seguinte maneira: gastrintestinal (necessidade de nutrição parenteral total); neurológica (diagnóstico de delirium avaliado por meio do Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit - CAM-ICU); respiratória (necessidade de suporte ventilatório invasivo ou não invasivo) e hematológica (necessidade de transfusão de hemoderivados). A UTI do estudo já utilizava TSR contínua como primeira escolha para pacientes com indicação clássica e naqueles que necessitam de drogas vasoativas em moderadas doses durante as sessões de diálise. Não havia, portanto, obstrução por falta de expertise ou de recursos que pudessem impactar na prescrição da terapia.
No estudo, as variáveis quantitativas foram descritas na forma de mediana e intervalo interquartílico. A comparação entre o tempo de hemodiálise contínua, em dias, e apresentar ou não cada uma das disfunções orgânicas foi realizada com o uso do teste de U de Mann-Whitney. A comparação entre o número de dias em hemodiálise contínua e a quantidade de disfunções orgânicas foi realizada com o teste de KruskalWallis, tratando o número de dias de forma categórica, sendo que a relação entre as variáveis também foi verificada com o uso da correlação de Spearman.
Individualmente, todas as disfunções orgânicas relacionaram-se com um tempo mais longo de terapia dialítica contínua (Tabela 1). Duas disfunções orgânicas estavam presentes em 6,3% dos pacientes, três disfunções em 24,6%, quatro disfunções em 36,7%, cinco disfunções em 28,5% e seis disfunções em 4,0% dos pacientes.
A figura 1 demonstra a correlação entre o número de disfunções orgânicas e o tempo mediano de terapia contínua de substituição renal. O número de disfunção orgânica se associou ao tempo em hemodiálise contínua, com correlação de Spearman de 0,81 (0,77 - 0,84).
Dias de terapia contínua de substituição renal em relação ao número de disfunções orgânicas agudas desenvolvidas nas primeiras 72 horas de admissão na unidade de terapia intensiva.
Assim, a partir dos dados obtidos, acredita-se que o número de disfunção orgânica presente nas primeiras 72 horas de admissão de pacientes portadores de choque séptico possa predizer o tempo de necessidade de TSR contínua. Embora incipiente, isso poderia ser uma ferramenta útil e prática para a organização da UTI e de seus recursos dialíticos. Embora retrospectivo, objetivouse, com este estudo, lançar as bases para auxiliar para a gestão de recursos baseada em critérios clínicos focados em nefrointensivismo.
REFERÊNCIAS
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1Santos RP, Carvalho AR, Peres LA, Ronco C, Macedo E. An epidemiologic overview of acute kidney injury in intensive care units. Rev Assoc Med Bras (1992). 2019;65(8):1094-101.
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2Case J, Khan S, Khalid R, Khan A. Epidemiology of acute kidney injury in the intensive care unit. Crit Care Res Pract. 2013;2013:479730.
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3Ali T, Khan I, Simpson W, Prescott G, Townend J, Smith W, et al. Incidence and outcomes in acute kidney injury: a comprehensive population-based study. J Am Soc Nephrol. 2007;18(4):1292-8.
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4Khwaja A. KDIGO clinical practice guidelines for acute kidney injury. Nephron Clin Pract. 2012;120(4):c179-84.
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5Kellum JA, Lameire N, Aspelin P, Barsoum RS, Burdmann EA, Goldstein SL, et al. Kidney disease: improving global outcomes (KDIGO). KDIGO clinical practice guideline for acute kidney injury. Kidney Int Suppl. 2012;2(1):1-138.
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6Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW, et al. Presenting characteristics, comorbidities, and outcomes among 5,700 patients hospitalized with COVID-19 in the New York City area. JAMA. 2020;323(20):2052-9.
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7National Institutes of Health (NIH). COVID-19 Treatment Guidelines. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), Treatment Guidelines. [Accessed 2021 Aug 29]. Available at https://www.covid19treatmentguidelines.nih.gov/
» https://www.covid19treatmentguidelines.nih.gov
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Ago 2022 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2022
Histórico
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Recebido
14 Out 2021 -
Aceito
30 Out 2021