RESUMO
Objetivo:
Avaliar os efeitos da doença crítica no status funcional de crianças de zero a 4 anos com e sem histórico de prematuridade após a alta da unidade de terapia intensiva pediátrica.
Métodos:
Estudo transversal secundário aninhado a uma coorte de caráter observacional de sobreviventes de uma unidade de terapia intensiva pediátrica. A avaliação funcional aconteceu por meio da Functional Status Scale no período de até 48 horas após a alta da unidade de terapia intensiva pediátrica.
Resultados:
Participaram do estudo 126 pacientes, sendo 75 prematuros e 51 nascidos a termo. Na comparação entre o status funcional basal e o status funcional da alta da unidade de terapia intensiva pediátrica, ambos os grupos apresentaram diferenças significativas (p < 0,001). Os pacientes prematuros apresentaram maior declínio funcional na alta da unidade de terapia intensiva pediátrica (61%). Nos pacientes nascidos a termo, houve correlação significativa entre Pediatric Index of Mortality, tempo de sedação, tempo de ventilação mecânica e tempo de internação com os desfechos funcionais (p = 0,05).
Conclusão:
A maior parte dos pacientes estudados apresentou declínio funcional na alta da unidade de terapia intensiva pediátrica. Apesar de os pacientes prematuros apresentarem maior declínio funcional na alta, os pacientes nascidos a termo apresentaram influência do tempo de sedação e do tempo de uso de ventilação mecânica nos seus status funcionais.
Descritores:
Recém-nascido prematuro; Morbidade; Criança hospitalizada; Estado funcional; Unidades de terapia intensiva pediátrica
ABSTRACT
Objective:
To evaluate the effects of critical illness on the functional status of children aged zero to 4 years with or without a history of prematurity after discharge from the pediatric intensive care unit.
Methods:
This was a secondary cross-sectional study nested in an observational cohort of survivors from a pediatric intensive care unit. Functional assessment was performed using the Functional Status Scale within 48 hours after discharge from the pediatric intensive care unit.
Results:
A total of 126 patients participated in the study, 75 of whom were premature, and 51 of whom were born at term. Comparing the baseline and functional status at pediatric intensive care unit discharge, both groups showed significant differences (p < 0.001). Preterm patients exhibited greater functional decline at discharge from the pediatric intensive care unit (61%). Among patients born at term, there was a significant correlation between the Pediatric Index of Mortality, duration of sedation, duration of mechanical ventilation and length of hospital stay with the functional outcomes (p = 0.05).
Conclusion:
Most patients showed a functional decline at discharge from the pediatric intensive care unit. Although preterm patients had a greater functional decline at discharge, sedation and mechanical ventilation duration influenced functional status among patients born at term.
Keywords:
Premature; Morbidity; Child; hospitalized; Intensive care units; pediatric; Functional status
INTRODUÇÃO
A prematuridade tem sido reportada como uma das comorbidades mais importantes relacionadas às doenças crônicas, às consultas recorrentes e às admissões hospitalares pediátricas.(11 Delnord M, Zeitlin J. Epidemiology of late preterm and early term births - An international perspective. Semin Fetal Neonatal Med. 2019;24(1):3-10.)
Considerada um desafio de saúde pública, está associada a um estágio primitivo do desenvolvimento pulmonar e a um maior risco de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e dificuldades de aprendizagem e/ou comportamento na primeira infância.(11 Delnord M, Zeitlin J. Epidemiology of late preterm and early term births - An international perspective. Semin Fetal Neonatal Med. 2019;24(1):3-10.)
Atualmente, a sobrevida considerável dos nascidos prematuros tem trazido aos profissionais de saúde e pesquisadores novas preocupações e destacado a necessidade de novos indicadores de saúde para essa população de sobreviventes.(22 Namachivayam P, Shann F, Shekerdemian L, Taylor A, van Sloten I, Delzoppo C, et al. Three decades of pediatric intensive care: who was admitted, what happened in intensive care, and what happened afterward. Pediatr Crit Care Med. 2010;11(5):549-55.) Sendo assim, a avaliação do status funcional de crianças com histórico de prematuridade após doença crítica tornou-se um recurso importante para a melhora da qualidade da assistência desses pacientes.(33 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.)
A Functional Status Scale (FSS) é um dos poucos instrumentos validados para a população brasileira destinado a mensurar a funcionalidade de crianças hospitalizadas após doença crítica.(44 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS, Normann TC, Rosa NV, Ricachinevsky CP, et al. Functional Status Scale: cross-cultural adaptation and validation in Brazil. Pediatr Crit Care Med. 2019;20(10):e457-63.) Além disso, destaca-se por ser um metódo quantitativo, rápido e de fácil aplicação, que abrange a faixa etária de recém-nascidos até 18 anos.(33 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.)
Este estudo tem como objetivo avaliar os efeitos da doença crítica no status funcional de pacientes com e sem histórico de prematuridade egressos da unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica por meio da FSS. E além disso, verificar a relação entre os status funcionais dessa crianças na alta da UTI pediátrica com o Pediatric Index of Mortality (PIM2), o tempo de ventilação, o tempo de sedação e o tempo de internação.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal secundário aninhado a uma coorte de caráter observacional de sobreviventes de uma UTI pediátrica terciária admitidos no período de setembro de 2016 a outubro de 2017.
Os dados utilizados neste trabalho foram extraídos do banco de dados de estudo original previamente submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre sob parecer 2.646.290. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos responsáveis para a permissão da coleta dos dados.
Foram selecionados da amostra do estudo original todos os pacientes clínicos e cirúrgicos, exceto trauma e cirurgia cardíaca, com até 4 anos de idade.(55 Dannenberg VC, Borba GC, Rovedder PM, Carvalho PR. Poor functional outcomes in pediatric intensive care survivors in brazil: prevalence and associated factors. J Pediatr Intensive Care. 2021;10.) Portanto, o presente estudo contou com amostra de 126 pacientes: 75 com histórico de prematuridade e 51 nascidos a termo. Foram excluídos do estudo crianças com tempo de internação < 24 horas, readmissões na UTI pediátrica em período < 48 horas, crianças em cuidados paliativos, crianças nascidas a termo com condições crônicas prévias, pacientes transferidos da UTI neonatal e pacientes com idade corrigida inferior a 1 mês de vida. Como dependência tecnológica, foi considerado o uso de tecnologias relacionadas à alimentação (sonda nasogástrica, sonda enteral e gastrostomia) e à respiração (dependência de oxigênio, traqueostomia, ventilação não invasiva e suporte ventilatório mecânico invasivo).
A coleta de dados do estudo original foi realizada por dois pesquisadores. O primeiro pesquisador selecionou os pacientes, aplicou o Termo de Consentimento e coletou informações prévias à admissão sobre o status funcional. As informações referentes ao período de internação na UTI pediátrica foram coletadas, via prontuário eletrônico, pelo mesmo pesquisador. O segundo pesquisador, cegado para as informações demográficas e clínicas dos pacientes, realizou a avaliação do status funcional dos sobreviventes da UTI pediátrica no período de até 48 horas após a alta daquela unidade.
A avaliação da funcionalidade foi realizada pela FSS, que é composta por seis domínios que incluem: estado mental (1), funcionamento sensorial (2), comunicação (3), funcionamento motor (4), alimentação (5) e estado respiratório (6). Para cada domínio, é utilizada uma pontuação que varia de um a seis, sendo um considerado bom/adequado e seis disfunção muito grave. A soma total das pontuações dos domínios gera um escore que varia de 6 a 30 pontos, apresentando a seguinte classificação: 6 - 7 adequado, 8 - 9 levemente anormal, 10 - 15 moderadamente anormal, 16 - 21 severamente anormal. Quanto maior a pontuação, maior o comprometimento funcional do paciente.
Foi calculado o poder para testar duas proporções independentes utilizando a ferramenta Power and Sample Size for Health Researchers (PSS Health) versão on-line. Consideraram-se nível de significância de 5%, proporções do desfecho de 48% e 76%, tamanho amostral de 51 e 75 nos grupos de nascimento a termo e prematuro, respectivamente, tendo sido aplicada correção de continuidade e chegando-se a um poder de 86,3%.
Análise estatística
As variáveis quantitativas foram testadas quanto a normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk e descritas em mediana e amplitude interquartil 25-75, de acordo com a distribuição. A amostra total foi dividida em dois grupos, conforme a idade gestacional (IG), em prematuros (IG < 37 semanas) e nascidos a termo, e a comparação entre os grupos foi realizada por meio do teste de qui-quadrado de Pearson, do teste exato de Fisher, da correção de continuidade de Yates, ou do teste U de Mann-Whitney. Para verificar diferenças entre os status funcionais nos dois momentos, utilizou-se o teste de Wilcoxon. O teste de correlação de Spearman foi utilizado para verificar o grau de correlação entre as variáveis clínicas e o status funcional na alta da UTI pediátrica.
Devido ao tamanho da amostra, para fins de análise estatística, os pacientes classificados com status funcional severamente anormal e muito severamente anormal foram considerados no mesmo grupo, sendo descrito como “severamente/muito severamente anormal”.
Os pacientes que apresentaram aumento na soma total dos domínios da escala FSS suficiente para alterar sua condição funcional foram classificados com desfecho funcional alterado.
As análises foram realizadas no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 21.0. com limiar de significância estatística de 5% (p ≤ 0,05).
RESULTADOS
Ocorreram 615 admissões na UTI pediátrica durante o período de coletas e, originalmente, foram selecionados 303 pacientes (Figura 1). Após serem aplicados os critérios de exclusão, a amostra total do presente estudo contou com 126 pacientes, 75 prematuros e 51 nascidos a termo.
As alterações respiratórias foram o principal motivo de admissão na UTI pediátrica (58%), representando quase metade dos prematuros (48%) e 72% dos nascidos a termo (Tabela 1).
Características gerais da amostra e associação entre variáveis e grupos (prematuros e nascidos a termo)
Na comparação entre prematuros e nascidos a termo, observaram-se diferenças significativas quanto à idade no momento da admissão, peso ao nascimento, uso de tecnologia prévia à admissão e internações hospitalares prévias (p < 0,05). Os pacientes prematuros também apresentaram maior gravidade da doença no momento da admissão, representada pelo PIM2 (p = 0,02).
Na alta da UTI pediátrica, o número de pacientes dependentes de tecnologia, de maneira geral, apresentou aumento significativo (p < 0,001). O percentual de prematuros que necessitou de suporte tecnológico na alta da UTI pediátrica foi de 87%, representando aumento de 28% (p < 0,001). Um aumento ainda maior na necessidade de suporte tecnológico na alta da UTI pediátrica ocorreu no grupo de pacientes nascidos a termo (78%), visto que, previamente à admissão, nenhum paciente nascido a termo necessitava de suporte tecnológico. Na alta hospitalar, verificou-se que, no grupo de pacientes nascidos a termo, 43% utilizaram mais de um tipo de tecnologia (Tabela 1).
Com relação ao status funcional, 72% do total de pacientes apresentou declínio funcional na alta da UTI pediátrica, 81% dos prematuros e 59% dos nascidos a termo (p = 0,01). Ambos os grupos apresentaram alterações funcionais significativas na alta (p < 0,001) (Figura 2). Quarenta e dois (56%) prematuros apresentaram alteração moderada do status funcional e 13 (17%) alterações funcionais severas/ muito severas na alta da UTI pediátrica, representando aumento de 61% de pacientes com alterações moderadas a muito severas, comparado à admissão. Quanto ao grupo de nascidos a termo, também observou-se um aumento de pacientes com alterações funcionais moderadas a muito severas que, apesar de em menor magnitude (12%), também foi significativo (p < 0,001).
Comparação entre o status funcional basal e na alta da unidade de terapia intensiva pediátrica medido pela Functional Status Scale em pacientes prematuros e nascidos a termo.
Ao serem comparados quanto ao status funcional, os pacientes prematuros e os nascidos a termo apresentaram diferenças significativas entre si (p < 0,001) (Tabela 2). Na admissão, 55% dos pacientes prematuros já apresentava alterações leves ou moderadas do status funcional, enquanto somente 4% dos nascidos a termo foram classificados com alguma alteração funcional. Na alta da UTI pediátrica, o número de pacientes com alterações funcionais aumentou significativamente em ambos os grupos (p < 0,001); 17% dos prematuros e 4% dos nascidos a termo apresentaram alterações funcionais severas/ muito severas.
Comparação entre o status funcional de crianças com nascimento prematuro e a termo antes e após a doença crítica
Ao correlacionar as variáveis clínicas com o desfecho funcional, observou-se uma correlação significativa (p = 0,04), porém fraca (ρ = 0,23) entre a idade no momento da admissão e o desfecho funcional dos pacientes prematuros (Tabela 3). No grupo de pacientes nascidos a termo, houve correlação significativa entre PIM2, tempo de sedação, tempo de ventilação mecânica (VM) e tempo de internação com os desfechos funcionais (p = 0,05). O tempo de sedação e o tempo de VM apresentaram correlação moderada com o desfecho funcional dos pacientes nascidos a termo, ρ = 0,48 e ρ = 0,54, respectivamente, indicando que quanto maior o tempo de uso de sedativos e VM durante a internação na UTI pediátrica maiores os prejuízos funcionais para o grupo de pacientes nascidos a termo.
Correlação entre variáveis clínicas e desfecho funcional na alta da unidade de terapia intensiva pediátrica
DISCUSSÃO
No presente estudo, a taxa de declínio funcional total, considerando ambos os grupos de pacientes, foi de 72%. Além disso, ambos os grupos apresentaram alterações significativas do status funcional no momento da alta da UTI pediátrica (p < 0,001). No entanto, os pacientes prematuros apresentaram maior porcentagem de declínio funcional (81%) quando comparados aos nascidos a termo (59%) (p = 0,01). Não foram encontrados, na literatura, outros estudos que comparassem os status funcionais dos pacientes com histórico de prematuridade com os nascidos a termo após doença crítica e que considerassem medidas de status funcionais basais e no momento da alta da UTI pediátrica. Acredita-se que esses achados possam trazer informações de base para estudos futuros e assim contribuir para um melhor entendimento dos desfechos funcionais de pacientes pediátricos sobreviventes de doenças críticas.
Taxas de declínio funcional semelhantes às encontradas neste estudo foram reportadas por estudos prévios desenvolvidos na mesma UTI pediátrica. Alievi et al. avaliaram o impacto da internação em UTI pediátrica sobre o desempenho cognitivo e funcional em 433 crianças por meio da aplicação das escalas Pediatric Overall Performance Category (POPC) e Pediatric Cerebral Performance Category (PCPC) na admissão e na alta. Neste estudo, os autores verificaram que, na alta, 60% das crianças apresentavam algum grau de morbidade cognitiva, e, em 86%, algum grau de morbidade funcional.(66 Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. Impacto da internação em unidade de terapia intensiva pediátrica: avaliação por meio de escalas de desempenho cognitivo e global. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.) Outro estudo que avaliou a funcionalidade por meio da FSS de 50 crianças após a alta da UTI pediátrica encontrou algum grau de alteração nos domínios da FSS em 82% dos pacientes.(77 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4): 460-5.) Ao comparar a prevalência de declínio funcional encontrada no presente estudo com os dados reportados em pesquisas desenvolvidas em UTIs pediátricas de outros países, a prevalência de declínio funcional em nossa unidade é maior. A prevalência de declínio funcional na alta reportada pela literatura internacional varia entre 5,2 - 36%.(88 Bone MF, Feinglass JM, Goodman DM. Risk factors for acquiring functional and cognitive disabilities during admission to a PICU. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(7):640-8.
9 Pinto NP, Rhinesmith EW, Kim TY, Ladner PH, Pollack MM. Long-term function after pediatric critical illness: results from the survivor outcomes study. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(3):e122-30.-1010 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.) Acredita-se que essa diferenças na prevalência de declínio funcional entres os diferentes estudos possa ser explicada pelo instrumento de avaliação utilizado e/ou pelas características e recursos disponíveis em cada UTI pediátrica.(1111 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional outcomes and physical impairments in pediatric critical care survivors: a scoping review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.)
Identificaram-se, neste estudo, maior porcentagem de declínio funcional (81%) nos pacientes com histórico de prematuridade em relação aos nascidos a termo (59%) e aumento mais evidente (61%) de alterações funcionais moderadas a muito severas no grupo de prematuros, quando comparado aos nascidos a termo (12%). Essa maior taxa de declínio funcional pode ser explicada pelo fato de que, historicamente, os pacientes prematuros apresentam maior índice de hospitalizações durante o primeiro ano de vida do que os pacientes nascidos a termo.(1111 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional outcomes and physical impairments in pediatric critical care survivors: a scoping review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.) Além disso, crianças nascidas pré-termo tendem a apresentar diferenças significativas no crescimento e neurodesenvolvimento quando comparadas às nascidas a termo.(1212 Vrijlandt EJ, Kerstjens JM, Duiverman EJ, Bos AF, Reijneveld SA. Moderately preterm children have more respiratory problems during their first 5 years of life than children born full term. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187(11):1234-40.,1313 Barker DJ. In utero programming of chronic disease. Clin Sci (Lond). 1998;95(2):115-28.) Nesse sentido, estudo desenvolvido na Suécia, que acompanhou uma coorte de prematuros por 45 anos, reportou que baixa IG ao nascimento estava relacionada com o aumento de mortalidade da infância até a idade adulta.(1414 Blencowe H, Lee AC, Cousens S, Bahalim A, Narwal R, Zhong N, et al. Preterm birth-associated neurodevelopmental impairment estimates at regional and global levels for 2010. Pediatr Res. 2013;74 Suppl 1:17-34.) Da mesma forma, Blencowe et al. forneceram evidências sobre as origens das doenças crônicas no início da vida com suporte na teoria das origens do desenvolvimento.(1212 Vrijlandt EJ, Kerstjens JM, Duiverman EJ, Bos AF, Reijneveld SA. Moderately preterm children have more respiratory problems during their first 5 years of life than children born full term. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187(11):1234-40.) Então, acredita-se que em nosso estudo, a maior porcentagem de declínio funcional encontrada no grupo de prematuros possa ser argumentada pela evidência de que a prematuridade é considerada um fator de risco para piores condições de saúde.(1414 Blencowe H, Lee AC, Cousens S, Bahalim A, Narwal R, Zhong N, et al. Preterm birth-associated neurodevelopmental impairment estimates at regional and global levels for 2010. Pediatr Res. 2013;74 Suppl 1:17-34.)
Ao analisar a influência dos desfechos clínicos com as variáveis funcionais, verificou-se que os status funcionais dos pacientes nascidos a termo no momento da alta apresentaram correlação moderada com o tempo de sedação (ρ = 0,48; p < 0,001) e tempo de uso de VM (ρ = 0,54; p < 0.001), indicando que, quanto maior o tempo de uso de sedativos e VM durante a internação na UTI pediátrica, maiores os prejuízos funcionais para o grupo de pacientes nascidos a termo. Na literatura, períodos mais prolongados de VM são associados a maiores chances de declínio funcional na alta da UTI pediátrica.(66 Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. Impacto da internação em unidade de terapia intensiva pediátrica: avaliação por meio de escalas de desempenho cognitivo e global. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.,88 Bone MF, Feinglass JM, Goodman DM. Risk factors for acquiring functional and cognitive disabilities during admission to a PICU. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(7):640-8.,99 Pinto NP, Rhinesmith EW, Kim TY, Ladner PH, Pollack MM. Long-term function after pediatric critical illness: results from the survivor outcomes study. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(3):e122-30.) Sabe-se que o suporte de VM é essencial para garantir sobrevivência em situações inerentes à terapia intensiva pediátrica e que, para que seja utilizada, a criança normalmente encontra-se sob efeito de medicações sedativas e analgésicas.(1515 Carvalho CG, Silveira RC, Procianoy RS. Lesão pulmonar induzida pela ventilação em recém-nascidos prematuros. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(4):319-26.) Assim, acredita-se que a correlação entre uso de VM e sedativos com maior declínio funcional encontrada nos pacientes nascidos a termo possa estar relacionada com perda de força muscular secundária a períodos de maior imobilização e restrição ao leito. Os efeitos do imobilismo prolongado, como um dos principais causadores de fraqueza muscular adquirida, já são reportados em pacientes adultos de terapia intensiva.(1616 Hartley P, Costello P, Fenner R, Gibbins N, Quinn É, Kuhn I, et al. Change in skeletal muscle associated with unplanned hospital admissions in adult patients: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2019; 14(1):e0210186.) No entanto, em pediatria, os efeitos da perda de massa muscular não são claros, devido à dificuldade na implantação de métodos padronizados para avaliar a força muscular em crianças.(1717 Valla FV, Young DK, Rabilloud M, Periasami U, John M, Baudin F, et al. Thigh ultrasound monitoring identifies decreases in quadriceps femoris thickness as a frequent observation in critically ill children. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(8):e339-47.) Valla et al. (1717 Valla FV, Young DK, Rabilloud M, Periasami U, John M, Baudin F, et al. Thigh ultrasound monitoring identifies decreases in quadriceps femoris thickness as a frequent observation in critically ill children. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(8):e339-47.) em um dos poucos estudos que avaliaram força muscular em pacientes pediátricos críticos, verificaram, em 17 crianças submetidas à VM, que a espessura do músculo quadríceps femoral diminuiu consideravelmente em 9,8% após 5 dias de internação. Esses achados destacam a importância da aplicação de protocolos de mobilização precoce, conforme a estabilização clínica e hemodinâmica do paciente, no intuito de evitar prejuízos funcionais, conforme o que vem sendo discutido em estudos prévios.(1818 Choong K, Fraser D, Al-Harbi S, Borham A, Cameron J, Cameron S, et al. Functional recovery in critically ill children, the “WeeCover” Multicenter Study. Pediatr Crit Care Med. 2018;19(2):145-54.)
Doenças respiratórias, de maneira geral, são um dos principais fatores associados à hospitalização nos primeiros 6 anos de vida.(1919 Silva VL, França GV, Santos IS, Barros FC, Matijasevich A. Características e fatores associados à hospitalização nos primeiros anos de vida: coorte de nascimentos de Pelotas de 2004, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2017;33(10):e00035716.) Assim, acreditamos que a correlação significativa entre declínio funcional, uso de VM e sedativos encontrada em nosso estudo também possa estar relacionada ao perfil dos pacientes , visto que a maioria das admissões ocorridas nesta UTI pediátrica aconteceram por alterações respiratórias. Estudos prévios realizados na mesma UTI pediátrica também reportaram como causas mais frequentes de admissão as alterações respiratórias (40% e 43%).(55 Dannenberg VC, Borba GC, Rovedder PM, Carvalho PR. Poor functional outcomes in pediatric intensive care survivors in brazil: prevalence and associated factors. J Pediatr Intensive Care. 2021;10.,77 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4): 460-5.)
Neste estudo, os desfechos clínicos avaliados (tempo de VM, de sedação e de internação) não mostraram relação significativa com o status funcional no grupo de pacientes com histórico de prematuridade. Acredita-se que esse resultado possa ser explicado possivelmente pelo fato de que mais da metade dos pacientes prematuros (57%) já necessitava de algum tipo de tecnologia na admissão e, portanto, alguma alteração funcional prévia. Além disso, quando comparados aos pacientes nascidos a termo, os pacientes prematuros além de apresentarem diferenças significativas quanto à idade no momento da admissão, ao peso ao nascimento e a internações hospitalares prévias (p < 0,05), também apresentaram maior gravidade da doença no momento da admissão (p = 0,02). Acredita-se que esses fatores se complementam, visto que fatores como a idade da primeira hospitalização, o número de hospitalizações anteriores, a gravidade da doença e as condições socioambientais são considerados fatores de risco para hospitalizações repetidas.(1919 Silva VL, França GV, Santos IS, Barros FC, Matijasevich A. Características e fatores associados à hospitalização nos primeiros anos de vida: coorte de nascimentos de Pelotas de 2004, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2017;33(10):e00035716.) E que, além disso, crianças nascidas prematuras e com baixo peso apresentam razão de chances de hospitalização quase três vezes maior quando comparando a crianças nascidas a termo e com peso adequado durante o primeiro ano de vida.(1919 Silva VL, França GV, Santos IS, Barros FC, Matijasevich A. Características e fatores associados à hospitalização nos primeiros anos de vida: coorte de nascimentos de Pelotas de 2004, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2017;33(10):e00035716.)
O presente estudo apresenta algumas limitações, como, por exemplo, o fato de ser uma análise de dados secundária, o que acabou limitando o tamanho desta amostra. Além disso, os dados são referentes aos pacientes de um único centro, impedindo a generalização dos achados. Porém, existem somente dois estudos brasileiros investigando os status funcionais dos pacientes após a alta da UTI pediátrica que considerem as medidas de status funcional basal.(55 Dannenberg VC, Borba GC, Rovedder PM, Carvalho PR. Poor functional outcomes in pediatric intensive care survivors in brazil: prevalence and associated factors. J Pediatr Intensive Care. 2021;10.,77 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4): 460-5.)
Além disso, não foram encontrados outros estudos que comparassem os status funcionais dos pacientes com histórico de prematuridade com os nascidos a termo após o episódio de doença crítica.
CONCLUSÃO
A maior parte dos pacientes estudados apresentou declínio funcional no momento da alta da unidade de terapia intensiva pediátrica. Os pacientes nascidos a termo demonstraram sofrer influência do tempo de sedação e do tempo de uso de ventilação mecânica nos seus status funcionais, o que não ocorreu nos prematuros. Quanto à dependência prévia de tecnologias em saúde, os pacientes nascidos a termo não necessitavam de suporte tecnológico prévio à admissão, diferentemente do grupo de prematuros. De maneira geral, na alta da unidade de terapia intensiva pediátrica, o número de pacientes dependentes de tecnologia apresentou aumento significativo.
REFERÊNCIAS
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3Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.
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4Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS, Normann TC, Rosa NV, Ricachinevsky CP, et al. Functional Status Scale: cross-cultural adaptation and validation in Brazil. Pediatr Crit Care Med. 2019;20(10):e457-63.
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6Alievi PT, Carvalho PR, Trotta EA, Mombelli Filho R. Impacto da internação em unidade de terapia intensiva pediátrica: avaliação por meio de escalas de desempenho cognitivo e global. J Pediatr (Rio J). 2007;83(6):505-11.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2022
Histórico
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Recebido
26 Out 2021 -
Aceito
27 Ago 2022